A outorga conjugal na separação convencional de bens – realidade e operabilidade – Por: Vitor Frederico Kumpel

* Vitor Frederico Kümpel

O objetivo da coluna de hoje é discutir a aplicabilidade da Outorga Uxória no regime de separação convencional de bens, passando pelo direito intertemporal, em vista dos casamentos celebrados na vigência da codificação de 1916, chegando, por fim, à operabilidade e à funcionalidade do instituto na atualidade. O Código de 2002 introduziu a prescindibilidade da vênia conjugal no regime de separação convencional de bens. Agora, resta saber se a regra é aplicável aos casamentos celebrados na vigência da codificação anterior. Embora a discussão seja antiga, pautando-se desde os idos de 2003, mais precisamente 11 de janeiro, questiona-se além de tudo o limite interpretativo do tabelião de notas e do registrador imobiliário no exercício de suas atribuições, além de se propor um novo olhar à realidade em benefício da concatenação normativa e da adequação à complexificação social do ordenamento.

É bom lembrar que a outorga ou vênia conjugal é a autorização que um cônjuge concede ao outro para alienação ou oneração de bens imóveis com a finalidade de controle, a fim de evitar prejuízo econômico para o cônjuge não titular do referido bem, lembrando ainda que nos regimes de comunhão os frutos, por exemplo, se comunicam, ainda que os bens sejam de titularidade exclusiva de apenas um dos consortes.

Apesar de a dispensa da autorização conjugal, em regime de separação total convencional de bens, para alienação ou constituição de ônus reais sobre imóvel ser uma das grandes inovações da codificação de 2002, (art. 1.647, inciso I), na medida em que o Código anterior não dispensava vênia conjugal em nenhuma hipótese, a novidade gerou inúmeras discussões com diversos detalhes problemáticos, principalmente no que toca à atuação do notário no momento da instrumentalização da vontade jurídica de seus usuários e do registrador no momento do assentamento do título no fólio registral. O Código atual gerou uma diferenciação nos regimes de separação total convencional e obrigatória na medida em que a comunidade jurídica continuou a entender vigente a súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que determina vênia no regime de separação total obrigatória, questão que refoge à discussão deste artigo. Quando, de fato, caberia ao notário o controle da outorga conjugal? Em regime de separação total legal cabe o controle? Em casamentos celebrados sob o regime da separação convencional total antes da vigência do Código cabe o controle? Os casamentos realizados anteriormente a 2003 foram ou não abrangidos pelo novo dispositivo? O fato de o Código anterior tratar a matéria vênia conjugal como nulidade absoluta e o atual como anulabilidade gera alguma diferenciação no controle? As dúvidas são múltiplas e as tentativas de soluções ainda mais variáveis. Na prática, o que tem ocorrido é que, por prudência, o tabelião de notas e o registrador imobiliário acabam não dispensando o controle da outorga na separação total obrigatória. Já na separação total convencional, os notários e registradores dispensam a vênia independentemente da época do casamento, adotando, portanto, posição monolítica para ambas as hipóteses. Contudo, quais seriam os benefícios deste instituto na sociedade atual? Ele ainda é operável no que toca à proteção familiar? A reflexão é essencial em vista da complexidade social: graças à família mosaico, à isonomia social e jurídica entre o homem e a mulher, bem como consequência das concepções culturais cambiantes que tornam muitos institutos anacrônicos, principalmente os inseridos no direito de família, sujeitos a ebulições.

No diploma de 1916, o artigo 235 previa a anuência recíproca entre os cônjuges como requisito de validade para a alienação ou oneração de bens imóveis, qualquer que fosse o regime conjugal. Anuência esta que se traduz em um consentimento, na verdade uma autorização, que de modo algum se confunde com a representação ou com a assistência. Na representação temos a prática de um ato por um terceiro em nome do representado, na assistência o ato é praticado em conjunto por assistido e assistente, prevalecendo a carga volitiva do assistido. Já na autorização, o sujeito pratica o ato por si só, sendo avalizado por terceiro expressamente imputado por lei. A carga volitiva compete exclusivamente ao praticante, e o outorgante apenas autoriza sua prática. Tanto que a representação e a assistência são hipóteses de validação em matéria de consentimento genérico negocial, enquanto a vênia é matéria de validação no que toca à capacidade específica ou legitimação negocial. São certamente institutos com naturezas jurídicas diversas.

A outorga ou vênia é um ato pessoal manifestado, como já dito, por pessoa expressamente prevista em lei, com objetivo de controle dos atos de disposição imobiliária. Os atos de autorização são exigidos pelo artigo 1.647 do Código Civil de 2002 quando da venda, da doação, da troca, da alienação em geral, da cessão de direitos, da renúncia ou de qualquer oneração ou gravame imobiliário, como usufruto, servidão, superfície, hipoteca ou alienação fiduciária, em vista da importância que o sistema confere ao bem de raiz e à sua proteção. Entretanto, qual o motivo da imprescindibilidade da autorização conjugal, evidentemente quando tratamos de um bem particular de um único cônjuge não sujeito à meação?

