Parecer CGJ/SP (375/2019-E): CARTA DE SENTENÇA NOTARIAL. NATUREZA JURÍDICA DE ATA NOTARIAL. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA LEGAL PARA SUA EXPEDIÇÃO PELO OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS

PROCESSO Nº 2013/39867

Espécie: PROCESSO
Número: 2013/39867
Comarca: CAPITAL

PROCESSO Nº 2013/39867 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

(375/2019-E) – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

CARTA DE SENTENÇA NOTARIAL. NATUREZA JURÍDICA DE ATA NOTARIAL. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA LEGAL PARA SUA EXPEDIÇÃO PELO OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS.

Trata-se de solicitação da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo – ARPEN/SP no sentido da confirmação da competência legal dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo para expedição de Carta de Sentença Notarial (a fls. 94/106 e 129/132).

O Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo apresentou manifestação contrária à compreensão da associação requerente (a fls. 114/123).

É o breve relatório.

No Estado de São Paulo, os Srs. Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais têm atribuições notariais nos termos do artigo 6º, da Lei Estadual n. 8.406/64 (com redação alterada pelo artigo 1º, da Lei Estadual n. 4.225/84), combinado com o artigo 52 da Lei Federal n. 8.935/94. Lei Estadual n. 8.406/64, artigo 6º:

Artigo 6.° – Os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais têm competência para reconhecer firmas, lavrar procurações e autenticar documentos públicos e particulares. Lei Federal n. 8.935/94, artigo 52:

Art. 52. Nas unidades federativas onde já existia lei estadual específica, em vigor na data de publicação desta lei, são competentes para a lavratura de instrumentos traslatícios de direitos reais, procurações, reconhecimento de firmas e autenticação de cópia reprográfica os serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais.

A Carta de Sentença Notarial está prevista no item 213, do capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral, nos seguintes termos:

213. O Tabelião de Notas poderá, a pedido da parte interessada, formar cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, nos moldes da regulamentação do correspondente serviço judicial.

213.1. As peças instrutórias das cartas de sentença deverão ser extraídas dos autos judiciais originais, ou do processo judicial eletrônico, conforme o caso.

213.2. As cópias deverão ser autenticadas e autuadas, com termo de abertura e termo de encerramento, numeradas e rubricadas, de modo a assegurar ao executor da ordem ou ao destinatário do título não ter havido acréscimo, subtração ou substituição de peças.

213.3. O termo de abertura deverá conter a relação dos documentos autuados, e o termo de encerramento informará o número de páginas da carta de sentença. Ambos serão considerados como uma única certidão para fins de cobrança de emolumentos.

213.4. O tabelião fará a autenticação de cada cópia extraída dos autos do processo judicial, atendidos os requisitos referentes à prática desse ato, incluídas a aposição de selo de autenticidade e cobrança dos emolumentos.

213.5. A carta de sentença deverá ser formalizada no prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados da solicitação do interessado e da entrega dos autos originais do processo judicial, ou do acesso ao processo judicial eletrônico.

As atribuições notariais dos Srs. Oficiais de Registro Civil no Estado de São Paulo contam com expresso limite legal para “reconhecer firmas, lavrar procurações e autenticar documentos públicos e particulares”.

Portanto, são titulares da competência legal para autenticação de documentos, mas não para lavraturas de atas notariais (v. artigos 7º, inciso V, e artigo 6º, inciso III, da Lei n. 8.935/94).

A solução da questão posta, conforme tratado pelos cultos representantes da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo e do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, passa pela natureza jurídica dos atos notariais realizados para expedição da Carta de Sentença Notarial.

Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado de direito notarial e registral. São Paulo: VFK, 2017, p. 1.115) ao tratarem da autenticação de cópias de documentos, referem:

De outro modo, a autenticação de cópias consiste em espécie de ato notarial que tem por finalidade precípua declarar que a cópia de um determinado documento é fiel e, portanto, corresponde com exatidão ao documento original.

(…)

A atuação do notário, nesse caso, é afirmar como verdadeira a cópia de um documento original, tornando-a perfeita e autêntica.

Paulo Roberto Gaiger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues (Tabelionato de notas II. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 52) expõem a noção da ata notarial nos seguintes termos:

Ata notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido da parte interessada, constatada fielmente fatos, coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência ou o seu estado.

