CGJ/SP: Registro de Imóveis – Regularização de parcelamento do solo urbano – Impugnações à retificação contempladas na regularização então consideradas infundadas – Retificação que se dá intra muros – Afastamento da ofensa ao direito de propriedade dos impugnantes – Demonstração dos licenciamentos urbanístico e ambiental – Recurso administrativo provido.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 0180686-37.2007.8.26.0100
(131/2016-E)

Registro de Imóveis – Regularização de parcelamento do solo urbano – Impugnações à retificação contempladas na regularização então consideradas infundadas – Retificação que se dá intra muros– Afastamento da ofensa ao direito de propriedade dos impugnantes – Demonstração dos licenciamentos urbanístico e ambiental – Recurso administrativo provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

A Municipalidade de São Paulo apresentou pedido de providências com vistas à regularização registrária do loteamento Jardim Meliunas, também conhecida como Chácara Jardim São José.

A regularização pretendida contempla a retificação de fatos constantes do registro; abrange, em especial, o aperfeiçoamento da descrição do bem imóvel objeto da mat. nº 152,880 do 12° RI desta Capital, necessária, afirma-se, então para resguardar a compatibilidade da realidade registral com a extraregistral.[1]

A essa pleiteada regularização, opuseram-se tanto os Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy [2] como a Fazenda do Estado de São Paulo[3].

A MM. Juíza Corregedora Permanente, ao examinar as impugnações, considerou-as fundamentadas e, assim, indeferindo o pedido, remeteu os interessados às vias ordinárias.[4]

A Municipalidade de São Paulo interpôs recurso[5], recebido em seus regulares efeitos[6]. Após as contrarrazões[7], os autos deram entrada no C. Conselho Superior da Magistratura[8] e, depois, com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento do recurso[9], foram enviados a esta E. Corregedoria Geral da Justiça, órgão competente para apreciar o inconformismo do ente municipal[10]

É o relatório. OPINO.

A regularização do loteamento Jardim Meliunas guarda relação com o parcelamento de solo urbano que recaiu sobre o bem imóvel descrito na mat. nº 152.880 do 12º RI desta Capital, em nome de Odete Gonzalez Cintra Baptista e outros, adquirido por meio da usucapião[11], referida, também, na mat. nº 72.748 do 12° RI desta Capital[12], cujo imóvel restou contemplada por aquela.

No tocante à usucapião, a aquisição originária da propriedade foi reconhecida nos autos do processo nº 583.00.1979-902106-0 (antigo nº 299/79), em sentença definitiva proferida pelo Juízo da 2º Vara de Registros Públicos desta Capital, no dia 6 de fevereiro de 1991, transitada em julgado em 22 de abril de 1999[13].

Dentro desse contexto, a impugnação dos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy – centrada na nulidade do processo de usucapião – é manifestamente infundada. Ora, em atenção ao trânsito em julgado da decisão judicial, exarada então em processo contencioso, não há, especialmente na seara administrativa, como reavivar discussão sobre a regularidade da aquisição originária; descabe, portanto, sob esse prisma, cogitar de efetiva controvérsia sobre direito de propriedade.

De todo modo, para realçar a inconsistência dessa impugnação, impõe pontuar que a aventada falta de titulação, levantada quando da apuração sobre a irregularidade do loteamento, está escorada em documento antigo, de 21 de dezembro de 1989[14], anterior à sentença de usucapião. Destarte, não interfere neste pedido de providências, voltado, aliás, justamente, à regularização do loteamento, assim como aqui não repercute a noticiada e vetusta condenação por crimes atrelados ao ilegal parcelamento do solo urbano, imposta no início dos anos 90[15].

Sem importância, também, a frustrada tentativa pretérita de retificação da transcrição nº 11.331 do 12° RI desta Capital,que descreve imóvel com área de 12.100 m²[16], depois objeto da mat. nº 72.748 do 12º RI desta Capital[17], alcançado pela usucapião. Pelo que se infere da documentação exibida[18], a retificação foi rejeitada porque não era intra muros. Por meio dela, ao que consta, buscava-se, indevidamente, por via oblíqua, aquisição de domínio.

Entretanto, no v. acórdão que ratificou a rejeição da retificação, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 261.477, em 3.11.1977, reI. Des. Macedo Bittencourt, vislumbrou-se a consumação da usucapião em favor de Odete Gonzalez Cintra Batista e outros, anos depois judicialmente confirmada. A propósito, é oportuno reproduzir trechos desse precedente:

Admite-se que os apelantes tenham posse antiga de uma área bem maior e que sejam mais amplas as divisas de fato.Essa situação de fato é que foi objeto da escritura de reconhecimento de dividas de fls. 28/32, outorgada sem a participação de quem transferiu a propriedade ao antecessor dos apelantes. O fato da vizinhança reconhecer e respeitar a posse dos requerentes não é suficiente para a retificação da área constante do título aquisitivo.

É possível que os apelantes tenham adquirido o domínio da área restante, pelo usucapião. Trata-se, contudo, de outro título aquisitivo, que não justifica a retificação do primeiro e que deverá ser objeto da ação apropriada.[19] (grifei)

Em síntese, a impugnação oposta pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy não obsta a regularização deflagrada pelo ente municipal, que, sem interferir no direito dominial daqueles, desenvolve-se dentro dos limites tabulares do bem imóvel usucapido, identificado na mat. nº 152.880 do 12° RI desta Capital, com observação dos pertinentes aos bens imóveis confinantes. Inclusive, o laudo pericial realizado confirmou que a retificação se dá intra muros[20].