A existência legal da outorga conjugal encontra razão nos regimes de comunhão, também chamado de condomínio germânico, onde não há cota ou fração sobre a coisa na vigência da sociedade conjugal, muito embora os bens, ora em discussão, não estejam sujeitos à referida comunhão. São bens particulares e assim conservam essa qualidade. Porém, os efeitos reflexos é que implicam no referido controle. Como já mencionado, entram na comunhão as benfeitorias em bens particulares (art. 1.660, inc. IV) e os frutos dos bens particulares (art. 1.660, inc. V), logo, uma edícula construída por um cônjuge no imóvel do outro gera comunhão na referida edícula. Por isso todo ato que tenda a onerar ou desfalcar o patrimônio, reduzindo a sua capacidade de utilização, carece do assentimento do cônjuge1 não titular, no caso de bens imóveis ou de direitos a eles relativos.

A outorga que se diz uxória, adjetivo correspondente a uxoria, feminino de uxorius, do latim uxor, uxoris, ou seja, referente à mulher casada1, espelha, na verdade, a realidade da primeira metade do século XIX, em que a mulher não estava inserida no mercado de trabalho de forma plena e era financeiramente dependente do marido para sobrevivência. Por isso, o instituto sempre foi utilizado como forma de evitar a dilapidação patrimonial do casal pelo marido, ou seja, a ideia da proteção à mulher casada. Nesse sentido temos o artigo 235 do Código Civil de 1916 (o marido nunca prescindia da outorga uxória em qualquer que fosse o regime de bens estabelecido), bem como o art. 259, que dispunha sobre a comunicação dos aquestos mesmo na ausência da comunhão de bens.

Existia tanto a outorga uxória quando a marital. Ao marido conferia-se a condição de chefe da sociedade conjugal, com a colaboração da mulher no interesse da família (Art. 233 do Código Civil de 1916). Assim, ele era responsável pela representação legal da família, com a administração tanto de bens comuns, quanto particulares da mulher, além do provimento da família e da manutenção do domicílio (Incisos I a V do diploma de 1916 mencionado). A justificativa para tanto era que o homem, por possuir maiores atividades profissionais, sociais e econômicas fora do lar, adquiria maior experiência de vida, por conseguinte, maiores condições para solucionar problemas e conduzir a família1.

A abordagem que distinguia a outorga marital da uxória terminou com a implantação da moldura isonômica de direitos entre as figuras masculina e feminina pela Constituição Federal de 1988 (Art. 226, parágrafo 5º). Por isso diz-se que a expressão verdadeiramente técnica, a ser usada hoje, seria Outorga Conjugal, válida tanto para o homem quanto para a mulher. Atualmente a outorga é necessária aos atos elencados nos regimes da comunhão parcial de bens, da comunhão universal, bem como no regime de participação final nos aquestos, com exceção do previsto pelo art. 1.656 do CC, que faculta a livre disposição dos imóveis neste último regime, desde que expressamente previsto no pacto antenupcial.

É sabido – e já foi reiterado aqui – que o Código Civil de 2002 dispensou a outorga conjugal no regime da separação total convencional, chamada de separação absoluta. No entanto, a dúvida começa pela própria nomenclatura adotada. Na codificação de Beviláqua, a separação podia ser tanto legal quanto convencional, no caso da separação convencional a dispensa da outorga é clara no artigo 1.687 Código de 2002, que dispõe sobre a livre alienação ou gravação dos bens incomunicáveis. A dúvidaocorre na separação obrigatória, se há a incidência ou não da antiga súmula 377 do STF, que determina a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento pelo esforço comum (aquestos) no regime da separação convencional. Singular é a súmula ser complementação do artigo 259 do Código de 1916 e que hoje está expressamente revogado. Porém, para não causar mais polêmica ainda, aliamo-nos à jurisprudência que dita a permanência da súmula2, muito embora a mesma esteja com seus dias contados.

A segunda dúvida nos remete ao direito intertemporal. A dispensa da outorga é aplicável apenas aos casamentos celebrados após 2003 ou também aos anteriores à vigência da codificação mais recente? A sociedade mudou e o Código atual diz exatamente o contrário do anterior na separação convencional. Agora se prescinde da vênia em regime de separação convencional. O problema, contudo, ocorreu com a uniformização das decisões administrativas, que desqualificaram a outorga para os casamentos sob a égide do regime de separação absoluta, na codificação de Beviláqua3. Observe:

CSMSP- Apelação Cível 356-6/0 da Comarca de São José do Rio Preto. Ementa: REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra – Recusa com base no art. 235, I, do Código Civil de 1916, combinado com o art. 2.039 do Código Civil de 2002 – Ausência de outorga uxória – Dúvida improcedente – Formalidade legal não inerente o regime de bens adotado – Incidência do art. 1.647, I, do diploma atual, que não afeta ou modifica tal regime – Registro cabível – Recurso não provido.”Entendeu-se pela dispensa da outorga em regime de separação na vigência do Código de 2002, qualquer que fosse o tempo da celebração do casamento. A outorga foi entendida como elemento de eficácia do negócio, interpretação, de modo geral, problemática, ignorando o direito adquirido, um ato jurídico perfeito, corroborando na contra mão do estabelecido pelo próprio Código de 2002 em seus artigos 2.039 e 2.035. Para deixar mais claro, foi entendido que a vênia incorporaria o negócio celebrado após a vigência do Código atual. Porém a outorga diz respeito à situação de casado e que segundo o art. 2.039 do CC, obviamente adota as regras do sistema anterior. Não bastasse isso, o art. 2.035 declara: tudo que diz respeito à validade dos negócios (nulidades e anulabilidades), constituídos antes da entrada em vigor do Código atual (casamento), obedece a legislação anterior, obviamente.

