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Recurso especial contra acórdão proferido em incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – Art. 1.036 do CPC/2015 c/c o art. 256-H do RISTJ – Processamento sob o rito dos recursos especiais repetitivos – Programa Minha Casa, Minha Vida – Crédito associativo – Promessa de compra e venda de imóvel em construção – Controvérsias envolvendo os efeitos do atraso na entrega do bem – Recursos desprovidos – 1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes: 1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. 1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. 1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor – 2. Recursos especiais desprovidos.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.593 – SP (2018/0057203-9)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIARIAS – ABRAINC – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : RUBENS CARMO ELIAS FILHO E OUTRO(S) – SP138871

DANILO DE BARROS CAMARGO – SP305565

RECORRENTE : SIND EMP COMP VENDA LOC ADM IMOV RESID COMERC SÃO PAULO

RECORRENTE : CAMARA BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CONSTRUCAO

ADVOGADO : JOSE CARLOS BAPTISTA PUOLI E OUTRO(S) – SP110829

RECORRENTE : MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES SA

RECORRENTE : PARQUE PIAZZA NAVONA INCORPORACOES SPE LTDA

ADVOGADOS : ANDRÉ JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA E OUTRO(S) – MG080055

LEONARDO FIALHO PINTO – MG108654

RECORRIDO : FUNDAÇAO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCON

PROCURADORES : MARIA BERNADETE BOLSONI PITTON E OUTRO(S) – SP106081

MARIA DO CARMO GUARAGNA REIS E OUTRO(S) – SP099281

VINICIUS JOSE ALVES AVANZA E OUTRO(S) – SP314247

INTERES. : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO

INTERES. : JUNIOR DE MOURA ATAIDE

INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

INTERES. : SINDICATO DA INDUSTRIA DA CONST CIVIL DA GRANDE FPOLIS – “AMICUS CURIAE”

OUTRO NOME : SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DA GRANDE FLORIANÓPOLIS – SINDUSCON – FPOLIS – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : DIOGO BONELLI PAULO – SC021100

MARCUS VINÍCIUS MOTTER BORGES – SC020210

LUIZA SILVA RODRIGUES – SC038993

LUCAS ROCHA MENDES – SC044734

EMENTA

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS.

1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:

1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

2. Recursos especiais desprovidos.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, após a retificação, pelo Relator, da redação do item 1.3 da tese repetitiva, a Seção, por unanimidade, ratificar o julgamento ocorrido na sessão de 11.09.2019, no qual foi negado provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

As teses firmadas, para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1, 5, 2 e 3, são as seguintes:

1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância;

1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

1.3. É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, na assentada de 11.09.2019.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília, 25 de setembro de 2019 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se, na origem, de ação de indenização por perdas e danos ajuizada por Júnior de Moura Ataíde em desfavor de Parque Piazza Navona Incorporações SPE Ltda. e MRV Engenharia e Participações S.A., alegando ter celebrado, em 5/2/2011, compromisso de compra e venda para aquisição de unidade autônoma no empreendimento Piazza Navona, sob as regras do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV/Crédito Associativo, com previsão de entrega das chaves em abril de 2013, embora só tenha recebido o apartamento em outubro de 2014.

A demanda foi distribuída no Juízo da 5ª Vara Cível de Piracicaba-SP, que, antes de proferir sentença nos autos, requereu a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR para o Tribunal de Justiça de São Paulo, com base nos arts. 976, I e II, e 977, I, do CPC/2015, em relação às seguintes questões:

1) nulidade da cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias;

2) nulidade da previsão de prazo alternativo para entrega da unidade, no caso, de 24 (vinte e quatro) meses, após a assinatura do contrato de financiamento;

3) aplicação em favor do promissário comprador, por reciprocidade, da multa contratual prevista em benefício do promitente vendedor;

4) indenização por danos morais;

5) indenização por perdas e danos, representada pelo valor locativo que o comprador poderia ter auferido pelo período de atraso;

6) ressarcimento do valor pago a título de “taxa de evolução da obra”;

7) restituição simples e não em dobro desse valor;

8) não incidência de correção monetária sobre o saldo devedor;

9) incidência da multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei n. 4.591/1964.

Devido à extinção do processo originário em decorrência de acordo firmado entre as partes, o magistrado anexou aos autos caso idêntico relativo ao mesmo empreendimento imobiliário, tendo indicado, ainda, outras 17 (dezessete) ações também vinculadas ao mesmo empreendimento (e-STJ, fls. 826-829).

A Turma Especial de Direito Privado do TJSP examinou os temas relacionados aos efeitos do atraso na entrega de imóveis adquiridos na planta ou em fase de construção, à exceção dos temas 3 e 4, que foram considerados prejudicados, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 1.216-1.217):

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMAS RELACIONADOS AOS REQUISITOS E EFEITOS DO ATRASO DE ENTREGA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM CONSTRUÇÃO.

TEMAS APROVADOS PELA TURMA JULGADORA.

Tema n. 01 – “É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível”.

Tema n. 02 – “Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel”.

Tema n. 05 – “O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada”.

Tema 06 – “É ilícito o repasse dos “juros de obra”, ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da obra”, ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tolerância”.

Tema 07 – “A restituição de valores pagos em excesso pelo promissário comprador em contratos de compromisso de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do promitente vendedor”.

Tema 08 – “O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e da multa contratual sobre o saldo devedor.

Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil, por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais gravosos ao consumidor”.

Tema 09 – “Não se aplica a multa prevista no artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos de atraso de entrega das unidades autônomas aos promissários compradores”.

TEMAS PREJUDICADOS OU REJEITADOS.

Tema 03 – “Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente vendedora”.

Tema 04 – “Indenização por danos morais em virtude do atraso da entrega das unidades autônomas aos promitentes compradores”.

Sobrevieram, então, a interposição de 3 (três) recursos especiais relacionados aos temas 2, 5, 6 e 8, interpostos, respectivamente, por Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo – SECOVI-SP e Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil – CBIC; MRV Engenharia e Participações S.A. e Parque Piazza Navona Incorporações SPE Ltda.; e Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC.

No primeiro apelo especial, com base na alínea a do permissivo constitucional, SECOVI-SP e CBIC, na condição de amici curiae, alegam violação do art. 4º, III, do CDC, o qual prevê a necessidade de harmonização dos interesses de fornecedores e consumidores. Ademais, argumentam que “a fixação de um prazo, ainda que sucessivo, para ‘fechar’ o grupo de adquirentes faz com que o incorporador imobiliário possa ficar exposto a uma insegurança que pode gerar prejuízos não apenas a ele, mas também a outros consumidores que já se tenham integrado ao grupo de pretendentes à aquisição de unidades produzidas no Programa Minha Casa Minha Vida” (e-STJ, fl. 1.375). Indicam, ainda, ofensa aos arts. 402 e 403 do CC/2002 e 2º da Lei n. 10.192/2001, sustentando, em síntese:

Tema 2: o prazo estipulado para a conclusão da obra é meramente estimativo, podendo variar de acordo com a data de assinatura do contrato de financiamento junto à instituição financeira, a qual deverá prevalecer como termo inicial da contagem do prazo para a conclusão do empreendimento.

Tema 5: a indenização pelo atraso na entrega do imóvel, por lucros cessantes, correspondentes ao valor locatício do bem, dependerá de prova efetiva do prejuízo, a cargo do promitente comprador, não podendo o dano ser presumido.

Tema 8: possibilidade de utilização do INCC (Índice Nacional da Construção Civil) como fator de correção monetária durante todo o período necessário para a finalização da unidade imobiliária, independentemente de ter havido descumprimento do prazo de construção.

Por sua vez, MRV Engenharia e Participações Ltda. e Parque Piazza Navona Incorporações, rés na ação originária, apontam, preliminarmente, ofensa ao art. 1.022, I e II, do CPC/2015, por negativa de prestação jurisdicional; e, em relação aos temas de fundo, aos arts. 186, 402, 403, 421, 884 e 944 do CC/2002, pelos motivos a seguir expostos:

Tema 2: a fixação de prazo certo para a formação do grupo em financiamento sob a forma associativa cria obrigação prejudicial ao próprio consumidor, que se busca proteger, em clara afronta à liberdade contratual das partes, além de desconsiderar o fato de que, na modalidade de crédito associativo, em sua quase totalidade financiada pela Caixa Econômica Federal, a formação do grupo dá-se ao longo do empreendimento.

Tema 5: a indenização pelo atraso na entrega do imóvel, por lucros cessantes, correspondentes ao valor locatício do bem, dependerá de prova efetiva do prejuízo, a cargo do promitente comprador, não podendo o dano ser presumido, desconsiderando previsão legal expressa que proíbe beneficiários do PMCMV de alugar ou alienar o bem (Lei n. 11.977/2009, art. 7º-B, I e II), e, portanto, auferir frutos.

Tema 6: possibilidade do repasse dos juros de obra previstos no contrato de financiamento, os quais não caracterizam custo ou ônus adicional para o adquirente, a despeito de eventual atraso na entrega do imóvel, devendo a ilicitude da cobrança se restringir, apenas, a fatos geradores posteriores ao prazo de entrega das chaves, incluído o prazo de tolerância.

Por fim, também na condição de amicus curiae, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliária – ABRAINC indica vulneração dos arts. 402, 403, 421, 884 e 944 do CC/2002, além de divergência jurisprudencial, aos seguintes fundamentos:

Tema 2: a exigência da estipulação de prazo certo para a formação de grupo de adquirentes atenta contra a autonomia privada da vontade e o princípio da função social do contrato, em claro intervencionismo contratual, sem que exista previsão legal para tanto, além de não se mostrar compatível com a realidade do mercado imobiliário para empreendimentos relacionados ao programa de crédito associativo, uma vez que, na prática, grande parte dos adquirentes adere ao negócio durante a realização da obra.

Tema 5: a indenização pelo atraso na entrega do imóvel, por lucros cessantes, correspondentes ao valor locatício do bem, dependerá de prova efetiva do prejuízo, a cargo do promitente comprador, não podendo o dano ser presumido. Ademais, caso admitida, o seu valor deverá se basear em prova documental ou pericial que demonstre, com razoável margem de segurança, a exata extensão do dano.

Tema 6: É lícita a cobrança dos juros de obra mesmo após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves do imóvel, salvo se implicar o pagamento pelo adquirente/mutuário de valor superior à remuneração pactuada com a instituição financeira a esse título.

Contrarrazões apresentadas às fls. 1.605-1.627 (e-STJ).

Os recursos foram admitidos pelo Presidente da Seção de Direito Privado do TJSP pelas decisões de fls. 1.628-1.632, 1.633-1.637 e 1.638-1.642 (e-STJ).

A Segunda Seção desta Corte, após a apresentação de voto-vogal pela Ministra Nancy Andrighi (e-STJ, fls. 1,702-1.713), deliberou pela afetação dos recursos, nos termos dos arts. 256-H do RISTJ e 987, § 2º, do CPC/2015, para que pudessem ser processados neste Tribunal (Tema 996), conforme o procedimento estabelecido para os recursos repetitivos.

O acórdão foi assim ementado:

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – IRDR. ART. 256-H DO RISTJ C/C O ART. 1.037 DO CPC/2015. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM.

1.) As questões controvertidas consistem em definir se:

1.1) na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível, o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.

1.2) o atraso da entrega do imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera, para o promitente vendedor, a obrigação de indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem, na forma de valor locatício, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato ou de mercado, correspondente ao que este deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta da unidade autônoma já regularizada.

1.3) é lícito o repasse dos “juros de obra”, ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da obra”, ou outros encargos equivalentes, após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4) o descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído por indexador geral, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

2. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/2015.

Embora, em princípio, a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre idênticas questões e que tramitem no território nacional, seja um dos efeitos da decisão de afetação do recurso como repetitivo (CPC, art. 1.037, II), no caso, excepcionalmente, deliberou-se pela desnecessidade da adoção da medida, na esteira do que também havia decidido o Tribunal de origem.

Esta relatoria apresentou aditamento à proposta de afetação, a fim de possibilitar que, no julgamento do mérito, possa a Segunda Seção deliberar, se entender oportuno, sobre os seguintes temas: a) se a aplicação das teses deve ser limitada a imóveis residenciais ou, também, a imóveis comerciais; e b) se deverão receber o mesmo tratamento a situação do imóvel adquirido para moradia e aquele comprado a título de investimento (e-STJ, fls. 1.700-1.701).

Foi deferido o ingresso no feito da Defensoria Pública da União e do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis-SINDUSCON-FPOLIS, na condição de amici curiae (e-STJ, fls. 1.721 e 1.831-1.832).

Tendo em vista a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre as defesas dos interesses em conflito, nos termos dos arts 1.038, I, do CPC/2015 e 256-J do RISTJ, foi determinada a intimação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação – ABMH, escritório do Estado de São Paulo, para que, facultativamente, apresentassem manifestação escrita, no prazo de 15 (quinze) dias.

Foram apresentadas manifestações pelo SINDUSCON-FPOLIS (e-STJ, fls. 1.853-1.883) e pelo IDEC (e-STJ, fls. 1.889-1.947).

Instado, o Ministério Público Federal manifestou-se, inicialmente, pela admissão dos recursos como representativos da controvérsia (e-STJ, fls. 1.665-1.666), e, no mérito, pelo desprovimento dos recursos especiais, propondo a redação das seguintes teses (e-STJ, fls. 1.969-1.993):

RECURSO ESPECIAL CONTRA JULGAMENTO DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). ADMISSÃO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE UNIDADES IMOBILIÁRIAS PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ATRASO NA ENTREGA. CONSEQUÊNCIAS. DESPROVIMENTO DOS RECURSO ESPECIAIS.

TESES PROPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

Tese 2 – “Para o equilíbrio da relação entre incorporadoras e consumidores, os contratos destinados à aquisição de imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, devem prever prazo certo e determinado para a formação do grupo de adquirentes e entrega da unidade imobiliária.”

Tese 5 – “O atraso na entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. A indenização deve corresponder ao valor das parcelas desembolsadas durante o período de mora da construtora.”

Tese 6: “Decorrido o prazo para entrega das chaves, é ilícita a cobrança e o repasse dos “juros de obra”, ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da obra”, ou outros encargos equivalentes, incluído o período de tolerância.”

Tese 8: “Ultrapassado prazo para entrega do imóvel, deve incidir a incidência da correção monetária sobre o saldo devedor, porém, deve-se substituir o índice do INCC pelo IPCA, salvo quando o INCC for menor, ou comprovada má-fé da construtora.”

PARECER PELO DESPROVIMENTO DOS RECURSOS ESPECIAIS.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

Nos termos do art. 256-H do RISTJ, os recursos especiais interpostos contra acórdão de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal que julgue o mérito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR serão processados nesta Corte, conforme o procedimento estabelecido para o recurso indicado, pelo tribunal de origem, como representativo da controvérsia.

Essa determinação regimental se justifica pela abrangência dos efeitos da decisão a ser proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial interposto contra o julgamento do IRDR, cuja tese será “aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito” (CPC/2015, § 2º do art. 987).

Nesse sentido, as disposições do CPC/2015 e do RISTJ buscam dar ao acórdão proferido no recurso especial interposto em julgamento de mérito de IRDR os mesmos efeitos do acórdão em julgamento de recurso especial repetitivo, precedente qualificado nos termos do art. 121-A do RISTJ, c/c o art. 927 do CPC/2015. Ou seja, para fins de processamento do recurso especial em julgamento de mérito do IRDR, necessariamente, deverá ser seguido o rito previsto para os recursos representativos de controvérsia.

Conquanto a natureza jurídica do IRDR não esteja em discussão neste julgamento, é oportuno registrar que não há impedimento para o conhecimento destes recursos especiais, pois a decisão do mérito das questões suscitadas em IRDR admite recurso para o STJ e para o STF, conforme letra expressa do art. 987 do NCPC. A despeito, ainda, das controvérsias sobre os requisitos para instauração do incidente perante os tribunais competentes, o § 1º do art. 976 do CPC/2015 afasta quaisquer dúvidas quanto à apreciação do mérito das teses, independentemente da causa, ao dispor que, “a desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente”.

Registre-se, inclusive, que o referido dispositivo legal atenua a divergência doutrinária quanto à natureza do IRDR, pois as mais respeitáveis vozes que defendem a necessidade de uma causa pendente de julgamento como requisito para instauração do incidente, como Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha e Daniel Amorim Assunção Neves, reconhecem a recorribilidade da decisão de mérito do IRDR nas hipóteses de desistência ou abandono do processo.

Sendo esta Corte Superior a responsável pela segurança e interpretação do direito infraconstitucional, por meio da apreciação de recurso especial interposto contra acórdão de tribunais estaduais ou tribunais regionais federais, há de ter em mente que as teses firmadas no acórdão recorrido têm caráter vinculante restrito aos processos em tramitação e futuramente ajuizados na área de jurisdição do TJSP. Logo, apenas com a apreciação dos presentes recursos especiais por esta Corte, e sua deliberação ampla em relação às teses controvertidas, será possível uniformizar em âmbito nacional a interpretação sobre as matérias e, com isso, atribuir-lhes o efeito vinculante conferido aos precedentes qualificados, conforme previsto no § 2º do art. 987 do NCPC.

É importante consignar que, no presente caso, embora o IRDR tenha sido instaurado pelo Juízo a quo sem a prolação de sentença, o referido incidente não apenas foi admitido, como efetivamente julgado em seu mérito pelo TJSP, não se subsumindo a hipótese, portanto, à controvérsia objeto do REsp n. 1.631.846/DF, da relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ainda pendente de julgamento.

Logo, o fato de o Tribunal de origem ter decidido o IRDR, apenas para fixar as teses que foram aprovadas, sem a existência de um recurso pendente (causa piloto), é irrelevante para o julgamento dos apelos excepcionais ora em exame, tendo em vista que, em nenhum deles, foi suscitada a discussão atinente ao próprio cabimento do IRDR, por ofensa ao art. 976, I e II, do CPC/2015, estando a questão, por esse motivo, preclusa.

Como se sabe, o recurso especial também está jungido ao princípio da devolutividade (tantum devolutum quantum appellatum), de modo que não pode ser submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça matéria que não tenha sido invocada pelas partes em suas razões recursais.

Feita essa observação, verifica-se que, na hipótese, as questões jurídicas suscitadas são de grande relevância nos cenários jurídico e econômico nacionais, por envolver efeitos do atraso na entrega de unidades autônomas em construção, financiadas pelas regras do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, o que evidencia, de forma inequívoca, o caráter multitudinário das controvérsias.

Convém desde logo salientar que, assim como ficou estabelecido na Questão de Ordem aprovada à unanimidade na análise, pela Segunda Seção, dos REsps n. 1.498.484/DF e 1.635.428/SC (Tema 970) e 1.614.721/DF e 1.631.485/DF (Tema 971), DJe de 25/6/2019, sob o rito dos recursos repetitivos, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, os dispositivos da Lei n. 13.786/2018 não serão aplicados na solução das teses em julgamento.

É que, conforme foi destacado, na oportunidade, pelo Relator, “não se pode cogitar de aplicação simples e direta da nova Lei n. 13.786/18 para a solução de casos anteriores ao advento do mencionado Diploma legal (retroatividade da lei, com consequente modificação jurisprudencial, com ou sem modulação)”.

Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e crédito associativo

O PMCMV foi instituído pela Lei n. 11.977/2009, com o objetivo de criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias de baixa e de média renda, em observância ao direito fundamental à moradia digna (CF, art. 6º).

Por meio do referido programa, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira, concede subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional, ficando a cargo, principalmente, do Poder Executivo federal, editar os regulamentos e normas específicas para lhe dar operacionalização, inclusive acerca das faixas de renda e sua atualização, valor dos imóveis, padrões construtivos e critérios para seleção dos beneficiários.

Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, dispôs o art. 3º do referido texto legal que deverão ser observados os seguintes requisitos:

I – comprovação de que o interessado integra família com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais);

II – faixas de renda definidas pelo Poder Executivo federal para cada uma das modalidades de operações;

III – prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco, insalubres, que tenham sido desabrigadas ou que perderam a moradia em razão de enchente, alagamento, transbordamento ou em decorrência de qualquer desastre natural do gênero;

IV – prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e

V – prioridade de atendimento às famílias de que façam parte pessoas com deficiência.

Na atualização dos valores adotados como parâmetros de renda familiar estabelecidos nesta Lei, segundo o § 6º desse mesmo artigo, os critérios a serem considerados serão os seguintes:

I – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 10 (dez) salários mínimos;

II – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 2.790,00 (dois mil, setecentos e noventa reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 6 (seis) salários mínimos;

III – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 1.395,00 (mil, trezentos e noventa e cinco reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 3 (três) salários mínimos.

