2ªVRP/SP: Transcrição de certidão de casamento estrangeiro. Dispensa da apresentação da certidão do casamento anterior (realizado no exterior) com prova da dissolução. Situação excepcional.

2ª VRP/SP: Transcrição de certidão de casamento estrangeiro. Dispensa da apresentação da certidão do casamento anterior (realizado no exterior) com prova da dissolução. Situação excepcional. EMENTA NÃO OFICIAL.

Processo 1051872-43.2014.8.26.0100 – Alteração do Regime de Bens – REGISTROS PÚBLICOS – L.A.B. e outro – VISTOS. Cuida-se de expediente instaurado por Livia Agnes Bleier, relacionado com o registro de transcrição de certidão de casamento estrangeiro do casal George Bleier e Livia Agnes Bleier, perante o Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito – Sé, nesta Capital, e averbação do regime de bens, requerendo a dispensa da apresentação da certidão do casamento estrangeiro anterior com prova da dissolução. Aduz a interessada que não detem a documentação atinente ao primeiro casamento e sua dissolução ocorridos na Hungria, em data anterior a 1.950, para cumprir a exigência necessária à transcrição da certidão de seu casamento estrangeiro posteriormente realizado na Inglaterra. A Oficial Registradora manifestou-se, esclarecendo que, ante a documentação apresentada, o regime de bens poderá ser averbado (fl. 33). O Ministério Público ofereceu manifestação (fl. 40). É o breve relatório. DECIDO. Trata-se de procedimento instaurado por Livia Agnes Bleier, relacionado com o registro de transcrição de certidão de casamento estrangeiro de George Bleier e Livia Agnes Bleier, perante o Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito – Sé, nesta Capital, e averbação do regime de bens, requerendo a dispensa da apresentação da certidão do casamento anterior com prova da dissolução. Analisando a certidão do segundo casamento realizado na Inglaterra, em que consta o estado civil de divorciada da interessada, inclusive com os dados de seu primeiro esposo, sobrenome de casamento anterior e de solteira (fl. 11), depreende-se que, no momento da habilitação do casamento, foram observadas as cautelas e formalidades legais mediante a apresentação dos documentos pertinentes, propiciando, assim, a celebração do matrimônio na Inglaterra. De outro lado, oportuno mencionar que a exigência insculpida na alínea b, do item 159, do Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e que ora se requer a dispensa, visa possibilitar anotações e comunicações de registros em atos registrários anteriores, em conformidade com o que determina o art. 106, da Lei nº 6.015/73. Considerando que o casamento anterior da interessada encontra-se registrado em Estado estrangeiro, qual seja: Hungria, afigura-se, concretamente, prejudicado o cumprimento dessa anotação pela Serventia Extrajudicial. Logo, ainda que a certidão do casamento anterior fosse por ela apresentada para transcrição do casamento da Inglaterra, não seria possível a observância do art. 106 da Lei de Registros Públicos, emergindo daí que a não apresentação do documento, que ora se requer a dispensa, não acarretará prejuízo, mormente se considerado que a observância das cautelas e formalidades legais permitiram a efetiva celebração do segundo enlace na Inglaterra. Desta feita, a situação da interessada Agnes Bleier reclama, em caráter excepcional, o abrandamento das exigências da alínea b do item 159, Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no que tange à apresentação de documento consubstanciado em certidão de casamento anterior com prova da sua dissolução. Para acesso ao Livro E, na espécie, sopesada a peculiaridade do caso, reputo justificada a ausência da certidão do casamento anterior realizado na Hungria com prova da dissolução, louvando-se, para a finalidade almejada, na certidão do segundo casamento celebrado na Inglaterra, que contém os dados necessários para a transcrição. A circunstância peculiar da hipótese autoriza o acolhimento do requerimento deduzido à fl. 36, sob pena de incidência no excesso de juridicidade, a que se refere à máxima, “summum jus, summa injuria” (sumo direito é suma injustiça), de todo inaceitável. Quanto à averbação do regime de bens, que não consta da certidão de casamento a ser transcrita (fl. 11), o parecer assinado pelo consultor jurídico Barry Michael Wolfe (fls. 6/7) é passível de comprovação do regime de bens, conforme observado pela dedicada Oficial Registradora a fl. 33, nos termo do item 159.3, do Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoira Geral da Justiça. Em face do exposto, em caráter excepcional, autorizo a transcrição da certidão de casamento reproduzida a fl. 11, com a subsequente averbação do regime de bens, dispensando a apresentação de certidão do casamento anterior realizado na Hungria com prova de sua dissolução. Ciência aos interessados, ao Ministério Público e à Oficial. Comunique-se a decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça. P.R.I.C. – ADV: MIGUEL VIGNOLA (OAB 19633/SP)

(…)

Fonte: DJE/SP | 26/11/2014.