(…)

Na ata notarial, o tabelião escreve a narrativa dos fatos ou materializa em forma narrativa tudo o que presencia ou presenciou, vendo e ouvindo com seus próprios sentidos. A partir disso, lavra um instrumento qualificado com a fé legal e mesma força probante da escritura pública.

Na autenticação de cópias, a atividade notarial é limitada ao conhecimento do documento e a declaração de conformidade da cópia frente ao original.

A expedição da Carta de Sentença Notarial vai além, porquanto a atividade notarial exercida envolve o exame do processo em sua totalidade enquanto fato, daí a necessidade da lavratura dos termos de abertura e enceramento “de modo a assegurar ao executor da ordem ou ao destinatário do título não ter havido acréscimo, subtração ou substituição de peças”, consoante estabelecido pelos itens 213.2 e 213.3, do capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral.

A realização de cópia integral do processo e a certificação de sua autenticidade frente ao original, no âmbito da autenticação de cópia de documento, não é uma Carta de Sentença Notarial.

A Carta de Sentença Notarial depende da certificação com fé pública do exame do processo judicial e da constatação a partir do exame dos fatos jurídicos documentados do cabimento da expedição daquela.

Não fosse assim, o mero conjunto de cópias autenticadas no exercício da função notarial, independentemente de qualquer termo ou constatação, seria passível de qualificação jurídica como Carta de Sentença Notarial, o que não acontece.

Nessa perspectiva, ainda que na Carta de Sentença Notarial haja “a autenticação de cada cópia extraída dos autos do processo judicial” a atuação notarial não se exaure nisso, por depender da constatação do processo judicial desde a análise de seu conteúdo, enquanto fato, com a lavratura de termos, cuja natureza jurídica é de ata notarial.

Os termos de abertura e encerramento da Carta de Sentença Notarial não têm pertinência com a autenticação das cópias das peças processuais e sim com a constatação de circunstâncias presenciadas pelo notário por meio da percepção do conteúdo do conjunto dos autos do processo judicial.

A esta altura é possível afirmar que a Carta de Sentença Notarial tem natureza jurídica de ata notarial e de certificação da conformidade das cópias juntadas aos documentos originais.

Desse modo, não há competência legal para expedição de Carta de Sentença Notarial pelos Srs. Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Essa compreensão foi objeto de decisão unanime do C. Conselho Superior da Magistratura em sua composição atual, como constou do voto de Vossa Excelência na Apelação Cível n. 1008152-15.2016.8.26.0566, j. 25.10.2018, como segue:

E não se acolhe a alegação recursal, no sentido de que, tanto o Registrador Civil de Pessoas Naturais, como o Tabelião de Notas têm competência para autenticação de documentos. A formação de carta de sentença não se confunde com autenticação de documentos.

A autenticação consiste em atribuição na qual o Tabelião de Notas confere a uma cópia a validade do documento original reproduzido, para determinadas finalidades, dando fé pública de que se trata de cópia fiel e idêntica ao documento original.

Já a formação de carta de sentença abrange competência mais ampla, quando o Tabelião não apenas dá fé pública quanto à fidelidade das cópias em relação aos originais, mas também de que aqueles documentos foram extraídos de autos que tramitaram perante o Poder Judiciário, assim como de que as respectivas decisões também foram prolatadas pela autoridade judicial indicada nos documentos.

Por essas razões, diante da expressa previsão legal e normativa, agiu corretamente o Oficial Imobiliário ao negar ingresso do título protocolado.

Ante ao exposto, o parecer que respeitosamente submetemos ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido da ausência de atribuição para expedição de Carta de Sentença Notarial pelos Srs. Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Sub Censura.

São Paulo, 24 de julho de 2019.

(a) Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer dos MM Juízes Assessores da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, decido, com força normativa, pela ausência de atribuição dos Srs. Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo para a expedição de Carta de Sentença Notarial. Encaminhe-se cópia do parecer aos Dignos Senhores Presidentes da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo – ARPEN/SP e do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo. Publique-se o parecer e esta decisão no DJE em três dias alternados. São Paulo, 24 de julho de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: DJe/SP de 30.07.2019

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CSM/SP: Dúvida de registro – Arrematação – Cancelamento indireto das indisponibilidades – Modo de privilegiar a facilitação do tráfego jurídico – Precedentes – 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”) – 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público – 3. Improcedência da dúvida.