Por sua vez, em relação à impugnação do Estado de São Paulo, é de rigor, inicialmente, tendo em vista a afirmação feita ao tempo de sua primeira manifestação[21], que, retificando-se em novos pronunciamentos[22], informou que, na realidade, o bem imóvel objeto da regularização fundiária, descrito na referida mat. nº 152.880, encontrasse fora de perímetro discriminado ou em discriminação. Em outras palavras, não se localiza em terras consideradas devolutas.

no que se refere à desapropriação mencionada, objeto dos autos do processo nº 0082960-84.1982.8.26.0053, em curso nesta Capital, no Setor de Execuções contra a Fazenda Pública[23], e que foi deflagrada por meio de declaração de utilidade pública (Decreto nº 17.098, de 25 de maio de 1981[24]), é oportuno destacar que a área por ela abarcada ainda não foi, conforme a própria Fazenda do Estado de São Paulo[25], incorporada ao patrimônio público estadual.

E isso particularmente porque inocorrente o integral pagamento da indenização prévia, pressuposto de perfectibilização da expropriação. Por conseguinte, a desapropriação não se apresenta como obstáculo à pretendida retificação e, nessa linha, de acordo com a justa ponderação do Oficial do 12º RI desta Capital, a área a ser expropriada, então sua parcela inserida nos limites da mat. nº 152.880[26], deve constar da regularização dessa, para futuro destaque, quando do eventual registro da desapropriação.[27]

Em arremate, não há dúvida, tampouco discussão, de que a regularização intencionada, com andamento a ser retomado, se aprovado esse parecer, deverá respeitar a área objeto da expropriação, onde já implantado estabelecimento de ensino, a EEPG Santa Amélia, e, da mesma forma, a área de preservação permanente marginal ao Córrego Carioca, tal como acentuado no parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça[28].

Em atenção a esse último ponto, acentuo que, a par do auto municipal de regularização de loteamento[29], consta destes autos, em reforço da pretensão da recorrente, declaração de conformidade urbanística e ambiental emitida, no dia 25 de fevereiro de 2009, pela Secretaria da Habitação do Governo do Estado de São Paulo, por meio do Programa Legal Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais Cidade Legal[30] o Assim sendo, a regularização perseguida se encontra respaldada por licenciamentos urbanístico e ambiental.

Pelo exposto, o parecer que submeto à apreciação de Vossa Excelência propõe o provimento do recurso para rejeitar as impugnações opostas pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy e pela Fazenda do Estado de São Paulo e, assim, determinar a retomada do andamento da regularização fundiária promovida pela Municipalidade de São Paulo, observando-se as últimas manifestações do Oficial de Registro[31].

Sub censura.

São Paulo, 10 de junho de 2016.

Luciano Gonçalves Paes Leme

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso para rejeitar as impugnações opostas pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy e pela Fazenda do Estado de São Paulo, consideradas infundadas, e, portanto, determinar a retomada do andamento da regularização fundiária promovida pela Municipalidade de São Paulo, com observação das manifestações do Oficial do 12º RI desta Capital (fls. 307 e 352), atentando, no mais, para devolução sem cumprimento da carta precatória cujo retorno, ao tempo da sentença, era aguardado. Publique-se. São Paulo, 13.06.2016. – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:


[1] Fls. 2-6, 17-20, 30-32 e 37-39

[2] Fls. 62-74, 318-337, 545-549, 590-603, 605-611, 629-664 e 683-689.

[3] Fls. 387-392 e 441-442.

[4] FIs. 699-701.

[5] Fls. 707-709.

[6] Fls. 710.

[7] Fls. 720-725 e 727-747.

[8] Fls. 752.

[9] Fls. 755-759.

[10] Fls. 762-763 e 766.

[11] Fls. 10-11.

[12] Fls. 12-13.

[13] Cf. r. da mat. nº 52.880 do 12° RI desta Capital (fls. 10) e av. 4 da mat. n° 72.748 do 12º RI desta Capital (fls. 13).

[14] Fls. 545, 685 e 741.

[15] Fls. 547, 645 e 742.

[16] Fls. 737-740.

[17] Fls. 12-13.

[18] Fls. 603, 643-644, 655 e 686.

[19] Fls. 643-644.

[20] Fls. 131, 141-143 e 147-148.

[21] Fls. 387-392.

[22] Fls. 443-444 e 720-725.

[23] Fls. 447-449.

[24] Fls. 445-446.

[25] Fls. 441-442, itens 3-4, e 443-444, parte final.

[26] Cf. laudo pericial, fls. 133-134.

[27] Fls. 282. 307 e 352.

[28] Fls. 755-759.

[29] Fls. 5-6.

[30] Fls. 86.

[31] Fls. 307 e 352.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.06.2016
Decisão reproduzida na página 81 do Classificador II – 2016

Fonte: Boletim Eletrônico INR – Pareceres dos Juízes Auxiliares da CGJ nº. 086 | 08/11/2016.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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