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STJ: Garante que oferece imóvel em hipoteca pode ser executado individualmente como devedor

Aquele que, por meio de hipoteca, oferece imóvel próprio em garantia de dívida de terceiro pode ser executado como devedor, individualmente, tendo em vista a autonomia do título executivo constituído pela garantia real. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a legitimidade de dois garantes para figurar no polo passivo da execução e no polo ativo dos embargos de devedor.

O colegiado, de forma unânime, seguiu o entendimento do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, acolhendo o pedido do credor para que o processo retorne ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), a fim de que sejam julgadas as demais questões dos recursos de apelação interpostos por ambas as partes.

No caso, os garantes opuseram embargos à execução, por meio dos quais sustentaram a nulidade da hipoteca que recaiu sobre imóvel de sua propriedade e a anulabilidade da escritura de confissão de dívida que embasa a execução.

Invocaram, ainda, a proteção constitucional à família e à moradia, o direito de propriedade, a impenhorabilidade do bem de família, a ineficácia do título executivo extrajudicial e o caráter supostamente abusivo dos juros exigidos.

Ilegitimidade

O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação incidental. As partes interpuseram apelações.

No julgamento dos recursos, o TJRS concluiu pela ilegitimidade de intervenientes hipotecantes para figurar no polo passivo de uma execução, como também no polo ativo de embargos do devedor, condição que somente a empresa devedora ostentaria.

De acordo com o tribunal estadual, os embargantes figuraram na confissão de dívida apenas como garantes da obrigação.

Garantia real

Em seu voto, o ministro Antonio Carlos Ferreira destacou que o negócio acessório – a garantia real – ganha autonomia em relação ao principal, para efeito de viabilizar a execução direta daquele que ofertou o bem imóvel em hipoteca. Segundo ele, o hipotecante figura como devedor, subsumindo-se à hipótese do artigo 568, I, do Código de Processo Civil (CPC).

“A análise, neste caso, não deve passar pelo julgamento sobre quem é o devedor da obrigação dita principal ou originária. O que se tem aqui é um título executivo, relativamente autônomo, que permite que seja executado diretamente o garante, que ofertou em hipoteca bem de sua propriedade”, afirmou o relator.

Segundo ele, há precedentes sobre isso no STJ, onde sempre prevaleceu o entendimento de que o terceiro garante é parte legítima para figurar em execução fundada em contrato que se qualifica como título executivo extrajudicial, porque enquadrado na hipótese do artigo 585, III, primeira parte, do CPC.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1230252.

Fonte: STJ | 26/11/2014.

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Artigo: Cláusula de inalienabilidade na doação de imóveis – Por Frank Wendel Chossani

* Frank Wendel Chossani

Considerando os diferentes tipos de escrituras lavradas nas Serventias Notariais, certamente a doação de bens imóveis tem grande trânsito.

Nos termos do artigo 538 do Código Civil, “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Na doação, a transferência do patrimônio é advinda da munificência do doador.

Prevê a lei que “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular” (art. 544 – Código Civil). Lembrando que, nos casos de bens imóveis, cujo valor supere trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, a escritura pública é essencial à validade do negócio jurídico (art. 108 – Código Civil).

Fato que ora ou outra ocorre na doação, é a intenção dos doadores de constar na escritura a imposição de cláusulas sobre os bens doados, e isso em decorrência de vários fatores – exemplo disso, são as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade (art. 1.911 – Código Civil).

Por certo que o tema não é novo, tanto que o Decreto nº 1.839, de 31 de Dezembro de 1907, que regulava o deferimento da herança no caso da sucessão “ab intestato”, já admitia que fosse estabelecida condições de inalienabilidade pelo testador, sobre os bens dos herdeiros ou legatários (art. 3º)[1]. Todavia, em que pese o tema seja arcaico, ele continua sendo pertinente, e faz parte da realidade contratual brasileira, sendo objeto do trabalho dos Tabeliães de Notas, e Oficiais de Registro de Imóveis de todo o Brasil.