Tanto que repisando o art. 2.039 da lei Federal 10.406/2002, as regras dos regimes de bens estabelecidas no Código de 1916 devem ser aplicadas aos casamentos celebrados sob sua égide, mesmo na vigência do diploma atual, o que não poderia ser diferente em respeito à garantia fundamental do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ademais, no art. 6º da LINDB , "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", sendo que o parágrafo primeiro caracteriza ainda o ato jurídico perfeito como o "o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou". Segundo Alexandre de Moraes, "ato jurídico perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela leie o “princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito aplica-se a todas as leis e atos normativos, inclusive às leis de ordem pública"4. O respeito ao ato jurídico perfeito é garantido pela própria Lei Fundamental, art. 5º, inciso XXXVI.

Por isso, a regra, de modo geral, é que os efeitos da nova lei apenas alcançam os fatos ocorridos posteriormente ao início da vigência da mesma, trocando em miúdos, trata-se do princípio da irretroatividade das leis. Assim, mesmo no caso da revogação de uma norma, ela não deixa de existir, apenas a sua validade e eficácia ficam prejudicadas, pois ainda permanecem em vigor no que toca ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, ou seja, em situações que se prolongam no tempo por ultratividade.

O direito adquirido se incorpora definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, com efeitos latentes, pois nem a lei, nem o fato posterior podem alterá-lo. Desse modo a outorga em casamentos anteriores a 2003 deveria permanecer até mesmo na vigência do novo ordenamento, mesmo por uma questão de segurança do sistema. Como afirma Maria Helena Diniz, "a segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento"5. Logo, se o casamento ocorreu em tempo hábil, na vigência da lei que contempla o direito, e obedeceu aos requisitos de validade do negócio, tais como agente capaz, objeto lícito e forma prevista ou não proibida em lei (art. 82, CC 1916 e art. 104 do atual), além dos requisitos próprios do casamento, gerou direito adquirido, que irradia efeitos.

A todo direito corresponde uma ação, de forma que não existe direito sem ação que o assegure ou o faça valer, tornando-o exigível. Direito sem ação não é direito. É bem possível, que os cônjuges, casados sob o regime da separação de bens pelo código anterior, já esperassem ser sua autorização indispensável à venda ou à oneração de imóveis por seu consorte, lembrando ainda que a vênia gerava nulidade absoluta e não a mera anulabilidade do Código atual. Por isso, se um consorte vende um imóvel do seu patrimônio particular sem a outorga ou o suprimento judicial do outro, nasce para o cônjuge ignorado o direito de invalidar a alienação, ou seja, um direito de ação consectário do direito subjetivo. Explicada a questão retomemos o artigo 2.039 CC/02. Para melhor compreender a questão, vale pequena incursão histórica. Conforme exposto nos comentários ao Novo Código Civil sob coordenação do relator Deputado Ricardo Fiuza, o texto original do projeto proposto na Câmaraestabelecia que "O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por ele estabelecido, mas se rege pelas disposições do presente código" Após a passagem pelo Senado com a emenda do senador Josaphat Marinho, o dispositivo ganhou a redação atual, sob a seguinte justificativa: "houve necessidade de se promover a modificação porque se, como dito na parte inicial do dispositivo, 'o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por este estabelecido', não se regerá pelo novo"6 (grifos nossos). Ora, se o próprio legislador suprimiu a expressão “mas se rege pelas disposições do presente código” foi exatamente para fazer permanecer as disposições de 1916 para os casamentos anteriores a 2003. Trocando em miúdos, o notário ao lavrar qualquer escritura de situação ou de matrimônio anterior a 2003 deve aplicar os artigos do Código de 1916 e jamais os do atual.

Ainda no que diz respeito às disposições transitórias do Código de 2002, em uma interpretação sistemática, combinando o artigo 2.039 com o 2.035, que diz que a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor do Código de 2002, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução, ambas as normas conjugadas trazem à baila a regra do código anterior para os casamentos realizados em sua vigência, vez que a outorga conjugal se trata essencialmente de um elemento de validade, como já dito, nulificava o negócio no Código anterior e o torna anulável no atual. Elemento de eficácia é, por exemplo, condição, termo ou encargo, mas jamais algo invalidante.

Anote-se ainda que pelo diploma anterior, a ausência da outorga era causa de nulidade absoluta do negócio (arts. 235, 242 e 252), conforme exaustivamente mencionado, portanto, as regras jurídicas concernentes à outorga marital do Código de 1916 são de ordem pública, não se subordinando às conveniências pessoais de um ou outro cônjuge, e não podendo ser dispensadas a qualquer pretexto1. A nulidade é o estado do negócio que ingressou no mundo jurídico descumprindo requisitos de validade considerados essenciais ao interesse social e à ordem pública. Por isso, em função de sua relevância e gravidade, em caso de infringência de nulidades, a ordem jurídica reage vigorosamente, imputando o grau máximo de invalidade ao negócio7.

Todavia, admite-se que o Código de 1916 não era nada didático, pois previa as nulidades em geral, o que acabava gerando confusões e discussões e, por si só, já denotava a imprecisão e agramaticalidade do mesmo. Não obstante, o que concluímos, por se tratar de uma nulidade, é que no diploma anterior, a ausência da outorga era verdadeira afronta à ordem social, vez que de ordempública. Por tal motivo é que jamais tabelião e registrador praticavam os atos em seu mister sem a vênia, porém autorizavam a alienação do pai para o filho sem anuência dos demais descendentes, pois a matéria sempre foi anulável, de ordem privada, portanto.

