1ª VRP/SP: Dúvida Inversa – Registro de instrumento particular de venda e compra de imóvel dado em garantia fiduciária com propriedade consolidada, após leilão deserto – Leilão realizado em desconformidade com o título que instituiu a garantia – Impossibilidade do registro – Dúvida procedente – Óbice mantido.


  
 

Processo 1007423-92.2017.8.26.0100 – Dúvida – Propriedade – Alberto Luiz de Oliveira – – Banestes S/A – Banco do Estado do Espirito Santo – Dúvida Inversa – Registro de instrumento particular de venda e compra de imóvel dado em garantia fiduciária com propriedade consolidada, após leilão deserto – Leilão realizado em desconformidade com o título que instituiu a garantia – Impossibilidade do registro – Dúvida procedente – Óbice mantido. Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada pelo BANESTES S/A – Banco do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira, em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, após negativa de registro de Instrumento Particular de Venda e Compra cujo objeto são os imóveis de matrícula nº 39.015 e 39.016 da citada serventia.Aduz o suscitante que os imóveis foram dados em alienação fiduciária por TAURA TRADING através de Cédula de Crédito Comercial. Com o inadimplemento das obrigações, a propriedade dos imóveis foi consolidada, com o devido trâmite legal. Ato contínuo, foi realizado leilão extrajudicial em Vitória/ES, sede das partes contratantes, que restou deserto. Diante disso, o imóvel foi alienado diretamente com o segundo suscitante, Alberto Luiz de Oliveira, e o instrumento apresentado para registro, junto com a quitação da dívida do devedor fiduciário. Foi apresentado óbice pelo Oficial, alegando que o leilão deveria ser realizado na comarca da situação do imóvel, no caso em São Paulo/SP, e o termo de quitação só poderia ser expedido após a realização deste, com pagamento do saldo remanescente. Por esta razão, foi interposta a dúvida inversa.O primeiro suscitante alega que não há previsão legal sobre o local de realização do leilão, que o imóvel já foi desocupado pelo antigo possuidor e que o segundo suscitante já está ali habitando, e que não houve qualquer impugnação por parte do devedor fiduciário dos procedimentos realizados. Pugna pelo registro do título, com o afastamento dos óbices. Juntou documentos às fls. 16/139.O Oficial manifestou-se às fls. 155/157, justificando o óbice com base na Cédula de Crédito Comercial e no Art. 884, II, do Código de Processo Civil.O Ministério Público manifestou-se às fls. 254/255, pela procedência da dúvida e manutenção do óbice.Sobrevieram informações dos suscitantes (fls. 256/259) e do Oficial (fl. 269).É o relatório. Decido.A Lei 9.514/97 disciplina a alienação fiduciária em garantia e os procedimentos em caso de inadimplemento. O Art. 27 determina que, consolidada a propriedade, deve o credor fiduciário realizar leilão do bem.Tal previsão tem o escopo de garantir que o objeto da garantia não seja o bem em si, mas seu valor em dinheiro. Isso para que a instituição financeira não tenha um ativo imobilizado numeroso, que desrespeite o regulamento administrativo e evite questões problemáticas, sobretudo no âmbito da concorrência e de monopólios.Por outro lado, o leilão também é realizado tendo em vista proteger, de certa forma, o devedor fiduciário. Este, ao não pagar sua dívida, terá seu imóvel vendido, com o saldo remanescente devolvido pelo credor (Art. 27, §4º), evitando que todo o valor do imóvel seja revertido em favor deste último em valor superior à dívida, com claro enriquecimento ilícito. Assim, o leilão existe como método de garantir que o bem seja vendido pelo maior valor possível, garantido que a dívida seja paga e que o devedor não tenha seu bem alienado por valor ínfimo, com perda patrimonial.Vê-se, portanto, o interesse público existente no procedimento previsto na Lei 9.514/97, que por um lado garante ao devedor fiduciário que não haverá abuso por parte da instituição financeira com a alienação do bem por valor inferior ao de mercado, e por outro, garante que a instituição financeira não ficará, imediatamente, com a propriedade do imóvel, pelas razões acima expostas. Destarte, tal procedimento é essência do negócio jurídico, não podendo as partes transigirem quanto a estas exigências legais. Assim, seu descumprimento acarreta em nulidade da garantia fiduciária, por descumprimento de preceito legal.Pois bem. Diz o Art. 24 da Lei 9.514/97:”Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:(…)VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.”O Art. 27 trata do leilão extrajudicial, e, como visto acima, o correto cumprimento da legislação é requisito de validade dos atos. Portanto, se a lei determina que o contrato disporá sobre o procedimento do leilão, o procedimento previsto no título tem que ser cumprido, sob pena de nulidade do leilão.E, neste sentido, a Cédula de Crédito Comercial que deu origem à alienação fiduciária dispõe em seu item 17 (fl.172):”O público leilão (primeiro e segundo) será anunciado mediante edital único com prazo de 10 (dez) dias, contados da primeira divulgação, publicado em um dos jornais de maior circulação no local do(s) imóvel(is) ou noutro de comarca de fácil acesso, se, no local do(s) imóvel(is), não houver imprensa com circulação diária.” (g.N) O contrato é claro sobre o local de realização do leilão. Estando os bens situados em São Paulo, e não sendo hipótese da exceção prevista quando inexiste imprensa, nesta comarca deveria ser realizado o leilão. Entendo inviável o registro do título quando o leilão foi realizado em Vitória/ES.Veja-se que a razão de ser de tal previsão está em perfeita consonância com o espírito da Lei 9.514/97: o leilão realizado no local de situação dos bens tem mais chances de ser bem sucedido, garantindo uma venda por valor de mercado e evitando que este seja deserto, com alienação particular posterior, como foi feito, que pode trazer prejuízos ao devedor, uma vez que o bem é vendido por valor determinado pelo banco, com saldo remanescente baixo.E, se irregular o leilão, irregular também a quitação de dívida posteriormente dada, tendo em vista não haver saldo remanescente de leilão, conforme dispõe o § 4º do Art. 27. Por tais razões, correto o óbice apresentado, não sendo possível o registro.Do exposto, julgo procedente a dúvida inversa formulada por BANESTES S/A – Banco do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira, em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, mantendo os óbices apresentados.Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivem-se os autos.P.R.I.C.São Paulo, 07 de junho de 2017.Tânia Mara AhualliJuíza de Direito – ADV: PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES (OAB 98709/SP)

Fonte: DJE/SP | 21/06/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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