CSM/SP: Registro Civil de Pessoa Jurídica – Organização religiosa – Liberdade absoluta de criação – Inexistência de direito absoluto – Necessidade de observar as regras atinentes às associações, respeitadas as peculiaridades das organizações religiosas – Recurso não provido


  
 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0018134-71.2014.8.26.0071

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0018134-71.2014.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante SÍNODO DE BAURU, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.

São Paulo, 9 de novembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0018134-71.2014.8.26.0071

Apelante: Sínodo de Bauru

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Bauru

VOTO N° 29.037

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Organização religiosa – Liberdade absoluta de criação – Inexistência de direito absoluto – Necessidade de observar as regras atinentes às associações, respeitadas as peculiaridades das organizações religiosas – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por SÍNODO DE BAURU, objetivando a reforma da r. decisão de fls. 227/228 que manteve a recusa do Oficial de Registro Civil de pessoa Jurídica de Bauru em registrar o seu estatuto e a ata de organização, por descumprimento aos artigos 54 todos do Código Civil.

Alega, em suma, que: a) o registro pretendido tem amparo no art. 44, §1°, do Código Civil, no art. 5°, VI, e art. 19, I, ambos da CF; b) as exigências já se encontram atendidas na redação do estatuto; c) o estatuto dispõe que os regramentos supletivos devem ser a Constituição da Igreja Presbiteriana Brasileira, o Código de Disciplina, princípios da liturgia e leis do país; d) o art. 18, do estatuto, estabelece os quóruns de instalação e deliberação, e as atribuições da entidade; e) a composição e mandato dos membros da diretoria constam do art. 10; f) a perda ou renúncia de mandato e outras medidas a serem aplicadas aos membros da comissão executiva estão disciplinadas na Constituição da Igreja Presbiteriana, aplicável ao estatuto por força do seu art. 28; g) inaplicabilidade dos critérios de admissão, demissão, direitos, deveres e exclusão de associados ao Sínodo, cuja composição se dá nos termos dos arts. 1° e 4° do Estatuto, porque o Sínodo não tem esses poderes; h) as fontes de recursos para a sua manutenção estão nos arts. 5°, 6° e 7°, e, ainda, são provenientes dos Presbitérios que o compõem, conforme previsto no art. 70, “p”, da Constituição da Igreja Presbiteriana; i) o quórum e procedimento de reforma do estatuto encontram-se nos arts. 18, §e 30, do estatuto; e j) o art. 29 estabelece o destino dos bens do Sínodo em caso de dissolução.

Contrarrazões às fls. 252/253.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 261/265)

É o relatório.

Dispõe o art. 44, §1°, do Código Civil:

São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

Ao comentar o dispositivo, Lamana Paiva [1] observa que o texto oferece uma ideia errônea acerca da possibilidade de formação e registro das organizações religiosas, parecendo conferir-lhes uma “imunidade legal” que em verdade não têm. Aduz inexistir essa pretensa liberdade absoluta de criação das organizações religiosas, pois não existe exercício ilimitado de direito, mormente quando esse direito tenha a pretensão de ser oposto, pelos particulares, à soberania do Estado. Depois de citar o Enunciado n. 143, da III Jornada de Direito Civil, promovida pela CEJ-CNJ, destaca que a expressão “negar registro”, contida no § 1º, do art. 44, apenas veda que o registrador, imotivada e simplesmente, negue o deferimento de registro, podendo, destarte, fazer exigências.

Por tudo isso, conclui que a qualificação negativa do registrador, desde que amparada na lei, não pode ser confundida ou interpretada como tentativa de embaraço ao funcionamento das igrejas e cultos religiosos. E que a ingerência vedada constitucionalmente diz respeito àquelas indevidas intromissões dos agentes públicos de qualquer nível da Administração Pública nas atividades internas das organizações religiosas, seus cultos, liturgias, credos e atos de gestão que consubstanciam, afinal, seu funcionamento.

Recentemente a Corregedoria aprovou parecer da lavra da MMª. Juíza Assessora Ana Luiza Villa Nova, em que se discutiu a liberdade da organização religiosa em contraposição ao atendimento dos princípios registrais.

Naquela ocasião restou definido:

A liberdade de organização é restrita às finalidades de culto e liturgia, porém, quanto ao cumprimento das exigências legais, não há previsão de dispensa, ou seja, a entidade religiosa, como pessoa jurídica de direito privado que é, tem o dever de observar as determinações legais [2].

Assim, estabelecida a possibilidade de o registrador exercer o seu poder-dever de qualificar os títulos referentes às organizações religiosas, passo ao exame das exigências feitas.

O Código Civil não traz regramento específico para as organizações religiosas, o que impõe, pela semelhança e proximidade, a utilização – no que couber – do formato previsto para as associações.