No Código atual, por sua vez, a outorga é elemento de anulabilidade, neste caso a afronta envolve primariamente o interesse do particular, com tratamento diverso dos casos de nulidade. Destarte, nos casamentos posteriores a 2003, o controle da outorga é de ordem privada, pois o negócio é anulável, já se o casamento se deu antes da codificação atual e, nos dias atuais, haja uma dispensa do controle, o negócio é nulo, incidindo questão de ordem pública. Em qualquer hipótese, abordamos atos de legitimação, ou seja, da capacidade especial exigida por lei, que implica em elementos de validade (art. 104, inciso I) do ato. E a atitude da jurisprudência tem sido contra legem, dispensando a outorga para casamentos, sob fundamentos os mais variados e inusitados.

E é aí que surge o nosso maior problema, pois embora pragmaticamente essa abordagem jurisprudencial realmente seja a opção mais simples, ela não é técnica, pois, como dito, tratamos de elemento de validade do negócio jurídico, não de eficácia como entendeu a jurisprudência mencionada.

Diante de toda essa complexidade normativa, como ficam os tabeliães e registradores? Como atos administrativos, os atos dos oficiais extrajudiciais adstringem-se às regras do ordenamento jurídico, devendo sempre pautar-se pelo princípio da legalidade. Seus atos não são dotados de discricionariedade (conveniência e oportunidade). Ademais, a inobservância das prescrições normativas pelo oficial é motivo de infração disciplinar, conforme art. 31, inciso I, da lei Federal 8.935/1994. É nesse sentido que os oficiais de modo geral acabam exigindo a outorga conjugal em qualquer hipótese para o ingresso do negócio no fólio real. Porém, na prática dispensam, na separação total convencional, a outorga conjugal, qualquer que seja o período do casamento e gerando, como consequência, uma série de negócios nulos.

Arrematando tudo o que foi dito, fica apenas a reflexão: O fenômeno jurídico é em sua essência multifacetado, e deve ser lido, entendido, examinado e interpretado apesar de sua complexidade. A sociedade atual tende a simplificar institutos como os ora analisados, apesar de sua alta complexidade. Como deve se pautar o notário e o registrador diante de situações como a ora analisada? Toda ação deve basear-se na análise e observação da jurisprudência e, então praticar o ato? Ou deve se pautar por um estudo e reflexão e negar a prática do ato, que em tese implica em nulidade absoluta, e, portanto vício insanável de ordem pública, e que na prática pode ocasionar sérios prejuízos ao cônjuge prejudicado. Fica a reflexão.

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1. Enciclopédia Saraiva do Direito. Coordenação Prof. R. Limongi França. São Paulo. Saraiva. 1977.

2. STJ – REsp 1.163.074-PB. DJ 04.02.2010

3. CSMSP – Apelação Cível 356-6/0.

4. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, São Paulo, 2002, p. 299

5. DINIZ, Maria. Helena. Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro Interpretado. Saraiva: São Paulo, 9ª edição, 2002, p. 185

6. Novo Código Civil Comentado. Coordenador: Ricardo Fiuza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1858

7. VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 35.

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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Incidente de Inconstitucionalidade – Direito Civil – Casamento – Cônjuge maior de sessenta anos – Regime de Separação Obrigatória de Bens – Art. 258, Parágrafo Único da Lei 3.071/16 – Inconstitucionalidade – Violação dos princípios da Igualdade e da dignidade humana

– É inconstitucional a imposição do regime de separação obrigatória de bens no casamento do maior de sessenta anos, por violação aos princípios da igualdade e dignidade humana.
 
ARG INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0702.09.649733-5/002 – COMARCA DE UBERLÂNDIA – REQUERENTE (S): 8ª CÂMARA CÍVEL TJMG – REQUERIDO (A)(S): CORTE SUPERIOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INTERESSADO: DEGIVALDA FREIRE CAVALCANTE DE SOUZA, EDNO BUENO DE SOUZA E SUA MULHER DEGIVALDA FREIRE CAVALCANTE DE SOUZA
 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos etc., acorda, em Turma, do ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em JULGAR PROCEDENTE O INCIDENTE.
 
DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES
 
RELATOR.
 
DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES (RELATOR)
 
V O T O
 
Degivalda Freire Cavalcante de Souza e Edno Bueno de Souza propuseram, na Comarca de Uberlândia, ação de alteração do regime de separação de bens.
 
O feito foi julgado extinto sem resolução do mérito, com base no art. 267, VI do CPP – impossibilidade jurídica do pedido (fls. 28/29).
  
Os autores apelaram da decisão, requerendo a alteração do regime de bens de separação obrigatória para comunhão parcial, invocando dentre outras teses, a inconstitucionalidade do art. 258 do Código Civil de 1916 – atual art. 1641, II do Código Civil de 2002 (fls. 31/40).
 
Ao examinar a apelação, a 8ª Câmara Cível suscitou o presente incidente de inconstitucionalidade (fls. 56/72).
 
A d. Procuradoria opinou pela procedência do incidente (fls. 80/87).
 
Conheço do incidente, uma vez que inexistente qualquer hipótese que exclua a relevância da questão nele posta (RITJMG, art. 248, § 1º, I a V).
 
De início, registro que a norma a ser examinada é aquela prevista no art. 258, parágrafo único, inciso II do Código Civil de 1916, vigente à época do casamento dos apelantes – certidão de fl. 16.
 
