CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de venda e compra de frações ideais do terreno – Sessenta e dois (62) adquirentes, sendo um deles uma construtora – Inexistência de vínculo ou objetivo comum entre os compradores – Situação concreta que demonstra incorporação imobiliária camuflada – Necessidade do registro da incorporação – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.


  
 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 9000021-81.2013.8.26.0577

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000021-81.2013.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante CAVENI CONSTRUTORA LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.

São Paulo, 9 de novembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n.° 9000021-81.2013.8.26.0577

Apelante: Caveni Construtora Ltda.

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos.

VOTO N° 29.043

Registro de imóveis – Escritura de venda e compra de frações ideais do terreno – Sessenta e dois (62) adquirentes, sendo um deles uma construtora – Inexistência de vínculo ou objetivo comum entre os compradores – Situação concreta que demonstra incorporação imobiliária camuflada – Necessidade do registro da incorporação – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Caveni Construtora Ltda. objetivando a reforma da r. decisão de fls. 229/232, que manteve a recusa ao registro de escritura de compra e venda na matrícula n.º 84.455 do Registro de Imóveis de São José dos Campos.

Alega, a recorrente, em suma, que restou comprovada a inexistência de burla à Lei n.° 4.591/64, notadamente por se tratar a hipótese de instituição de condomínio. Aduz que o item 171, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, não se aplica ao caso, por ter entrado em vigor somente em 27.01.2014, ou seja, posteriormente às recusas do registrador.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 259/260).

É o relatório.

A despeito do esforço argumentativo da recorrente, entendo que a recusa da registradora, ratificada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, foi correta.

Pretende, a recorrente, o registro da escritura de compra e venda lavrada em 16.12.09 pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Eugênio de Melo por meio da qual adquire de Ligia Chacur Pusterla e Pablo Nestor Pusterla a fração ideal de 3/68 avós do imóvel matriculado sob o n.° 84.455 do Registro de Imóveis de São José dos Campos.

Dessa mesma escritura participaram outras 59 pessoas que adquiriram, cada uma, a fração ideal de 1/68 do imóvel, e mais duas, que compraram, 3/68 cada. (fls. 14/19).

Ao final da escritura, nas “declarações”, Constou que os compradores: 1) se organizaram e adquiriram o imóvel em condomínio civil, na forma do art. 1.314, do Código Civil, nas proporções ideais mencionadas com o objetivo de construir, com recursos próprios e sob suas responsabilidades, um conjunto de prédios de apartamentos residenciais; 2) arcarão em comum com as despesas de construção, incluindo-se a contratação e pagamento da empresa construtora, da aquisição de materiais, verbas trabalhistas, impostos e taxas previdenciárias decorrentes da edificação; 3) se responsabilizam pela averbação dos prédios ou conjunto de prédios no Registro de Imóveis ao término da obra, e pelo registro da especificação de condomínio, na forma da Lei n.° 4.591/64, e a divisão das unidades autônomas, em forma de atribuição em pagamento das quotas adquiridas (fl. 18).

É certo que nem todo condomínio edilício precisa ser precedido de incorporação imobiliária. Um grupo de pessoas pode se reunir, adquirir um terreno, construir um prédio e instituir o regime de condomínio edilício.

Contudo, essa possibilidade não pode servir de instrumento de burla à lei.

No caso posto, a registradora obstou o ingresso da escritura de compra e venda acima indicada por entender que o registro pretendido implicaria burla à Lei n.° 4.591/64, por falta de registro da incorporação imobiliária.

A partir dos dados objetivos contidos no título é possível atestar que o registro, se deferido, violaria o princípio de legalidade registral.

A venda está sendo feita de uma só vez a 62 “condôminos”, um deles é uma construtora (ora apelante), o número de pessoas envolvidas é alto, não há vínculo – um objetivo comum – entre eles, e é pequeno tamanho das frações ideais alienadas. Trata-se de circunstâncias que, somadas às declarações dos compradores (acima indicadas) constantes do título, demonstram que se está diante de empreendimento imobiliário ofertado a público e não de mero condomínio civil previsto no art. 1.314 do Código Civil, de modo que não se pode dispensar o registro da incorporação imobiliária.