A imposição da cláusula inalienabilidade, como o nome sugere, implica diretamente no direito de propriedade, haja vista que a faculdade que tem o proprietário de dispor da coisa, sofrerá limitação. Tal situação (limitação à faculdade de dispor) não é exclusiva das doações, podendo recair também sobre bens no caso de sucessão legítima ou testamentária. A regra é que a gravação de tais cláusulas só pode ocorrer em atos gratuitos.

Sem desmerecer a possibilidade da cláusula de inalienabilidade sobre bens no caso de sucessão legítima ou testamentária, na oportunidade, em fidelidade ao título do artigo em ponto, trataremos apenas, ainda que de forma breve, sobre a cláusula de inalienabilidade na escritura de doação de bens imóveis.

O consagrado Registrador Imobiliário Ademar Fioranelli, conceitua a inalienabilidade como “a restrição imposta ao beneficiado de poder dispor da coisa, ou seja, de aliená-la. Por força dessa circunstância, o imóvel não pode ser alienado a qualquer título (venda, doação, permuta, dação em pagamento, alienação fiduciária), nem onerado com hipoteca; nem tampouco sobre ele será possível constituir direitos reais de anticrese e outros mencionados no art. 1.225 do Código Civil/2002”.[2]

É como se a manifestação de vontade do doador ou testador, tivesse o poder de fazer com determinado bem seja incorporado “ad eternum” ao patrimônio do beneficiado. No entanto tal perpetuidade não é verdadeira, haja vista que a limitação se restringe a uma geração, isto é: ao tempo de vida do beneficiado.

Através da inalienabilidade, configurada está a mitigação ao exercício do direito de propriedade, no que toca a faculdade de dispor, previsto no artigo 1.228 do Código Civil. Daí se faz necessário o entendimento, já consolidado, a respeito do limite de duração da gravação, de modo que o tempo se limita a uma geração, pois do contrário afetada estaria, por descomedido tempo, o tráfego imobiliário e a circulação de riqueza.

Como a inalienabilidade restringe, ainda que por “pouco tempo” a circulação de riqueza, é de bom senso compreender que a ninguém é licito declarar como inalienáveis os próprios bens; e outra não poderia ser a solução, haja vista que, com a imposição da inalienabilidade, o bem automaticamente, nos termos da lei (art. 1.911 do Código Civil), estaria amparado pela impenhorabilidade e a imprescritibilidade, o que geraria grandes dificuldades, como por exemplo no campo das execuções, considerando que nos casos de execuções, a garantia do pagamento é consubstanciada no patrimônio do devedor (artigo 591 – Código de Processo Civil).

Das premissas arguidas, é de se compreender que, em regra, a inalienabilidade, bem como a impenhorabilidade e a imprescritibilidade, só pode imposta em atos gratuitos – testamento ou doação. Permitir tal imposição em qualquer negócio jurídico de forma indiscriminada geraria grande insegurança às relações negociais.

Quanto à imposição das cláusulas somente em atos gratuitos (doação e/ou testamento), surge grande discussão acadêmica no que toca a doação de numerário para a aquisição de bens. Através de tal situação, na casuística, o doador ao invés de doar o imóvel propriamente dito, doa o dinheiro para que o donatário adquira o imóvel.

Sobre os debates acadêmicas ligados ao tipo de doação mencionado, faço menção ao nobre mestre e registrador Doutor Sérgio Jacomino (“Doação Modal e Imposição de Cláusulas Restritivas”, in “Estudos de Direito Registral Imobiliário – XXV e XXVI Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – São Paulo/1998 – Recife/1999”, IRIB e safE, 2000, págs. 281 a 295) que sustentou a impossibilidade do doador de numerário clausular o bem a ser adquirido pelo donatário. De outro modo, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, superando a própria posição alhures, entendeu pela possibilidade da imposição[3].

Outra situação digna de menção, no que toca a inalienabilidade, ocorre no chamado “bem de família voluntário” (art. 1.711 a 1.722 – Código Civil).

Como a ninguém é dado declarar como inalienável o próprio bem, a regra é que a inalienabilidade decorra da declaração de vontade de terceiro. No entanto, no bem de família voluntário, cujo procedimento registral esta previsto no previsto nos art. 260 a 265 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), os próprios cônjuges, ou a entidade familiar, podem, mediante escritura pública ou testamento, e desde que respeitado o limite de até um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, impedir que o bem que foi voluntariamente destinado como “de família” seja objeto de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo alguns casos de específicos, como obrigações “propter rem”, por exemplo.

