CCJ aprova admissibilidade de PEC que dá ao cidadão direito de destinar mais 5% do IR ao município onde mora

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 54/15, da deputada Soraya Santos (PP-RJ). O texto que tramita na Câmara dos Deputados pretende dar ao cidadão que recolhe Imposto de Renda o direito de destinar 5% ao município em que mora ou tem atividades empresariais.

O relator, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), recomendou a aprovação, criticou a tramitação da proposta neste momento, porque que a Constituição não pode ser emendada em caso de intervenção federal, como acontece desde fevereiro na área de segurança pública do Rio de Janeiro – iniciativa prevista para terminar no final deste mês –, e agora também em Roraima.

A PEC 54/15 prevê que os 5% serão um adicional ao montante descontado na fonte. Desse percentual adicional, 2% serão destinados obrigatoriamente a fundo municipal de educação, 2% a fundo municipal de saúde e 1% a fundo municipal de segurança.

“O contribuinte não só ajudará a sua cidade como, ao mesmo tempo, criará maior vínculo de fiscalização dos atos das autoridades municipais, pois terá interesse em saber onde foi aplicado aquele valor por ele remetido espontaneamente ao município”, disse Soraya Santos.

Tramitação
O texto da PEC será analisado por uma comissão especial e, em seguida, pelo Plenário.

Fonte: Agência Câmara Notícias | 11/12/2018.

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Recurso Especial – Ação de cancelamento de gravames – Procedimento especial de jurisdição voluntária – Impenhorabilidade e incomunicabilidade – Doação – Morte do doador – Restrição do direito de propriedade – Interpretação do caput do artigo 1.911 do Código Civil de 2002 – Insurgência da autora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.155.547 – MG (2009/0171881-7)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : MARTHA ALVES PINTO

ADVOGADO : WALMIR DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – MG038317

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE CANCELAMENTO DE GRAVAMES – PROCEDIMENTO ESPECIAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – DOAÇÃO – MORTE DO DOADOR – RESTRIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 1.911 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .

INSURGÊNCIA DA AUTORA.

Quaestio Iuris: Cinge-se a controvérsia em definir a interpretação jurídica a ser dada ao caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 diante da nítida limitação ao pleno direito de propriedade, para definir se a aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade importa automaticamente, ou não, na cláusula de inalienabilidade.

1. A exegese do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 conduz ao entendimento de que: a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor; b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege, automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade; c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção do ônus da inalienabilidadee d) a instituição autônoma da impenhorabilidade, por si só, não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.

2. Caso concreto: deve ser acolhida a pretensão recursal veiculada no apelo extremo para, julgando procedente o pedido inicial, autorizar o cancelamento dos gravames, considerando que não há que se falar em inalienabilidade do imóvel gravado exclusivamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de novembro de 2018 (Data do Julgamento)

MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

Presidente

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI: Cuida-se de recurso especial interposto por MARTHA ALVES PINTO, com fulcro no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Na origem, a recorrente ajuizou procedimento especial de jurisdição voluntária consistente no pedido de cancelamento de gravames instituídos sobre imóvel, ao advento da transferência feita em doação, em favor da ora postulante.

A inicial narra que em razão de doação cometida por Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva, da qual a proponente fora beneficiária, tornou-se proprietári  de 50% do imóvel constituído pelo lote número 4, do quarteirão 27, do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, o qual restou onerado, no ato da doação ocorrida em 07.07.1999, com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, consoante está na matrícula n. 19.485 do Cartório do 5º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte. Afirmou que, após o óbito da doadora, em 20/05/2000, alienou o imóvel ao senhor José Adão dos Santos, em 07.11.2006, já tendo inclusive recebido o preço da venda, aludindo que, mesmo assim, viu-se impossibilitada de realizar a transferência de domínio, pois o Cartório de Registro de Imóveis exige a baixa dos referidos gravames para efetuar a transmissão da propriedade.