Há precedentes do Conselho Superior da Magistratura exigindo o prévio registro da incorporação imobiliária em casos como o presente.

Por todos, vale citar a Apelação Cível n.° 1.249-6/5, relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça Des. Munhoz Soares, em que se deliberou o que segue:

Como se verifica da matrícula de fls. 17/22, o prédio cogitado foi alienado em frações ideais a pessoas diversas, sem nenhum liame entre si, na proporção, em regra, de 1/26 do imóvel. Não consta, porém, dessa matrícula nenhum registro de incorporação imobiliária que justificasse as alienações de frações ideais ocorridas.

O “Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda” de fls. 11/15, cujo registro foi recusado pelo Oficial, materializa a transmissão de uma dessas frações ideais de 1/26 do imóvel de Francisco Callejas Neto e sua mulher Suzanne Hoverter (R-11/78.906) aos ora apelantes, tendo ademais vinculado essa fração ideal ao apartamento nº 81 e aos boxes de garagem n° 09 e 10, deixando claro que, na verdade, houve a construção de um edifício no imóvel, com a irregular alienação de frações ideais do terreno a terceiros sem a providência da necessária incorporação, segundo a lei da regência.

Trata-se de inequívoco empreendimento imobiliário condominial ofertado a público, malgrado a tentativa dos ora apelantes de negar tal fato, tentando fazer crer que se tratou de um ‘grupo de amigos’. Aliás, a fração ideal em tela nem mesmo foi adquirida do titular do domínio original, mas sim das pessoas que a adquiriram daquele e que depois a revenderam aos apelantes.

Flagrante, portanto, o artificio utilizado para burlar o disposto no artigo 32 da Lei 4.591/64, que veda a alienação das unidades autônomas antes do registro da instituição do condomínio.

Não tendo sido registrada a incorporação, não se pode registrar o título apresentado pelos apelantes, o qual, como visto, tem por objeto a alienação de unidade autônoma e vagas na garagem.

O eminente Vice-Presidente, Des. Muller Valente, também trouxe importantes e elucidativas considerações:

O instrumento contratual descreve que a fração alienada corresponde a unidades autônomas, consistentes no apartamento nº 81, localizado no 8º andar, e nos boxes de garagem n°s 09 e 10, localizados no 1º subsolo. Ocorre que não consta da matrícula o registro da respectiva incorporação imobiliária, única forma de se legitimar a alienação de frações ideais naqueles moldes. Outrossim, a certidão da matrícula do imóvel revela que outras vinte e duas frações ideais do imóvel foram alienadas a terceiros sem qualquer vínculo entre si, numa demonstração inequívoca de que se trata de empreendimento imobiliário ofertado ao público. E, como sabido, o registro de negócios jurídicos que tenham por objeto unidades autônomas está condicionado ao prévio registro da instituição e convenção do condomínio, e averbação da construção.

Observe-se, como bem destacou a Oficial do 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, que a forma da construção adotada “por administração”, também conhecida por “a preço de custo”, em nada altera o cenário porque a construção “por administração” pressupõe a existência da incorporação, conforme se extrai do art. 58 da Lei n.° 4.591/64:

Nas incorporações em que a construção for contratada pelo regime de administração, também chamado “a preço de custo”, será de responsabilidade dos proprietários ou adquirentes o pagamento do custo integral de obra, observadas as seguintes disposições: (…)

Fácil de ver, portanto, que o tipo da construção só altera o regime de responsabilidade pelos pagamentos, mas não a natureza jurídica do empreendimento. Assim, por mais que a recorrente argumente em sentido contrário, as circunstâncias objetivas constantes dos autos demonstram que não se está diante do condomínio previsto no art. 1.314 do Código Civil, mas sim de verdadeira incorporação imobiliária camuflada.

Vale destacar, por fim, que alguns dos que figuram como compradores de frações ideais no título ora em exame já lavraram escrituras públicas de compra e venda delas a terceiros, como se vê às fls. 60/81, o que também vai ao encontro da afirmação de que se trata de empreendimento camuflado.

No sentido da manutenção da decisão recorrida, o parecer da ilustrada Procuradoria Geral de Justiça (fls. 259/260), que acolho.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 27/01/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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