CSM/SP: Dúvida – Carta de adjudicação – Ação de adjudicação compulsória movida contra promitentes vendedores que não constam como proprietários no registro – Ausência de citação dos proprietários que constam do registro – Qualificação negativa – Títulos judiciais que se sujeitam à qualificação registraria, inexistindo conflito de decisões judiciais entre a sentença que julga o procedimento de dúvida e a sentença da adjudicação compulsória – Natureza administrativa da decisão do procedimento de dúvida – Princípio da continuidade – Ofensa em caso de registro de título judicial produzido em face de terceiro que não consta como proprietário do imóvel objeto da decisão judicial – Necessidade de matrícula do imóvel em nome dos réus da ação de adjudicação compulsória previamente à transmissão determinada na ação ou a citação dos proprietários registrais – Exigência mantida – Dúvida procedente – Recurso não provido.


  
 

Apelação n° 1017696-20.2019.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1017696-20.2019.8.26.0405

Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1017696-20.2019.8.26.0405

Registro: 2020.0000785369

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017696-20.2019.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante JURANDIR DA CONCEIÇÃO DE SÁ, é apelado 1° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS TITULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURIDICA OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença apelada, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1017696-20.2019.8.26.0405

Apelante: Jurandir da Conceição de Sá

Apelado: 1° Oficial de Registro de Imóveis Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica Osasco

VOTO Nº 31.141

Dúvida – Carta de adjudicação – Ação de adjudicação compulsória movida contra promitentes vendedores que não constam como proprietários no registro – Ausência de citação dos proprietários que constam do registro – Qualificação negativa – Títulos judiciais que se sujeitam à qualificação registraria, inexistindo conflito de decisões judiciais entre a sentença que julga o procedimento de dúvida e a sentença da adjudicação compulsória – Natureza administrativa da decisão do procedimento de dúvida – Princípio da continuidade – Ofensa em caso de registro de título judicial produzido em face de terceiro que não consta como proprietário do imóvel objeto da decisão judicial – Necessidade de matrícula do imóvel em nome dos réus da ação de adjudicação compulsória previamente à transmissão determinada na ação ou a citação dos proprietários registrais – Exigência mantida – Dúvida procedente – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Jurandir da Conceição de Sá, visando a reforma da sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco, mantendo a recusa do registro de carta de adjudicação emitida em ação de adjudicação compulsória, entendendo pela necessidade da inclusão da Companhia Territorial de Osasco no polo passivo da ação nº 1011165-88.2014.8.26.0405, que tramitou pela 2ª Vara Cível de Osasco (fl. 127/128).

A dúvida foi suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco, face ao protocolo nº 341.757, de 1º de julho de 2019, consistente em carta de adjudicação, fundada na necessidade de aditamento do título para que conste como parte na ação de adjudicação compulsória a Companhia Territorial de Osasco, na condição de proprietária, nos termos da transcrição nº 1.066/1926 do 4º Registro de Imóveis da Capital e da inscrição nº 45 do 5º Registro de Imóveis da Capital, bem como na retificação da guia de recolhimento do ITBI no campo “transmitentes”.

O recurso sustenta, em resumo, que a ação de adjudicação compulsória foi julgada em desfavor de Cipava – Construtora e Imobiliária e Pavimentadora S.A. e que, ante o trânsito em julgado há mais de quatro anos, não há como se modificar o título judicial, devendo o Oficial de Registro cumprir o título judicial, havendo conflito entre as decisões judiciais; que o Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida; que conforme a certidão nº 743695, do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, houve escritura pública de venda e compra, o imóvel foi prometido à venda pela Companhia Territorial de Osasco para a Cipava – Construtora, Imobiliária e Pavimentadora S.A., tendo recebido o preço e dado irrevogável quitação. Entende que a escritura de compra e venda com declaração de quitação é suficiente para a transmissão do imóvel para o apelante, que adquiriu da Cipava. Pretende o provimento da apelação, para que se determine o registro da carta de adjudicação (fl. 144/150).

A Procuradoria Geral de Justiça manifesta-se pelo não provimento do recurso (fl. 189/191).

É o relatório.

2. Conheço do recurso, eis que presentes seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

A pretensão do apelante é pelo afastamento da dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Osasco, que entende pela necessidade de correção do título judicial, já que o proprietário que consta do registro imobiliário Companhia Territorial de Osasco não foi citada na ação de adjudicação compulsória.