Aduziu que referidas cláusulas somente admitem o cancelamento por ordem judicial, tendo em vista o falecimento da doadora, razão pela qual pediu a baixa dos gravames sem a necessidade de sub-rogação de outros bens.

Defendeu tal solução diante da inexistência da cláusula de inalienabilidade, isto é, na hipótese houve tão somente a imposição do ônus da incomunicabilidade e impenhorabilidade. Desse modo, aduz que a intenção da doadora, ao constituir tais cláusulas, era apenas impedir que o imóvel respondesse por dívidas da donatária e vetar a sua comunhão em razão do matrimônio, mas não sua alienação.

Pugnou, ao final, pela procedência do pedido, a fim de que fossem cancelados os gravames, com a consequente anotação na matrícula do bem perante o registro imobiliário competente.

Devidamente intimado, o i. Representante do Ministério Público, em primeiro grau, manifestou-se pela desnecessidade da intervenção daquele Parquet, conforme parecer de fl. 20, e-STJ.

Intimada a indicar o proprietário dos outros 50% do imóvel recebido em doação, a recorrente esclareceu que o mesmo fora objeto de promessa de compra e venda entre a doadora, Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva, e o Sr. Ismael Antônio de Oliveira (e-STJ, fls. 34-38).

Em primeira instância (e-STJ, fls. 44-45), o magistrado decretou a extinção do processo, sem julgamento de mérito, em face da impossibilidade jurídica do pedido, pois entendeu que tanto o art. 1.676 do Código Civil de 1916, quanto o art. 1.911 do Código Civil de 2002 vedam o cancelamento puro das cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, reiterando não se tratar de hipótese de aplicação dos citados dispositivos legais na medida em que não houve imposição da cláusula de inalienabilidade.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por maioria, negou provimento ao apelo, em acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 66):

CIVIL – APELAÇÃO – PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – IMÓVEL HAVIDO POR DOAÇÃO – CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE – MORTE DA DOADORA – EXTINÇÃO DO USUFRUTO VITALÍCIO – SUBSISTÊNCIA DAS CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS GRAVAMES – IMPOSSIBILIDADE – Segundo as regras instituídas originalmente pelo artigo 1.676 do CC/1926, e mantidas em sua essência no novo Código Civil (art. 1.911), as cláusulas restritivas de propriedade não se extinguem com a morte do doador, com exceção do usufruto vitalício, cuja vigência está adstrita ao período de vida do beneficiário doador.

V.V – O art. 1911, do CCB/2002, estabeleceu que “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”, no entanto, a legislação não contemplou a situação inversa.

Não foram opostos embargos declaratórios.

Nas razões do apelo extremo (e-STJ, fls. 86-92), aponta a insurgente violação ao artigo 1.911 do Código Civil de 2002.

Sustenta, em síntese, que a exegese do dispositivo apenas permite concluir que a presença da cláusula da inalienabilidade implica a impenhorabilidade e a incomunicabilidade, porém, não o contrário, ou seja, as cláusulas de não penhorar e não comunicar não importam na proibição de alienar. Defende que no presente caso, o imóvel doado somente foi gravado com a impenhorabilidade e a incomunicabilidade, de modo que não haveria óbice legal para sua alienação a terceiros, sem necessidade de sub-rogação em outro bem clausulado.

Admitido o processamento do recurso na origem (e-STJ, fls. 95-96), ascenderam os autos a esta Corte.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal, por intermédio de seu presentante, opinou pelo provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 85-88).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O presente recurso especial merece prosperar, a fim de julgar procedentes os pedidos veiculados na inicial, concernentes à possibilidade de alienação do imóvel onerado apenas com os gravames da impenhorabilidade e incomunicabilidade.

1. Delineamento fático e enquadramento jurídico da controvérsia em exame.

questio iuris ora em debate cinge-se em definir a interpretação jurídica a ser dada ao caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002, se restritiva ou extensiva, diante da nítida limitação ao pleno direito de propriedade, para concluir se a aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade importa automaticamente, ou não, na cláusula de inalienabilidade.

