SINTER: a Federação, o Judiciário e os Registros Públicos

* Emanuel Costa Santos

“Uma boa garapa não se transmuda em vinho por vontade do vinicultor; ainda que um sommelier ateste se tratar de excelente vinho, não passará de garapa”

No último dia 02 tomei conhecimento da versão de minuta de Decreto datada de 31 de março deste ano, que se propõe a regulamentar o Registro Eletrônico previsto na Lei Federal 11.977/2009 e a instituir o SINTER – Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, gestado para funcionar no âmbito do Governo Federal.

Há avanços consideráveis no texto proposto, sem dúvida, assim como se reconhece a necessidade do país, para definir suas políticas estratégicas, possuir base segura que relacione fontes importantes sobre bens imóveis.

O mérito e os avanços, todavia, não superam o vício de origem que macula boa parte trabalho até então desenvolvido. Importante esse (re)alerta não apenas como crítica desarrazoada, mas como colaboração para correção de rumos e produção por ente competente de norma legal (sentido amplo) adequada, que permita prosseguir  com a execução desse poderoso instrumento que favorece os progressos regionais e nacional e que auxilia no desenvolvimento de importantes políticas públicas.

Vício de origem ocorre, in casu, quando se ventila a produção de norma jurídica por agente que não detém a competência constitucional para tanto, invalidando-na, ainda que munida das melhores qualidades. Daí a frase de alerta que prefacia este artigo.

Não se desconhece a competência constitucional da União para legislar sobre Registros Públicos, a dizer, produzir a norma primária, o que o fez, em matéria de Registro Eletrônico, pela edição da Lei Federal nº 11.977/2009.

A partir daí surge a evidente discussão: a quem cabe produzir a norma secundária, aquela que irá regulamentar os ditames produzidos pela norma primária que, por suposto, encontra-se em conformidade com a Carta de Outubro? Em outras palavras, qual o ente competente para produzir o regulamento reclamado pela parte final do artigo 37 da Lei Federal nº 11.977/2009?

A resposta constitucional aponta para o vício de origem que ora se (re)alerta. Quando tomei contato com a primeira versão do Decreto (ao menos aquela exibida aos registradores de imóveis), à época como Coordenador da Comissão do Pensamento Registral Imobiliário e de Assuntos Legislativos do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, não hesitei em apontar esse dado de inconstitucionalidade.

Não se desconhece que daquela versão até a que hoje se apresenta houve grande evolução quanto ao mérito da matéria, o que, contudo, não transforma a garapa em vinho, a dizer, não torna legítima a produção de norma por quem não possui competência para tanto.

O Registro Eletrônico, em maior ou menor extensão, já se acha instituído em alguns Estados da Federação, de maneira absolutamente consentânea com as diretrizes constitucionais.

Elaborada a norma primária pela União, nasce a necessidade de sua regulamentação, cuja competência, no âmbito dos Registros Públicos, é inegavelmente do Poder Judiciário. Isso decorre não só de seu poder fiscalizar, previsto no artigo 236, parágrafo 1º, da Constituição Federal, mas especialmente por estarem inseridas as notas e os registros no contexto da organização judiciária, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade. Entre outros, é possível se extrair do Acórdão proferido na ADI 2.415 o posicionamento pacífico naquela Corte. De sua Ementa, resta clara a identificação da atividade notarial e de registro com o Poder Judiciário:

V – Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. (grifos nossos)

Ainda que versando sobre a criação, extinção e modificação de Serventias, restou assentado naquela Ação Direta os limites normativos da União em matéria de Registros Públicos e a estreita vinculação da atividade notarial e de registro com o Poder Judiciário e, mais especificamente, com os Tribunais de Justiça dos Estados. Observe-se o seguinte trecho, extraído do Voto do eminente Relator, Ministro Carlos Ayres Britto:

20. Ajunto: a edição de lei formal, indispensável para a criação, modificação e extinção de serventias extrajudiciais, é de competência de cada unidade federativa estadual a que estejam vinculados os serviços notariais e de registro. Assim já decidiu este Supremo Tribunal Federal na ADI 865-MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello. Sem nenhum prejuízo, aqui, da competência privativa da União para legislar sobre “registros públicos” (inciso XXV do art. 22 da CF). É como dizer: criar ou extinguir unidades do serviço notarial e de registro não importa criar e extinguir requisitos de validade dos atos jurídicos de criação, preservação, modificação, transferência e extinção de direitos e obrigações. Atos que, estes sim, incluem-se na temática dos “registros públicos”.4 Há mais: a competência para a criação de unidades do serviço notarial e de registro, além de pertencer aos Estados-membros, há de se formalizar por lei de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça, com exclusividade, por versar tal projeto de lei sobre “a alteração da organização e da divisão judiciárias”, nos termos da alínea “d” do inciso II do art. 96 e do § 1º do art. 125, ambos da Constituição Federal (entendimento majoritário deste STF, mas sobre o qual guardo reserva). Nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos: ADI 865-MC, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 1.935, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 3.373, Rel. Min. Menezes Direito; ADI 4.140, Rel. Min. Ellen Gracie; ADI 4.453-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia. (grifos nossos)

Como não cansa de repetir o Ministro Marco Aurélio de Mello, integrante daquela Corte Suprema, o Direito é orgânico, alertando para a necessidade de observância de sua organicidade.

Nesse sentido, é necessário que se diga: o Brasil adotou o modelo federativo e a ideia central de tripartição de funções do Estado, havendo clareza constitucional, pacificada nos dias que correm na Suprema Corte, de que a regulação da atividade passa necessariamente pelo crivo do Poder Judiciário e, mais especialmente, repita-se, dos Tribunais de Justiça dos Estados. Isso sem olvidar a competência regulamentar reservada ao Conselho Nacional de Justiça, por força do artigo 103-B, parágrafo 3º, inciso I, da Lei Maior.

Não observar essas noções básicas na produção da norma jurídica secundária conduz ao chamado vício de origem, que, no caso em concreto, deitará raízes no ferimento ao pacto federativo e à função estatal atribuída ao Poder Judiciário, com exclusividade.

Em uma comparação singela com o quanto ocorre na vida privada, a estruturação do Estado constitucional se assemelha em boa parte a uma associação, que é provida de associados, estatuto, instâncias de decisão, entre outros elementos essenciais. Nesse comparativo impróprio, ao povo cabe o papel de associados, detentores centrais do poder de ditar os rumos da entidade coletiva; à Constituição Federal, o papel de Estatuto Fundamental, regulador, dentre outras coisas, da distribuição de competências. É nesse Estatuto Maior que devem ser identificadas, pois, as competências das diversas instâncias de Poder do Estado.

Um olhar não tão aprofundado identificará nos incisos IV e VI do artigo 84 da Constituição Federal as matérias que podem ser dispostas por Decreto Presidencial, ali não se encontrando a regulação da atividade notarial e registral. Ainda que se alegue a generalidade da parte final do inciso IV, os decretos e regulamentos ali referidos estão limitados, por um lado, às competências materiais da União (artigos 21 e 23 da Constituição Federal) e, por outro, pela não ofensa às competências dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Sob a ótica infraconstitucional, tem-se por ratificada a competência do Poder Judiciário em matéria de regulamentação de Registro Eletrônico. É o que se colhe da leitura do parágrafo 6º do artigo 659 do Código de Processo Civil, que atribui – de forma absolutamente constitucional, diga-se – aos tribunais o estabelecimento de normas de segurança para averbação de penhora de bem imóvel operada em meio eletrônico.

Em suma, o exposto acima revela a necessidade de atentar o agente produtor da norma secundária para os limites constitucionais estabelecidos em favor da segurança jurídica, redundando a não observância em grave ofensa à harmonia entre os Poderes e ao pacto federativo. Outros preceitos fundamentais potencialmente atingidos pela substância da minuta de Decreto também merecem comentários e estudos mais aprofundados, o que pode se dar pela ampliação do debate – que, ressaltá-se, está ocorrendo em ambiente absolutamente democrático. Contudo, a tanto não se propõe esta contribuição.

______________________

* O autor é Mestre em Direito Constitucional, pós-graduado em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Llull, Barcelona, Espanha, Registrador Imobiliário e Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP e do IRIB

Fonte: iRegistradores | 03/04/2014.