No âmbito da habitação urbana, o programa possui dois campos de atuação bem distintos, de acordo com a faixa de renda dos beneficiários do programa.

A Faixa 1 compreende famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), bem como as famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), desde que enquadradas, nesta segunda hipótese, em situações específicas de vulnerabilidade social, como emergência ou calamidade pública.

Nessa faixa do programa, conforme observou o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do REsp n. 1.601.149/RS, a operação mais se assemelha a um benefício social com contrapartida do que propriamente a um contrato de promessa de compra e venda de imóvel, podendo o valor do benefício alcançar até 90% do total da operação, para um financiamento de até 10 (dez) anos, com prestações mensais que variam entre R$ 80,00 (oitenta reais) e R$ 270,00 (duzentos e setenta reais), conforme a renda bruta familiar, sem incidência de juros, formação de saldo devedor ou contratação de seguro, diversamente do que ocorre em um típico financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação – SFH, ou para as demais faixas de renda.

É que, na Faixa 1, o imóvel é incorporado ao patrimônio de um fundo público (Fundo de Arrendamento Residencial – FAR ou Fundo de Desenvolvimento Social – FDS), e esse fundo assume a condição de alienante do imóvel.

Por sua vez, a seleção dos beneficiários é realizada pelo Poder Público, mediante cadastro das famílias pelas prefeituras ou por entidades organizadoras previamente habilitadas pelo Executivo federal, sendo os imóveis destinados aos interessados por meio de sorteio, após a realização do processo de seleção.

Nessa senda, ficou assinalado no julgamento do REsp n. 1.601.149/RS, sob o rito dos repetitivos, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanserino, Relator p/ Acórdão o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, DJe de 15/8/2018, que, na referida faixa, não se estabelece relação de consumo entre o beneficiário e a construtora/incorporadora, como ocorre nas outras faixas do programa.

Como não há venda direta das construtoras ou incorporadoras aos beneficiários, mas seleção por meio de critérios sociais, não há campo para a intermediação imobiliária e, por conseguinte, para a cobrança de comissão de corretagem. Essa questão, aliás, foi objeto de deliberação no precedente mencionado acima, no qual foi assentada a tese de que:

Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

O outro campo de atuação do PMCMV destina-se aos financiamentos imobiliários, propriamente ditos, previstos nas Faixas 1,5, 2 e 3. Nessas faixas de renda, embora exista a possibilidade de o beneficiário obter subvenção econômica, por meio de recursos do FGTS, há a incidência de juros (ainda que com taxas reduzidas), formação de saldo devedor, contratação de seguro, pagamento de comissão de corretagem, taxas, impostos e emolumentos.

À guisa de informação, as faixas de renda, atualmente, estão assim distribuídas:

Faixa 1 – até R$ 1.800,00 (ou R$ 3.600,00, excepcionalmente); com até 10 anos para pagar e subsídio de até 90% do valor do imóvel;

Faixa 1,5 – até R$ 2.600,00 – com taxa de juros de 5% a.a. – e até 30 (trinta) anos para pagar e subsídio de até R$ 47.500,00;

Faixa 2 – até R$ 4.000,00 – com taxa de juros entre 6% e 7% a.a., com até 30 anos para pagar e subsídio de até R$ 29.000,00;

Faixa 3 – até R$ 7.000,00 – com taxas de juros diferenciadas, entre 7% e 8,16% a.a., com até 30 anos para pagar.

Cabe ressaltar que, por toda a situação peculiar que envolve a faixa 1 de renda, inclusive por se tratar de beneficiário que, pelos motivos expostos, não está submetido às regras consumeristas, as teses fixadas no julgamento destes recursos serão aplicadas apenas aos contratos firmados para as faixas de renda 1,5, 2 e 3.

Importante esclarecer também que, embora muitas vezes o termo crédito associativo seja utilizado como sinônimo do PMCMV, com ele não se confunde, sendo o primeiro uma das modalidades de financiamento de imóvel residencial na planta, com recursos oriundos do FGTS.

Nesse tipo de financiamento, um banco público (normalmente Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil) abre uma linha de crédito diretamente aos beneficiários pessoas físicas para viabilizar o empreendimento habitacional, o qual é formalizado mediante parceria com uma entidade organizadora e interveniência de uma empresa do ramo da construção civil.

Criado pelo Conselho Curador do FGTS por meio de Resolução e regulamentado por instruções normativas emitidas pelo Gestor da Aplicação – de 2003 até o final de 2018 pelo extinto Ministério das Cidades –, o crédito associativo tem por objetivo atender às necessidades habitacionais das famílias de baixa renda.

As entidades organizadoras, por sua vez, podem ser cooperativas, associações, sindicatos, Poder Público Estadual e Municipal, companhias de habitação, sociedades de propósito específico – SPE, entidades privadas sem fins lucrativos e outras pessoas jurídicas voltadas à produção de unidades habitacionais, além de construtoras e incorporadoras.

Na hipótese em que a entidade organizadora é a própria incorporadora, será ela responsável pela organização do grupo de beneficiários e pela promoção e/ou produção das unidades, tendo também por atribuições a elaboração e estudo prévio de viabilidade do projeto, a participação no investimento, financeira ou sob a forma de aporte de bens ou execução de serviços economicamente mensuráveis, e o acompanhamento da realização das obras e serviços objeto dos contratos de financiamento.

A fim de viabilizar a aprovação da linha de crédito, a empresa apresenta o projeto do empreendimento para avaliação técnica, jurídica, social e econômica por parte do agente financeiro. Depois de sua aprovação, serão providenciadas as pesquisas cadastrais, as análises de capacidade de pagamento e as entrevistas com os beneficiários apresentados pela entidade organizadora, de acordo com a documentação pessoal e de renda, sendo exigido, em regra, a aprovação da proposta de financiamento de 30% dos beneficiários do total de unidades, antes da assinatura do contrato.

Após a contratação, os recursos são liberados à entidade organizadora mensalmente, de acordo com o cronograma físico-financeiro, mediante comprovação da execução de etapas da obra pelo setor de engenharia do banco público.

Visando a conclusão do empreendimento, os recursos necessários permanecem sob gestão do agente financeiro até o término da construção e sua legalização no Cartório de Registro de Imóveis.

A instituição financeira que atuar como agente operador será a responsável pela definição e divulgação dos procedimentos operacionais necessários à execução do programa, pelo controle e acompanhamento da execução orçamentária e pelo repasse de informações ao Gestor da Aplicação e ao Conselho Curador do FGTS.

Da incorporação imobiliária e legislação aplicável

Feita essa digressão sobre as linhas gerais do PMCMV e em relação à modalidade de financiamento por crédito associativo, impende tecer algumas considerações acerca do contrato de incorporação imobiliária, assim entendido o negócio jurídico pelo qual o incorporador se obriga a realizar, por si ou por terceiros, a construção de unidades imobiliárias em edificação coletiva, bem como a transmitir a propriedade dessas unidades aos respectivos adquirentes, comumente por meio de contratos de promessa de compra e venda de imóvel firmados antes ou durante a construção. Em contrapartida, obrigam-se os promitentes compradores a pagar o preço das unidades a que se comprometeram a adquirir.

A incorporação imobiliária é regida pela Lei n. 4.591/1964, cujo art. 31 dispõe que “a iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador”, que poderá ser o proprietário do terreno, como ocorre habitualmente, mas também o promitente comprador, o cessionário ou promitente cessionário, o construtor ou – ainda que em hipótese pouco usual – o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste.

Por sua vez, o incorporador somente poderá negociar as unidades autônomas futuras após arquivar, no Cartório de Registro de Imóveis, uma série de documentos de natureza técnica, relacionados ao empreendimento, e também tributária, que estão elencados no art. 32 da Lei, sendo de se destacar, entre eles, a declaração expressa – embora opcional – de que a empresa poderá fazer uso do prazo de carência de 180 (cento e oitenta) dias, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento, caso se convença da inviabilidade comercial do projeto.

Do contrato de promessa de compra e venda também “deverá constar o prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação” (§ 2º do art. 48), sendo que, quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preço certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-á imposta, entre outras obrigações, “responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for o caso e se a este couber a culpa” (art. 43, II).

Sobressai, portanto, que a responsabilidade do incorporador decorre, a priori, dos próprios limites delineados pela Lei n. 4.591/1964, da qual emerge a preocupação de se exigir no contrato de promessa de compra e venda de imóvel o termo final para a entrega das unidades, o que se justifica tendo em vista os valores envolvidos nesse tipo de relação, não apenas por sua expressão monetária, mas também por abranger interesses que são caros a toda a sociedade como o planejamento familiar e o próprio acesso à moradia digna.

No que concerne a esse aspecto específico da contratação, prazo para a entrega do imóvel, confiram-se as adequadas ponderações feitas por Fábio de Oliveira Azevedo:

Divulgam-se contratos, com termo final preciso para a entrega, por meio de ampla publicidade com destaque para a “entrega em” certa data, sem correspondente ênfase para a data prorrogável. Tal realidade mostra-se apta para criar nos adquirentes legítima expectativa de que receberão a posse do imóvel na data indicada. É comum, todavia, observar contratos que autorizam o incorporador atrasar a entrega em até seis meses. Em geral, são contratos extensos e adesivos, cuja interpretação deve ser feita favoravelmente ao aderente (art. 423 do CC, diante dessa ambiguidade e contradição. São óbices ao planejamento familiar responsável, no caso de incorporações residenciais. E a interesses legítimos tais como o trabalho e o investimento, no caso de não residencial.

Tal evento futuro e incerto, consistente na prorrogação do termo final, é submetido a vontade exclusiva do incorporador. Caracteriza-se, de início, condição puramente potestativa, gerando a nulidade da estipulação (art. 122 c/c art. 123, II, do CC). Essa cláusula, todavia, mostra-se válida se for relacionada a ocorrência externa, como são o caso fortuito externo e a força maior. Neste caso, torna-se ônus argumentativo do incorporador justificar o merecimento de proteção e o acontecimento excepcional.

Interpretando-se a cláusula em conformidade com a boa-fé (art. 113 do CC), constata-se a ausência de boa-fé objetiva na estipulação (art. 422 do CC), notadamente por ofender os deveres de proteção e informação, frustrando expectativa de receber no prazo divulgado, ao contrário do que ocorreria se divulgasse o prazo prorrogado. Tal resultado deve estimular os incorporadores a redigir de modo diverso os seus instrumentos adesivos. A publicidade deveria ser feita de modo a destacar o termo final prorrogado e não a data prometida para a entrega (ex. entrega em dezembro, com possibilidade de antecipação para junho; e não entrega em junho, com a liberdade para prorrogar até dezembro).

Assim agindo, inverte-se o parâmetro de aferição da boa-fé. Torna-se, então, ilegítima a conduta do adquirente que se organize para receber o imóvel com seis meses de antecedência. Enfim, aponta-se para atenta observância a boa-fé objetiva, podendo a incorporadora, assim, empreender os esforços necessários para entregar a unidade com até seis meses de antecedência, em inversão relativamente simples, embora suficiente proba.

(Direito Imobiliário. 1ª ed. São Paulo: Atlas. 2015. ps. 485-486).

Por derradeiro, uma vez concluída a obra e concedido o Habite-se pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, “respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação” (art. 44).

A par da incidência dos dispositivos da Lei n. 4.591/1964, vale lembrar que o contrato de promessa de compra e venda de imóvel também está submetido às regras do Código Civil, bem como aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, notadamente quando se tem por objeto, como no caso, a construção de imóvel residencial.

Sob esse aspecto, cumpre enfatizar que o incorporador/construtor é um fornecedor de produto, à luz do que preconiza o art. 3º do CDC, elucidando o seu § 1º que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Assim, quando a empresa vende e constrói unidades imobiliárias, assume uma obrigação de dar coisa certa, e isso é da essência do conceito de produto. E, sendo essa obrigação contratada com alguém que ocupa a posição de destinatário final, ao fazer desse imóvel a sua moradia e de sua família, está caracterizada a relação de consumo que torna impositiva a subsunção das partes a esse microssistema protetivo, cujas normas, vale recordar, são de ordem pública.

Nessa linha, ao tratar da responsabilidade objetiva pela reparação dos danos causados aos consumidores, por fato do produto ou do serviço, o art. 12 do CDC refere-se expressamente ao fabricante, ao produtor, ao construtor e ao importador; ao passo que o art. 53, ao proibir a cláusula de decaimento – representada pela perda total das prestações pagas –, também se reporta aos contratos de compra e venda de imóvel.

Tudo isso a evidenciar a intenção do legislador de submeter o contrato de incorporação/construção aos ditames desse microssistema protetivo, conforme se infere, a título exemplificativo, dos seguintes precedentes desta Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO INCAPAZ DE ALTERAR O JULGADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATOS DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO SERVIÇO. SOLIDARIEDADE. CADEIA DE FORNECEDORES. INOVAÇÃO RECURSAL. DESCABIMENTO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. SÚMULA Nº 83/STJ. INCIDÊNCIA. JULGADO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.

1. (…).

2. Em que pese o contrato de incorporação ser regido pela Lei nº 4.591/64, admite-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser observados os princípios gerais do direito que buscam a justiça contratual, a equivalência das prestações e a boa-fé objetiva, vedando-se o locupletamento ilícito.

3. O incorporador, como impulsionador do empreendimento imobiliário em condomínio, atrai para si a responsabilidade pelos danos que possam resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação, incluindo-se aí os danos advindos de construção defeituosa.

4. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do tribunal de origem, que entendeu configurada a responsabilidade da imobiliária pelos prejuízos causados aos condôminos em virtude da inexecução das obras do edifício decorrente da alienação dos lotes em disputa, mister se faz a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, o que, como já decidido, é inviabilizado, nesta instância superior, por Súmula nº 7/STJ.

5. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte, tem incidência a Súmula nº 83/STJ, aplicável por ambas as alíneas autorizadoras.

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.006.765/ES, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 12/5/2014);

INCORPORAÇÃO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. RESTITUIÇÃO. LEI 4.591/64. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

1. O CONTRATO DE INCORPORAÇÃO, NO QUE TEM DE ESPECÍFICO, É REGIDO PELA LEI QUE LHE E PRÓPRIA (LEI 4.591/64), MAS SOBRE ELE TAMBÉM INCIDE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, QUE INTRODUZIU NO SISTEMA CIVIL PRINCÍPIOS GERAIS QUE REALÇAM A JUSTIÇA CONTRATUAL, A EQUIVALÊNCIA DAS PRESTAÇÕES E O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.

2. A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DE DECAIMENTO, COM PREVISÃO DE PERDA DAS PARCELAS PAGAS EM FAVOR DO VENDEDOR, PODE SER RECONHECIDA TANTO NA AÇÃO PROPOSTA PELO VENDEDOR (ART. 53 DO CODECON) COMO NA DE INICIATIVA DO COMPRADOR, PORQUE A RESTITUIÇÃO É INERENTE À RESOLUÇÃO DO CONTRATO E MEIO DE EVITAR O ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO.

3. PORÉM, NÃO VIOLA A LEI O ACÓRDÃO QUE EXAMINA FATOS E CONTRATOS À LUZ DO CODECON E NEGA A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE INCORPORAÇÃO, AFASTANDO A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E A ALEGAÇÃO DE CULPA DA EMPRESA VENDEDORA. MANTIDO O CONTRATO, NÃO HÁ CUIDAR DA DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS. RECURSO NÃO CONHECIDO (SÚMULAS 5 E 7).

(REsp n. 80.036/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 25/3/1996).

O referido contrato também está sujeito à disciplina do Código Civil, no que se refere à necessidade de que as cláusulas sejam interpretadas em sintonia com os princípios norteadores das relações contratuais de um modo geral, como a boa-fé objetiva (art. 113), a função social (art. 421) e a equivalência das prestações, a fim de evitar que o cumprimento da obrigação por uma das partes se torne excessivamente onerosa em detrimento da outra.

Assim, na análise de questões envolvendo a responsabilização da incorporadora por danos na construção ou, como na hipótese, por atraso na entrega da obra, deverá ser observada a norma legal que melhor atenda à expectativa de uma solução equilibrada e justa, respeitando não apenas a natureza jurídica da relação contratual em discussão, mas também as prestações e contraprestações impostas a cada uma das partes.

Feita essa explanação inicial acerca do PMCMV, do crédito associativo, do instituto jurídico da incorporação imobiliária, assim como da legislação aplicável ao caso, passo a analisar, separadamente, as proposições que foram objeto de deliberação no Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do IRDR.

Observo, a esse fim, que embora rejeitados os embargos de declaração, as questões controvertidas foram devidamente enfrentadas pelo Colegiado de origem, que sobre elas emitiu pronunciamento de forma objetiva e fundamentada, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimento do recurso especial.

É de se salientar que, tendo encontrado motivação bastante para fundamentar a decisão, não fica o órgão julgador obrigado a responder, um a um, aos questionamentos suscitados pelas partes, mormente se evidente o propósito de infringência do julgado.

No tocante às matérias de fundo, ressalto que as insurgências recursais, pela sua identidade de fundamentos e alinhamento de propósitos das partes recorrentes, serão analisadas conjuntamente, na medida em que envolvem temas comuns a mais de um recurso.

Tese n. 2 do TJSP:

Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível, o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.

A esse respeito, as empresas recorrentes sustentam em suas insurgências, em suma, que nas modalidades de financiamento sob a forma associativa, os prazos, tanto para a formação do grupo, como para a entrega dos imóveis, seriam meramente estimativos, tendo em vista que, na prática, grande parte dos adquirentes adere ao grupo durante a realização da obra, o que vem a interferir, também, no prazo de conclusão das unidades habitacionais. Desse modo, a fixação prévia de prazo certo e determinado, a esse fim, afrontaria os princípios da autonomia da vontade e da função social do contrato.

No caso, o contrato de promessa de compra e venda que instruiu a inicial foi celebrado em 5/2/2011, pelo valor de R$ 91.216,00 (noventa e um mil, duzentos e dezesseis reais), com previsão de financiamento de R$ 86.290,00 (oitenta e seis mil, duzentos e noventa reais) e utilização de saldo de recurso de FGTS correspondente a R$ 4.926,00 (quatro mil, novecentos e vinte e seis reais) – (e-STJ, fl. 31).

O prazo de entrega da unidade foi ajustado em duas cláusulas distintas, sendo a primeira no Quadro Resumo, nestes termos (e-STJ, fl. 32 – sem grifo no original):

5) ENTREGA DO IMÓVEL:

Entrega: 04/2013 (abril de 2013) O(A) PROMITENTE COMPRADOR (A) declara ter conhecimento de que a data de entrega de chaves retro mencionada é estimativa e que poderá variar de acordo com a data de assinatura do contrato de financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Prevalecerá como data de entrega de chaves, para quaisquer fins de direito, 24 (vinte e quatro) meses após a assinatura do referido contrato junto ao agente financeiro.

Por sua vez, no contrato de Compromisso de Promessa de Compra e Venda firmado de forma definitiva, o prazo de entrega foi regulado expressamente do seguinte modo (e-STJ, fl. 37):

5) CLÁUSULA QUINTA: DA ENTREGA E IMISSÃO NA POSSE

A PROMITENTE VENDEDORA se compromete a concluir as obras do imóvel objeto deste contrato no prazo estipulado no item 5 do Quadro Resumo, salvo se outra data for estabelecida no contrato de financiamento com a instituição financeira. Nesta hipótese, deverá prevalecer, para fins de entrega das chaves, a data estabelecida no contrato de financiamento.

Como se observa, por ocasião da celebração do que podemos denominar de um contrato preliminar, ou seja, “Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda – Quadro Resumo”, a incorporadora indicou, inicialmente, o mês de abril de 2013 como data de entrega do imóvel, ressaltando, contudo, na mesma cláusula, que esse prazo seria meramente estimativo, podendo variar de acordo com a data de assinatura do contrato de financiamento com o agente financeiro, Caixa Econômica Federal, devendo prevalecer, todavia, para efeito de entrega das chaves, o prazo de 2 (dois) anos a contar desta última data.

Porém, quando da assinatura em definitivo da promessa de compra e venda, a vendedora apresentou outra redação para a cláusula, pela qual se compromete a concluir o empreendimento no prazo convencionado no item 5 (e-STJ, fl. 37). Ocorre que, na sequência, estipulou a seguinte condicionante, “salvo se outra data for estabelecida no contrato de financiamento com instituição financeira”, devendo prevalecer, nesta hipótese, para fim de entrega das chaves, “a data estabelecida no contrato de financiamento” (e-STJ, fl. 37).

Sobre o tema, foi amplo o debate na sessão de julgamento do Tribunal estadual, tendo defendido o Relator, Desembargador Francisco Loureiro que, a despeito de ser razoável admitir que o prazo de entrega da obra passe a fluir da data de obtenção do financiamento, o qual viabilizará o empreendimento, não se pode olvidar, outrossim, que referido termo, ainda que previsto em cláusula de forma clara e expressa, atendendo ao dever de informação previsto no art. 54, § 4º, do CDC, não pode ser incerto, sob pena de vincular o consumidor adquirente por tempo indefinido.