Sendo assim, muito embora tenha sido a norma revogada, é possível, no controle incidental, a análise de sua constitucionalidade, vez que com a revogação da lei, não são afetados os seus efeitos passados, que permanecem incólumes.
 
A propósito:
 
"APELACAO CÍVEL – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE PAGAMENTO INDEVIDO – INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI REVOGADA – POSSIBILIDADE – CONTROLE DIFUSO.
 
O STF tem se inclinado pela mudança de posicionamento, sobre a declaração de inconstitucionalidade de lei revogada, entendendo que mesmo no controle abstrato de constitucionalidade feito pela ação direta, caso estando em curso a ação no momento da revogação da norma impugnada, não impede a análise da constitucionalidade da lei viciada. No controle difuso a apreciação da inconstitucionalidade de lei e premissa para a obtenção do direito buscado, razão pela qual, ainda que a lei já esteja revogada, pode e deve ser apreciada a constitucionalidade da norma enquanto vigente, posto que a revogação da norma tem efeito 'ex nunc' e portanto, as situações de fato ocorridas na vigência da lei inconstitucional, ficariam sem respaldo da ordem jurídica, situação que não se coaduna com os princípios constitucionais. Arguição procedente.". (TJGO – AgInc 375-0/199 – C.Esp. – Rel. Des. Carlos Escher – DJe 17.07.2009 – p. 8)
 
É certo e deve ser dito que há entendimentos fortes e respeitáveis no sentido contrário, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
 
Alexandre de Moraes lembra que o Pretório Excelso não admite ação direta de inconstitucionalidade de lei já revogada, entendendo, ainda, que quando a revogação se dá no curso da ação já intentada, perde esta o objeto, razão pela qual se deve dá-la por prejudicada.
 
Assim leciona o citado constitucionalista:
 
"O Supremo Tribunal Federal não admite ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido (por exemplo: medida provisória não convertida em lei) entendendo, ainda, a prejudicialidade da ação, por perda do objeto, na hipótese da lei ou ato normativo impugnados vierem a ser revogados antes do julgamento final da mesma, pois, conforme entende o Pretório Excelso, a declaração em tese de ato normativo que não mais existe, transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concreta"(in"Direito Constitucional" (Editora Atlas, 15ª ed., 2004, p. 628).
 
Feitas tais considerações e tratando-se o caso de incidente de arguição de inconstitucionalidade, passo ao exame da questão.
 
A redação do revogado art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916, diz ser obrigatório o regime de separação de bens no casamento do maior de 60 (sessenta) e da maior de 50 (cinqüenta) anos.
 
Com a revogação do Código Civil de 1916, a matéria passou a ser tratada no art. 1641, inciso II, sendo que, atualmente, tal imposição se aplica aos maiores de 70 (setenta) anos, alteração pautada, tão somente, na maior longevidade do cidadão brasileiro.
 
Funda-se tal norma na "proteção do idoso" contra a prática do que popularmente se denomina "golpe do baú".
 
Na opinião de Clóvis Beviláqua1 "essas pessoas já passaram da idade, em que o casamento se realiza por impulso afetivo. Receando que interesses subalternos, ou especulações pouco escrupulosas, arrastem sexagenários e quinquagenárias a enlaces inadequados ou inconvenientes, a lei põe um entrave às ambições não permitindo que os seus haveres passem ao outro cônjuge por comunhão".
 
A doutrina majoritária atual coloca-se contrária à imposição do regime de separação legal aos maiores de 60 anos – hoje, 70 anos -, defendendo sua inconstitucionalidade2.
 
Acerca da inconstitucionalidade do dispositivo se posicionou Caio Mário da Silva Pereira: "Atendendo aos princípios constitucionais (arts. 5º, I e 226, § 5º) o Código de 2002, com as alterações introduzidas pela Lei 12.344/2010, não mais deu tratamento diferenciado entre os cônjuges como fizera o art. 258, II, do Código de 1916. No entanto, esta regra não encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir. Se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nestas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir. Trata-se de discriminação dos idosos ferindo os princípios da dignidade humana e da igualdade."3 
 
No mesmo sentido, vem caminhando a jurisprudência, ao admitir a doação de bens entre cônjuges maiores de sessenta anos4, a divisão dos bens adquiridos pelo esforço comum – Súmula 377 do STF5 – e a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial6, amenizando assim, os efeitos dessa norma.
 
Importante voto a respeito do tema foi proferido pelo Min. Cezar Peluso, quando ainda desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo:
 
"Lei que, com o propósito racional de guardar o patrimônio dalgumas pessoas contra as fraquezas da submissão amorosa, priva-as a todas de exercitarem a liberdade jurídica de dispor sobre seus bens e de pautarem suas ações por razões íntimas, ressente-se de nexo de proporção entre o objetivo legítimo, que está na tutela dos casos particulares de debilidade senil, e o resultado prático exorbitante, que é, no fundo, a incapacitação da ampla classe das pessoas válidas na mesma faixa etária. Ou seja, inabilita e deprecia quase todos, por salvar uns poucos, que, aliás, têm outros meios jurídicos para se redimir dos enganos das paixões crepusculares. (…) O alcance irracional e injusto da mesma norma vulnera ainda princípios constitucionais, até com gravidade maior, sob outro ponto de vista, que é o da mutilação da 'dignidade' da pessoa humana em situação jurídica de casamento, porque, desconsiderando-lhe, de modo absoluto e sem nenhum apoio na observação da realidade humana, o poder de autodeterminação, sacrifica, em nome de interesses sociais limitados e subalternos, o direito fundamental do cônjuge de decidir quanto à sorte de seu patrimônio disponível, que, não ofendendo direito subjetivo alheio nem a função social da propriedade, é tema pertinente ao reduto inviolável de sua consciência. É muito curta a razão normativa para invasão tamanha. A lei, aqui, é modo exemplar de intrusão estatal lesiva do direito à intimidade (right of privacy, ou, como se usa dizer, direito à privacidade), enquanto dimensão substancial da pessoa humana"(AC nº 007.512-4/2-00 – 2ª CDPriv – 18.8.1998)
 