À solução da aludida questão, faz-se necessário, inicialmente, explicitar a moldura fática delineada no âmbito das instâncias ordinárias, para tanto, transcrevem-se os seguintes trechos do acórdão (e-STJ, fl. 70-82):

Conforme se observa nos autos à f. 08/08-v, a autora recebeu em doação 50% do lote n. 4 do quarteirão n. 27 do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, registrado sob o número 19.485 no Cartório do 5º Ofício de Imóveis de Belo Horizonte, com cláusula de usufruto vitalício em favor da doadora Cecilia Simonini de Oliveira Ramos da Silva, e gravado ainda com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Com a morte da doadora, a cláusula de usufruto vitalício foi cancelada (f. 08-v). O usufruto foi instituído em favor da própria doadora, ou seja, perdurou apenas enquanto ela estava viva.

Todavia, as demais cláusulas restritivas de propriedade perduram.

(…)

Conforme se extrai dos dispositivos de lei trasladados acima, o cancelamento objeto da ação não pode ser deferido, pois afrontaria literal disposição de lei e a vontade do doador.

Se o imóvel foi gravado com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, o ônus, a toda evidência, não se extingue com a morte da doadora, pois admitir essa conseqüência seria tornar absolutamente inútil a própria restrição.

(…)

Passando, pois, ao exame do mérito, verifico que restou demonstrada nos autos, a regularidade da doação feita por Cecilia Simonini de Oliveira Ramos da Silva à autora, tendo por objeto o imóvel descrito na inicial (50% do lote 4, situado no quarteirão n. 27, do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, em Belo Horizonte/MG), bem como a incidência, exclusiva, das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, consoante documento emitido pelo 5º Ofício de Registro de Imóveis juntado à f. 17.

Restou comprovado, ainda, através do documento acima descrito, o cancelamento do usufruto vitalício da doadora (Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva), em virtude de seu falecimento, que fora devidamente registrado.

A partir dos excertos acima transcritos, depreende-se incontroverso o fato de a recorrente ter recebido, por meio de doação, imóvel gravado com instituição de usufruto vitalício e cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, não havendo dúvidas quanto ao óbito da doadora, Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva.

Por não estar presente a cláusula de inalienabilidade, a recorrente vendeu o imóvel a terceiro, porém sem conseguir formalizar tal negócio perante o serviço registral, diante do entendimento de que a presença dos gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade importa automaticamente também na impossibilidade de alienação, a teor do disposto no art. 1.911 do Código Civil de 2002.

Assim, a presente irresignação objetiva trazer à luz a exegese do caput do artigo 1.911 do Código Civil, a fim de responder a tese jurídica quanto à possibilidade, ou não, de se concluir, na leitura de referido dispositivo legal, que a aposição de cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade também importa, ipso iure, a de inalienabilidade.

1.1. Cabe ressaltar, nesse momento, que o caso em foco não enseja a aplicação do óbice das Súmulas 5 e 7 desta Casa, pois o exame de referido tema perpassa pelas técnicas de hermenêutica jurídica com o intuito de se extrair a real mens legis do art. 1.911 do Código Civil.

Portanto, não se está diante da hipótese de interpretação da real vontade da doadora que, no presente debate, em nada contribui para solução da controvérsia, porquanto uma vez insertas as cláusulas limitativas da propriedade por ato de vontade do doador/testador, estas passam a ser regidas pelo comando legal em análise (ato jurídico em sentido estrito).

De fato, nas palavras de Paulo Nader “interpretar cientificamente a norma jurídica é desenvolver um ato intelectual de revelação de seu sentido e alcance (…) o sentido da norma corresponde à determinação contida, que pode ser uma conduta social ou um modelo de organização. O alcance diz respeito às situações atingidas pela norma (…) Toda aplicação [do Direito] pressupõe a anterior interpretação da norma” (NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol. 1. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 120-123).

Reitera-se, assim, como o reclamo sob análise busca a delimitação do sentido e alcance da norma do art. 1.911 do Código Civil de 2002 para fins de sua aplicação no caso concreto, restam, afastados os óbices das Súmulas 5 e 7 desta Corte Superior.