Desse modo, partindo da premissa de que haveria a necessidade de se fixar um prazo máximo e certo para a liberação do financiamento, propôs o relator a adoção, por analogia, do lapso temporal de 6 (seis) meses previsto no art. 34 da Lei n. 4.591/1964, o denominado prazo de arrependimento, dentro do qual a incorporadora pode desistir do empreendimento, se constatar sua inviabilidade econômica.

Confiram-se, por oportuno, os fundamentos lançados no voto do Desembargador Francisco Loureiro (e-STJ, fls. 1.244-1.246):

De um lado, razoável admitir que o termo inicial do prazo de entrega da obra somente passe a fluir a contar da obtenção do financiamento, que viabilizará o empreendimento. De outro lado, tal termo, ainda que conste de cláusula clara e expressa, não pode ser incerto, pena de vincular o consumidor adquirente a empreendimento por tempo indefinido.

Há necessidade de se fixar um prazo máximo e certo de entrega da obra. O Desembargador Donegá Morandini propõe o prazo de 30 meses contado da assinatura do contrato. Os Desembargadores Carlos Alberto Garbi, Beretta Filho e Grava Brazil apenas exigem que a cláusula seja clara quanto ao prazo de formação do grupo, sem, no entanto, fixar termo máximo.

Entendo que deve ser fixado prazo máximo certo.

Isso porque insuficiente a clareza da cláusula, se o prazo for indeterminado, ou de tal modo extenso que vincule os adquirentes de modo perene, sem a certeza da viabilidade do empreendimento.

De outro lado, o prazo certo não pode ser fixado de modo aleatório, ou simplesmente por equidade pelo Tribunal, ainda mais em caráter normativo. Essa a razão pela qual elegi um prazo expressamente previsto no art. 34 da L. 4.591/64 (seis meses) usado para desistência por parte do incorporador de empreendimentos imobiliários.

Pondera o Des. Carlos Alberto Garbi e com razão – que tal prazo do artigo 34 somente incide nos casos em que existe cláusula expressa permitindo ao empreendedor desistir da incorporação. É verdade que em muitos casos de empreendimentos do PMCMV o contrato preliminar não tem cláusula expressa de desistência. A ausência de aludida cláusula, porém, não pode servir para que o empreendedor possa postergar a viabilidade da incorporação ou mesmo a entrega da obra por prazo indeterminado.

Reitero a inadequação da fixação de prazos ainda que mediante cláusula expressa e clara em termo incerto, qual seja, a data da obtenção do financiamento. Isso porque, repito, seriam frequentes os casos nos quais os financiamentos ou a formação do grupo poderia levar anos, ou, pior, as liberações ocorrerem em datas diferentes (o que é comum), levando a prazos distintos de entrega de unidades em um mesmo edifício.

Propus solução intermediária, que ficou vencida durante a sessão de conferência de votos, que concilia as duas necessidades, com a seguinte redação para a tese:

Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma tenha termo inicial da data de obtenção do financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula contratual seja redigida de modo claro e não ultrapasse seis meses contados da data do registro da incorporação (art. 34 L. 4.591/64).

Todavia, a tese que se sagrou vencedora no julgamento do IRDR, a partir da dissensão inaugurada pelo Desembargador Carlos Alberto Garbi, levou em consideração o fato de que a comercialização de unidades futuras, mediante obtenção de crédito associativo pelo PMCMV, é feita atendendo circunstâncias econômicas especiais, que devem, necessariamente, refletir sobre as cláusulas contratuais.

Segundo o voto dissidente, ao contrário do que havia defendido o relator, a discussão não passa pelo exame do requisito previsto no art. 34 da Lei n. 4.591/1964, uma vez que o exercício do direito de arrependimento depende de manifesta previsão contratual, a qual não se faz presente no caso. Nesse sentido, concluiu o julgador pela licitude da vinculação do prazo de entrega da obra à data de obtenção do financiamento, porém, sem a imposição de nenhum limite, desde que essa informação esteja prevista no contrato de forma clara, expressa e inteligível.

Destacam-se os seguintes trechos do voto vencedor (e-STJ, fls. 1.298-1304):

A matéria é apresentada com exatidão pelo nobre Relator:

No que se refere à questão de fundo, deve ser feita necessária distinção entre os contratos de compromisso de compra e venda regulados somente pela Lei 4.591/64, objeto de financiamento privado a taxas de mercado, e os contratos de compromisso de compra e venda regulados e objeto de financiamento pelo Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV – Lei n.11.977/2009, Instrução Normativa n. 35/2012, do Ministério das Cidades, e Resolução n. 723/13, do CCFGTS.

Nos primeiros, o financiamento somente é tomado pelo adquirente após a conclusão da obra, instituição do condomínio edilício e atribuição da unidade autônoma, esta ofertada em garantia ao agente financeiro credor. Durante a obra, eventual financiamento é tomado pela construtora/incorporadora.

Nos segundos, se admite que o financiamento seja contraído diretamente pelo adquirente junto à CEF ou outras instituições financeiras no início ou no curso das obras do empreendimento, antes de sua conclusão e instituição do condomínio edilício.

No regime dos contratos regidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV normalmente o adquirente despende quantia módica de sinal e início de pagamento, ou às vezes nem isso. Para a viabilização do empreendimento mediante financiamento junto à Caixa Econômica Federal, se faz necessária a reunião de número mínimo de contratos de compromisso de compra e venda firmados. Somente depois de atingido determinado patamar de vendas é que a alienante consegue obter o financiamento necessário para a consecução do empreendimento.”

Bem pontuando a diferença entre os dois tipos de contratação, o Relator avança dizendo que “A L. 4.591/64, em seu artigo 34, faculta ao incorporador desistir da realização do empreendimento, se verificar que não há condições de mercado para absorver as unidades e sustentar o custo da construção. Esse prazo máximo de carência é de 180 dias, com termo inicial da data do registro da incorporação (Melhim Namem Chalhub, Da Incorporação Imobiliária, 3ª. Edição Renovar, p. 57)” e conclui:

Essa a razão pela qual a fixação do prazo de entrega com termo inicial a partir da obtenção do financiamento, se estipulada de modo claro e objetivo, se mostra adequada à própria operação econômica entabulada entre as partes e o agente financeiro, desde que não ultrapasse seis meses contados do registro da incorporação.

Primeiro, importante consignar que a questão posta no Tema em discussão tem relação direta com o segundo tipo de contrato ou, eventualmente, a outros programas habitacionais de cunho social, cuja contratação se dá em situações excepcionais e muito mais vantajosas para o comprador-consumidor em relação a empreendimentos sem essa característica.

Assim, partindo dessa premissa, a meu sentir, o problema nesse encaminhamento está em admitir a aplicação do art. 34, da Lei n. 4.591/64, aos contratos regidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV ou quaisquer outros programas voltados à obtenção de moradia por crédito associativo.

Nesse sentido, penso que a questão foi bem pontuada no r. voto divergente do Desembargador Carlos Alberto Garbi:

Com o devido respeito, o prazo previsto na Lei para desistência da incorporação não se aplica à hipótese do compromisso de venda e compra realizado sob a condição de obter o crédito associativo. A incorporadora que não obteve a concessão do crédito não anotou no registro da incorporação a faculdade de desistir, como prevê o dispositivo em referência, e o empreendimento será mantido, com oferecimento das unidades à venda. O crédito associativo poderá ser obtido, inclusive, em outro momento, além dos seis meses da incorporação.

Acrescente-se que não se pode impor o curto prazo de seis meses para que o incorporador faça a venda das unidades e obtenha o financiamento, sabido das dificuldades do mercado de imóveis e dos procedimentos exigidos para aprovação do crédito dos adquirentes. Impor esta solução é seguramente colocar o incorporador em mora na entrega das unidades e inviabilizar o programa habitacional do crédito associativo.

Assim, não se pode deixar de reconhecer a licitude da fixação do prazo de construção a partir da assinatura de um segundo contrato, no caso, o de financiamento, posto celebrado em condições excepcionais, cuja contratação é vantajosa ao adquirente, pelas próprias condições de custo do crédito disponibilizado, o qual, em última análise, responde praticamente pela totalidade da obra.

Sob esse enfoque, o que deve ser garantido ao consumidor e, no caso, adquirente, é justamente a informação expressa, clara e inteligível pela qual se dá a contratação e a forma de cômputo do prazo, com previsão, nessas mesmas condições, do prazo para a formalização do financiamento.

Nas palavras sempre objetivas e claras do Desembargador Garbi:

Percebe-se que há providências que antecedem a assinatura do contrato, que não tem data para se concretizar, do que decorre a incerteza quanto à data da entrega do imóvel. O consumidor não pode ficar sujeito a essa incerteza. O que se deve exigir é que o contrato estabeleça claramente o prazo no qual deverá ocorrer a contratação do financiamento, bem como todas as suas condições, para que se possa determinar a data da entrega do imóvel. Em outras palavras, o incorporador deve formar o grupo de adquirentes em prazo certo informado ao consumidor.

Não me parece adequado fixar prazo apriorístico, porque não é ilícito estabelecer que o prazo de entrega do imóvel se dê a partir do contrato de financiamento, ainda que esse financiamento se demore a confirmar, quando se sabe que o sucesso do empreendimento depende da reunião de um grupo de adquirentes. O que assegura o Código de Defesa do Consumidor é que se dê a informação completa e clara sobre as condições do negócio a permitir que o adquirente possa decidir, informado, sobre o negócio, o que não tem ocorrido em alguns casos examinados no Tribunal. (grifos não originais)

Concluindo, acompanho a divergência levantada pelo Desembargador Garbi, com uma pequena alteração de redação, de conteúdo meramente formal, para harmonizar a redação com o conjunto de temas discutidos, acrescentando a referência “expressa, clara e inteligível”.

É certo, ainda que durante o julgamento do IRDR, foi sugerida a inclusão do termo “certo” em relação ao prazo a ser fixado, o que foi acolhido pela douta maioria.

Assim, a texto final da tese ficou assim redigido:

Tema n. 02 “Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.”

Da leitura dos fundamentos do acórdão recorrido, pode-se depreender que a matéria relativa ao prazo para a formação do grupo de adquirentes, bem como para a obtenção do financiamento, não está regulamentada, de forma específica, por nenhum dos diplomas legais aplicáveis ao contrato de promessa de compra e venda de imóvel, no âmbito do PMCMV, quais sejam, a Lei n. 11.977/2009, a Lei n. 4.591/1964, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, tampouco pela Instrução Normativa n. 35/2012 do extinto Ministério das Cidades, que regulamentou o Programa Carta de Crédito Associativo, ou pela Resolução n. 723/2013 do Conselho Curador do FGTS, que aprovou o Programa Carta de Crédito Associativo.

Não obstante, todo acordo de vontades tem sempre por objetivo a realização do interesse das partes, para o qual não basta a existência do objeto da prestação, sendo fundamental a presença de outros dados relevantes, que possam contribuir para assegurar liberdade na escolha e garantia de segurança jurídica, entre os quais se insere, para contratos como o ora analisado, o prazo de entrega da unidade.

Na abordagem do tema, convém destacar que, diferentemente do que foi enfatizado no aresto combatido, as circunstâncias econômicas especiais do PMCMV não são benéficas apenas para os adquirentes. A despeito das subvenções de natureza econômica e fiscal que são concedidas aos proponentes (seja na forma de subsídio, seja pelo acesso a taxas de juros reduzidas, impostos, seguro ou emolumentos), são elas também muito favoráveis às empresas, que diversamente do que ocorre nas operações convencionais do SFH, passam a ter acesso a parte do crédito tão logo ele é aprovado pelo agente financeiro, seja no início ou durante a realização da obra, o que diminui a necessidade do uso de capital de giro da empresa.

Apenas para ilustrar, desde o seu lançamento, em 2009, o programa já fechou mais de 4 (quatro) milhões de contratos e permitiu o investimento de valores que ultrapassam R$ 270.000.000.000,00 (duzentos e setenta bilhões de reais), a revelar que, além de proporcionar o acesso ao primeiro imóvel para grande parte da população brasileira, também serviu de importante instrumento de fomento na área da construção civil, gerando, por consequência, mais emprego e renda.

Por isso, não é demasiado dizer, os efeitos dessa importante iniciativa governamental, de facilitação do acesso à moradia digna, voltado às famílias de baixa e média renda, têm refletido, positivamente, no aquecimento do ramo imobiliário, notadamente nos últimos anos, contribuindo de forma substancial para os resultados superavitários dos balanços financeiros das empresas que atuam no setor. Como exemplo, o lucro anunciado pela MRV em seu site oficial, referente ao ano de 2018, alcançou a expressiva quantia de R$ 690.000,00 (seiscentos e noventa milhões de reais), tendo sido entregues mais de 120.000 (cento e vinte mil) unidades nos últimos 30 (trinta) meses, apenas na modalidade do PMCMV, distribuídas entre os 22 (vinte e dois) estados da federação em que a empresa tem atuação.

O fato, portanto, de o contrato ser regido por regras de crédito associativo, a meu sentir, não pode ser utilizado como argumento para justificar a estipulação de prazo alternativo e aberto à conclusão da obra, assim como prevaleceu no Colegiado local, haja vista que os negócios firmados sob a disciplina do PMCMV não retiram do promitente vendedor o ônus relacionado ao risco da atividade econômica, além de serem lucrativos para as empresas nele envolvidas.

Por sua vez, a relação jurídica estabelecida entre o adquirente e a União, que é a verdadeira formatadora do programa e responsável pelos benefícios econômicos concedidos, não se confunde com aquela firmada entre o promitente comprador e a incorporadora, sendo esta última relação submetida, repise-se, não apenas aos ditames da Lei n. 4.591/1964, mas, também, à disciplina do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

Outro ponto a ser destacado é que, para iniciar a negociação dos imóveis, a incorporadora necessita, em regra, apenas do registro da incorporação em cartório (Lei n. 4.591/1964, art. 32), sendo que, nesse ato, se for do seu interesse, poderá o alienante, inclusive, estipular cláusula com prazo de carência de 180 (cento e oitenta) dias, dentro do qual lhe será lícito desistir do empreendimento, caso se convença da inviabilidade comercial do projeto (art. 34). Nesse aspecto, aliás, não há incompatibilidade entre a Lei n. 4.591/1964 e o PMCMV, seja em relação às obrigações impostas às incorporadoras, seja no tocante aos direitos que lhes são resguardados.

A possibilidade de comercialização de unidades futuras, antes do início das obras, também permite à incorporadora melhor planejamento do processo construtivo como um todo, inclusive sob o aspecto financeiro. Desse modo, considerando o número de unidades vendidas, poderá a empresa avaliar a necessidade de contratar um mútuo com o agente financeiro, que lhe permita entregar a construção no prazo estipulado. Essa providência, em princípio, nem sequer lhe trará maiores ônus, uma vez que os encargos decorrentes desse tipo de operação só começarão a ser pagos após a conclusão da obra, e com os recursos obtidos com as vendas dos imóveis.

Como é de praxe, no dia a dia das relações negociais do setor da construção civil, especialmente nos empreendimentos capitaneados por médias e grandes empresas, os valores provenientes da celebração dos contratos de compra e venda representam apenas uma parte dos recursos que serão destinados à realização do projeto imobiliário, sendo bastante usual, como ocorreu no presente caso, a contratação de financiamento pela incorporadora junto à instituição financeira, a fim de possibilitar a conclusão da obra.

Nesse sentido, a exigência da comercialização de um determinado número de unidades é feita, de modo geral, apenas como condição para aprovar a concessão do crédito associativo pelo agente financeiro, ou para viabilizar o início da liberação da verba objeto do mútuo firmado para a consecução do empreendimento. Ocorre que, na prática, quando a incorporadora procura a CEF, esse percentual de comercialização já foi atingido. Isso porque, como antes salientado, as vendas são iniciadas tão logo a empresa realiza o registro da incorporação em cartório.

No caso em exame, a aquisição do imóvel foi realizada em 5/2/2011 (e-STJ, fls. 34/43), ao passo que o contrato de mútuo da incorporadora com a instituição financeira foi assinado em 31/8/2012 (e-STJ, fls. 1.062-1.151), ou seja, 1 (um) ano e meio após a negociação da unidade futura, pelo qual a ora recorrente, Parque Piazza Navona Incorporações SPE Ltda. teve acesso à linha de crédito correspondente a R$ 24.789.399,02 (vinte e quatro milhões, setecentos e oitenta e nove mil, trezentos e noventa e nove reais e dois centavos), com recursos do FGTS, tendo como objetivo, justamente, “financiar a construção do empreendimento PARQUE PIAZZA NAVONA, sito no Município de Piracicaba/SP”, estabelecendo-se que “os recursos correspondentes terão a destinação mencionada neste instrumento” (e-STJ, fl. 1.064).

Segundo o § 1º da Cláusula Primeira da avença, “o prazo de amortização do presente financiamento é de 24 meses a contar do dia 1º (primeiro) do mês subsequente ao término da obra definido no Cronograma Físico-financeiro e de Desembolso do empreendimento” (e-STJ, fl. 1.064), tendo ficado estipulado na Cláusula Segunda, que “o desembolso do financiamento ora contratado, será efetuado pela CEF em parcelas mensais, conforme o andamento das obras” (e-STJ, fl. 1.064).

Por tudo isso, e já avançando para o desfecho da controvérsia, atinente ao Tema 2 (prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel), é forçoso reconhecer que, tratando-se de contratos que regulam as relações de consumo, o aderente só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a oportunidade de conhecimento prévio do seu conteúdo (CDC, arts. 4º, 6º, III, 46 e 54, § 4º), o que inquestionavelmente se aplica aos contratos de promessa de compra e venda de imóvel.

A efetividade do conteúdo da informação, por sua vez, deve ser aferida a partir da situação em concreto, examinando-se qual será substancialmente o conhecimento imprescindível e como se poderá atingir o destinatário específico daquele produto ou serviço, de modo que a transmissão da informação seja adequada e eficiente, atendendo aos deveres anexos da boa-fé objetiva, do dever de colaboração e de respeito ao consumidor (REsp n. 1.349.188/RJ, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 22/06/2016).

Nessa mesma linha, o art. 51, IV, do CDC, considera nula de pleno direito, entre outras, a cláusula contratual que estabeleça obrigação que coloque o consumidor em situação de desvantagem exagerada, assim considerada, segundo o § 1º, II e III, aquela que “restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual”, ou que se mostre “excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

Ademais, os contratos de promessa de compra e venda de imóvel caracterizam-se como de adesão, uma vez que suas cláusulas e condições são redigidas de forma unilateral, segundo o interesse das incorporadoras, cabendo ao aderente apenas aceitá-las ou não em seu conjunto, o que restringe, sensivelmente, a própria autonomia da vontade.

Em casos tais, na hipótese de ambiguidade ou contradição nas cláusulas, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, entendimento que decorre não apenas do art. 47 do diploma consumerista, mas também do art. 423 do CC, que assim dispõe:

Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

De nada adianta, por conseguinte, a estipulação de um prazo certo e expresso, assim como entendeu o acórdão impugnado, se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado, ainda, a um evento futuro, no caso, à data de obtenção do financiamento pelo adquirente ou àquela que for determinada pelo agente financeiro no referido contrato. Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa.

Não se pode olvidar que, a despeito de a promessa de compra e venda de imóvel ser contratada de maneira individual, o negócio envolve o interesse de uma coletividade, de modo que a vinculação da contagem do prazo de entrega da obra à data da obtenção do financiamento cria uma situação sui generis, na medida em que, para um mesmo empreendimento, cujas unidades deverão ser entregues de uma só vez – ainda que para uma etapa específica da construção previamente programada –, ter-se-á a configuração da mora de maneira individualizada, a depender da data em que cada contrato for assinado, o que significará, em última ratio, uma forma de não sujeitar a empresa aos efeitos da mora.

Vale lembrar, ainda, que durante o prazo regular de construção, é permitida a incidência de atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), bem como de juros de obra. Logo, quanto maior for o prazo contratual para a conclusão das unidades, em consequência, maior será a exposição do consumidor à cobrança dos referidos juros e à aplicação de correção monetária de acordo com o índice setorial, o que redundará em situação que lhe será desfavorável, também sob o ponto de vista econômico.