Arnaldo Rizzardo observa que a forma livre de constituição das organizações não dispensa a observância de requisitos mínimos, que são os das associações, pela semelhança de natureza [3].

Assim, desde que com temperamento e, no que couber, a utilização das regras afetas às associações em nada afeta a liberdade religiosa consagrada na Constituição Federal.

Segundo a nota devolutiva, o estatuto não foi registrado por faltar: 1) órgão deliberativo, com sua forma de constituição e funcionamento; 2) competência e quóruns necessários do órgão deliberativo (CC 59); 3) critérios para perda de mandato e renúncia dos membros da diretoria executiva (CC 59, I); 4) critérios de admissão, demissão, direitos, deveres e exclusão de associados (CC, 54, II, 55, 56, 57, 58 e 59); 5) fontes de recursos para a manutenção; 6) dizer se o estatuto é reformável ou não (CC 54, IV); 7) critérios para a dissolução da entidade (CC 60 e 61).

Embora a recorrente alegue que o Estatuto, no Capítulo II, é claro em definir os membros que compõem a Assembleia Plenária, há apenas menção sobre os membros efetivos do Sínodo – e não da referida Assembleia – sem fazer, ainda, qualquer alusão às formas de constituição e funcionamento do órgão deliberativo, estando, assim, em desacordo com o art. 54, V, do Código Civil.

A expressão “quórum do Sínodo”, no art. 18, parece querer se referir à Assembleia Plenária, que seria o órgão máximo da recorrente. Contudo, é preciso que essa circunstância seja devidamente esclarecida por meio de retificação na redação do artigo.

Em relação à omissão de critérios para a perda mandato, renúncia e outras medidas e serem aplicadas aos membros da Comissão Executiva, não se pode acolher a alegação da recorrente de que se aplica, nos casos omissos, a Constituição da Igreja Presbiteriana, porque, assim fosse, estar-se-ia permitindo o registro de um estatuto incompleto e em desacordo com as normas legais vigentes que, no caso, são as das associações.

É preciso, assim, que tais critérios constem de forma expressa do Estatuto, ainda que apenas repitam o que consta da Constituição da Igreja Presbiteriana.

Quanto aos critérios de exclusão, admissão, direitos e deveres dos membros do Sínodo, a recorrente esclareceu que não tem poderes para tanto, porque é formada por membros eleitos bienalmente nos Presbitérios – o que é confirmado pelo art. 4º, do Estatuto – podendo apenas lhes determinar que tratem das matérias relativas aos seus membros.

Parece adequado, neste ponto, fazer o temperamento das regras relativas às associações pois, aqui, não há como equiparar as situações, haja vista que a composição depende de fator externo. Essa exigência, portanto, deve ser afastada.

No que diz respeito à fonte de recursos para a manutenção do Sínodo, o art. 5º do Estatuto arrola os seus bens imóveis e móveis, as doações, os legados, os juros, os rendimentos como fonte de receita do Sínodo. A exigência, portanto, não prevalece.

O § 2°, do art. 18, deixa claro que o Estatuto é reformável: Para alterar o Estatuto exige-se o voto de dois terços dos presentes à reunião especialmente convocada para este fim. E o art. 30, por sua vez, define que o Estatuto só será alterado mediante proposta aprovada pelo plenário do Sínodo, por voto de 2/3 dos membros.

Portanto, não há dúvidas de que o Estatuto é reformável. Contudo, ao falar da alteração, ele menciona a aprovação do “plenário do Sínodo”, o que, como visto na primeira exigência, carece de esclarecimentos a respeito de sua existência, composição e forma de funcionamento. Assim, a indefinição a respeito do plenário torna inaplicável o art. 30, pois não se sabe quem compõe o Plenário.

Como dito, o Estatuto dá a entender que todos os membros do Sínodo compõem o Plenário, mas isso não está suficientemente esclarecido e o registrador não pode qualificar títulos por dedução. A retificação, destarte, é de rigor.

Quanto aos critérios para a dissolução da entidade, o art. 29 apenas trata do destino dos bens, mas não a sua forma e os requisitos (por exemplo: quórum, motivos, órgão responsável pela deliberação, membros que poderão votar), de modo que deve ser retificado para acrescer esses tópicos.

Em suma, mesmo se observadas as peculiaridades que recaem sobre as organizações religiosas, há um mínimo de requisitos legais que, se não atendidos, colocarão em risco toda a segurança jurídica que os registros públicos tentam assegurar.

Assim, até que atendidas as exigências ora mantidas, o registro não pode ser deferido.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Notas:

[1] Registro Civil de Pessoas Jurídicas, Saraiva, p. 77/79.

[2] Processo CG n° 34.701, julg.: 08/04/2015, in DJ: 24/04/2015.

[3] Parte Geral do Código Civil, Forense, 5ª ed., p. 285

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 27/01/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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