1.2. Relevante frisar que, ao presente debate, igualmente não incide a Súmula 83/STJ, na medida em que este Superior Tribunal tem sido conclamado a deliberar apenas nos casos em que se requer a interpretação das hipóteses excepcionais de sub-rogação do bem clausulado, anteriormente previstas no art. 1.677 do Código Civil de 1916 e, atualmente, no parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil de 2002.

De fato, como se sabe, a norma proibitiva insculpida nos arts. 1.676 CC/1916 e 1.911 do CC/02 não é absoluta, sofrendo temperamentos para possibilitar, sempre em situações excepcionais, o levantamento dos gravames, seja em atenção ao princípio da função social da propriedade, seja em atenção à dignidade humana do beneficiário/herdeiro. Tais hipóteses estão previstas na própria legislação, mas também são frutos da construção jurisprudencial.

Assim, exemplificativamente, a teor do parágrafo único do art. 1.911 e do art. 1.848 do Código Civil de 2002, haverá a possibilidade de levantamento dos gravames, mediante autorização judicial e com sub-rogação nos mesmos ônus, nos casos de: a) desapropriação (expropriação por necessidade ou utilidade pública); b) execução por dívidas provenientes de tributos referentes ao imóvel gravado; e c) por conveniência econômica do herdeiro/donatário,

Por sua vez, a jurisprudência do STJ construiu a possibilidade de mitigação das cláusulas restritivas nas hipóteses em que: i) a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representar lesão aos seus legítimos interesses; bem assim, ii) para o pagamento de taxa condominial oriunda do próprio bem, por força do princípio da função social da propriedade.

Nesse sentido, esta Corte Superior já proclamou: “A vedação contida no art. 1.676 do CC/16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador” (REsp 1158679/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 15/04/2011).

Igualmente, os seguinte julgados: REsp 1.422.946/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 05/02/2015; REsp 303.424/GO, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2004, DJ 13/12/2004, p. 363; REsp 89.792/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 18/04/2000, DJ 21/08/2000, p. 135; REsp 10.020/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/1996, DJ 14/10/1996, p. 39009.

E, apenas para ilustrar, na direção pela possibilidade de penhora da coisa gravada pela inalienabilidade para o pagamento de taxa condominial do próprio imóvel, em atenção ao princípio da função social da propriedade, este Colegiado já deliberou: “As despesas condominiais são consideradas dívidas propter rem, de modo que podem ensejar a penhora da unidade autônoma devedora, não prevalecendo contra o condomínio cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade em contratos celebrados com terceiros” (AgRg no REsp 650.570/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 15/08/2012).

A propósito, também nessa linha: AgInt no REsp 1575549/DF, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 25/05/2018; REsp 1499170/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 13/09/2016; REsp 209.046/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2002, DJ 16/12/2002, p. 311.

Porém, em que pese a relevância de tais precedentes, destaca-se que o presente caso não se amolda à fattispecie do parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil de 2002, na medida em que não se está diante de pedido para alienação do bem clausulado, com necessidade de sub-rogação, naquelas hipóteses previstas pela lei, tampouco naqueles casos, frutos da jurisprudência deste Sodalício, em que se permite a mitigação dos gravames em atenção aos princípios da função social da propriedade ou da dignidade do beneficiário.

Desse modo, não se fazem necessárias digressões acerca da necessidade financeira ou social da recorrente ou mesmo acerca da função social da propriedade com o intuito de se verificar o melhor aproveitamento do patrimônio doado, a fim de possibilitar a alienação do imóvel com a condição de sub-rogação em outros bens, razão pela qual resta afastada a incidência da exceções previstas pelo parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil ao feito em testilha.

Como já bem delineado, a questão posta em análise diz tão-somente com a interpretação do caput do art. 1.911 do Código Civil, a fim de se extrair de referido comando legal, o alcance das cláusulas restritivas nele contidas.