Por esses fundamentos, a formulação da tese a ser proposta, salvo melhor juízo, não deve contemplar a possibilidade da fixação de prazo meramente estimativo para a entrega da unidade imobiliária, tampouco vinculado a um evento futuro, assim como ocorreu no caso, conforme previsto no item 5 do Quadro Resumo e na Cláusula 5ª do Contrato de Promessa de Compra e Venda firmado entre as partes, ao qual deverá ser acrescido, tão somente, o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, já admitido pela jurisprudência desta Corte e agora incorporado ao nosso sistema jurídico – para os contratos futuros – pelo art. 43-A da Lei n. 13.786/2018 (que alterou a Lei n. 4.591/1964), dentro do qual a empresa poderá superar eventuais imprevistos relacionados a fortuitos internos como falta de mão de obra, entraves burocráticos ou fatores climáticos.

Sobre a validade da estipulação do prazo de tolerância no âmbito deste Tribunal: REsp n. 1.727.939/DF, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 17/9/2018; REsp n. 1.582.318/RJ, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 21/9/2017; AgInt no REsp n. 1.698.519/SP, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 26/9/2018; e REsp n. 1.454.139/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 17/6/2014;

É impositivo que as incorporadoras, portanto, mediante programação administrativa e econômico-financeira prévia, estabeleçam em seus contratos o prazo para a entrega do imóvel de maneira indene de dúvidas, utilizando-se de critérios dotados de objetividade e clareza, que não estejam vinculados a nenhum negócio jurídico futuro, ainda que este se encontre associado a uma das etapas da contratação ou da realização da obra, como no caso, à data da obtenção do financiamento. Somente assim, estarão preservados os primados do direito à informação, da transparência e da boa-fé, além de assegurar às partes o necessário equilíbrio contratual, que respeite as prestações e contraprestações envolvidas.

Por sua vez, embora o início da construção dependa da reunião de um grupo de adquirentes, a tese a ser fixada no presente julgamento, conforme já enfatizado, será aplicada apenas às faixas de renda 1,5, 2 e 3, em relação às quais as contratações muito se assemelham às realizadas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Logo, para estes seguimentos específicos, é importante acentuar, as unidades futuras são transacionadas não apenas no início da construção, mas também ao longo ou ao seu final, razão pela qual esse período destinado à captação dos promissários compradores já faz parte do planejamento inicial do projeto como um todo, por se tratar de algo inerente à própria natureza da negociação.

Em outras palavras, a formação do grupo de aderentes não é um processo estático anterior que, considerado de maneira isolada, possa ter relevância jurídica para repercutir no prazo de entrega da obra e, consequentemente, na configuração da mora. Isso porque, como regra, no momento em que a empresa encaminha sua proposta de construção de unidades habitacionais ao agente financeiro o número mínimo de proponentes já foi atingido, sob pena, inclusive, de o projeto não ser aprovado.

Portanto, considero prescindível a inclusão desse tema específico – prazo para formação do grupo – na redação da tese a ser proposta, o qual não deve ser destacado como fase autônoma do procedimento, pois, certamente já está embutido na programação do empreendimento, dentro do prazo para a entrega da obra.

Em conclusão, a tese que ora se propõe em relação ao Tema 2 é a seguinte:

Na aquisição de unidades autônomas em construção, financiadas segundo as regras do PMCMV, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

Outra questão a ser enfrentada no julgamento dos presentes recursos diz respeito à possibilidade do pagamento de perdas e danos ao promissário comprador, em razão do atraso na entrega da unidade habitacional (Tema 5), cuja redação aprovada pelo Tribunal estadual tem o seguinte teor:

O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes, no âmbito de financiamento pelo SFH, em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, incidindo a presunção de prejuízo do promitente comprador.

A propósito:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. LUCROS CESSANTES. PREJUÍZO PRESUMIDO.

1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador.

2. A citação é o marco inicial para a incidência dos juros de mora, no caso de responsabilidade contratual. Precedentes.

3. Embargos de divergência acolhidos.

(EREsp n. 1.341.138/SP, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 22/5/2018).

No referido precedente, a Relatora, Ministra Izabel Gallotti, assim pontuou (sem grifo no original):

Prevalece nessa Corte o entendimento esposado no paradigma e nos demais acórdãos apresentados pelos embargantes, qual seja, descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação da vendedora por lucros cessantes, havendo a presunção de prejuízo do adquirente, ainda que não demonstrada a finalidade negocial da transação.

Outro julgado do Superior Tribunal de Justiça que bem tratou da questão da prova dos lucros cessantes fixou o seguinte: “A inexecução do contrato pelo promitente-vendedor, que não entrega o imóvel na data estipulada, causa, além do dano emergente, figurado nos valores das parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes a título de alugueres que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido entregue na data contratada. Trata-se de situação que, vinda da experiência comum, não necessita de prova (art. 335 do Código de Processo Civil). Recurso não conhecido” (REsp n. 644.984/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 5/9/2005).

No mesmo sentido: AgInt nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.652.226/PA, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 27/6/2019; AgInt no REsp n. 1.789.656/SP, Relator o Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 12/6/2019; AgInt no REsp n. 1.722.768/SP, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 10/4/2019; AgInt nos EDcl no AREsp n. 921.095/SP, Relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 14/2/2019; AgInt no AREsp n. 1.187.693/SP, Relator o Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 4/12/2018; AgInt no REsp n. 1.692.971/SP, Relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 15/3/2018; AgInt no AREsp n. 1.049.708/RJ, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 26/5/2017.

No caso em análise, cinge-se a questão em definir se a referida presunção de prejuízo também deve ser aplicada aos imóveis financiados sob as regras do PMCMV, sustentando os recorrentes que a indenização dependerá de prova efetiva do prejuízo, a cargo do promitente comprador, não podendo o dano ser presumido ou meramente hipotético, tendo em vista a proibição de aluguel ou venda dos referidos imóveis, antes de sua quitação (Lei n. 11.977/2009, art. 7º-B, I e II).

A controvérsia foi dirimida pelo Tribunal de origem nos termos da fundamentação abaixo transcrita (e-STJ, fls. 1.251-1.256):

O inadimplemento da prestação de entrega da unidade autônoma ao adquirente normalmente gera danos indenizáveis. Podem ocorrer danos emergentes e lucros cessantes.

No caso do atraso na entrega de unidades autônomas, alguns danos emergentes desde logo são lembrados. O pagamento de aluguel em imóvel distinto, enquanto se aguarda a entrega da unidade prometida, é o mais evidente, e deve perdurar não somente até a citação, ou mesmo a sentença, mas até a efetiva entrega das chaves ao adquirente, momento em que poderá este desfazer o contrato de locação.

Podem ocorrer também lucros cessantes. Lucros cessantes nada mais são do que os ganhos de que ficou o credor privado em virtude do evento danoso. Em termos diversos, é a exclusão de um ganho que era ou poderia ser esperado, atual ou futuramente, se o fato danoso não houvesse ocorrido (Jorge Cesa Ferreira da Silva. Inadimplemento das obrigações, Editora RT, São Paulo, 2007, p. 164).

A título de ilustração, o Código Civil Alemão (BGB), no § 252, 2ª alínea, de modo muito mais preciso do que o Código Civil Brasileiro, define o lucro cessante como “o que, em conformidade com o transcurso normal das coisas ou em razão de especiais circunstâncias, notadamente medidas e providências adotadas, podia, com probabilidade, ser esperado”.

A definição se ajusta perfeitamente à situação em exame. De acordo com o curso natural das coisas, natural e provável que bens frugíferos, com origem em investimentos elevados dos adquirentes, geram vantagens aos seus titulares.

O termo lucros cessantes, embora consolidado por quase um século de uso, induz a certo equívoco conceitual. O mais comum deles é pressupor que se exija um ganho pretérito constante e habitual, que foi interrompido pelo ato ilícito. O exemplo clássico é o do taxista que sofre uma colisão em seu veículo, e calcula a féria que deixou de ganhar com base no rendimento médio passado (Gisela Sampaio da Cruz Guedes. Lucros cessantes do bom senso ao postulado normativo da razoabilidade, Editora RT, São Paulo, 2.011, p. 72).

Nem sempre, porém, se exige a prova de ganhos pretéritos que deixaram de se projetar para o futuro em razão do ato ilícito como pressuposto dos lucros cessantes. Os exemplos mais frequentes são exatamente os imóveis que deixaram de ser entregues nas datas convencionadas. Há entendimento absolutamente sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “não entregue pela vendedora imóvel residencial na data contratualmente ajustada, o comprador faz jus ao recebimento, a título de lucros cessantes, dos aluguéis que poderia ter recebido e se viu privado pelo atraso. (STJ, AgRg no Ag 692543/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 09.09.2007, entre dezenas de outros).

Não resta dúvida que a prova dos danos emergentes é mais exigente do que a dos lucros cessantes. O dano emergente deve ser provado em toda a sua extensão, ao passo que o lucro cessante “não comporta essa prova absoluta e admite ilações ou presunções, pois que tratamos de fatos não sensíveis, mas prováveis” (Manoel Ignacio Carvalho de Mendonça. Doutrina e prática das obrigações, Ed. Francisco Alves, 1.911, Rio de Janeiro, vol 2, p. 58).

O que se exige é tão somente uma probabilidade objetiva, que resulte do curso normal das coisas, e das circunstancias do caso concreto (Agostinho Alvim. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, Saraiva, 1.949, p. 204).

(…).

Não prevalece, por isso, entendimento minoritário dos tribunais no sentido de que, apesar do atraso das obras, sem prova concreta de que os adquirentes deixaram de lucrar, inexiste indenização a ser paga. Para tal corrente, são arguidos prejuízos hipotéticos e não concretos. Tal tese se ressente de dois defeitos. O primeiro é o de exigir prova cabal dos lucros cessantes, esquecendo-se que são eles, por natureza, sempre abstratos e calcados em juízo de probabilidade e de razoabilidade. O segundo é o de esquecer que como a unidade não foi entregue, jamais o adquirente poderia provar que a teria locado a terceiros.

Isso porque, salvo exceções, não se locam imóveis na planta, mas somente imóveis prontos.

Os lucros cessantes, assim, são essencialmente os frutos que os adquirentes receberiam se o imóvel tivesse sido entregue na data prevista. Podem ser fixados em liquidação de sentença, ou, de modo mais célere e direto, mediante fixação equivalente à remuneração que a unidade geraria, em montante próximo a 0,5% do valor do imóvel.

(…).

Arguem amicus curiae que na realidade o tema em exame não versa sobre lucros cessantes, mas sim sobre perda de uma chance.

É bom lembrar que as figuras dos lucros cessantes e da perda de uma chance não se confundem. Do ponto de vista teórico, é possível perceber que essas duas facetas do dano patrimonial são intrinsecamente diferentes.

Na perda de uma chance, há um dano emergente, uma vez que a chance em si considerada já se encontra no patrimônio do lesado no momento em que se verifica o evento danoso. Nesse sentido, a perda de chance caracteriza-se como lesão ao próprio direito patrimonial do lesado, sendo um dano certo. A consequência é que a perda de uma chance deixa de figurar na categoria dos lucros cessantes e se desloca para a categoria dos danos emergentes, o que parece tecnicamente mais aceitável (Gisela Sampaio da Cruz Guedes, Lucros Cessantes, 2011, p. 120-121).

Não é por acaso que Maurizio Bocchiola, citado por Gisela Sampaio da Cruz Guedes, defende que a perda de uma chance não pode ser considerada lucro cessante, pois, nesses casos, não se deve conceder a indenização pela vantagem perdida, mas, sim, pela perda da possibilidade de se conseguir essa vantagem, possibilidade esta que já integrava o patrimônio do lesado (Gisela Sampaio da Cruz Guedes, obra citada, p. 123).

Em termos diversos, a perda de uma chance se situa no plano dos danos emergentes, uma vez que a chance propriamente dita já integra o patrimônio do lesado à época do evento danoso, de modo que o dano é certo. Por outro lado, os lucros cessantes configuram dano provável, indemonstrável, que deve ser aferido por meio do que ordinariamente acontece, isto é, com base no transcurso normal das coisas.

É por isso que os lucros cessantes são indenizados por inteiro, enquanto a chance perdida é indenizada tão somente na proporção de sua probabilidade.

Não há, pois, como admitir a confusão entre as duas figuras.

O termo final da indenização dos lucros cessantes, tal como sumulado por este Tribunal de Justiça, corresponde à entrega física e jurídica da unidade ao adquirente.

Isso porque a prestação assumida pelo incorporador não é somente a de entrega física da unidade autônoma, mas também a de sua entrega jurídica. Não basta a mera obtenção do habite-se, mas também a entrega das chaves. O habite-se apenas atesta a regularidade administrativa do empreendimento, é averbado junto ao Oficial de Registro Imobiliário para a subsequente instituição do condomínio edilício. Somente então poderá ser outorgada escritura de venda e compra e transferência do domínio da unidade autônoma já especificada. A perfeição jurídica da unidade também se compreende nos deveres do incorporador.

Embora a regra geral, prevista no art. 402 do CC, disponha que o dano não pode ser presumido, existem situações excepcionais, tanto nas relações contratuais quanto nas extracontratuais, em que tal presunção é admitida por este Tribunal. É o que se verifica, por exemplo, na hipótese de inclusão indevida do nome do devedor em órgãos de restrição do crédito, de insucesso em procedimentos cirúrgicos de resultado, de assédio moral ou sexual, e, ao que interessa ao presente julgamento, no caso de atraso na entrega de imóvel em contrato de promessa de compra e venda, já considerado o decurso do prazo de tolerância.

Diante disso, ao contrário do que sustentam os recorrentes, o fato de o imóvel ter sido adquirido sob a disciplina do PMCMV não afasta a presunção de prejuízo, mesmo porque, na linha dos precedentes desta Corte Superior, a condenação da vendedora por lucros cessantes independe, até mesmo, da demonstração da finalidade negocial da transação (EREsp n. 1.341.138/SP, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 22/5/2018).

No mesmo sentido: REsp n. 1.804.663/SP, desta relatoria, DJe de 2/5/2019; REsp n. 1.785.911/SP, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 22/4/2019; AgInt nos EDcl no AREsp n. 921.095/SP, Relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 14/2/2019; REsp n. 1.698.420/SP, Relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 6/3/2019, entre outros.

No caso, a obrigação de indenizar decorre do prejuízo, que se presume ter o titular sofrido, por não ter se apossado do imóvel na data aprazada. É evidente que a previsão contratual criou a justa expectativa de que o adquirente pudesse usufruir o bem, daí que, se não o faz por razões oponíveis à incorporadora, surge o dever de reparar, independentemente da realização de prova específica do prejuízo.

A indenização deve corresponder, por isso, à privação injusta do uso do bem e encontra fundamento não necessariamente na interrupção da percepção dos frutos ou pela frustração daquilo que razoavelmente poderia lucrar, mas na própria demora pelo cumprimento da obrigação (CC, art. 389). Isso porque a moradia é fato dotado de expressão econômica aferível, ainda que o beneficiário não tenha que, diretamente, despender recursos para tal.

Nessa linha, embora o aluguel de um imóvel possa servir de prova incontestável do prejuízo experimentado pelo promitente comprador, não deve ser admitido como único e exclusivo meio de demonstração do dano sofrido, tendo em vista que, nessa espécie de relação jurídica, insista-se, o prejuízo é aferível por presunção, segundo as regras da experiência comum, e decorre do próprio descumprimento contratual.

Por suas peculiaridades, no âmbito do PMCMV, o prejuízo material decorrente do atraso na entrega de imóvel está mais próximo de um dano emergente do que de lucros cessantes, embora essa questão, todavia, não se afigure de maior relevância, dado que, sob o ponto de vista pragmático, conforme sublinhou a Ministra Maria Isabel Gallotti, são ambos “as duas faces da mesma moeda”, pois “o dano, seja em qual dessas rubricas for classificado, será o mesmo: a privação da fruição do imóvel” (AgInt no AgRg no AREsp n. 795.125/RJ, Quarta Turma, DJe de 19/11/2018).

O não recebimento da unidade na data aprazada, portanto, já considerado o prazo de tolerância, caracteriza prejuízo decorrente do ilícito negocial, na medida em que o fato de não ter o adquirente sido imitido na posse já evidencia e expõe o dano a ser reparado, independentemente da comprovação de ter ele efetuado gasto com a locação de imóvel para residir.

Ao tratar da responsabilidade do incorporador em caso de inexecução da obrigação assumida, pondera Melhim Namem Chalhub que “a obrigação do incorporador é de resultado e sua responsabilidade, objetiva, daí por que deve, mesmo isento de culpa, indenizar os adquirentes dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão da obra, e é exatamente essa a regra específica da lei das incorporações: o incorporador responde independentemente de culpa ‘pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras’ (art. 43, II)” (Incorporação Imobiliária. 4ª edição. São Paulo: Forense. 2017. p. 341).

Destaque-se que o princípio do equilíbrio das relações de consumo está consagrado no art. 4º, III, do CDC, o qual destaca a necessidade de “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

Se essa proteção se justifica em relação a produtos e serviços de um modo geral, em que o consumidor tem liberdade de escolha, com maior razão deve ser observada nas situações em que essa escolha já nasce reduzida, como ocorre nos contratos de adesão, a exemplo da promessa de compra e venda de imóvel, devendo a lei proteger a incolumidade econômica do consumidor, de modo a buscar impedir e diminuir as perdas dessa natureza.

Insta salientar, outrossim, que nos contratos submetidos à modalidade do PMCMV é desinfluente que o comprador fique impossibilitado de alugar ou vender o imóvel, antes de sua quitação, nos termos do que dispõe o art. 7º-B, I e II, da Lei n. 11.977/2009, haja vista que essa proibição tem o intuito, tão somente, de evitar eventual desvio de finalidade, uma vez que a subvenção econômica concedida pelo Governo Federal tem por único objetivo viabilizar o acesso das famílias, destinatárias do programa, ao primeiro imóvel. Entretanto, essa circunstância diz respeito apenas à relação jurídica estabelecida entre o adquirente e o órgão estatal, não podendo, por isso, seus efeitos irradiarem para o negócio de compra e venda celebrado com a incorporadora, que é regido por regras protetivas específicas.

Dessarte, para efeito de responsabilização por atraso no cumprimento do prazo de entrega do imóvel, é irrelevante se o contrato é regido pelas normas gerais do SFH ou pelas regras próprias do PMCMV, porquanto o descumprimento contratual em discussão, a ensejar o pagamento das perdas e danos, envolve apenas a relação de consumo estabelecida entre a promitente vendedora e o adquirente da unidade autônoma.

Aliás, para as faixas de renda 1,5 (renda até R$ 2.600,00), 2 (renda até R$ 4.000,00) e 3 (renda até R$ 7.000,00), não existe distinção significativa entre os negócios firmados sob as regras do SFH e do PMCMV, que autorize a adoção de tratamento diferenciado, dada a similitude, inclusive, entre as estipulações contratuais nas duas modalidades de contratação, mormente se consideradas as exigências, obrigações e penalidades impostas ao adquirente, em caso de ser ele o responsável pela mora ou pelo inadimplemento da obrigação.

Na modalidade de crédito para esse público específico, os aderentes contratam o financiamento com cláusula de alienação fiduciária em garantia, seguro obrigatório, pagam comissão de corretagem, podendo ter que arcar, ainda, com atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil) ou outro índice setorial, e cobrança de juros de obra, assim como ocorre nas aquisições efetuadas pelo SFH.

Ficando evidenciado, portanto, o atraso injustificado na entrega da obra, é devido o pagamento de indenização ao comprador desde a data fixada no contrato, a qual será acrescida apenas do prazo de tolerância, a ser calculada com base no valor locatício de imóvel assemelhado, a ser apurado em liquidação de sentença.

Essa solução para o caso observa, inclusive, os princípios da equidade e da isonomia nas relações contratuais, que são basilares nas relações de consumo, e que visam estabelecer um equilíbrio entre as posições ocupadas pelas partes envolvidas, na medida em que resguarda e torna objetivo, em certo limite, o valor da indenização devida, evitando prejuízo de uma parte e vantagem excessiva de outra.

O encaminhamento que ora se propõe, contudo, deverá ser compatibilizado, naquilo que lhe for aplicável, com as proposições assentadas pela Segunda Seção, no julgamento dos REsps n. 1.498.484/DF e 1.635.428/SC (Tema 970) e 1.614.721/DF e 1.631.485/DF (Tema 971), DJe de 25/6/2019, sob o rito dos recursos repetitivos, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, nos quais foram fixadas as seguintes teses:

Tema 970: A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.

Tema 971: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.

Na oportunidade, ao analisar o Tema 970, conforme explicitou o eminente relator, “havendo cláusula penal no sentido de prefixar em patamar razoável a indenização, não cabe posterior cumulação com lucros cessantes”, porquanto, “embora o mais usual seja a previsão de incidência de multa por mês de atraso, é inegável que há casos em que a previsão contratual de multa limita-se a um único montante ou percentual para o período de mora (por exemplo, multa de 2% do preço do imóvel, atualizado pelos mesmos índices contratuais), que pode ser insuficiente à reparação integral do dano (lucros cessantes) daquele que apenas aderiu ao contrato, como orienta o princípio da reparação integral (art. 944 do CC) e os arts. 389, 395 e 403 do CC”.