Além disso, acha-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.285/2007, conhecido como"Estatuto das Famílias", de iniciativa do IBDFAM, que suprimiu o regime de separação compulsória de bens, em razão de seu"caráter discriminatório e atentatório à dignidade dos cônjuges".
 
A escolha do regime de bens no casamento é um direito patrimonial, essencialmente disponível, por isso, a meu ver, desarrazoada e injustificável a interferência do Estado nesse tipo de relação privada.
 
A pessoa maior de sessenta anos é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil, especialmente nos dias de hoje, diante do aumento da expectativa de vida.
 
A incoerência dessa norma fica ainda mais evidente se levarmos em conta que pessoas com idade superior a sessenta anos podem exercer cargos de grande importância para a nação, tais como Presidente da República, Presidente do Congresso Nacional, Juiz de Direito, Desembargador, Ministro de Corte Superior e, no entanto, não poderiam escolher o regime de bens do casamento.
 
Como bem destacado por Walsir Edson Rodrigues Júnior7, "a fragilidade física não implica debilidade mental, e a idade avançada, por si só, não gera incapacidade. Se o problema é a incapacidade, que de fato acomete em maior número as pessoas mais velhas, o único caminho legítimo admitido no Estado Democrático de Direito é a análise individualizada de cada caso por meio do processo de interdição, com direito ao contraditório e à ampla defesa, posto que o que se presume é a capacidade e não o contrário. A presunção de incapacidade do maior de 70 anos atenta contra a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, trata-se de discriminação tão somente em razão da idade, por isso, inconstitucional."
 
Assim, constata-se que patente é a inconstitucionalidade do art. 258, parágrafo único, inciso II do Código Civil de 1916 – vigente à época do casamento dos apelantes. Como já dito, tal dispositivo atenta contra os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade humana.
 
Lembra a douta Procuradoria de Justiça, em seu parecer de fls. 80/87, que, no que tange à possibilidade de alteração do regime de bens, também este Tribunal de Justiça já admitiu tal possibilidade nos casamentos celebrados na vigência do Código de 1916, como se deu quando do julgamento da apelação cível nº 1.0439.08.082217-4/001, relatada pelo eminente Des. Edilson Fernandes.
 
Diz a ementa do referido acórdão:
 
"ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS – CASAMENTO REALIZADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – POSSIBILIDADE DESDE QUE PROCEDENTE AS RAZÕES APRESENTADAS – CASO CONCRETO – AUSÊNCIA – REFORMA DA SENTENÇA. A alteração de regime de bens dos casamentos realizados na vigência do Código Civil de 1916 pode ser deferida sob a égide da nova legislação civilista, desde que comprovado justo motivo, e seja resguardado eventual direito de terceiros. A simples alegação de que as partes possuem sociedade empresária em comum não viabiliza a mudança do regime inicial do casamento, visto que a nova regra disposta no artigo 977, do Código Civil, não se aplica aos estabelecimentos constituídos anteriormente à sua vigência."
 
A propósito, merece ser transcrito trecho do bem fundamentado parecer no qual a douta Procuradora de Justiça ressalta:
 
"Frise-se, por sua vez, que o art. 2.045 do Código Civil revogou integralmente o Código Civil de 1916. Destarte, não há que se aceitar a possibilidade de uma norma inteiramente revogada regular um ato jurídico que se protrai no tempo, devendo ser dada outra interpretação à norma contida no art. 2.039 do atual Código Civil.
 
Não é razoável entender que uma pessoa idosa tenha seu discernimento reduzido ou inexistente, sem causa que fundamente uma declaração judicial de incapacidade civil relativa ou absoluta."(cf. fls. 86)
 
Do exposto, julgo procedente o presente incidente para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único, inciso II, do art. 258 da Lei nº 3.071/16 (Código Civil).
 
DES. KILDARE CARVALHO (REVISOR) – De acordo com o (a) Relator (a).
 
DES. CAETANO LEVI LOPES
 
Peço vênia ao Relator, eminente Desembargador José Antonino Baía Borges, para divergir o seu judicioso voto.
 
Cumpre perquirir se foi recepcionado o artigo 258 do Código Civil de 1916, e se é inconstitucional o inciso II do art. 1.641 do Código Civil de 2002.
 
Anoto que as referidas normas impõem o regime de separação obrigatória de bens para casamento de pessoas em razão da faixa etária. O art. 258 do Código Civil de 1916 previa tal exigência para casamento de homem maior de sessenta anos e mulher maior de cinquenta anos de idade, e o art. 1641, II, do Código Civil de 2002, para pessoa maior de sessenta anos, idade alterada para setenta anos pela Lei nº 12.344, de 09.12.2010.
 
Não há matéria de fato a ser examinada.
 
No que tange ao direito e em relação ao primeiro tema, observo, a priori, que o art. 97 da Constituição da República dispõe:
 
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
 
É a chamada reserva de plenário.
 