APELAÇÃO CÍVEL nº 1042254-27.2017.8.26.0114

APELANTE: JPGC ADMINISTRADORA LTDA.

APELADO: 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS

COMARCA: CAMPINAS

VOTO Nº 45.957

Dúvida de registro – Arrematação – Cancelamento indireto das indisponibilidades – Modo de privilegiar a facilitação do tráfego jurídico – Precedentes – 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”) – 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público – 3. Improcedência da dúvida.

1. JPGC Administradora Ltda. interpôs apelação contra sentença que, julgando procedente dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de Campinas, obstou ao registro stricto sensu de compra e venda celebrada por escritura pública.

A apelante alega que para o registro dessa compra e venda não é necessário o prévio cancelamento de indisponibilidades. No seu entender, essas averbações não têm mais nenhuma eficácia, já que são todas anteriores à arrematação do imóvel pelo ora vendedor, em hasta pública.

2. Razão assiste a apelante.

Conquanto fosse respeitável o entendimento do eminente Desembargador Relator que votava pela improcedência do apelo , deve-se reconhecer que ao longo de anos a jurisprudência deste Conselho já veio abrigando, em decisões reiteradas, a tese sustentada pelo recorrente. Ou seja: depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta realmente perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”).

Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido (CSMSP, Apelação Cível 100157093.2016.8.26.0664, Rel. Des. Pereira Calças, j. 19.12.2017)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido (CSMSP, Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309, Rel. Des. Pereira Calças, j. 14.03.2017).

Ressalto que a questão é tormentosa.

Eu mesmo, em caso análogo (isto é, no primeiro julgamento da Apel. Cív. 0019371-42.2013.8.26.0309, em 27.01.2015, sob a relatoria do Desembargador Elliot Akel), tive a oportunidade de proferir voto pela procedência da dúvida. É que, em tal oportunidade, a jurisprudência mais recente deste Conselho ainda não se havia consolidado em favor do cancelamento indireto das indisponibilidades, depois da arrematação.

Contudo, verifico agora que é caso de prestigiar o entendimento contrário, que se veio consolidando desde então, em particular depois do julgamento das Apelações Cíveis 1077741-71.2015.8.26.0100, em 20.05.2016, e 0023897-25.2015.8.26.0554, em 15.09.2016. Esse modo de decidir, afinal, se resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público.

Além disso, esse reiterado entendimento do Conselho, de um lado, não faz mais que tornar presente a segura lição de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 184, g. n.):

Assim como a constituição de direitos reais por atos entre vivos se dá pela inscrição, a extinção desses direitos se opera pelo cancelamento, que é a inscrição negativa. A não ser por esse modo direto, a extinção dos direitos reais imobiliários dá-se também por modo indireto, isto é, por transferência desses direitos a outra pessoa, quando então aparece como a face negativa da aquisição desta. Nesse modo indireto a inscrição subsequente é naturalmente extintiva da antecedente, desempenhando assim o papel do cancelamento.

E, de outro lado, esse mesmo entendimento recupera a melhor tradição de nossa jurisprudência administrativa:

“… o registro de arrematação não reclama o cancelamento direto e autônomo de registro das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova. Isso se dá porque a arrematação tem força extintiva das onerações pessoais e até mesmo das reais (cfr. Artigo 251 II, Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973; Afrânio de Carvalho, op. cit., pág. 83), e de extinção do direito é que deriva a admissão de cancelamento do registro que lhe corresponda (RIFA SOLER, “La anotación preventiva de embargo, 1983, págs. 510 ss.). O vínculo da penhora traslada-se para o preço da aquisição, sobre o qual concorrem os credores (LOPES DA COSTA, com apoio em DIDIMODA VEIGA e CARVALHO SANTOS, “Direito Processual Civil Brasileiro, 1947, IV, pág. 169).

Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo, salvo quanto à hipoteca, em vista da necessidade de qualificar-se pelo registrador a ocorrência que não é automática da causa extintiva segundo prescreve o artigo 251 II, Lei n.º 6.015, citada.” (Apelação Cível n. 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, ocorrido em 24.2.1992).

Enfim: já por privilegiar a facilitação do tráfego jurídico, já por assentar-se na linha do que reiteradamente vem decidindo este Conselho, a tese da apelação deve ser prestigiada, para que, dando-se provimento ao recurso, seja afastada a dúvida e se faça a inscrição pretendida.