Mutatis mutandis, asseverou o Ministro Luis Felipe Salomão, “o art. 413 do CC, na linha da iterativa jurisprudência do STJ […], impõe o poder-dever do magistrado de modificar equitativamente, até mesmo de ofício, a cláusula penal avençada para manter a indenização na extensão do dano verificado, no caso em que a obrigação principal tenha se cumprido em parte ou que o montante da penalidade se mostre manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

Por derradeiro, voltando ao caso em exame, entendo que o termo final da indenização deverá corresponder à data do recebimento da unidade pelo adquirente, mediante a entrega das chaves, por ser o momento em que ele tem a efetiva posse do imóvel, fazendo cessar, por conseguinte, o fato gerador do dever de reparação, salvo disposição contratual diversa, que lhe seja mais favorável (AgInt no REsp n. 1.723.050/RJ, Relator o Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador Convocado do TRF 5ª Região, Quarta Turma, DJe de 26/9/2018 e REsp n. 331.496/MG, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 5/8/2002).

Registre-se que a expedição do Habite-se é ato formal que atesta a regularidade administrativa do empreendimento, possibilitando sua averbação junto ao Cartório de Registro Imobiliário com vistas à subsequente instituição do condomínio edilício. Somente então poderá ser outorgada a escritura definitiva de venda e compra e transferência do domínio da unidade autônoma já individualizada. Dessa forma, eventual prejuízo advindo da sua não emissão pela incorporadora, após a conclusão do empreendimento, deverá ser demandado em ação própria.

A tese, portanto, a ser firmada quanto ao Tema 5, no âmbito do PMCMV, é esta:

No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

No que se refere ao Tema 6, por sua vez, a discussão envolve a possibilidade de incidência de juros de obra após o prazo ajustado no contrato para a conclusão do empreendimento, incluído o período de tolerância.

A tese aprovada pelo Tribunal de origem foi assim redigida:

É ilícito o repasse dos “juros de obra”, ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da obra”, ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tolerância.

Conforme o entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, por ocasião do julgamento dos EREsp n. 670.117/PB, Relator o Ministro Sidnei Beneti, Relator p/ Acórdão o Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe de 26/11/2012), no âmbito do SFH, “não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, que, ademais, confere maior transparência ao contrato e vem ao encontro do direito à informação do consumidor (art. 6º, III, do CDC), abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos”.

Na oportunidade, ficaram vencidos os Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi, tendo o voto do relator originário destacado que não seria possível a cobrança, antes da entrega das chaves, de juros (sejam compensatórios, sejam moratórios) na hipótese de contrato de compra e venda de imóvel em construção, haja vista que o promitente comprador não usufrui do imóvel ou de capital da construtora, nem se encontra em situação de inadimplência, tendo havido, apenas, antecipação de pagamento, a qual se dá de forma parcial e gradual, em relação a um imóvel cuja entrega foi contratualmente diferida no tempo. Não é possível a cobrança de juros compensatórios desde a assinatura do contrato, em caso de incorporação imobiliária, uma vez que todos os custos da obra, inclusive os decorrentes de financiamento realizado pela construtora, são embutidos no preço do imóvel, revelando-se abusiva tal cobrança, por consistir verdadeiro bis in idem, porquanto estaria sendo contabilizada “no pé” e durante todo o contrato, a gerar desvantagem acentuada para o consumidor, nos termos do artigo 51, IV, do CDC.

Também nessa linha de intelecção, pontuou o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino que a cobrança de juros remuneratórios só se justifica quando houver fruição efetiva ou potencial do capital de quem dele foi privado, o que, no caso, só se dará após a entrega do imóvel, se pendente saldo devedor, já que a incorporadora não se priva totalmente dos recursos aportados na construção, mas, antes, permanece se beneficiando deles; e o consumidor, além de não fruir do capital da incorporadora durante a construção, associa-se a ele com sua prestação pecuniária, sendo, pois, abusiva tal cláusula, nos termos do referido dispositivo da lei consumerista.

Por sua vez, no voto que inaugurou a dissidência e formou a maioria, observou o Ministro Antonio Carlos Ferreira que, a rigor, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção deveria ser feito à vista. Não obstante, em favorecimento financeiro ao comprador, o incorporador pode estipular o adimplemento da obrigação mediante o parcelamento do preço, inclusive, em regra, a prazos que vão além do tempo previsto para o término da obra. Em tal hipótese, afigura-se legítima a cobrança dos juros compensatórios, pois o incorporador, além de assumir os riscos do empreendimento, antecipa os recursos para o seu regular andamento. Destacou-se que seria injusto pagar, na compra parcelada, o mesmo valor correspondente da compra à vista. Além disso, acrescentou S.Exa. que, sendo esses juros compensatórios um dos custos financeiros da incorporação imobiliária suportados pelo adquirente, devem ser convencionados expressamente no contrato ou incluído no preço final da obra, a serem suportados pelo adquirente, porém dosados de acordo com a boa ou má intenção do incorporador. Concluiu-se que, para a segurança do consumidor, em observância ao direito de informação insculpido no art. 6º, II, do CDC, é conveniente a previsão expressa dos juros compensatórios sobre todo o valor parcelado na aquisição do bem, permitindo, dessa forma, o controle pelo Judiciário. Com base nesse entendimento, deu-se provimento aos embargos de divergência para reconhecer a legalidade da cláusula contratual que previu a cobrança dos juros compensatórios de 1% ao mês a partir da assinatura do contrato.

Segundo o argumento vencedor, portanto, a construtora antecipa valores aptos à consecução da construção, de tal sorte que faz jus à remuneração do capital empregado, tendo em vista que não existe venda a prazo com preço de venda à vista.

Confiram-se, ainda, a evidenciar a reiteração do entendimento acerca da legalidade da cobrança de juros de obra no âmbito deste Tribunal, os seguintes julgados: AgInt no AREsp n. 887.173/SP, Relator o Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 2/4/2018; AgInt no REsp n. 1.613.390/RJ, Relator o Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 3/4/2017; REsp n. 1.283.980/RJ, Relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 6/3/2015; AgRg no REsp n. 1.187.142/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 21/10/2014; AgRg nos EDcl no AREsp n. 174.715/RJ, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 22/4/2014; AgRg no REsp n. 1.340.563/RJ, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 12/9/2013; REsp n. 1.358.734/RJ, Relator o Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe de 18/6/2013; AgRg no REsp n. 1.225.437/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 4/2/2013; e AgRg no REsp n. 579.160/DF, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 25/10/2012.

Conforme já enfatizado, não havendo distinção significativa entre os negócios firmados sob as regras do SFH e do PMCMV, para as faixas de renda 1,5 (renda até R$ 2.600,00), 2 (renda até R$ 4.000,00) e 3 (renda até R$ 7.000,00), também não há motivo para se adotar tratamento diferenciado no tocante ao reconhecimento da legalidade da cobrança de juros durante a evolução da obra, os quais são cobrados do adquirente pelo agente financeiro, sobre o valor do crédito repassado às incorporadoras para construção do empreendimento, desde o mês subsequente à assinatura do contrato de financiamento até a data de entrega das chaves.

No caso em exame, aliás, a discussão restringe-se à possibilidade de incidência de juros de obra, no âmbito desse programa governamental, não no período da construção, mas, sim, após o prazo ajustado no contrato para a conclusão das unidades, já incluído o período de tolerância, tendo a questão recebido pelo Tribunal estadual a seguinte solução (e-STJ, fls. 1.259-1.262):

Não há qualquer ilicitude no repasse aos adquirentes de unidades futuras dos denominados “juros de obra” ou “juros de evolução de obra” ou “taxa de evolução de obra” durante o período acordado pelas partes no contrato de construção do empreendimento imobiliário.

Nos empreendimentos do SFH ou do Programa Minha Casa Minha Vida, nos quais o promissário comprador durante a construção assume financiamento perante a instituição financeira, a cobrança de encargos segue regime peculiar.

Como explica de modo didático o voto do Desembargador Carlos Alberto de Salles, no julgamento da apelação nº 1007481-89.2013.8.26.0309:

No que diz respeito à taxa de evolução da obra, tampouco assiste razão à ré. Ainda que esses valores tenham sido cobrados e recebidos pela Caixa Econômica Federal em consonância com contrato de financiamento celebrado entre esta e os autores, a ré deve restituir aos consumidores os valores pagos durante o período de sua mora. Em razão do modo como o contrato de financiamento durante a obra é redigido, congela-se o valor a financiar, e, até que a obra seja concluída, o consumidor paga apenas “encargos relativos a juros e atualização monetária”. Somente depois da individualização da matrícula é que se passa à amortização do débito propriamente.

Assim, evidente que, quanto mais tempo a conclusão atrasar, mais os consumidores teriam de pagar a título de taxas de “evolução da obra” ou “fase de obras”. Acolher a pretensão da ré, portanto, equivaleria a repassar ao consumidor encargos decorrentes exclusivamente da mora da vendedora, aos quais os compradores não deram causa e que estão completamente fora de seu controle o que não se pode admitir (TJSP j. 27/03/2015).

Disso decorre que o repasse dos chamados “juros de obra” ou “taxa de evolução de obra” é lícito e perfeitamente afinado com a operação econômica do contrato durante o curso do prazo de entrega da unidade.

Escoado tal prazo, incluído aí o período de tolerância ajustado no contrato, o repasse se torna automaticamente ilícito.

Isso porque, como explicou o Desembargador Cláudio Godoy, quando do julgamento do recurso de Apelação nº 4003537-91.2013.8.26.0482, em 11.08.2015:

Com efeito, no contrato de mútuo firmado com a CEF para quitação do saldo devedor (fls. 60/89), previu-se que o pagamento dos encargos mensais seria devido a partir do mês subsequente ao da contratação, respondendo o mutuário pelo pagamento de juros e de correção monetária durante a construção (cláusula 7ª, I, ‘a’ fls. 65), assim ainda antes do início da exigibilidade das parcelas de amortização do saldo devedor, após o término da obra.

Neste contexto, não há que se falar em devolução, tout court, de valores pagos, afinal, ao mutuante, assim revertidos em favor do promissário. E menos ainda se autoriza, na mesma esteira, nenhuma correção, mero fator de repotenciação.

Porém, diante do retardo no cumprimento da obrigação afeta à ré de concluir as obras, privou-se o promissário da possibilidade de iniciar a amortização do principal do mútuo já contratado.

E aí o ponto nodal a salientar. Como previsto no contrato de financiamento (cláusulas 7ª, I e par. 3º, e 12ª), no período das obras, ou chamado de produção, portanto antes que regularizado o término da construção, os pagamentos pelo adquirente eram tão somente de juros, e calculados sobre o saldo devedor, sem amortização do capital. O denominado retorno do valor mutuado, assim a sua amortização, apenas se poderia dar após a conclusão regular das obras.

O resultado é que o retardo da fornecedora retirou do consumidor a possibilidade de, mais cedo, amortizar o capital e, com isso, reduzir o saldo devedor sobre o qual calculados os juros do financiamento. Por conseguinte, nem a totalidade dos juros pagos deve ser devolvida, porque encargos de financiamento efetivamente tomado, disponibilizados os recursos, mas nem, por isso, nenhum importe de juros se deve devolver.

A ré deverá devolver a diferença entre os juros pagos e os que seriam devidos se não houvesse atraso e se, assim, o capital pudesse ter sido mais cedo amortizado, diminuindo a base de cálculo dos mesmos acréscimos. Tudo a apurar em liquidação.

Essa é a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Não há ilicitude do repasse dos juros de obra durante o período de construção do empreendimento previsto no contrato.

Escoado o prazo de entrega, computado o período de tolerância, os pagamentos que serviriam para amortização do principal são usados para abater juros do financiamento, em prejuízo do adquirente (Apelação nº 1025469-80.2014.8.26.0506, Donegá Morandini, j 5 de junho de 2017 TJSP – Ap. 1016150-34.2013.8.26.0309 – rel. Des. Alexandre Coelho – j. 05/11/2015; TJSP – Ap. 0007884-98.2012.8.26.0248 – rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda – j. 12/03/2015; TJSP – Ap. 4009305-73.2013.8.26.0554 – rel. Des. Donegá Morandini – j. 06/11/2014; TJSP – Ap. 1004650-68.2013.8.26.0309 – rel. Viviani Nicolau – j. 27/11/2014).

Com efeito, na disciplina do PMCMV, sob a modalidade do crédito associativo, é legal a incidência de juros de obra durante o período de construção do imóvel, cessando a sua aplicação com a entrega da unidade, quando terá início a fase de amortização do saldo devedor do financiamento contratado com o agente financeiro.

Durante esse período, o valor a ser financiado permanece congelado, e até que a obra seja concluída o promissário comprador pagará tão somente encargos que contemplam os juros, atualização monetária, seguro de vida e de danos ao imóvel e, se for o caso, taxa de administração. Após a entrega do bem, inicia-se efetivamente a fase de abatimento da dívida.

No caso, os recorrentes defendem a licitude da cobrança, ainda que configurado o atraso na entrega do imóvel, salvo se o pagamento pelo consumidor referir-se a fatos geradores posteriores ao prazo de conclusão da obra, incluído o prazo de tolerância, ou representar valor superior à remuneração pactuada com a instituição financeira a esse título.

Todavia, havendo atraso na entrega do empreendimento, afigura-se descabido imputar ao adquirente o ônus de arcar com juros de evolução da obra no período de mora da ré até a efetiva entrega das chaves, uma vez que não se pode penalizar o mutuário com referida incidência, considerando não ter sido ele quem deu causa ao atraso.

Desse modo, ultrapassado o prazo para a conclusão das unidades, não podem ser cobrados do adquirente encargos contratados para incidir no período de construção, entre eles, os juros de obra. Isso porque o beneficiário não pode ser responsabilizado pela remuneração do capital empregado na obra quando houver atraso por culpa imputável apenas à promitente vendedora. A cobrança de quaisquer acréscimos ou juros nesse contexto fere a essência de vários princípios norteadores do Código Civil, bem como do Código de Defesa do Consumidor, como a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.

Entendimento diverso teria o efeito de postergar, de maneira injustificada, o pagamento de valores que são próprios da fase de construção da obra, em seu período regular. Contudo, impõe-se considerar que, superado o período de entrega das chaves, o comprador passa a ter a legítima expectativa de destinar recursos à amortização do saldo do seu débito. O que se frustraria, sem que, para tanto, tenha o consumidor concorrido.

Deve-se ter como norte, nessas circunstâncias, o princípio de que quem dá causa ao inadimplemento do contrato não pode se beneficiar da situação, sob pena de o atraso da obra poder representar a possibilidade de vantagem financeira indevida em detrimento do adquirente do imóvel, o que seria de todo inadmissível.

Eventual discussão acerca do fato gerador do referido encargo, se anterior ou posterior ao período de entrega da obra, a fim de legitimar a cobrança, deverá ser dirimido perante o Juízo da causa.

Por conseguinte, em relação à matéria em análise (Tema 6), a tese que se propõe pode ser assim sintetizada:

No âmbito do PMCMV, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

Por fim, em relação ao Tema 8, o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo – SECOVI-SP e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil – CBIC defendem a possibilidade de utilização do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) como fator de correção monetária, durante todo o período necessário para a finalização da unidade imobiliária, independentemente de ter havido descumprimento do prazo para a construção.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, a solução encaminhada foi resumida nos termos seguintes:

O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído por indexador geral, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Vale observar, de início, que se a construtora deixa de entregar a unidade autônoma no prazo previsto, pode o adquirente sustar as parcelas do preço que se vencerem no mesmo prazo e em datas posteriores a tal prestação, invocando a exceptio non adimpleti contractus, prevista no art. 476 do CC.

A exigibilidade das parcelas do preço fica suspensa até a correspondente entrega das chaves. Porém, cumprida a prestação devida pelo incorporador, imediatamente cessa a causa da exceção do contrato não cumprido, retomando a execução do contrato o seu curso normal.

Contudo, a suspensão da exigibilidade das parcelas do preço não afasta a incidência da atualização monetária sobre o saldo devedor, salvo nas hipóteses em que o mencionado atraso derivar de comprovada má-fé da empresa. Os valores das parcelas devem ser atualizados desde a data de vencimento prevista no contrato até o efetivo pagamento, como simples modo de preservação do valor real da moeda, sem representar, portanto, um benefício para a parte inadimplente ou punição para o adquirente.

Isso porque a correção monetária nada acrescenta à dívida, mas apenas impede a corrosão do seu valor. Por esse motivo, mesmo o alienante em mora faz jus à atualização da parcela faltante do preço, uma vez que a perda do poder aquisitivo da moeda configuraria pena não prevista em lei.

Nesse sentido, ambas as Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte firmaram o entendimento de que, embora o descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra não constitua causa de suspensão da incidência de correção monetária sobre o saldo devedor, tal fato autoriza a substituição do indexador setorial, em regra, o INCC (Índice Nacional de Custo de Construção), pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial calculado pelo IBGE, salvo se aquele for menor.

Essa solução mostra-se adequada ao reequilíbrio da relação contratual, nos casos de atraso na conclusão da obra, não devendo ser implementada a substituição do indexador específico do saldo devedor pelo geral, vale insistir, apenas quando o índice previsto contratualmente for mais favorável ao consumidor, avaliação que se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da unidade, incluindo-se eventual prazo de tolerância.

A esse respeito:

CIVIL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. MORA NA ENTREGA DAS CHAVES. CORREÇÃO MONETÁRIA DO SALDO DEVEDOR. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE EQUIVALÊNCIA ECONÔMICA DAS OBRIGAÇÕES. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 395, 884 E 944 DO CC/02; 1º DA LEI Nº 4.864/65; E 46 DA LEI Nº 10.931/04.

1. Agravo de instrumento interposto em 01.04.2013. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 12.03.2014.

2. Recurso especial em que se discute a legalidade da decisão judicial que, diante da mora do vendedor na entrega do imóvel ao comprador, suspende a correção do saldo devedor.

3. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação, constituindo fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor.

4. Nos termos dos arts. 395 e 944 do CC/02, as indenizações decorrentes de inadimplência contratual devem guardar equivalência econômica com o prejuízo suportado pela outra parte, sob pena de se induzir o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e o enriquecimento sem causa de uma das partes.

5. Hipótese de aquisição de imóvel na planta em que, diante do atraso na entrega das chaves, determinou-se fosse suspensa a correção monetária do saldo devedor. Ausente equivalência econômica entre as duas obrigações/direitos, o melhor é que se restabeleça a correção do saldo devedor, sem prejuízo da fixação de outras medidas, que tenham equivalência econômica com os danos decorrentes do atraso na entrega das chaves e, por conseguinte, restaurem o equilíbrio contratual comprometido pela inadimplência da vendedora.

6. Considerando, de um lado, que o mutuário não pode ser prejudicado por descumprimento contratual imputável exclusivamente à construtora e, de outro, que a correção monetária visa apenas a recompor o valor da moeda, a solução que melhor reequilibra a relação contratual nos casos em que, ausente má-fé da construtora, há atraso na entrega da obra, é a substituição, como indexador do saldo devedor, do Índice Nacional de Custo de Construção (INCC, que afere os custos dos insumos empregados em construções habitacionais, sendo certo que sua variação em geral supera a variação do custo de vida médio da população) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, indexador oficial calculado pelo IBGE e que reflete a variação do custo de vida de famílias com renda mensal entre 01 e 40 salários mínimos), salvo se o INCC for menor. Essa substituição se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da obra, incluindo-se eventual prazo de tolerância previsto no instrumento.

7. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.454.139/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 17/6/2014).

E, ainda: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.216.865/MA, Relator o Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador Convocado do TRF 5ª Região, Quarta Turma, DJe de 28/9/2018; AgInt no AREsp n. 1.126.802/RJ, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 27/9/2018; AgInt no REsp n. 1.696.597/RO, desta relatoria, Terceira Turma, DJe de 27/3/2018; EDcl no REsp n. 1.454.139/RJ, Relator o Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 30/11/2017; AgInt nos EDcl no AREsp n. 881.499/MG, Relator o Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 4/10/2016; AgRg no REsp n. 579.160/DF, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 25/10/2012.

Inviável, portanto, o acolhimento da pretensão recursal no tocante à possibilidade de utilização do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) como fator de correção monetária, durante todo o período necessário para a finalização da unidade imobiliária, independentemente de descumprimento do prazo para a construção.

Também, no ponto, deve ser prestigiado o aresto combatido, que deu correta solução à controvérsia, alinhando-se com o entendimento pacífico desta Corte sobre a matéria.