2. Exegese do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002.

Delineada, assim, a moldura fática do caso em análise, bem como o objeto jurídico da controvérsia instaurada no presente apelo extremo, colaciona-se, pela pertinência, o mencionado dispositivo do Diploma Civil em vigor:

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros

Inicialmente, cumpre destacar que o art. 1.911 do Código Civil de 2002 encontra-se no Capítulo das “Disposições Testamentárias”, no título da “Sucessão Testamentária”, pertencente ao Livro V do Codex, intitulado do “Direito das Sucessões”.

No entanto, a leitura atenta do dispositivo permite afirmar que as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade são restrições voluntárias aos direito de propriedade, estipuladas tanto por ato de liberalidade inter vivos (doação) como por causa mortis (testamento).

Nessa direção, Caio Mário ressalta “Também ao testador ou doador é lícito gravar os bens com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade conjugadas ou destacadamente estabelecias”. (PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. 26ª ed. São Paulo: Forense, p. 90).

Importante destacar que a regra do art. 1.911 do Código Civil de 2002 cristalizou em norma legal antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal insculpido na Súmula 49/STF: “A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens”. Dita súmula foi aprovada em 13.12.1963 e interpretava as norma dos arts. 1.666 e 1.723 do Código Civil de 1916.

Assim, entende-se por inalienabilidade a restrição imposta ao beneficiário de dispor da coisa, impedindo a sua transferência a terceiros, seja a título gratuito ou oneroso e podendo ser disposta por certo tempo ou de forma vitalícia.

Por sua vez, a impenhorabilidade deve ser compreendida como a proibição de constrição judicial do bem gravado para pagamento de débitos do herdeiro/beneficiário.

E, quanto à incomunicabilidade, segundo as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ela versa sobre “a restrição à transferência de fração ideal do bem ao cônjuge (companheiro) quando da formação de um núcleo familiar” (GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. Vol. 7. São Paulo: Saraiva, p. 346).

Partindo-se da simples leitura do artigo de lei já acima mencionado, depreende-se que o legislador estabeleceu apenas um comando, isto é, que a imposição da inalienabilidade presume a impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Em outras palavras, a lei civil não estabeleceu, prima facie, que a impenhorabilidade ou a incomunicabilidade, gravadas de forma autônoma, importaria na inalienabilidade.

Acerca das cláusulas restritivas de propriedade impostas por atos de liberalidade, Pontes de Miranda ensina que “os bens inalienáveis são impenhoráveis porque a penhora seria início de alienação. Quem não tem o poder de dispor, absolutamente (limitação absoluta de poder), não tem o de dispor eficazmente. Os bens impenhoráveis, ainda quando deles possa dispor o dono, são os bens de que se retirou ao Estado o poder de execução forçada, isto é, o poder de constringir a eficácia do poder de disposição, se o há”. (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X, p. 181, 1ª ed.).

Assim, na visão do grande mestre, a cláusula de inalienabilidade abarca a impenhorabilidade, porém não se pode depreender o inverso, em sua lição: “A cláusula de impenhorabilidade não supõe a proibição de alienar, nem a de incomunicabilidade supõe a inalienabilidade” (Tratado de Direito Privado, tomo LVII, p. 133).

Sobre a temática, Caio Mário da Silva Pereira, em Instituições de Direito Civil, preleciona a possibilidade de existência independente dos três gravames, na medida em que cada um tem seu próprio escopo:

São cláusulas autônomas, assim em razão de seu interesse social como dos seus efeitos. A de inalienabilidade tem em vista pôr fora do comércio o bem por ato do adquirente. A de impenhorabilidade visa a subtrair o bem à sua qualidade de garantia dos credores. Uma tem por efeito negar ao titular a faculdade de dispor; outra recusa aos credores a sua apreensão judicial para a satisfação das obrigações.

Portanto, opostas isoladamente, as cláusulas de impenhorabilidade e de incomunicabilidade não acarretam a inalienabilidade do bem, senão por comunhão entre os cônjuges; elas não retiram o poder de disposição do bem.