3. Ante o exposto, voto pela improcedência da dúvida, para se proceda ao registro stricto sensu, como rogado.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Vice-Presidente

Relator Designado

Fonte: INR Publicações

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Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de instrumento de dissolução de sociedade em regime de liquidação extrajudicial – Indisponibilidade dos bens de um dos sócios, decretada em ação trabalhista movida contra pessoa jurídica distinta – Possibilidade, por serem a dissolução, a liquidação e a partilha fases distintas do procedimento que leva à extinção da pessoa jurídica – Recurso provido.

Número do processo: 1011485-78.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 103

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1011485-78.2017.8.26.0100

(103/2018-E)

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de instrumento de dissolução de sociedade em regime de liquidação extrajudicial – Indisponibilidade dos bens de um dos sócios, decretada em ação trabalhista movida contra pessoa jurídica distinta – Possibilidade, por serem a dissolução, a liquidação e a partilha fases distintas do procedimento que leva à extinção da pessoa jurídica – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça

Trata-se de recurso interposto por “Lojicred Serviços Ltda.”, em liquidação extrajudicial, contra r. decisão da MM. Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo que manteve a recusa da averbação de instrumento de distrato da sociedade em razão da existência de comunicado da indisponibilidade de bens do sócio Paschoal Carrieri oriundo da 28ª Vara do Trabalho da Capital (fls. 55/57).

A recorrente alega, em suma, que a indisponibilidade de bens foi decretada pelo MM. Juiz da 28ª Vara do Trabalho da Capital em ação movida contra SOEMEG Terraplanagem, Pavimentação e Construções Ltda. e outros distintos da sociedade que se pretende dissolver. Diz que está submetida ao regime da liquidação extrajudicial disciplinado pela Lei n° 6.024/74 e que a dissolução da sociedade foi autorizada pelo Banco Central do Brasil. Afirma que a Lei Complementar n° 147/2014, em seu art. 7º, prevê que a extinção da sociedade não pode ser obstada em razão de obrigação de terceiros. Assevera que a indisponibilidade de bens dos ex-administradores da sociedade é efeito da liquidação extrajudicial. Por fim, o art. 7°-A da Lei n° 11.598/2007 dispõe que a averbação de extinção do registro de empresários e pessoas jurídicas independe, quanto aos três âmbitos do governo, da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas das demais empresas de que os sócios participem (fls. 72/75).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 86/89).

Foi, a seguir, comunicado o falecimento de Paschoal Carrieri (fls. 91), com posterior manifestação do Ministério Público (fls. 96/99).

É o relatório.

O liquidante nomeado para “Lojicred Serviços Ltda.”, em liquidação extrajudicial, requereu a averbação de instrumento de distrato social, independentemente da liquidação, por ter apurado que a sociedade não tem ativo ou passivo, nem responde por ações fiscais, trabalhistas ou de outra natureza (fls. 06/10).

Consta no instrumento de dissolução da sociedade, ou distrato, que não serão feitos pagamentos aos ex administradores e que os livros, papéis e documentos ficarão sob a guarda do liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil (fls. 08).

O instrumento de distrato foi instruído com prova da autorização do Banco Central do Brasil para a dissolução da sociedade em liquidação extrajudicial (fls. 12), em que consta que a sociedade não tem recursos e não exerce atividade operacional (fls. 13/14).

A dissolução das sociedades é regulada pelos arts. 1.033 e 1.034 do Código Civil que dispõem:

“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;

II – o consenso unânime dos sócios;

III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;

IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;

V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando:

I – anulada a sua constituição;

II – exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade”.

O art. 1.044 do Código Civil, em complementação, prevê que: “A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência(grifei).

Os artigos 1.102 e 1.103 do Código Civil determinam que dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante, deve ser promovida a averbação e publicação do respectivo instrumento de dissolução.

Além disso, o art. 1.103 do Código Civil prevê os deveres do liquidante que deve: I) averbar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; II) arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade; III) promover o inventário e o balanço geral do ativo e do passivo; IV) concluir os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; V) exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e as quantias necessárias para suportar as eventuais perdas, nos limites da responsabilidade de cada um; VI) confessar a falência da sociedade e pedir concordata de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; VIII) averbar a ata da reunião/assembleia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.