Fixa-se, no tocante ao Tema 8, a seguinte tese, a fim de elucidar a questão:

No âmbito do PMCMV, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Pelos fundamentos expostos ao longo do voto, fica evidenciado que a aplicação das teses deve ser limitada a imóveis residenciais, uma vez que a aquisição de imóvel comercial não foi contemplada pelo PMCMV, nos termos preconizados pela Lei n. 11.977/2009.

Nesse contexto, também é despicienda a distinção entre imóvel adquirido para moradia e aquele comprado a título de investimento, tendo em vista que, nos negócios regidos por esse programa governamental, apenas é permitida a aquisição para o fim de residência própria.

Em conclusão, fixa-se, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, c/c o art. 256-H, do RISTJ, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3), com eficácia vinculante em todo o território nacional, as seguintes teses jurídicas:

1) Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

2) No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

3) É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

4) O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Ante o exposto, ressaltando que, neste julgamento, não haverá decisão relacionada à causa, nego provimento aos recursos especiais.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.729.593 – São Paulo – 2ª Seção – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 27.09.2019

Fonte: INR Publicações

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TJ/AL: Tribunal discute novo código de emolumentos com Anoreg e setor imobiliário

Presidente Tutmés Airan e corregedor Fernando Tourinho planejam construir uma solução conjunta, em benefício da sociedade 

Nesta quinta-feira (25), o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), desembargador Tutmés Airan, e o corregedor-geral, Fernando Tourinho, se reuniram com representantes do Sindicato da Indústria da Construção (Sinduscon/AL), Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi/AL), Associação dos Notários e Registradores (Anoreg/AL) e Sindicato dos Serviços Notariais e de Registro (Sinoreg/AL), com o objetivo de ouvir sugestões para o novo código de emolumentos, cujas propostas já foram elaboradas pela Corregedoria Geral da Justiça.

De acordo com representantes da construção civil, uma decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem afetado no aumento dos valores referentes ao registro do Memorial de Incorporação e Constituição de Condomínio que estão sendo cobrados pelos cartórios.

O Judiciário encaminhará a todos os envolvidos a minuta do código de emolumentos, para que apresentem sugestões que serão avaliadas antes de o documento ser encaminhado à Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE/AL). Para o presidente do TJAL, Tutmés Airan, o objetivo é encontrar uma solução consensual.

“Para evitar imprevisibilidades que geram inseguranças, a gente precisa estabelecer uma tabela que seja respeitada pelos atores envolvidos nessa questão imobiliária, fundamentalmente no que toca ao quanto se paga para se registrar hipoteca, imóvel, para se instituir um condomínio. Em função de obscuridade, aqui e acolá alguns cartórios interpretativamente estão cobrando mais do que deviam, então a ideia é estabilizar essa situação e transformar essa solução em lei para que doravante as coisas ganhem previsibilidade”, explicou o presidente.

Segundo o corregedor Fernando Tourinho, o código de emolumentos vai estabelecer a padronização dos valores cobrados pelos cartórios, sendo uma necessidade também para sanar quaisquer dúvidas sobre os serviços que são prestados pelas serventias extrajudiciais.

“Está em vigor o Provimento número 14 (de 11 de maio de 2016) da Corregedoria, todavia, se o ministro Aloysio estabelecer ou determinar qualquer outra medida, nós cumpriremos, porque Alagoas tem cumprido tudo que vem do CNJ, mas o que não pode é que os cartórios, de forma unilateral, façam a própria interpretação e passem a cobrar como queiram. Eu acho que tudo tem que convergir com os serviços prestados à sociedade, que é o destinatário final”, destacou o corregedor.

Para o representante da Ademi, Jubson Uchôa, o Judiciário mostrou-se sensível ao assunto.  “Estamos satisfeitos com a forma que tanto o presidente, como também o corregedor, estão tratando da causa e acreditamos que, logo, logo, a situação será resolvida. O bom é quando há um entendimento e as duas partes ficam satisfeitas, assim como a população que sai ganhando com isso”, comentou.

O presidente da Anoreg, Rainey Marinho, destacou a forma republicana e democrática que o Poder Judiciário está conduzindo o caso e explicou que todos têm interesse em solucionar o conflito. “A Anoreg e a Ademi têm que observar esse projeto de lei que trata das custas e emolumentos não só visando os nossos interesses, mas visando os interesses da população do estado de Alagoas. Eu acho que esse engradecimento que nós precisamos ter quando vislumbrarmos essa tabela”, explicou.

Fonte: TJ/AL

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Recurso Especial Repetitivo – Direito civil e do consumidor – Promessa de compra e venda de imóvel – Programa Minha Casa, Minha Vida – Comissão de corretagem – Transferência da obrigação ao consumidor – Possibilidade

RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.149 – RS (2016/0136102-7)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA

ADVOGADOS : LUCAS BRAGA EICHENBERG E OUTRO(S) – RS048756

RENATA MARIA GARCIA DE CARVALHO – RS072816

TAUÊ MARQUES NUÑEZ – RS099391

RECORRIDO : LUCAS KOHLS NUNES

ADVOGADO : DANIELE FERRON D AVILA – RS057616

INTERES. : FRANCO LIMA IMOVEIS LTDA

INTERES. : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : MARCELA PORTELA NUNES BRAGA E OUTRO(S) – DF029929

INTERES. : CAMARA BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CONSTRUCAO – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : MARIA LUISA BARBOSA PESTANA GUIMARÃES E OUTRO(S) – DF005985

FREDERICO JOSE ALMEIDA DA SILVA E OUTRO(S) – DF029666

INTERES. : SINDICATO DA INDUSTRIA DA CONST CIVIL DA GRANDE FPOLIS – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : DIOGO BONELLI PAULO E OUTRO(S) – SC021100

MARCUS VINÍCIUS MOTTER BORGES E OUTRO(S) – SC020210

INTERES. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIARIAS – ABRAINC – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : FLÁVIO LUIZ YARSHELL E OUTRO(S) – SP088098

ADVOGADOS : TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM – SP067721

PRISCILA KEI SATO – SP159830

ELIZANDRA MENDES DE CAMARGO DA ANA E OUTRO(S) – SP210065

EVARISTO ARAGAO FERREIRA DOS SANTOS – SP291474

MARIA LUCIA LINS CONCEIÇÃO – SP285118

INTERES. : SIND EMP COMP VENDA LOC ADM IMOV RESID COMERC SÃO PAULO – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : JOSE CARLOS BAPTISTA PUOLI E OUTRO(S) – SP110829

MARCELO TERRA E OUTRO(S) – SP053205

INTERES. : UNIÃO – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO – AGU – AL000000U

INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE.

1. Para os fins do art. 1.040 do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese: Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

2. Solução do caso concreto: Considerando que as partes convencionaram que o valor correspondente à comissão de corretagem seria pago diretamente pelo proponente ao corretor, impõe-se julgar improcedente o pedido de repetição dos valores pagos a esse título.

3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando a divergência, e o voto do Sr. Ministro Marco Buzzi no mesmo sentido, decide a Segunda Seção, por maioria, no mérito, dar provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, nos termos do voto do Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, que lavrará o acórdão.

Para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, foi fixada a seguinte tese repetitiva: “Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.” Vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Relator) e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região).

Votaram com o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Luis Felipe Salomão.

Impedido o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.

Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília (DF), 13 de junho de 2018(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

COMPRA E VENDA DE TERRENO E MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL. PROGRAMA GOVERNAMENTAL DE HABITAÇÃO DENOMINADO MINHA CASA MINHA VIDA. COBRANÇA DE VALORES A TÍTULO DE COMISSÃO DE INTERMEDIAÇÃO E CORRETAGEM. LEGITIMIDADE DA EMPRESA RESPONSÁVEL PELO EMPREENDIMENTO E DA CORRETORA. SOLIDARIEDADE. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. Legitimidade da empresa demandada demonstrada pela prática de atos próprios de contratante, que autorizam a sua inclusão no pólo passivo da demanda. Constitui prática ilegal e abusiva a cobrança de valores a título de comissão de corretagem e intermediação que, muito embora contratualmente previstos, desvirtuam as regras do programa governamental de habitação Minha Casa, Minha Vida. A repetição em dobro do indébito se justifica mediante prova de que os valores cobrados indevidamente foram pagos pelo devedor. Condenação solidária de ambas as demandadas. (fl. 147)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 164/171).

Em suas razões, a parte recorrente alegou violação dos arts. 724 e 725 Código Civil, da Lei 11.977/2009 e do art. 3º do Decreto 81.871/78, sob os argumentos de: (a) validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem; (b) inexistência de vedação à cobrança de comissão de corretagem no programa “Minha Casa, Minha Vida”. Aduziu, também, dissídio pretoriano.

Sem contrarrazões.

O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem como representativo da controvérsia relativa ao Tema 938/STJ, assim descrito: “validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária – SATI”.

O Tema 938/STJ foi julgado posteriormente, tendo-se firmado a seguinte tese: “validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem“.

Porém, tendo em vista as particularidades que envolvem o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, especialmente a sua disciplina mediante legislação específica (Lei 11.977/2009) e o elevado grau de vulnerabilidade dos promitentes-compradores, decidi promover uma afetação específica para a hipótese das promessas de compra e venda celebradas no âmbito desse programa habitacional.

Essa nova afetação foi publicada em 20/09/2016 (fls. 285/287 e 290), dando origem ao Tema 960/STJ, assim descrito: “validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa ‘Minha Casa, Minha Vida“.

Na fase de habilitação de amicus curiae, intervieram na lide recursal as seguintes entidades, com as seguintes manifestações:

– CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL – CBIC (fls. 516/536): validade da transferência da obrigação, exceto na faixa n. 1 do PMCMV;

– CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (fls. 585/599): validade, desde que respeitado o teto de cada uma das faixas do PMCMV, exceto na faixa n. 1, em que a corretagem deve ser vedada;

– SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DA GRANDE FLORIANÓPOLIS – SINDUSCON-FPOLIS (fls. 560/564): validade da transferência da obrigação;

– ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS – ABRAINC (fls. 566/573): validade, nas faixas 2 e 3 do programa;

– SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA E VENDA LOCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO – SECOVI-SP: validade, exceto na faixa n. 1;

– UNIÃO (fls. 585/599): validade, desde que respeitado o teto de cada uma das faixas do PMCMV, exceto na faixa n. 1, em que a corretagem deve ser vedada;

– DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (fls. 695/697): vedada a cobrança antecipada da comissão de corretagem, para que o comprador possa ser beneficiado em quaisquer das faixas do PMCMV, com inclusão do custo de comercialização no valor do financiamento.

– DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO: absteve-se de se manifestar.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opinou pela invalidade da transferência do encargo ao consumidor, nos termos da seguinte ementa:

– Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036, do CPC/2015, que aponta violação e interpretação divergente aos arts. 724 e 725, ambos do CC/2002.

– Tese sugerida para os efeitos do art. 1.036, do CPC/2015: é inválida a transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida”, uma vez que tal exigência contraria a própria essência do programa, que tem como objetivo primordial facilitar o acesso à habitação pela população de baixa renda, dando concretude ao disposto no art. 6º, da Constituição Federal, especificamente ao direito fundamental social à moradia.

– Acerca do caso concreto, no mérito, aplicando-se a tese repetitiva exposta acima, tem-se que a empresa ora Recorrente não poderia ter transferido ao consumidor ora Recorrido a obrigação de pagar a comissão de corretagem decorrente da aquisição do imóvel comercializado no PMCMV, pois tal conduta desnatura sobremaneira o caráter social do programa habitacional, ao dificultar o acesso à moradia pelo mutuário que já atende a todos os requisitos previstos na Lei nº 11.977/2009.

– Parecer, preliminarmente, pelo conhecimento do presente recurso especial, e, no mérito, pelo seu não provimento. (fls. 705/706)

Paralelamente a este recurso, foi afetado conjuntamente o REsp 1.602.042/RS.

Por meio do despacho de fl. 602, solicitou-se aos Tribunais de apelação o envio de recursos representativos da controvérsia em que o financiamento se enquadrasse na Faixa n. 1 do PMCMV, não tendo havido êxito na localização de recursos representativos dessa controvérsia específica.

Em atenção ao disposto no art. 1.038, § 3º, do CPC/2015, determinou-se a intimação das partes e amicus curiae (fl. 610 s.) para que se manifestassem especificamente acerca das seguintes questões: (a) inclusão do custo de comercialização no valor do financiamento; e (b) obrigatoriedade de o comprador dispor de recursos financeiros para pagar antecipadamente a comissão de corretagem, como condição para ser beneficiado pelo programa.

Manifestações às fls. 646/655, 656/662, 663/664, 665/669, 671/675, 676/689 e 695/697.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Eminentes colegas, inicio analisando a tese a ser consolidada pelo rito dos recursos especiais repetitivos: “validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa ‘Minha Casa, Minha Vida” (Tema 960/STJ).

O direito à moradia, como uma das necessidades primárias do ser humano, ao lado da alimentação e do vestuário, foi proclamado na Conferência Internacional do Trabalho da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em Genebra, no ano de 1976.

Mais recentemente, o direito à moradia foi incluído entre uma das metas do Milênio, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2001, a par de metas sobre o acesso à água potável e ao saneamento básico (moradia digna).

No âmbito interno, o direito à moradia ganhou status constitucional a partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, passando a ser elencado no art. 6º, caput, integrando assim o rol dos direitos fundamentais previstos na Constituição.

Nesse contexto normativo, o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV (instituído pela Medida Provisória 459/2009, convertida na Lei 11.977/2009) pretendeu dar concreção ao direito fundamental à moradia digna, ao “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais” para famílias de baixa/média de renda.

A Lei 11.977/2009, ao instituir o programa, estabeleceu as suas linhas mestras, deixando aos regulamentos, principalmente aos editados pelo Ministério das Cidades, dispor acerca das normas específicas de operacionalização, inclusive as faixas de renda, faixas de valor dos imóveis, padrões construtivos e os critérios de seleção dos beneficiários.

Confira-se, a propósito, o enunciado normativo dos seguintes dispositivos da Lei 11.977/2009 (texto compilado):

Art. 1ºO Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende os seguintes subprogramas:

I – o Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU); (Redação dada pela Lei nº 13.173, de 2015)

II – o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR); e (Redação dada pela Lei nº 13.173, de 2015)

III – (VETADO).

Art. 2ºPara a implementação do PMCMV, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira:

I – concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional;

…………………………………….

Art. 3º. Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser observados os seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)

I – comprovação de que o interessado integra família com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais);

II – faixas de renda definidas pelo Poder Executivo federal para cada uma das modalidades de operações;

III – prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco, insalubres, que tenham sido desabrigadas ou que perderam a moradia em razão de enchente, alagamento, transbordamento ou em decorrência de qualquer desastre natural do gênero;

IV – prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e

V – prioridade de atendimento às famílias de que façam parte pessoas com deficiência.

…………………………………….

§ 3º. O Poder Executivo federal definirá:

I – os parâmetros de priorização e enquadramento dos beneficiários do PMCMV; e

II – a periodicidade de atualização dos limites de renda familiar estabelecidos nesta Lei.

…………………………………….

§ 6º. Na atualização dos valores adotados como parâmetros de renda familiar estabelecidos nesta Lei deverão ser observados os seguintes critérios:

I – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 10 (dez) salários mínimos;

II – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 2.790,00 (dois mil, setecentos e noventa reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 6 (seis) salários mínimos;

III – quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 1.395,00 (mil, trezentos e noventa e cinco reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 3 (três) salários mínimos.

…………………………………….

A partir dessas normas gerais, foram editadas diversas regras específicas, que detalharam e atualizaram o programa.

Tendo em vista o conteúdo do programa, descrito no art. 1º, supra, cabe excluir da presente afetação os contratos celebrados no âmbito do subprograma de Habitação Rural, pois nenhum dos recursos especiais representativos da controvérsia dizem respeito a imóvel rural.

No âmbito da habitação urbana, conforme constou na manifestação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (fls. 585/599), o “Programa Minha Casa, Minha Vida” – PMCMV possui dois campos de atuação bem distintos, de acordo com a faixa de renda dos beneficiários do programa.

A Faixa 1 compreende famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 (valores atuais), bem como as famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.600,00, desde que enquadradas, nesta segunda hipótese, em situações específicas de vulnerabilidade social, como emergência ou calamidade pública.

Nessa faixa do programa, a operação mais se assemelha a um benefício social com contrapartida do que propriamente a um contrato de compra e venda de imóvel.

Com efeito, não se estabelece relação de consumo entre o beneficiário e a construtora/incorporadora, como ocorre nas outras faixas do programa.

Na Faixa 1, o imóvel é incorporado ao patrimônio de um fundo público (Fundo de Arrendamento Residencial – FAR ou Fundo de Desenvolvimento Social – FDS), e esse fundo assume a condição de “alienante” do imóvel.

A seleção dos beneficiários, por sua vez, é realizada pelo Poder Público ou por “entidades organizadoras” previamente habilitadas pelo Ministério das Cidades.

A subvenção econômica nessa faixa alcança até 90% do valor do imóvel, sendo o restante diluído em até 120 parcelas mensais (limitadas a 5% da renda bruta), sem juros e sem formação de saldo devedor, diversamente do que ocorre num típico financiamento imobiliário.

Na Faixa 1, como não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa, mas seleção por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio, não há campo para a intermediação imobiliária, sendo descabida eventual a cobrança de comissão de corretagem.

Todavia, como não se identificou nenhum recurso especial relativo à Faixa 1, apesar de solicitado a tribunais de todo o Brasil, devem ser excluídos os contratos dessa faixa de renda do âmbito de incidência da tese a ser fixada.

O outro campo de atuação do PMCMV são os financiamentos imobiliários, propriamente ditos, previstos nas Faixas 1,5; 2 e 3.

Nessas faixas de renda, há incidência de juros (embora com taxas reduzidas) e formação de saldo devedor.

Existe ainda a possibilidade de o beneficiário do programa obter uma subvenção econômica, a cargo da UNIÃO ou do FGTS.

Outra característica dessa linha do programa é a possibilidade de financiamento de até 100% do valor do imóvel, como ocorreu no caso dos autos.

As Faixas de renda, atualmente, estão assim distribuídas:

Faixa 1 – até R$ 1.800,00 (ou R$ 3.600,00, excepcionalmente)

Faixa 1,5 – até R$ 2.600,00

Faixa 2 – até R$ 4.000,00

Faixa 3 – até R$ 9.000,00

A subvenção econômica somente é concedida para operações enquadradas nas faixas 1,5 e 2, observado o limite de R$ 3.600,00 de renda mensal bruta familiar.

Feita essa breve digressão acerca das diretrizes do Programa Minha Casa, Minha Vida, passo a analisar a polêmica central da presente afetação, referente à possibilidade de transferência da obrigação de pagar a comissão de corretagem ao adquirente desses imóveis.

Sobre essa polêmica, merece referência, novamente, a manifestação da CEF, na qualidade de amicus curiae, especificamente no trecho abaixo transcrito:

A CAIXA, como agente operador do programa governamental, sob a regência das regras editadas pela União (Ministério das Cidades), se preocupa que os negócios relacionados com o PMCMV sejam realizados dentro das regras legais.

Assim, após o início do programa, foram verificadas diversas denúncias de mutuários acerca da exigência de comissão de corretagem pelas Construtoras, que trabalhavam com o programa e que realizavam contratos paralelos à promessa de compra e venda e ao contrato de financiamento, para o pagamento desta comissão.

Assim, para o fim de regulamentar a questão, o Ministério das Cidades editou a Portaria 542 de 23/11/2011, acrescentando o §3° ao artigo 4º da Portaria 363 de 11/08/2011.

§ 3º O valor total do preço de venda dos imóveis será aquele constante do contrato de financiamento, observados os limites de investimento ou avaliação definidos para os programas de aplicação do FGTS, vinculados á área orçamentária de Habitação Popular, vedada a cobrança, ao comprador, de quaisquer outros valores adicionais, em particular aqueles referentes aos honorários e custos de eventual intermediação da venda.

Quanto ao PMCMV Faixa 1, nunca foi permitida qualquer cobrança para intermediação da aquisição do imóvel, até porque a distribuição dos imóveis é realizada por meio das Prefeituras locais, mediante prévio cadastro das famílias de baixa renda que devem ser beneficiadas e o próprio Fundo (FAR / FDS) quem figura como vendedor do imóvel. Não há intermediação da Construtora ou de qualquer outro interveniente.

Já no PMCMV Faixas 2 e 3 em que a natureza da operação poderia, em tese, ensejar a cobrança de comissão de corretagem, com a regulamentação da questão pelo Ministério das Cidades, considerou-se vedado de forma total essa possibilidade de cobrança da taxa de corretagem.

Assim, a CAIXA passou a atuar em parceria com as Construtoras e os Conselhos dos Corretores de Imóveis, no sentido de inibir esta prática. (fls. 590, sem grifos no original)

Como se verifica no trecho acima transcrito, existia vedação expressa à transferência ao adquirente de obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos celebrados no âmbito do PMCMV.