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STJ: Não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula nº 332/STJ à união estável

Direito civil/constitucional – Direito de família – Contrato de locação – Fiança – Fiadora que convivia em união estável – Inexistência de outorga uxória – Dispensa – Validade da garantia – Inaplicabilidade da Súmula nº 332/STJ – 1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles – 2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento, por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição – 3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável, também uma entidade familiar, porquanto não há famílias timbradas como de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento (ato jurídico) e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica – 4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança – 5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula nº 332/STJ à união estável – 6. Recurso especial provido. 

EMENTA

DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA. FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DISPENSA. VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ. 1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles. 2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição. 3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável – também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento – ato jurídico – e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica. 4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança. 5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ à união estável. 6. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 1.299.894 – Distrito Federal – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 28.03.2014)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de fevereiro de 2014 (data do julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Esther Costa Rebello opôs embargos do devedor em face de Linea G Empreendimentos de Engenharia, aduzindo que a embargada/exequente firmara contrato de locação de imóvel comercial com Valdemir Ribeiro Martins, figurando como fiadora do mencionado contrato. Diante do inadimplemento das parcelas mensais relativas a dezembro de 2006 a novembro de 2007, a embargada/exequente ajuizou execução contra a fiadora, tendo sido o imóvel residencial desta penhorado como garantia do juízo.

Nos embargos do devedor, a fiadora alegou, fundamentalmente, nulidade da fiança em razão da falta de outorga uxória, pois convivia em união estável com Carlos Levino Vilanova desde 1975.

O Juízo de Direito da 11º Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF rejeitou os embargos, afastando todas as teses de defesa da executada (fls. 159-162).

Porém, a sentença foi reformada em grau de apelação, em razão da falta de outorga do companheiro da executada à fiança por ela prestada:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TITULO EXTRAJUDICIAL. ENCARGOS LOCATÍCIOS. FIADOR. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. 1. Tendo sido acatados os embargos de terceiro opostos pelo companheiro da embargante, para declarar nula a fiança por ela prestada, eis que realizada sem a necessária outorga uxória, há de se julgar procedentes os embargos do devedor ora opostos pela fiadora, a fim de excluí-la da execução. 2. Em que pese o Superior Tribunal de Justiça entender não ser cabível à fiadora alegar a nulidade da fiança a que deu causa, ao companheiro é admitida a oposição de embargos de terceiro quando não prestou outorga uxória na fiança prestada por seu par. 3. É nula a fiança prestada sem a outorga uxória do cônjuge/companheiro da fiadora. 4. Recurso provido (fl. 214).

Opostos embargos de declaração (fls. 226-228), foram rejeitados (fls. 231-236).

Sobreveio recurso especial apoiado na alínea "c" do permissivo constitucional, no qual alegou a recorrente a validade da fiança recebida sem outorga uxória, porquanto seria impossível o credor saber que a fiadora vivia em união estável com seu companheiro.

A recorrente sustentou, ainda, que a fiadora, no contrato levado a juízo, deve responder pelas dívidas de locação até a efetiva entrega das chaves, tal como previsto no contrato.

Contra-arrazoado (fls. 284-304), o especial foi admitido (fls. 306-308).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A controvérsia analisada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, e que foi devolvida a esta Corte, consiste em saber se é válida a fiança prestada durante união estável, sem a outorga do outro companheiro. Registro o teor da Súmula n. 332/STJ, editada depois de vários precedentes que analisaram a questão – sempre no âmbito do casamento:

Súmula n. 332: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

3. De fato, já é conhecida a posição defendida pela majoritária doutrina – e por mim abraçada em mais de uma oportunidade nesta Casa – acerca da inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002, seja porque confere tratamento diferenciado entre casamento e união estável em matéria na qual se mostra injustificável tal distinção, seja porque, a propósito de disciplinar de modo diverso os dois institutos, acaba, de forma canhestra, conferido tratamento discriminatório aos filhos, a depender se são nascidos de casamento ou de união estável, o que conflita frontalmente com o art. 227, § 6º, da Constituição Federal.

O tema já foi submetido à Corte Especial, mas esta não conheceu do incidente por questões formais de admissibilidade (AI no REsp 1135354/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2012).