Vê-se, diante disso, que a dissolução, a liquidação e a partilha são fases distintas do procedimento, judicial ou extrajudicial, que leva à extinção da pessoa jurídica (artigo 51 do Código Civil), e que cada fase deve ser promovida conforme sua finalidade, respeitadas as normas que lhes são próprias.

Fábio Ulhoa Coelho, sobre a extinção da personalidade jurídica das sociedades empresárias, esclarece que:

“A sociedade empresária dissolvida (por ato dos sócios ou decisão judicial) não perde, de imediato, a personalidade jurídica por completo. Ao contrário, conserva-a, mas apenas para liquidar as pendências obrigacionais existentes (LSA, art. 207; CC/2002, art. 51, Ccom, art. 335, in fine). Em outros termos, ela sofre uma considerável restrição na sua personalidade, na medida em que somente pode praticar os atos necessários ao atendimento das finalidades da liquidação. Qualquer negócio jurídico realizado em nome da sociedade empresária dissolvida que não vise dar seguimento à solução das pendências obrigacionais não pode ser imputado à pessoa jurídica. Esta não é mais um sujeito apto a titularizar direitos ou contrair obrigações, salvo as indispensáveis ao regular processamento da liquidação. Imputam-se, desse modo, as consequências do ato exclusivamente à pessoa física que o praticou em nome da sociedade dissolvida” (Curso de Direito Comercial, Vol. 2, 6ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 460).

Promovida a dissolução, impõe-se, como primeira providência, a averbação do respectivo instrumento no Registro Civil de Pessoa Jurídica, para que tenha a necessária publicidade (artigo 51, parágrafo 1º, do Código Civil).

Feita a averbação do instrumento de dissolução, passa-se, em regra, à fase de liquidação que, ainda segundo a lição de Fábio Ulhoa Coelho, tem por objetivos: “…de um lado, a realização do ativo e, de outro, a satisfação do passivo” (obra citada, pág. 461).

Com a realização do ativo e a satisfação do passivo, é o patrimônio líquido remanescente partilhado entre os sócios, conforme a participação de cada um no capital social ou pela forma que estes livremente pactuarem (Fábio Ulhoa Coelho, obra citada, pág. 462).

No presente caso, a averbação do instrumento de dissolução da sociedade, denominado como instrumento de distrato, foi requerida pelo liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil para promover a liquidação extrajudicial, com informação de que inexistem ativo e passivo.

E não se pode exigir para averbação da dissolução da sociedade o levantamento de indisponibilidade genérica que atinge um dos sócios e ex-administradores, determinada em ação movida perante a Justiça do Trabalho (fls. 21), porque não consta nos autos que a indisponibilidade atingiu a própria sociedade (fls. 03) e, mais, porque a dissolução, como visto, é apenas uma das fases da extinção da sociedade, que somente ocorrerá depois da final apuração dos haveres e deveres e a realização dos respectivos pagamentos.

Essa solução não se altera pela informação de que a sociedade está inativa e não tem haveres ou obrigações (fls. 08), pois a posterior apuração da eventual existência de bens ou direitos ensejará a abertura de nova fase da liquidação, recaindo a indisponibilidade decretada pela Justiça do Trabalho, de forma automática, sobre o quinhão do sócio nesses haveres e direitos.

Portanto, a indisponibilidade decretada em relação a um dos sócios ficará sub-rogada na participação que tiver em bens e direitos da sociedade cuja existência for verificada futuramente, o que ensejará a abertura de nova fase consistente em apuração de haveres e deveres e pagamento dos respectivos credores.

Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para afastar o óbice oposto à averbação do instrumento de dissolução, ou distrato, de “Lojicrede Serviços Ltda.”, em liquidação extrajudicial.

Sub censura.

São Paulo, 12 de março de 2018.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer, por seus fundamentos, e dou provimento ao recurso para afastar o óbice oposto à averbação do instrumento de dissolução, ou distrato, de “Lojicrede Serviços Ltda.”, em liquidação extrajudicial. Oportunamente, restituamse os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 13 de março de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça Advogado: JOSE MORETZSOHN DE CASTRO, OAB/SP 44.423 (Liquidante Extrajudicial).

Diário da Justiça Eletrônico de 21.03.2018

Decisão reproduzida na página 049 do Classificador II – 2018


Fonte: INR Publicações

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