Observe-se que nunca se cogitou de vedar o exercício da corretagem imobiliária, mas tão somente de vedar a prática comercial de transferir ao adquirente a obrigação de remunerar o corretor contratado pela construtora/incorporadora, cobrando-se de maneira apartada a comissão de corretagem.

A vedação dessa prática é condizente com o principal objetivo do programa, que é facilitar o acesso dos beneficiários à casa própria.

Efetivamente, a cobrança apartada da comissão de corretagem acaba se transformando num odioso critério de exclusão, pois impede que famílias de situação econômica mais vulnerável sejam beneficiadas pelo programa.

No caso dos autos, por exemplo, o beneficiário do programa é um técnico em manutenção, com renda mensal de R$ 1.922,65 (fl. 13).

Esse beneficiário adquiriu um imóvel no valor de R$ 73.000,00, sendo contemplado com uma subvenção econômica de R$ 10.325,00.

O restante do preço foi financiado em 300 prestações de R$ 479,46 (com juros de 5% ao ano).

Esse beneficiário, contudo, teve que arcar com o pagamento da comissão de corretagem, no valor total de R$ 4.500,00, valor não incluído no financiamento (fls. 9 s.).

É justamente nesse ponto que se opera o mencionado critério excludente.

Com efeito, no universo das famílias que possuem renda mensal em torno de R$ 2.000,00, muitas estão em condição financeira precária, não possuindo meios de pagar os R$ 4.500,00 da comissão de corretagem, embora pudessem arcar com as prestações mensais de R$ 478,08 do financiamento imobiliário.

Deveras, o grau de famílias nessa situação de endividamento é considerável.

Pesquisa da Federação do Comércio do Rio Grande do Sul (Estado de origem do presente recurso), divulgada em fevereiro de 2017, revela que 68% das famílias com renda de até 10 salários mínimos estão endividadas (cf. http://fecomercio-rs.org.br/wp-content/uploads/2017/01/peicfev.pdf, acesso em 23/10/2017).

Em âmbito nacional, o nível de endividamento das famílias nessa faixa de renda também é elevado, tendo-se apurado, em pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio em setembro de 2017, que 58,4% das famílias com renda de até 10 salários mínimos encontram-se endividadas (cf. http://cnc.org.br/sites/default/files/arquivos/release_peic_setembro_2017.pdf, acesso em 29/10/2017).

Tomando-se por pressuposto que essas famílias endividadas também não teriam disponibilidade financeira para pagar antecipadamente a comissão de corretagem, chega-se à conclusão de que a cobrança apartada da comissão de corretagem acaba excluindo a maioria das famílias de baixa renda do acesso ao PMCMV.

Esse critério excludente subtrai a eficácia do PMCMV, pois deixa fora do programa justamente aquelas famílias que estão em situação econômica mais precária, estando mais suscetíveis, portanto, a se sujeitarem a condições indignas de moradia.

Esse aspecto do problema foi bem enfatizado no parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, conforme se verifica no trecho abaixo transcrito:

25. No particular, é inegável que o PMCMV essencial e ontologicamente tem caráter social, objetivando o acesso à moradia pela população de baixa renda, em estrita observância ao direito fundamental que a Emenda Constitucional n° 26/2000 incluiu no art. 6°, da Constituição Federal, impondo ao Estado o dever de assegurar a todos, de forma ampla e universal, mediante adoção de políticas públicas, a obtenção de um teto. Aliás, não é demasiado lembrar que um dos mais nítidos efeitos da exclusão social no Brasil é o déficit habitacional e a moradia precária de populações urbanas em áreas de risco, razão pela qual a implementação de políticas públicas voltadas à aquisição da casa própria conduz, em última análise, à concretização do postulado constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

26. Na prática, da forma como atualmente são realizadas as operações de compra e venda de unidades habitacionais pela população de baixa renda, os promitentes compradores são compelidos a custear direta e imediatamente um serviço prestado pela imobiliária à construtora/incorporadora, tendo que desembolsar à vista o valor da comissão de corretagem, sem a possibilidade de financiá-lo, o que flagrantemente contraria o objetivo da política pública habitacional. Isso porque, muitas vezes, o potencial mutuário que preenche todos os requisitos do programa, mas que não dispõe de condições financeiras de arcar com o valor correspondente ao pagamento antecipado dos honorários de corretagem, automaticamente e excluído da condição de adquirente da unidade imobiliária, a qual, pelas regras legais do programa, a depender do valor subsidiado, pode ser adquirida independentemente de qualquer pagamento inicial (o que ocorre, por exemplo, quando o valor do subsídio supera o montante não abrangido pela cota máxima de financiamento, reduzindo-se a zero o valor da entrada).

27. Como visto, não se compadece com a natureza e a finalidade do programa a exigência de pagamento de comissão de corretagem pelo adquirente do imóvel no âmbito do PMCMV, por contrariar a própria gênese programática, que tem como objetivo primordial viabilizar o acesso à habitação pela população de baixa renda, dando concretude ao disposto no art. 6°, da Constituição Federal, o qual, a partir da redação dada pela Emenda Constitucional n° 26/2000, incluiu a moradia no rol dos direitos sociais. (fls. 716 s., sem grifos no original)

No mesmo sentido, também manifestou-se a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, na qualidade de amicus curiae, confira-se:

Inicialmente, em que pese tenha sido sedimentado o entendimento nesta Corte Superior quanto à validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar comissão de corretagem quando do julgamento da controvérsia relativa ao tema 938, as particularidades do programa habitacional acima nominado, como bem situado na r. decisão das fls. 285/287, merecem ser analisadas em uma afetação específica, comportando, evidentemente, solução diversa.

Isso, porque, como bem situado no v. acórdão recorrido, o caso em exame envolve um programa de incentivo à aquisição de casa própria ou de moradia que beneficia famílias de baixa e média renda, e a cobrança de comissão de corretagem e intermediação desvirtuam a finalidade do programa, porque exigem uma disponibilidade derecursos para o comprador que não está prevista na Lei 11.977/2009.

……………………………………………..

Nesse sentir, nada impende, como já situado, seja traçado aqui entendimento diverso relativamente ao decidido no tema 938, na linha do decidido no v. acórdão recorrido, justamente para salvaguardar o caráter social do programa habitacional, principalmente vedado-se sua cobrança dissimulada da comissão de corretagem como valor de entrada à aquisição do imóvel, que acaba prejudicando potenciais beneficiários à aquisição da casa própria.

Além disso, a cobrança antecipada da comissão de corretagem, sem embargo da eventual discussão de se tratar de venda casada, notadamente quando os valores da corretagem são revertidos ao mesmo grupo empresarial responsável pela construção do imóvel, caracteriza, como bem apontado no v. acórdão recorrido, o recebimento de vantagem indevida, pois, “ao fixar o valor dos imóveis, a Caixa realiza um estudo de custo das unidades habitacionais abrangendo todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra, inclusive o chamado custo de comercialização”. (fl. 695 s., sem grifos no original)

Ainda que o beneficiário consiga, de alguma forma, obter recursos financeiros para pagar a comissão de corretagem, essa exigência cria uma onerosidade não compatível com o programa, que tem por escopo tornar menos dispendiosa a aquisição da casa própria, por meio da série de mecanismos já descritas.

À luz desses fundamentos, não parece restar dúvida de que a transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem gera um resultado incompatível com os objetivos PMCMV.

Veio em boa hora, portanto, a Portaria nº 542/2011 do Ministério das Cidades (referida pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL), norma que vedou expressamente a cobrança apartada de “quaisquer outros valores adicionais, em particular aqueles referentes aos honorários e custos de eventual intermediação da venda“.

Essa Portaria, contudo, foi revogada no ano de 2016, sob o argumento de que seria incompatível com o entendimento firmado por esta Corte Superior no julgamento do Tema 938/STJ, embora não se encontre no voto condutor daquele Tema nenhuma referência ao PMCMV ou à Lei 11.977/2009.

Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão paradigma do Tema 938/STJ:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA.

I – TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:

1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

II – CASO CONCRETO:

2.1. Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a validade da cláusula prevista no contrato acerca da transferência desse encargo ao consumidor.

Aplicação da tese 1.1.

2.2. Abusividade da cobrança por serviço de assessoria imobiliária, mantendo-se a procedência do pedido de restituição.

Aplicação da tese 1.2.

III – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (REsp 1.599.511/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016, Tema 938/STJ)

Com a revogação da Portaria nº 542/2011, resta saber se o entendimento firmado no julgamento do Tema 938/STJ seria aplicável ao PMCMV.

A resposta, a meu juízo, é negativa.

Com efeito, relembre-se que o CDC contém em seu art. 51, inciso IV, e

§ 1º, uma cláusula geral sobre a abusividade contratual, abaixo transcrita:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

……………………………………………………

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

……………………………………………………

§ 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

(sem grifos no original)

Sobre a abrangência desse enunciado normativo, confira-se a abalizada doutrina de CLAÚDIA LIMA MARQUES, ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN e BRUNO MIRAGEM:

O inc. IV do art. 51 combinado com o § 1.º deste mesmo artigo constitui, no sistema do CDC, a cláusula geral proibitória da utilização de cláusulas abusivas nos contratos de consumo. O inc. IV, de nítida inspiração no antigo § 9.º da lei especial alemã de 1976 (hoje incorporado ao § 307 do BGB reformado, com o mesmo texto), proíbe de maneira geral todas as disposições que ‘estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade’. As expressões utilizadas, boa-fé e equidade, são amplas e subjetivas por natureza, deixando larga margem de ação ao juiz; caberá, portanto, ao Poder Judiciário brasileiro concretizar através desta norma geral, escondida no inc. IV do art. 51, a almejada justiça e equidade contratual. Segundo renomados autores, o CDC, ao coibir a quebra da equivalência contratual e ao considerar abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em ‘desvantagem exagerada’, está a resgatar a figura da lesão enorme e a exigir um dado objetivo de equilíbrio entre as prestações. Parece-nos que a norma do inc. IV do art. 51 do CDC, com a abrangência que possui e que é completada pelo disposto no § 1.º do mesmo art. 51, é verdadeira norma geral proibitória de todos os tipos de abusos contratuais, mesmo aqueles já previstos exemplificativamente nos outros incisos do art. 51. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. [livro eletrônico]. 2ª. ed.. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016)

Do conteúdo dessa cláusula geral de abusividade, merece atenção especial a norma do § 1º, inciso I, que faz presumir exagerada a vantagem que ofende os “princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence“.

Trata-se de uma norma que permite a integração do CDC com normas de outros sistemas jurídicos.

É justamente nesse ponto que se encontra a distinção entre o juízo de abusividade realizado na hipótese do Tema 938/STJ e o juízo que a presente afetação requer.

Deveras, no caso do Tema 938/STJ, a abusividade foi apreciada sob a perspectiva civil-consumerista, abstraindo-se eventual coligação da promessa de compra e venda com um contrato de financiamento imobiliário.

Sob aquela perspectiva, considerou-se válida a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem.

Já no caso da presente afetação, a controvérsia diz respeito especificamente às promessas de compra e venda coligadas aos financiamentos imobiliários disciplinados pelo PMCMV, o que exige uma abordagem particularizada.

Nesse passo, conforme se demonstrou na parte inicial do presente voto, o PMCMV tem por objetivo facilitar o acesso de famílias de baixa/média renda à casa própria, oferecendo condições de financiamento imobiliário não disponíveis no mercado, como taxa de juros reduzida, financiamento de 100% do valor do imóvel e subvenção econômica.

Essas características peculiares do PMCMV devem ser levadas em consideração na análise da abusividade, por força da norma integrativa prevista no art. 51, § 1º, inciso I, do CDC.

Sob essa ótica, observa-se que a vantagem obtida pelas construtoras/incorporadoras com a cobrança em apartado da comissão de corretagem ofende o princípio norteador do PMCMV, que é o da facilitação do acesso à casa própria.

Efetivamente, como já mencionado neste voto, ao se exigir de forma apartada a comissão de corretagem, acaba-se excluindo do PMCMV justamente as famílias que são mais vulneráveis financeiramente, dificultando o acesso a moradia, ao invés de facilitá-lo, o que contraria frontalmente principiologia do PMCMV.

Essa incompatibilidade entre a cláusula e a principiologia do PMCMV revela uma hipótese de aplicação da abusividade enunciada no art. 51, inciso IV, c/c § 1º, inciso I, do CDC.

Na jurisprudência desta Corte Superior, inúmeros são os julgados em que se declarou a abusividade de disposições contratuais com base na cláusula geral do art. 51, inciso IV, c/c § 1º, do CDC.

Ilustrativamente, confiram-se os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV A CABO. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. COBRANÇA INTEGRAL DA MULTA DE FIDELIDADE INDEPENDENTEMENTE DO CUMPRIMENTO PARCIAL DO PRAZO DE CARÊNCIA.

1. A cláusula de fidelização em contrato de serviços de telecomunicação (como o serviço de TV a cabo) revela-se lícita, tendo em vista os benefícios concedidos pelas operadoras aos assinantes que optam por tal pacto e a necessária estipulação de prazo mínimo para a recuperação do investimento realizado.

Precedentes.

2. A referida modalidade contratual tem previsão de cláusula penal (pagamento de multa) caso o consumidor opte pela rescisão antecipada e injustificada do contrato. Tem-se, assim, por escopo principal, o necessário ressarcimento dos investimentos financeiros realizados por uma das partes para a celebração ou execução do contrato (parágrafo único do artigo 473 do Código Civil). De outro lado, sobressai seu caráter coercitivo, objetivando constranger o devedor a cumprir o prazo estipulado no contrato e, consequentemente, viabilizar o retorno financeiro calculado com o pagamento das mensalidades a serem vertidas durante a continuidade da relação jurídica programada.

3. Nada obstante, em que pese ser elemento oriundo de convenção entre os contratantes, a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato, como é o caso do artigo 412 do Código Civil (“O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.”).

4. A citada preocupação reverbera, com maior intensidade, em se tratando de contrato de adesão, como o de prestação de serviços de telecomunicações, o que motivou a ANATEL a expedir a Resolução 632/2014, a fim de regular a forma de cálculo da multa a ser cobrada em caso de resilição antecipada dos contratos com fidelização.

5. O referido regulamento entrou em vigor em 07 de julho de 2014 e, a partir de então, as prestadoras de serviço de TV a cabo (assim como as demais prestadoras de serviços de telecomunicações) são obrigadas a oferecer contratos de permanência aos consumidores – vinculados aos contratos de prestação de serviços com cláusula de fidelização – e a calcular a multa fidelidade proporcionalmente ao valor do benefício concedido e ao período restante para o decurso do prazo mínimo estipulado.

6. Contudo, mesmo antes da vigência do citado normativo, revelava-se abusiva a prática comercial adotada pela prestadora do serviço de TV a cabo, que, até 2011, cobrava a multa fidelidade integral dos consumidores, independentemente do tempo faltante para o término da relação de fidelização.

7. Isso porque a cobrança integral da multa, sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor, coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do código consumerista.

8. Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos.

9. Assim, infere-se que o custo arcado pelo prestador do serviço é, efetivamente, recuperado a cada mês da manutenção do vínculo contratual com o tomador, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado.

10. Como é cediço no âmbito do direito consumerista, a alegação de boa-fé (culpa) do causador do dano não configura óbice à ampla reparação do consumidor, mas apenas afasta a sanção de repetição em dobro prevista no parágrafo único do artigo 42 do CDC, nos termos da jurisprudência consagrada pelas Turmas de Direito Privado.

11. Em observado o prazo prescricional quinquenal da pretensão executiva individual, afigurar-se-á hígida a pretensão ressarcitória dos consumidores que, entre 2003 (cinco anos antes do ajuizamento da ação civil pública) e 2011 (período em que a operadora deixou de proceder à cobrança abusiva), foram obrigados a efetuar o pagamento integral da multa fidelidade, independentemente do prazo de carência cumprido.

12. Sopesando-se o valor da cláusula penal estipulada, a relevância da defesa do direito do consumidor e a capacidade econômica da recorrente, afigura-se razoável a redução das astreintes para R$ 500,00 (quinhentos reais), a cada descumprimento da ordem exarada na tutela antecipada, o que deverá ser objeto de apuração em liquidação de sentença.

13. Por critério de simetria, a parte vencida na ação civil pública movida pelo Ministério Público não deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios. Precedentes.

14. Recurso especial parcialmente provido apenas para reduzir a multa cominatória para R$ 500,00 (quinhentos reais) por descumprimento comprovado da determinação judicial exarada em tutela antecipada e afastar a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do parquet.

(REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 01/08/2017, sem grifos no original)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAUSA DO SINISTRO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. MORTE ACIDENTAL. AGRAVAMENTO DO RISCO. DESCARACTERIZAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA. ESPÉCIE SECURITÁRIA. COBERTURA AMPLA. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO. ABUSIVIDADE. SEGURO DE AUTOMÓVEL. TRATAMENTO DIVERSO.

1. Cinge-se a controvérsia a definir se é devida indenização securitária decorrente de contrato de seguro de vida quando o acidente que vitimou o segurado decorreu de seu estado de embriaguez.

2. No contrato de seguro, em geral, conforme a sua modalidade, é feita a enumeração dos riscos excluídos no lugar da enumeração dos riscos garantidos, o que delimita o dever de indenizar da seguradora.

3. As diferentes espécies de seguros são reguladas pelas cláusulas das respectivas apólices, que, para serem idôneas, não devem contrariar disposições legais nem a finalidade do contrato.

4. O ente segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura securitária todos os riscos de uma mesma natureza, já que deve possuir liberdade para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio.

5. É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) advindo da embriaguez do segurado que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedente da Terceira Turma.

6. No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla.

7. No seguro de vida, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas (Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007).

8. As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado.

9. Recurso especial não provido.

(REsp 1.665.701/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 31/05/2017)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. PRÓTESE/IMPLANTE. STENT. CLÁUSULA ABUSIVA. SÚMULA 83 DO STJ. DANO MORAL. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ.

1. A cláusula que exclui a cobertura de prótese/implante, sendo esta prescrita pelo médico para o sucesso do tratamento do paciente, é abusiva, conforme disposto no art. 51, inciso IV e § 1º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.

3. Cabe ao agravante indicar precedentes recentes ou contemporâneos dessa Corte Superior, com o fim de infirmar a aplicação do enunciado 83 da Súmula do STJ, demonstrando que a jurisprudência ainda estaria oscilando sobre a questão de fundo.

2. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido atendendo às circunstâncias de fato da causa adequadamente ponderadas, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 995.073/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 06/10/2017, sem grifos no original)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CPC/73. INOBSERVÂNCIA. PLANO DE SAÚDE. CONDICIONAMENTO DE DEFERIMENTO DE EXAME, PROCEDIMENTO, INTERNAÇÃO E CIRURGIA À SUBSCRIÇÃO DE MÉDICO COOPERADO. CLÁUSULA ABUSIVA RECONHECIDA.

1. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, os questionamentos aventados pela recorrente foram devidamente enfrentados pela Corte estadual, a qual emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão recursal.

2. A realização de exames, internações e demais procedimentos hospitalares não pode ser obstada aos usuários cooperados, exclusivamente pelo fato de terem sido solicitados por médico diverso daqueles que compõem o quadro da operadora, pois isso configura não apenas discriminação do galeno, mas também tolhe tanto o direito de usufruir do plano contratado como a liberdade de escolha do profissional que lhe aprouver.

3. Assim, a cláusula contratual que prevê o indeferimento de quaisquer procedimentos médico-hospitalares, se estes forem solicitados por médicos não cooperados, deve ser reconhecida como cláusula abusiva, nos termos do art. 51, IV, do CDC.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.330.919/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 18/08/2016, sem grifos no original)

Cumpre esclarecer que o reconhecimento da abusividade na hipótese da presente afetação não configura vilipêndio ao princípio da livre iniciativa, pois as construtoras/incorporadoras não são obrigadas a habilitarem seus empreendimentos perante o PMCMV, estando livres para vendê-los por meio das demais linhas de financiamento imobiliário disponíveis no mercado, podendo, nesse caso, cobrar antecipadamente a comissão de corretagem.

Porém, ao optarem por habilitar seus empreendimentos perante o PMCMV, devem se sujeitar a principiologia específica desse programa habitacional, a qual se mostra incompatível com a cobrança apartada da comissão de corretagem.

Nessa linha de entendimento, também trilhou o Tribunal de origem, conforme se verifica no seguinte trecho do acórdão recorrido:

No contrato entabulado entre a demandante e a empresa Bolognesi consta da cláusula 4ª, alínea ‘h’, que as partes convencionam que o valor correspondente à comissão de corretagem não compõe o preço e será paga diretamente pelo proponente ao corretor (fl. 72).