Posteriormente, outros dois recursos foram afetados para a Corte Especial: AI no REsp 1291636/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2013; AI no REsp 1318249/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2013, que pendem de julgamento.

O tema recebeu crivo positivo de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal:

UNIÃO ESTÁVEL – COMPANHEIROS – SUCESSÃO – ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL – COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo 226 da Constituição Federal, nas hipóteses de sucessão em união estável homoafetiva, ante a limitação contida no artigo 1.790 do Código Civil (RE 646721 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 10/11/2011).

3.1. Nessa esteira, cumpre para logo ressaltar, todavia, que nunca foi afirmada a completa e inexorável coincidência entre os institutos da união estável e do casamento.

Na verdade, apenas se afirmou que não há superioridade familiar do casamento ou predileção constitucional por este.

Nesse ponto, é bem verdade que, parte da doutrina – no que foi seguida, em alguma medida, pela jurisprudência – tenta justificar eventual tratamento diferenciado dado às uniões estáveis, comparativamente ao casamento, acionando-se a parte final do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, verbis:

Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Afirma-se que união estável e casamento são entidades distintas, pois, caso se tratassem de entidades idênticas, não teria a Constituição previsto a possibilidade de conversão da união estável em casamento.

O mencionado dispositivo constitucional, segundo penso, consubstancia apenas uma fórmula de facilitação da conversão. A união estável pode – se assim desejarem os conviventes – converter-se em casamento. Cuida-se de comando direcionado ao legislador ordinário e aos agentes públicos para que, se for o desejo dos companheiros, não embaracem a conversão da união estável em casamento.

Penso que a parte final do § 3º do art. 226 da CF/1988 é simples constatação de que, natural e faticamente, em razão da informalidade dos vínculos, a união estável é mais fragilizada que o casamento e, por isso mesmo, propicia menos segurança aos conviventes.

Assim, é tão somente em razão da natural insegurança e fragilidade dos vínculos existentes na união estável, que a lei deve facilitar sua conversão em casamento, ciente o constituinte originário que é pelo casamento que o Estado melhor protege a família.

3.2. Na verdade, o que se mostra relevante para a construção de uma jurisprudência consistente acerca do tema é saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles, o que já foi por mim manifestado em voto proferido na citada AI no REsp 1.135.354/PB.

Nesse passo, toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo cartorário chamado "casamento civil".

Portanto, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável – também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento – ato jurídico – e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica.

De fato – sem que se pretenda enumerar à exaustão -, são vários os casos em que os efeitos decorrentes do instrumento formal do casamento justificam o tratamento distinto entre ele e a união estável.

São hipóteses que decorrem diretamente da solenidade e da publicidade do ato jurídico, atributos que perecem ser, "aos olhos do legislador, a forma de assegurar a terceiros interessados a ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoal, patrimônio sucessório e assim por diante" (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 409-410).

Assim, se alguém pretender negociar com pessoas casadas, é imperioso que saiba o regime de bens e, eventualmente, a projeção da negociação no patrimônio do consorte; a outorga uxória para a prestação de fiança também é hipótese que demanda "absoluta certeza, por parte dos interessados, quanto à disciplina dos bens vigente, segurança que só se obtém pelo ato solene do casamento" (TEPEDINO, Gustavo. Ibidem ).

4. Um dos paradigmas colacionados para o confronto – o qual, adiante-se, julgo apto à comprovação do dissídio – fornece bem a visão prática do que ora se afirma. Entendeu o julgado ser válida a hipoteca dada por um companheiro sem a outorga do outro (Resp 952141/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2007, DJ 01/08/2007).

O saudoso relator afirmou:

Era impossível que o banco exigisse do devedor a "outorga uxória", ou ato que o valha, pois não tinha como saber da existência da união estável.

Ora, garantir à recorrida o direito à meação é legitimar a atitude condenável de seu companheiro, que omitiu a existência da união estável.

A má-fé do devedor não pode prejudicar o credor, especialmente se este último não tem como se proteger.

[…]

A se admitir que a recorrida ponha a salvo sua meação, em prejuízo do banco recorrente, estaríamos estimulando a conduta desleal do devedor.