Cabível na oportunidade a transcrição do artigo 260 da LRP:

 Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida.

Necessário lembrar que o bem de família voluntário, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis (art. 1.714 – Código Civil e Art. 167, inciso I, número 1 da LRP), situação que não se confunde com a cláusula de inalienabilidade imposta em escritura de doação, uma vez que esta ingressa no Registro Imobiliário por ato de averbação. Assim, expressa na escritura de doação a cláusula de inalienabilidade, ou ainda de impenhorabilidade ou imprescritibilidade, o seu ingresso no Registro de Imóveis, bem como o seu cancelamento, será por ato de averbação, nos termos do artigo 167, II, número 11 da Lei dos Registros Públicos.

Tratando do assunto, o já citado, Doutor Ademar Fioranelli, ensina que “a eventual falta de averbação de cláusulas restritivas nos Cartórios de Registro de Imóveis espelha tanto a desatenção no exame do título, quanto o desconhecimento do alcance dos objetivos das restrições estabelecidas, sejam estas estabelecidas por manifestação de vontade (doação e testamento), sejam decorrentes da lei. Tal fato poderá acarretar irreparáveis prejuízos às partes, sem falar na eventual e consequente responsabilidade para o registrador ou notário” (Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial – Coordenação Sérgio Jacomino – Ed. Saraiva – 2009, p.2).

Importante destacar que a averbação de cláusula de inalienabilidade não é extensiva aos frutos e rendimentos. Aliás, nesse sentido, conforme noticia veiculada no Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), posicionou-se o IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, ao afirmar que segundo a base legal, “sobreditas cláusulas de restrição ao direito de propriedade recaem apenas sobre o imóvel, sem nenhum espaço para frutos e rendimentos”[4], de modo que não há base legal para qualquer averbação quanto a extensão aos frutos e rendimentos.

Com isso, ainda segundo o IRIB, na referência atribuída, “caso o interessado resolva dar a devida publicidade a tais cláusulas, no que se reporta a extensão aos frutos e rendimentos de determinado bem, deverá assim fazer perante o Oficial de Registro de Títulos e Documentos, como previsto no artigo 127, parágrafo único, da Lei 6.015/73, que assim se expressa: “Caberá ao registro de Títulos e Documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício”. Desta forma, quando o Oficial Imobiliário receber em seus Serviços título que indique cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre determinado imóvel, com clara extensão das mesmas aos seus frutos e rendimentos, deve ele se ater em lançamentos que mostrem tais gravames a incidir apenas sobre os direitos de propriedade do imóvel em questão, sem qualquer notícia quanto a extensão aqui em comento, que vão envolver também os frutos e rendimentos do respectivo bem, por falta de amparo legal para assim fazer”.

Outra faceta da cláusula de inalienabilidade que é digna de estudo, diz respeito ao limite patrimonial da sua imposição nos casos do doador possuir herdeiros necessários. Embora, em regra, a cláusula de inalienabilidade, bem como as demais, só pode ser constituída em atos gratuitos (testamento ou doação), tal gravação não pode ser imposta de qualquer maneira, isso porque, no caso da doação, o doador só pode impor tal cláusula (de forma injustificada), quando o bem doado sair da parte disponível do seu patrimônio. Assim, a princípio, uma vez que o bem doado não interfira no valor da legítima, a imposição injustificada da cláusula de inalienabilidade será perfeitamente possível.

No entanto, caso a doação configure adiantamento da legítima, em tal caso, necessariamente deverá ocorrer justificativa para tal imposição (art. 1.848 do Código Civil).

Nesse sentido, importantes são os dizeres constantes do Código Civil Comentado, coordenado pelo ilustre Cezar Peluso, no sentido de que “o legislador optou por solução intermediária entre a do Código Civil de 1916, que permitia livre imposição das cláusulas à legitima, e a propugnada por grande parte da doutrina de abolir essas cláusulas, por retirarem bens do comércio, impedindo a circulação de riquezas, e também por serem resquício de mentalidade patriarcal”[5].

Tratando do assunto, mas no âmbito do testamento, ensina o saudoso jurista Silvio Rodrigues que “as restrições legais para a imposição das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade só dizem respeito aos bens da legítima. Se o testador não tiver herdeiros necessários, poderá dispor livremente de todos os seus bens, impondo as cláusulas que bem entender, e, mesmo que tenha herdeiros necessários, pode, sem limitação alguma, gravar os bens que integram a sua metade disponível” (Direito Civil, Direito das Sucessões, vol. VII, p. 127).