Assim, apenas a inconstitucionalidade está sujeita à referida reserva, o que não acontece no caso de não recepção.
 
Ocorre que uma lei ou ato normativo é inconstitucional quando contraria Constituição vigente à época em que é editada.
 
Ora, a discussão refere-se a não recepção, já que é uma lei de 1916, que se presume válida por se amoldar ao texto constitucional vigente da época, mas, atualmente, deixa de atender à Constituição da República.
 
Logo, a superveniência de nova norma constitucional pode recepcionar ou não leis anteriores. Insista-se que falta competência ao Órgão Especial fazer o exame de eventual não recepção, como no caso ora em julgamento.
 
Assim, não conheço da arguição quanto à alegada não recepção do art. 258 do Código Civil de 1916.
 
Relativamente ao segundo tema, o art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, manteve a imposição de regime de separação legal aos maiores de sessenta anos, idade majorada para setenta anos pela Lei nº 12.344, de 09.12.2010.
 
A norma questionada, em atenção aos ditames constitucionais, afastou o tratamento diferenciado entre os cônjuges conferido pelo art. 258 do Código Civil de 1916, que feria o princípio da isonomia.
 
Assim, entendo que o art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, não afronta o princípio da isonomia porque trata homens e mulheres com igualdade e visa proteger os idosos. Logo, a norma questionada é constitucional.
 
Com estes fundamentos e reiterando meu pedido de vênia ao Relator, não conheço da arguição quanto à eventual não recepção do art. 258 do Código Civil de 1916 e declaro constitucional o art. 1.641, II, do Código Civil de 2002.
 
Sem custas.
 
DES. MARCOS LINCOLN
 
Trata-se de Incidente de Inconstitucionalidade suscitado pela Oitava Câmara Cível deste Tribunal no julgamento da Apelação Cível nº 1.0702.09.649733-5/001, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:
 
ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. NUBENTE MAIOR DE 60 ANOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 258, § ÚNICO, II, DO CC DE 1916 PELA CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.641, II, DO CC. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 97 DA CR/88. 1. É necessário que a Corte Superior se pronuncie sobre a não recepção do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 pela CR/88, bem como sobre a inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do CC, de forma que somente após este precedente o órgão fracionário possa declará-la, diante da cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição da República. 2. Suscitar relevância da questão. (Apelação Cível 1.0702.09.649733-5/001, Relator (a): Des.(a) Vieira de Brito , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2010, publicação da sumula em 18/11/2010)
 
O eminente Relator julgou procedente o incidente para declarar a inconstitucionalidade do Parágrafo único, inciso II, do artigo 258 da Lei n. 3.071/1916 (Código Civil) reconhecendo, no ponto, a admissibilidade do controle incidental de norma revogada, uma vez que "não são afetados os seus efeitos passados, que permanecem incólumes" (sic).
 
Instaurando divergência, o eminente Desembargador Caetano Levi Lopes não conheceu da arguição quanto à alegada não recepção do artigo 258 do Código Civil de 1916 ao argumento de que falece competência a este Órgão Especial o exame de eventual não recepção do preceito impugnado.
  
De fato, não cabe a este Órgão Especial se pronunciar sobre recepção ou não de norma anterior à Constituição vigente.
 
Demais disso, o parâmetro de controle do artigo 258 do Código Civil de 1916 não é a Constituição Federal de 1988 mas, diversamente, a Constituição de 1891.
 
No magistério de GILMAR MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO:
 
"De modo diverso do que se verifica com o controle abstrato de normas, que tem como parâmetro de controle a Constituição vigente, o controle incidental realiza-se em face da Constituição sob cujo império foi editada a lei ou ato normativo. Assim, não é raro constatar a declaração de inconstitucionalidade de uma norma em face da Constituição de 1967/69" (in. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1022).
 
A não recepção de uma lei anterior pode ser resolvida pelo órgão fracionário deste Tribunal de Justiça como, aliás, se tem notícia do voto proferido pelo então Desembargador CÉZAR PELUSO, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação Cível 007.512-4/2-00.
 
Como essas considerações, peço vênia para acompanhar a divergência instaurada pelo Desembargador Caetano Levi Lopes.
 
Quanto ao artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002 tem-se que há incompatibilidade do preceito com os valores dispostos na Constituição Federal de 1988.
 
Não é por outro motivo que anota FLÁVIO TARTUCE que há dois projetos de lei que propõem a revogação do preceito:
 
"O primeiro na Câmara dos Deputados é o PL 2.285/2007, de autoria do Deputado Sérgio Barradas Carneiro (Estatuto das Famílias). O segundo, no Senado Federal, o PL 209/2006, de autoria do Senador José Maranhão, está amparado no parecer da Professora Silmara Juny Chinellato, Titular da USP" (in. Manual de Direito Civil: volume único. São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 1111).
 
Referido autor entende de lege ferenda que "a norma deve ser tida como ineficaz no momento, o que inclui a alteração legislativa que, repise-se, não resolve o problema do preconceito contra o idoso" (id. Ibidem).
 
Digno de nota, ainda, o reconhecimento doutrinário da inconstitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002, manifestado na I Jornada de Direito Civil que propõe a revogação do dispositivo. Tal entendimento restou justificado no enunciado n. 125 do seguinte teor:
 
"A norma que torna obrigatório o regime de separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes (qualquer que seja ela) é manifestamente inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, inscrito no pórtico da Carta Magna (art. 1º, inc. III, da CF/1988)". Isso porque introduz um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses".
 