(PEREIRA, CAIO MÁRIO. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. Vol. IV. São Paulo: Forense, p. 82 – 83)

Orlando Gomes, por sua vez, ressalta que a cláusula de inalienabilidade é mais abrangente que as demais, razão pela qual as engloba, porém que o inverso não se justifica:

A impenhorabilidade está implícita na inalienabilidade. Evidente que o que não pode ser alienada, impenhorável é. Indaga-se, porém, se o testador pode prescrever isoladamente a cláusula de impenhorabilidade, estipulando-se a respeito de bens alienáveis. Conquanto seja manifestamente inconveniente a validação de tal cláusula, mormente se estabelecida quanto aos bens da legítima, admite-a o nosso direito. Argumenta-se que, se podem ser declarados inalienáveis, razão não há para obstar a declaração independente de impenhorabilidade. Quem pode o mais pode o menos. Objeta-se que a permissão colide com o princípio que garante aos credores o direito de promover a venda dos bens do devedor, não trancado, no particular, pela inalienabilidade desses bens. Diz-se que se o devedor tem a faculdade de alienar, não se pode impedir os credores de exercê-la em proveito próprio. Todavia, cedem essas razões diante do pleno reconhecimento do direito de declarar inalienáveis, por testamento, bens da herança

(GOMES, Orlando. Sucessões. 7ª ed. São Paulo: Editora Forense, p. 164-165).

Acerca do alcance da interpretação do art. 1.911 do Código Civil de 2002, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald esclarecem que “O art. 1.911 do Código Civil estabelece que a cláusula de inalienabilidade gravada sobre bens que compõem a herança implica, automaticamente, nas cláusulas de ‘impenhorabilidade e incomunicabilidade’. Ou seja, basta gravar o patrimônio transmitido com a cláusula de inalienabildiade para que as demais decorram de pleno direito. A recíproca, entretanto, não é verdadeira. Por isso, as cláusulas de impenhorabildiade e de incomunicabilidade podem ser impostas isoladamente, produzindo efeitos únicos. A cláusula de inalienabilidade, porém, se apresenta mais larga e profunda, trazendo consigo, a reboque, as demais” (FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Neslon. Curso de Direito Civil. Sucessões. Vol. 7. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, p. 464).

Dessa forma, sendo a inalienabilidade de maior amplitude, é decorrência natural que implique na proibição de penhorar e comunicar, tudo isso seguindo a lógica da antiga máxima de que “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos).

Porém, o contrário não se verifica. A impenhorabilidade e a incomunicabilidade possuem objetos mais limitados, específicos. A primeira se volta tão somente para os credores e a segunda impõe-se ao cônjuge do beneficiário (donatário ou herdeiro).

Nessa seara, é consectário lógico que a previsão de cláusula mais restritiva não possa abranger objeto mais extenso.

Esse é o sentido jurídico pelo qual o legislador do Código Civil de 2002 limitou-se a estabelecer, no caput do art. 1.911, uma única direção para a norma proibitiva, isto é, que a inalienabilidade implica automaticamente na impenhorabilidade e na incomunicabilidade, restrigindo a tanto a vedação.

Com efeito, outro sentido não seria possível, a exemplo do que acontece com o bem de família. Explica-se.

A norma jurídica dá guarida legal ao bem de família, entendido como aquele oimóvel utilizado como residência da entidade familiar, resguardando-o contra execução por dívidas em razão da impenhorabilidade. Como se sabe, essa proteção, contudo, não impede a alienação do bem, que continua de livre disposição de seus proprietários, ou seja, nesse caso, também, a impenhorabilidade não implica inalienabilidade.

Importante destacar que, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, este Superior Tribunal teve oportunidade de se debruçar sobre o tema, e, naquela ocasião, em precedente da lavra do e. Ministro Barros Monteiro, ficou constando que “O gravame da impenhorabilidade pode ser instituído independentemente da cláusula de inalienabilidade. O donatário não estará impedido de alienar; mas o bem ficará a salvo de penhoras”.