Há que se notar que no caso de adiantamento de legítima a “justificativa” (causa) para clausular o bem, deve ser “justa” (justa causa), de modo que não são suficientes justificativas genéricas por parte dos doadores, como simplesmente “preservar o patrimônio da família”, ou “garantir o patrimônio do beneficiado”.

Mauro Antonini, em sua obra, ensina que “não serão válidas, por conseguinte, indicações genéricas, sem singularidade em face do herdeiro que sofrerá a restrição; nem puramente subjetivas, que impeçam a referida apreciação posterior. O que significa, por exemplo, que não atenderá ao requisito da explicitação da justa causa a imposição de inalienabilidade mediante simples afirmação de que visa a proteção do herdeiro, pois essa é a finalidade genérica da cláusula, sem nenhuma especificidade em face de um determinado testamento. Ainda exemplificando, também será insuficiente a alegação de que o cônjuge herdeiro, na cláusula de incomunicabilidade, não é pessoa confiável, sem indicação de algum aspecto passível de apreciação objetiva”. (ANTONINI, Mauro in “Código Civil Comentado”. Coordenador: Cezar Peluso, Manole, 3ª Ed., São Paulo, 2009, p. 2.083).

Diante das particularidades expostas, o Tabelião de Notas deve alertar o doador, no momento da lavratura da competente escritura, sobre a necessidade de embasar de forma substancial a justificativa para a imposição da cláusula de inalienabilidade nos casos em que a doação se tratar de adiantamento da legítima, pois do contrário o ato poderá sofrer alteração em decorrência de eventual decisão, ante a sua eventual impugnação perante o Poder Judiciário.

Para concluir, uma vez apresentados os documentos e protocolizados para a lavratura da escritura de doação, o Notário além de todos os requisitos inerentes ao ato, deve, uma vez manifesta pelo doador a intenção de impor a cláusula de inalienabilidade, verificar se a doação é oriunda da porção disponível do patrimônio do doador, e caso não seja, deve esclarecer ao mesmo sobre a necessidade da justificativa substancial para a imposição da cláusula, salientando ao usuário que, ainda assim, o donatário, poderá submeter o título á apreciação do Judiciário. Por sua vez, o Oficial do Registro de Imóveis, ao recepcionar o título, deve empreender toda a sua diligência na análise do mesmo, e uma vez preenchidos os requisitos, promover o registro do título, averbando a cláusula existente, lembrando sempre, que nos termos do item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ/SP, “incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

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[1] Decreto nº 1.839, de 31 de Dezembro de 1907 – Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1907, 19º da Republica – AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA – “Art. 3º: O direito dos herdeiros, mencionados no artigo precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras especies os bens que constituirem a legitima, prescreva-lhes a incommunicabilidade, attribua á mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporaria ou vitalicia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentaria e, na falta desta, a transferencia dos bens aos herdeiros legitimos, desembaraçados de qualquer ônus”.

[2] Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial – Coordenação Sérgio Jacomino – Ed. Saraiva – 2009, p.20.
 
[3] ACÓRDÃO CSM – DATA: 8/10/2001 – FONTE: 078532-0/3 – LOCALIDADE: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – Relator: LUÍS DE MACEDO- DOAÇÃO MODAL. INALIENABILIDADE. IMPENHORABILIDADE. INCOMUNICABILIDADE. USUFRUTO VITALÍCIO. AQUISIÇÃO – NUA-PROPRIEDADE. Ementa: “Escritura pública relativa à doação de numerário para a compra da nua-propriedade de imóveis com imposição, pelos doadores, de cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade e à compra, do usufruto vitalício. Possibilidade”.

[4] Questão esclarece acerca da possibilidade de averbação de cláusula de inalienabilidade entre outros temas – publicada em 23/10/2014 – fonte iRegistradores. Noticia veiculada no site do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP). Disponível em:http://www.cnbsp.org.br/(X(1)S(l5py5r45ldqjolfy5jxvxyix))/Noticias_leia

mais.aspx?NewsID=7828&TipoCategoria=1. Consulta aos 14 nov. 2014.

[5] Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 4 ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2010, p. 2177).

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Fonte: Notariado | 24/11/2014.

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