De plano, afasta-se o argumento do apelante no sentido da existência de conflito de decisões judiciais entre a sentença transitada em julgado proferida pela 2ª Vara Cível de Osasco, e a decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do registro imobiliário local, por se tratarem de jurisdições distintas.

A decisão judicial proferida pelo Juiz Corregedor Permanente tem natureza administrativa e autônoma em relação ao título judicial decorrente de sentença proferida em processo judicial em ação de adjudicação compulsória. Tratando-se de jurisdições com objeto distinto, não há que se falar em conflito de decisões judiciais que pressupõe, para sua existência, duas decisões judiciais proferidas por órgãos jurisdicionais de igual competência.

A questão aqui diz respeito à necessidade ou não de qualificação do título judicial que, por expressa determinação legal, deve ser decidida por decisão proferida pelo Juiz Corregedor Permanente, tendo em conta a obrigatoriedade de análise do cumprimento dos requisitos específicos previstos na legislação registral. Bem por isto, embora não existe possibilidade da modificação da decisão judicial pelo Juiz Corregedor Permanente no âmbito da decisão de dúvida registraria, é certa sua obrigação legal de apreciar a eficácia do título produzido para fins de ingresso no registro, respeitando-se os princípios registrais, especialmente o da continuidade e da especialidade subjetiva, evitando-se a quebra da segurança do conteúdo do registro imobiliário.

Desta forma, a questão aqui não diz respeito a eventual conflito entre decisões judiciais, pois duas delas não existem, mas sobre a correção ou não da qualificação negativa da carta de adjudicação pelo fato de não ter integrado o polo passivo da ação de adjudicação compulsória o proprietário do imóvel, conforme consta do registro imobiliário.

O “compromisso particular de promessa de cessão e transferência de direitos de compromisso de compra e venda” firmado entre o apelante e a Cipava tem por objeto o lote nº 11, da Quadra nº 11, do loteamento “Jardim Cipava”, constando como promitente cedente Cipava Construtora Imobiliária e Pavimentadora S.A., Luis Antonio de Sampaio Doria e sua mulher, Jandira Sampaio Doria, Túlio Martini e sua mulher, Vicenza Maria Grazia Antonia Rosaria Passaro Martini, Roberto Costa de Abreu Sodré e sua mulher, Maria do Carmo Mellão de Abreu Sodré, Sylvestre Ferraz Egreja e sua mulher, Almey Viena Egreja, José Silvestre Viana Egreja e sua mulher, Celia Penteado Egreja, e outros, e como compromissários cessionários os autores da ação de adjudicação compulsória, Jerônimo da Conceição de Sá, Jurandir da Conceição de Sá e Jacira da Conceição de Sá (fl. 30).

O título dos outorgantes cedentes em relação ao imóvel é assim descrito:

“Por força de escritura pública de compromisso de compra e venda, de 16 de agosto de 1955, das notas do 11º Tabelionato desta Capital, livro 1.539, fls. 38 vº, devidamente averbada sob o nº 3.534, à margem da inscrição nº 45 do Registro de Imóveis da 5ª Circunscrição desta Capital, e da escritura de cessão de direitos e obrigações das notas do 4º Tabelionato desta Capital, livro 812, fls. 19 vº, averbada sob o nº 5.548, no mesmo Registro Imobiliário, a COMPANHIA TERRITORIAL DE OSASCO, titular do domínio e posse do imóvel por força da transcrição nº 1.066, do Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição Imobiliária desta Capital, se obrigou  vender aos outorgantes, inteiramente livre e desembaraçada de hipotecas legais, judiciais ou convencionais, de servidões, de arrendamentos, dúvidas, litígios e dívidas, inclusive fiscais, uma gleba de terra situada em Osasco, denominada “Jardim Cipava”, 14º Subdistrito, Comarca e Município desta Capital, com área total de 570.000 m², mais ou menos… Na forma do dispositivo expressa da escritura pública de compromisso de compra e venda acima referida, que foi celebrada sob condição de expressa irrevogabilidade e irretratabilidade, ficaram os outorgantes autorizados a ceder e transferir os direitos, parceladamente, da mencionada promessa de venda, independente de anuência ou interferência do titular do domínio. A área maior da qual o “Jardim Cipava” foi destacado está regularmente inscrita, para os fins e efeitos do Decreto Lei nº 58, de 10 de Dezembro de 1937, no Registro de Imóveis da 5º Circunscrição desta Capital, sob o número 45 (quarenta e cinco), a 17 de janeiro de 1939.”