Enfim, mesmo sendo o regime obrigatório por lei, admite-se a possibilidade de alteração do regime da separação obrigatória, levando em conta o parágrafo segundo do artigo 1.639 do Código Civil de 2002.
 
Como exposto por NAYARA RANGEL VASCONCELLOS em monografia sobre o tema" A Inconstitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens "apresentado à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 2010:
 
"A Constituição Federal prevê os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade. A necessidade de adotar esse regime viola todos os princípios citados e faz do Estado não um protetor dos direitos da pessoa e sim um interventor nos interesses privados"(acessado em 11/03/2012 no site: in. http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2010/trabalhos_1

2010/nayaravasconcellos.pdf)

 
À luz da Constituição Federal de 1988 e dos valores dispostos no Código Civil de 2002, deve-se interpretar a norma tendo em conta o princípio da dignidade da pessoa humana. O Código Civil de 1916 pela sua idéia era patrimonialista, enquanto o Código Civil de 2002 é personalista com fundamento na autonomia e liberdade da pessoa humana.
 
Ante o exposto, acolho o incidente para declarar inconstitucional, incidenter tantum, o artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002.
 
Com essas considerações, peço vênia para acompanhar a divergência quanto ao não conhecimento do incidente em relação ao artigo 258 do Código Civil de 1916 e, conhecer do incidente em relação ao artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002 para declará-lo inconstitucional.
 
É como voto.
 
DES. CÁSSIO SALOMÉ
 
Peço vênia à digna Relatoria, mas acompanho o não menos c. voto do Vogal Des. Caetano Lei Lopes. Não vislumbro no caso, ocasião nem competência para que a esse órgão se manifeste sobre a inconstitucionalidade do dispositivo do Cod. Civil invocado, porque"data vênia"não creio ser possível a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, por NÃO RECEPÇÃO da nova Constituição. De outro lado, o Código Civil de 2002, tratou a matéria por inteiro. Não bastasse, a lei 12.344 de 09-12 de 2010, lhe trouxe modificações e com novo parâmetro quanto a idade dos contraentes – 70 anos – tratou igualmente os pretendentes. De outro lado, preservou os interesses dos idosos. Assim, acompanho a divergência
 
OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.
 
SÚMULA:"JULGARAM PROCEDENTE O INCIDENTE."
 
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado. 7. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1945, p. 169, v. II.
 
2 CAMPOS, Carolina Lopes Cançado; VALADARES, Maria Goreth Macedo. A autonomia privada e o regime obrigatório de bens para os maiores de sessenta anos. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil: atualidades II: da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del Rey, 1007, p. 111-125; DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 229; FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 218; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 299; MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 605; TEPEDINO, Gustavo. Controvérsias sobre regime de bens no novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, v. 2, p. 12-13, fev./mar. 2008.
 
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 201, v. V
 
4 TJMG – Ap. 1.049.04.911594-3/001 – Rel. Des. Vanessa Verdolin Hudson Andrade – DJ de 29.3.2005 5 Súmula 377 do STF – 03/04/1964 – DJ de 8/5/1964, p. 1237; DJ de 11/5/1964, p. 1253; DJ de 12/5/1964, p. 1277. -" No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. "
 
6 TJRS – Apelação Cível nº 70019358050 – 7ª Câmara Cível – Rel. Ricardo Raupp Ruschel – 15.8.2007
 
7 RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson . Direito Civil – Famílias. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.172.

Fonte: CNB/CF | 06/08/2014.

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TJ/BA: Juízes de paz receberão certificados para realização de casamentos em Salvador

A Corregedoria Geral da Justiça da Bahia vai entregar, no próximo dia 31, os certificados que autorizam 20 juízes de paz voluntários a representarem os juízes de Direito das 14 varas de Família da Comarca de Salvador na realização das solenidades de casamento. A cerimônia está marcada para as 10 horas, na Sala de Sessões nº 2, na sede do Tribunal de Justiça, no Centro Administrativo da Bahia.

São 10 juízas e 10 juízes, selecionados entre servidores aposentados, bacharéis em Direito, advogados, economistas e contadores com escolaridade mínima equivalente ao ensino médio, e de nacionalidade brasileira.

Todos eles se inscreveram e, depois de eleitos pela Corregedoria Geral da Justiça, passaram por um curso de treinamento ministrado pelo juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos, da 6ª Vara de Família de Salvador, e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família na Bahia (IBDFAM/Bahia).

Segundo o corregedor geral da Justiça, desembargador José Olegário Monção Caldas, a designação desses 20 juízes voluntários “está alinhada com as ações de valorização do primeiro grau desenvolvidas pela atual administração do Tribunal de Justiça da Bahia”.

O corregedor acrescentou que todos irão ajudar na realização dos casamentos, que saíram do Fórum das Famílias e foram para os bairros, onde estão sendo promovidos em escolas da rede pública.

Também de acordo com o desembargador, até a publicação de uma lei que disponha sobre a eleição de juízes não togados, a Corregedoria Geral da Justiça continuará a designar os juízes de paz para atuação junto aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Salvador.

“Enquanto não existir uma legislação específica, a cada quatro anos os juízes de paz não togados e voluntários serão reconduzidos aos cargos para o período seguinte, se não houver sucessores”, completou o desembargador José Olegário Monção Caldas.

Fonte: TJ/BA | 25/07/2014.

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