A possibilidade de fraudes seria enorme, até porque não é possível que o credor tenha ciência inequívoca da situação de fato em que se envolve o devedor.

A existência da união estável, embora tenha repercussão jurídica, é um fato da vida. Não há exigência de que seja registrada para que exista!

Com efeito, voltando ao exame do caso em julgamento, a exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por aquele aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável se justifica. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança.

Na mesma linha, não parece nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória do outro companheiro.

De resto, a celebração de escritura pública entre os consortes não afasta essa conclusão, porquanto não é ela própria o ato constitutivo da união estável. Presta-se apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina.

Ademais, por não alterar o estado civil dos conviventes, para que dela tivesse conhecimento, o contratante deveria percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que se mostra inviável e inexigível.

5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para, julgando válida a fiança prestada, rejeitar os embargos do devedor.

Por consequência, condeno o embargante/recorrida ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, os quais ora fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base no art. 20, § 4º, do CPC.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente, do mesmo modo, cumprimento o Sr. Ministro Relator e subscrevo integralmente o voto de S. Exa.

DOU PROVIMENTO ao recurso especial.

Fonte: STJ.

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Quatro estados tem inscrições abertas para concursos de cartórios extrajudiciais

Quatro estados estão com as inscrições abertas para concursos de cartórios extrajudiciais. Confira:

Minas Gerais

O TJMG publicou o Edital 01/2014 do concurso para a outorga de 456 delegações de notas e de registro do Estado de Minas Gerais.  As inscrições podem ser feitas até 9 de abril, pelo site da Consulplan.

São 304 vagas para provimento e 152 para remoção, com reserva de 10% para candidatos com deficiência. Podem concorrer às vagas de provimento bacharéis em direito ou quem tenha dez anos de função em serviço notarial e de registro. Já as vagas de remoção são para os titulares de outra delegação que já tenham dois anos.

A prova objetiva de seleção será realizada em Belo Horizonte, no dia 24 de maio, para o critério de remoção, e, no dia 25 de maio, para o critério de provimento

Bahia

O Tribunal de Justiça da Bahia reabriu as inscrições do concurso público para 1.383 vagas para titulares de cartórios de notas e registros do estado – 922 para provimento e 461 para remoção. Serão reservados aos candidatos com deficiência 5% das vagas previstas. No site do Cespe/UnB, é possível ver o edital.

As inscrições podem ser feitas até o dia 11 de abril pelo endereço eletrônico da Cespe/UNB. A taxa é R$ 200,00, para cada opção feita pelo candidato, por critério de delegação.

A aplicação da prova objetiva de seleção está prevista para o dia 29 de junho, em Salvador, no turno da manhã para os candidatos a provimento e no turno da tarde para  remoção.

São Paulo

O TJSP, por sua vez, republicou edital de concurso público com oferta de 216 vagas para titulares de cartórios de notas e registros do estado – são 150 vagas para ingresso e 66 remoção de pessoas que já exerçam a titularidade de outra delegação, de notas ou de registro, no Estado de São Paulo, por mais de dois anos. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas até o dia 11 de abril pelo site da Vunesp, onde é possível consultar o edital.

Próximo: Sergipe

O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE) oferece 53 vagas em um concurso público para outorga de delegações de serventias extrajudiciais de notas e de registro. As inscrições serão abertas no dia 15 de abril e poderão ser feitas até o dia 5 de maio. Clique aqui para fazer a sua inscrição.

O concurso terá de seis etapas, todas elas serão realizadas em Aracaju (SE). A primeira será uma prova objetiva de seleção, prevista para ser aplicada no dia 20 de julho. A segunda será uma prova escrita e prática, prevista para ser aplicada no dia 30 de agosto.

A terceira etapa será a comprovação de requisitos para outorga das delegações. A fase seguinte será de realização do exame psicotécnico e entrega do laudo neuropsiquiátrico, entrevista pessoal e análise da vida pregressa. A quinta etapa será uma prova oral e a sexta etapa será a avaliação de títulos. Mais informações podem ser obtidas no edital, clique aqui.

Fonte: Concurso de Cartório (http://concursodecartorio.com.br/) | 03/04/2014.

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