O objeto do negócio tem origem na transcrição nº 1.066, do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, conforme certidão nº 576.401/2014, do 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fl. 42). Referida transcrição nº 1.066, data de 11 de maio de 1926, englobando área total de 4.212.975,00 m², pertencendo primitivamente ao 1º RI da Capital, posteriormente ao 2º RI da Capital, passando então a pertencer ao 4º RI da Capital, de 09.12.1925 a 25.12.1927, passando ao 5º RI da Capital, voltando a pertencer ao 2º RI da Capital e, atualmente ao 10º RI da Capital, e hoje em parte em Osasco, pertencendo primitivamente ao 1º RI da Capital, passando ao 4º RI da Capital de 09.12.1925 a 25.12.1927, quando passou a pertencer ao 5º RI da Capital, tendo por proprietária Companhia Territorial de Osasco (fl. 72), não constando transcrição anterior e alienação.

Não consta dos autos comprovação de que a Cipava tenha sido constituída procuradora da Companhia Territorial de Osasco S.A., com poderes para a transmissão da propriedade do imóvel em questão, limitando-se a prova dos autos aos poderes constituídos em favor da Cipava pela Companhia Fazenda Belém, para representar os mandantes perante a Companhia Territorial de Osasco. Ou seja, não foi a Cipava constituída pela proprietária da área como sua procuradora por força do compromisso de compra e venda, afastando-se a situação concreta daqueles casos em que se admite a transmissão direta, pelo promitente vendedor, de imóvel adquirido anteriormente por compromisso irretratável quitado com poderes para a outorga da escritura definitiva de compra e venda em favor de promitentes compradores, em nome do titular do domínio, por conta de representação convencional exercida pelo promitente comprador.

Neste caso, não se vê a possibilidade de transferência do registro da propriedade diretamente da Companhia Territorial de Osasco aos adjudicantes, em ação movida contra a original promitente compradora do imóvel (Cipava) que, por ato particular, transferiu seus direitos aos terceiros particulares.

Se a titular do domínio não o transmitiu por ato válido por si ou por representante, nem figurou no polo passivo de ação na qual se busca justamente tal transmissão, impossível o cumprimento da carta de adjudicação, por quebra do princípio da continuidade registral, não importando a origem do título judicial em ação de adjudicação compulsória, vez que não imune à qualificação registraria, conforme doutrina de Ricardo Arcoverde Credie (Adjudicação compulsória. 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 90):

“Uma primeira questão nos ocorre: os atos administrativos decorrentes das sentenças constitutivas, da assim dita execução imprópria destas sentenças (representados por certidões, mandados ou cartas de sentença), obrigam o oficial do registro de Imóveis a proceder ao ato registral?

Evidente que não.

A sentença, de per si, não transfere o domínio, como os atos de expropriação de mesmo nome ocorrentes em outros procedimentos também não o transferem, posto que sempre dependentes do registro. Somente o efeito translativo do registro imobiliário, como frisamos linhas atrás, é que efetivamente transfere a propriedade.

Se o vendedor promete outorgar escritura, na hipótese de descumprimento o Estado só faz emitir declaração de vontade com o mesmo efeito do ato não praticado…

É correto que, nessa ordem de ideias, expedida carta de sentença, mandado ou simples cópia do ato decisório e respectivo trânsito em julgado, não está o serventuário do Registro de Imóveis obrigado a transcrever tal título. Se ocorrer qualquer circunstância impediente, poderá ele solicitar que o interessado a supra, ou poderá, ainda, fazer instaurar o processo de dúvida, sendo o caso.”

Assim, não constando registro em nome dos réus da ação de adjudicação compulsória, na condição de compromissários vendedores e cessionários de direitos em face do titular dominial, necessária a inscrição da propriedade em nome dos réus antes de se registrar a carta de adjudicação, pena de ofensa ao art. 195 da Lei nº 6.015/1973:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

Sem que os réus da ação de adjudicação compulsória figurem como proprietários registrais, nem que haja a citação dos proprietários constantes da inscrição no registro imobiliário, impossível o ingresso da carta de adjudicação pretendida, pena de ofensa ao princípio da continuidade registral.

3. Por tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo integralmente a sentença apelada.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 10.12.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.