O julgado restou assim ementado:

EXECUÇÃO. DOAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. SUBSISTÊNCIA CLÁUSULA, INDEPENDENTEMENTE DA POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO DOS BENS.

– O gravame da impenhorabilidade pode ser instituído independentemente da cláusula de inalienabilidade. O donatário não estará impedido de alienar; mas o bem ficará a salvo de penhoras.

Recurso especial conhecido e provido para anular a penhora.

(REsp 226.142/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2000, DJ 29/05/2000, p. 160)

Porém, tendo em vista que referido julgado fora proferido ainda sob a diretriz do Código Civil de 1916, em interpretação do comando legislativo do art. 1.676, necessário averiguar se tal entendimento pode ser extraído do atual texto do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002.

Assim, à luz dos ensinamentos trazidos, a exegese que se extrai do artigo de lei ora em evidência é a de que a proibição de alienar implica não penhorar e não comunicar o bem porque é disposição mais abrangente. No entanto, o gravame autônomo da impenhorabilidade ou da incomunicabilidade não impede a alienação, na medida em que seus objetos são mais limitados do que o daquela cláusula.

Conclui-se, portanto, que a melhor interpretação do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 é aquela que conduz ao entendimento de que: a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor; b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege, automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade; c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidaded) a instituição autônoma da impenhorabilidade não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.

Por derradeiro, ainda à guisa dos efeitos das cláusulas restritivas ora sub judice, é importante recordar que no caso em análise, a doadora Cecília Simonini de Oliveira Ramos, livre e conscientemente, adotou uma medida que exigiu uma efetiva providência de sua parte, daí porque não se pode, onde a lei não determina, dar ao ato que a doadora cometeu, onerosidade e restrições mais amplas do que aquelas que ela própria pretendeu instituir.

Assim, diante das lições doutrinárias elencadas e à luz da hermenêutica jurídica, atentando-se à realidade do caso concreto, pode-se concluir pela possibilidade de alienação do bem gravado somente com as cláusulas de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade sem necessidade de sub-rogação do produto da venda.

3. Solução do caso concreto.

Estabelecidas, portanto, as premissas da exegese do art. 1.911, caput, do Código Civil de 2002, cabe, por fim, aplicar o direito ao caso concreto.

Na presente hipótese, o Tribunal de origem negou provimento à apelação da recorrente, por entender pela indissociabilidade das três restrições (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade), desse modo, seria impossível o cancelamento dos gravames, que somente se encerrariam com a morte da beneficiária.

Porém, diante do esforço interpretativo feito até aqui, permite-se aferir que as instâncias ordinárias se excederam no rigor atribuído às cláusulas realmente instituídas pela doadora à beneficiária, isso porque, no caso em exame, chega-se à conclusão pela possibilidade de alienação do imóvel recebido em doação clausulado apenas com a impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Com efeito, segundo a direção traçada pelas técnicas de hermenêutica jurídica aplicadas à interpretação do art. 1.911 do Código Civil de 2002, reconhece-se perfeitamente possível a alienação do imóvel objeto do presente debate, porquanto somente onerado com a proibição de penhorar e comunicar.

Efetivamente, a exegese do comando legal do art. 1.911 do Código Civil de 2002, como exposto, conduz à conclusão de que a norma legal somente permite presumir, ex auctoritate legis, que a inalienabilidade conduz, sim, à incomunicabilidade e à impenhorabilidade, porém não o contrário.

À vista de tais fundamentos, portanto, não há que se falar em inalienabilidade do imóvel gravado, exclusivamente, com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

4. Dispositivo.

Do exposto, dá-se provimento ao recurso especial a fim de julgar procedentes os pedidos veiculados na demanda para declarar que a aposição somente das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade sobre o imóvel objeto do presente feito não impede a sua alienação, que poderá ser realizada sem exigência de sub-rogação das cláusulas em outro bem.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.155.547 – Minas Gerais – 4ª Turma – Rel. Min. Marco Buzzi – DJ 09.11.2018

Fonte: INR Publicações.

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