Sob essa perspectiva, a legalidade ou não da cobrança da comissão de corretagem e intermediação está em que a sua exigência desvirtua as regras do programa de habitação específico de que se trata.

O Programa Minha Casa Minha Vida gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou à requalificação de imóveis urbanos, ou seja, é um programa de incentivo à aquisição de casa própria ou de moradia, que beneficia famílias de baixa e média renda.

Ao fixar o valor dos imóveis, a Caixa realiza um estudo de custo das unidades habitacionais abrangendo todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra, inclusive o chamado custo de comercialização.

Desta forma, parece claro que a empresa Bolognesi, ao transferir os alegados custos ao consumidor, está auferindo vantagem indevida, uma vez que o valor do custo de comercialização já foi contabilizado no financiamento.

A cobrança da comissão de corretagem e intermediação é, ainda, oposta aos fins sociais do Programa, porque cria uma obrigatoriedade de disponibilidade de recursos para o comprador que não está prevista na Lei nº 11.977/2009, instituidora do programa.

Situação que fica evidenciada, igualmente, reside no fato de que a comissão de corretagem e intermediação é exigida como condição para que o comprador efetue o negócio, numa espécie de garantia de realização da aquisição do imóvel, não havendo escolha para o comprador.

Ou paga a prévia comissão, ou não se abre a possibilidade de realização da transação. Prova desse fato é que os recibos de pagamento da comissão de corretagem e intermediação foram emitidos dias antes da celebração do contrato de compra e venda firmado com a Caixa (fls. 12-45).

Embora seja legal, em tese, cobrar a comissão devida ao corretor de imóvel, no caso a atividade se revela como um custo do próprio empreendimento imobiliário a ser suportado diretamente pelo construtor, sem a possibilidade de dividi-lo com os adquirentes.

O que existe, então, é a imposição ao comprador de assumir o custo de uma assessoria imobiliária como condição para a celebração do negócio principal que é a compra e venda do imóvel, isto é, com a finalidade de garantir a sua reserva, o que fere o princípio da boa-fé, porque flagrantemente abusivo.

A impossibilidade de cobrança da comissão de corretagem e intermediação está, justamente, salvaguardando o caráter social do programa habitacional, que visa incentivar a produção de unidades habitacionais direcionadas à aquisição por famílias de baixa e média renda. (fls. 150 ss., sem grifos no original)

Idêntico resultado, no sentido da invalidade da cláusula, seria alcançado sob a ótica da função social dos contratos celebrados no âmbito do PMCMV.

Em conclusão, à luz de todos esse fundamentos, propõe-se a consolidação da seguinte tese:

Abusividade da cláusula contratual que transfere ao consumidor, beneficiário do PMCMV, a obrigação de pagar a comissão de corretagem.

Fixada a tese, passo a analisar o caso concreto.

No caso dos autos, o adquirente da unidade imobiliária, um técnico em manutenção com renda mensal de R$ 1.922,65 (fl. 13), celebrou contrato de financiamento imobiliário pelo PMCMV em 13 de março de 2012, durante a vigência, portanto, da Portaria n. 542/2011 do Ministério das Cidades, que vedava a cobrança em apartado da comissão de corretagem.

Apesar dessa vedação expressa, o adquirente foi obrigado a efetuar dois pagamentos apartados a título de comissão de corretagem, um de R$ 3.000,00, destinado à empresa de imobiliária credenciada pela construtora, e outro de R$ 1.500,00, destinado à pessoa física da corretora de imóveis, conforme recibos de fls. 9 e 10, documentos incontroversos nos autos.

O valor da unidade imobiliária, R$ 73.000,00 (excluída a comissão de corretagem), com recursos do PMCMV, em 300 prestações de R$ 479,46, com uma subvenção econômica de R$ 10.325,00.

Assim, tratando-se de contrato celebrado no âmbito do PMCMV, essa cobrança em apartado da comissão de corretagem vai de encontro à tese firmada na primeira parte deste voto, devendo-se, portanto, manter a condenação da construtora à devolução do valor cobrado a título de comissão de corretagem, como bem entendeu o Tribunal a quo.

Observe-se, de outra parte, que houve também violação ao dever de informação, pois a unidade imobiliária foi ofertada ao valor de R$ 73.000,00 (fl. 75), sem qualquer informação acerca da cobrança em apartado da comissão de corretagem, o que elevou o custo para o consumidor em R$ 4.500,00.

Desse modo, o recurso especial não merece ser provido.

Ante o exposto, para os fins do art. 1.040 do CPC/2015, proponho consolidação da seguinte tese:

Abusividade da cláusula contratual que transfere ao consumidor, beneficiário do PMCMV, a obrigação de pagar a comissão de corretagem.

No caso concreto, voto pelo DESPROVIMENTO do recurso especial.

É o voto.

VOTO-VISTA

VENCEDOR

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Trata-se, na origem, de ação de repetição de indébito ajuizada por LUCAS KOHLS NUNES contra FRANCO LIMA IMÓVEIS LTDA. e BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA.

Discute-se, na hipótese, a “validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’” (Tema nº 960 – grifou-se).

Como bem salientou o Relator, não se cogita “vedar o exercício da corretagem imobiliária, mas tão somente de vedar a prática comercial de transferir ao adquirente a obrigação de remunerar o corretor contratado pela contrutora/incorporadora, cobrando-se de maneira apartada a comissão de corretagem” (grifou-se).

No julgamento do REsp nº 1.599.511/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973, a Segunda Seção desta Corte consolidou a seguinte tese:

“Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.” (Tema nº 938)

Presente a peculiaridade de se tratar, no caso em apreço, de promessa de compra e venda de imóvel celebrada de acordo com as regras do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, o tema foi novamente trazido à apreciação deste Órgão Colegiado.

A fundamentação apresentada pelo Relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, pode ser assim resumida: a) o “Programa Minha Casa, Minha Vida” visa à criação de mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de unidades habitacionais para famílias de baixa e média renda, mediante concessão de subvenção econômica ao beneficiário no ato de contratação do financiamento habitacional; b) a prática comercial de transferir ao adquirente a obrigação de remunerar o corretor contratado pela construtora/incorporadora não é condizente com o principal objetivo do programa, de facilitar o acesso dos beneficiários à casa própria; c) a cobrança apartada da comissão de corretagem acaba impedindo que famílias de situação econômica mais vulnerável sejam beneficiadas pelo programa, além de exigir uma disponibilidade de recursos para o comprador que não está prevista na Lei nº 11.977/2009; e d) nos termos do art. 51, § 1º, I, do Código de Defesa do Consumidor, presume-se exagerada a vantagem que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence.

Ao final, Sua Excelência propôs a consolidação da seguinte tese jurídica:

Abusividade da cláusula contratual que transfere ao consumidor, beneficiário do PMCMV, a obrigação de pagar a comissão de corretagem“.

Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos.

O “Programa Minha Casa, Minha Vida”, instituído pela Lei nº 11.977/2009, tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis já existentes.

Insere-se, à primeira vista, no contexto de uma política pública que busca promover a aquisição de moradia pelas famílias de baixa renda, mas também atende aos interesses políticos e econômicos do País, em especial o setor imobiliário e a construção civil.

Em linhas gerais, o referido programa, gerido e regulamentado pelos Ministérios da Fazenda e das Cidades, cada qual no âmbito das suas respectivas competências (art. 10 da Lei nº 11.977/2009), confere ao cidadão de baixa renda, além do acesso mais facilitado a um contrato de financiamento habitacional, melhores condições para a contratação.

A definição dos parâmetros de enquadramento, cuja competência foi atribuída ao Poder Executivo Federal, leva em conta, entre outros aspectos, a localização do imóvel – na cidade e no campo –, o seu valor e, principalmente, a renda familiar do beneficiário.

Atualmente, de acordo com a manifestação apresentada pela Caixa Econômica Federal na condição de amicus curiae, as diversas linhas de atuação do PMCMV, na parte relativa ao Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), estão divididas em 4 (quatro) diferentes faixas de renda familiar mensal:

(…)

Recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) – FAIXA 1: visa à concessão de financiamento fortemente subvencionado, sem juros, às famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00, organizadas sob a forma coletiva, para aquisição de unidades habitacionais urbanas produzidas por Entidades Organizadoras, devidamente habilitadas no Ministério das Cidades, com recursos do Orçamento Geral da União (OGU) integralizados no Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).

Recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – FAIXAS 1,5, 2 e 3: visa à concessão de financiamento habitacional com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), às famílias com renda mensal bruta de até R$ 9.000,00, divididas em três faixas (até R$2.600,00 = Faixa 1,5, até R$ 4.000,00 = Faixa 2 e até R$ 9.000,00 = Faixa 3), para aquisição ou construção de moradia, de forma isolada ou coletiva, com possibilidade de subsídio na taxa de juros e subvenção limitada da Uniãoe/ou desconto do próprio FGTS (renda até R$ 3.600,00)” (e-STJ fls. 586-587 – grifou-se).

Na Faixa 1, conforme destacado na referida peça processual, “não há comercialização dos imóveis no mercado, inexistindo envolvimento de imobiliárias, corretores e construtoras/incorporadoras na sua venda” (e-STJ fl. 588), não havendo, pois, nenhuma margem para a cobrança da comissão de corretagem.

No mesmo sentido segue a manifestação apresentada pela Advocacia-Geral da União:

(…)

O PMCMV Faixa 1 é destinado a pessoas de baixa renda, com altíssimo percentual de subvenção, contando com recursos do OGU (Orçamento Geral da União). Na referida modalidade há a intermediação dos Municípios ou entidades organizadoras, que indicam os beneficiários do programa por meio de regras específicas.

Quanto ao PMCMV Faixa 1, urge esclarecer que nunca foi permitida cobrança de qualquer valor a título de remuneração pela intermediação realizada na aquisição do imóvel, por absoluta incompatibilidade desta cobrança com o modelo legalmente previsto para a modalidade do PMCMV em apreço.

Ora, na modalidade do PMCMV Faixa 1, a distribuição dos imóveis é realizada por meio das Prefeituras locais, mediante prévio cadastro das famílias de baixa renda e é o próprio Fundo (FAR / FDS) que figura como vendedor do imóvel, de modo que não há a participação de Construtoras ou de qualquer outro interveniente na operação” (e-STJ fl. 545 – grifou-se).

Nesse ponto, portanto, alinho-me às considerações desenvolvidas no voto do Relator, também entendendo que, “na Faixa 1, como não há venda direta das construtoras aosbeneficiários do programa, mas seleção por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio, não há campo para a intermediação imobiliária, sendo descabida eventual cobrança da comissão de corretagem“.

Quanto às demais faixas do programa, assim se pronunciou a CEF:

trata-se de um financiamento tradicional pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do próprio Fundo, mas com taxas de juros reduzidas e com a possibilidade de amortização de parte do saldo devedor com subvenção da União e/ou a concessão de desconto/subsídio do FGTS, dependendo da renda;

. assemelha-se a uma operação de mercado, sendo que, dependendo da Faixa de Renda, pode haver a concessão de um desconto sobre o valor da dívida, bem como redução na taxa de juros e na Taxa de Administração;

. também há redução de valor no pagamento de emolumentos cartorários;

. o imóvel é financiado e fica como garantia fiduciária do pagamento da dívida;

. neste caso as construtoras/incorporadoras é que são as proprietárias dos imóveis produzidos e suas vendedoras e os imóveis são livremente comercializados por elas” (e-STJ fl. 588 – grifou-se).

Em princípio, portanto, as três últimas faixas de renda do PMCMV (Faixa 1,5, Faixa 2 e Faixa 3) não diferem substancialmente das demais modalidades de financiamento imobiliário existentes, a autorizar, em tese, não só a cobrança da comissão de corretagem, mas a transferência desse encargo ao adquirente do imóvel, desde que previamente informado o preço total da aquisição, com o valor da referida comissão devidamente destacado.

Na visão do Relator, contudo, a prática comercial de transferir ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem acaba por impedir o acesso das famílias de baixa renda ao aludido programa ante a presumida falta de capacidade financeira para fazer frente a esse custo, sem o qual o financiamento não é concedido.

Segundo a compreensão de Sua Excelência,

(…) a cobrança apartada da comissão de corretagem acaba se transformando num odioso critério de exclusão, pois impede que famílias de situação econômica mais vulnerável sejam beneficiadas pelo programa.

(…)

Tomando-se por pressuposto que essas famílias endividadas também não teriam disponibilidade financeira para pagar antecipadamente a comissão de corretagem, chega-se à conclusão de que a cobrança apartada da comissão de corretagem acaba excluindo a maioria das famílias de baixa renda do acesso ao PMCMV.

Esse critério excludente subtrai a eficácia do PMCMV, pois deixa fora do programa justamente aquelas famílias que estão em situação econômica mais precária, estando mais suscetíveis, portanto, a se sujeitarem a condições indignas de moradia.”

Entende-se, no entanto, que não há dados concretos para se concluir que o repasse do custo da corretagem ao adquirente esteja obstando a contratação de financiamentos enquadrados em alguma das modalidades do PMCMV, que, vale dizer, já dispõe de vantagens substanciais para o mutuário, a exemplo da incidência de juros com taxas inferiores às praticadas no mercado e da concessão da denominada “subvenção econômica” custeada pela União (art. 2º, I, da Lei nº 11.977/2009).

Também não se pode perder de vista que o PMCMV é voltado às famílias de baixa e média renda, bastando notar que a última faixa do programa é atualmente destinada a beneficiários com renda mensal de até R$ 9.000,00 (nove mil reais), receita considerável para os padrões nacionais, sobretudo na atual conjuntura econômica, de modo que o raciocínio empreendido no voto do Relator somente se torna hígido se confrontado com as condições estabelecidas para cada uma das faixas do programa.

Ao longo de sua existência, o programa, lançado em 2009, passou por inúmeras modificações, idealizado que foi para ser implementado em três diferentes fases, ora atendendo com primazia aos interesses da população mais carente, ora estendendo os seus benefícios aos menos necessitados.

De todo modo, sempre se pautou na diretriz de que quanto menor a renda familiar maiores são os incentivos do programa, a revelar que suas regras já se encarregam de promover a necessária justiça social de acordo com a maior ou menor vulnerabilidade econômica do beneficiário.

A subvenção econômica de que trata o art. 2º, I, da Lei nº 11.977/2009, por exemplo, concedida no ato da contratação da operação de financiamento com o objetivo de “facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel residencial” e de “complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamentorealizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, compreendendo as despesas de contratação, de administração e cobrança e de custos dealocação, remuneração e perda de capital” (art. 6º, I e II, da Lei nº 11.977/2009), não alcança todas as faixas do programa, limitada que está, atualmente, a mutuários com renda familiar bruta de até R$ 4.000,00 (quatro mil reais), conforme estabelecido na Portaria Interministerial nº 528/2017.

Na denominada Faixa 3, portanto, destinada aos beneficiários com renda familiar superior a R$ 4.000,00 (quatro mil reais), não há o repasse de nenhum valor a título de subvenção econômica ao mutuário, justamente por entenderem os gestores do programa que esse benefício só deve atingir os mais necessitados. Ainda assim, os mutuários situados nessa faixa de renda se beneficiam das taxas de juros inferiores às praticadas no mercado.

No outro vértice, ou seja, nas Faixas 1 e 1,5, o subsídio econômico custeado pela União pode chegar a até 90% (noventa por cento) do valor do imóvel, reduzindo drasticamente o valor das prestações do financiamento.

As taxas de juros aplicáveis aos financiamentos no âmbito do PMCMV também variam de acordo com a renda mensal do beneficiário. Na última modificação dos critérios do programa, a taxa de juros da Faixa 1,5 ficou mantida em 5% ao ano. Na Faixa 2, os juros cobrados continuaram variando entre 5,5% e 7% ao ano. Na Faixa 3, para rendas de R$ 4.000,00 até R$ 7.000,00 mensais, a taxa cobrada se manteve em 8,16%. Já para rendas familiares entre R$ 7.000,00 e R$ 9.000,00, os juros subiram para 9,16% ao ano.

Além disso, a possibilidade de aquisição do imóvel sem entrada, ou seja, com 100% (cem por cento) do saldo devedor financiado, também não está disponível para as últimas faixas do programa, de modo que o interessado já deve dispor de recursos próprios para efetuar o pagamento dessa parcela.

Entende-se, desse modo, que a prática de transferir ao adquirente o custo da corretagem nas aquisições de imóveis efetuadas de acordo com as regras estipuladas para as Faixas 1,5, 2 e 3 não ofende “os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence” (art. 51, § 1º, I, do CDC), tal como concluiu o Relator. Ao revés, com ele se harmoniza na medida das distinções criadas pelo próprio programa, que leva em conta as diferentes condições estabelecidas para cada faixa de renda familiar.

Outro ponto que merece destaque diz respeito às consequências de se vetar o repasse do custo da comissão de corretagem aos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida.

No julgamento do REsp nº 1.599.511/SP (Tema nº 938), também relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Sua Excelência bem ressaltou que

“(…) o custo da corretagem, mesmo nos contratos entre particulares, é normalmente suportado pelo comprador, seja embutido no preço, seja destacado deste.

Essa é a lógica do mercado imobiliário, pois a venda só produz lucro à incorporadora se o preço final do imóvel superar os seus custos, como restou bastante claro na audiência pública.

Sobre esse ponto, HECTOR MIRANDA VALVERDE, embora ressalvando que todo custo deve estar embutido no preço, afirma que ‘o repasse ao consumidor dos custos do empreendimento é decorrência da lógica da economia’ (Pagamento da comissão de corretagem na compra e venda de imóvel: obrigação do fornecedor. Revista de direito do consumidor, v. 91. São Paulo: RT, 2014, p. 141-165).

Observe-se que o Direito do Consumidor, apesar de seu marcado caráter protetivo, não chega ao ponto de subverter a natureza onerosa das relações negociais no mercado de consumo, exigindo apenas transparência no seu conteúdo.

Desse modo, sob a ótica do repasse de custos e despesas (não de amostra grátis), chega-se diretamente à conclusão no sentido da inexistência de prejuízo aos consumidores com a assunção de dívida, pois, não fosse desse modo, o custo seria embutido no preço total da compra e venda” (grifou-se).

Significa dizer que, na impossibilidade de transferência da obrigação de pagar a comissão de corretagem ao consumidor, esse custo seria sistematicamente embutido no preço dos imóveis, em prejuízo dos beneficiários situados nas primeiras faixas de renda familiar, tendo em vista a necessária observância dos tetos de aquisição previamente definidos nas regras do programa.

Destaca-se, ainda, que a multiplicidade de recursos que justificou a afetação do tema para julgamento segundo o rito do art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 deriva de demandas ajuizadas por beneficiários que, de uma forma ou de outra, conseguiram ter acesso ao PMCMV, arcaram com o pagamento da comissão de corretagem e agora pedem o ressarcimento dessa despesa.

A adoção da tese proposta pelo Relator no atual estágio do programa, que já se encaminha para a sua fase final, pouco representaria para aqueles que, por não disporem de numerário próprio para pagamento do custo da corretagem, ainda não tiveram acesso a esses financiamentos diferenciados.

Isso porque não há, nas normas do PMCMV, expressa vedação quanto à transferência do custo da corretagem ao consumidor, de modo que a atuação do Poder Judiciário, a quem não compete legislar, ficaria restrita, nesses casos, ao reconhecimento do dever de restituição aos que já tiveram acesso ao programa.

Em contrapartida, criaria um enorme desequilíbrio financeiro para as construtoras e incorporadoras que, seguindo a reiterada prática comercial, deixaram de computar o custo da corretagem na comercialização das suas unidades autônomas, o que põe em risco a concretização de um dos objetivos do programa, que, como já dito, também visa atender interesses políticos e econômicos do País, estimulando a cadeia produtiva do setor imobiliário e da construção civil e gerando emprego e renda para uma parcela significativa da população.

Verifica-se, por fim, que o acórdão recorrido também está fundamentado na seguinte assertiva:

(…)

Ao fixar o valor dos imóveis, a Caixa realiza um estudo de custo das unidades habitacionais abrangendo todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra, inclusive o chamado custo de comercialização.

Desta forma, parece claro que a empresa Bolognesi, ao transferir os alegados custos ao consumidor, está auferindo vantagem indevida, uma vez que o valor do custo de comercialização já foi contabilizado no financiamento.”

A esse respeito, todavia, a Caixa Econômica Federal esclarece que,

(…) quando realizado o contrato de financiamento entre a Construtora e o agente financeiro, para construção de empreendimento dentro do Programa Minha Casa Minha Vida, há um dos itens do financiamento denominado ‘custo de comercialização’. Este custo de comercialização engloba as despesas com propaganda, folheteria, stand de vendas e assemelhados. Os custos com corretagem NÃO compõem este campo” (e-STJ fls. 663-664 – grifou-se).

O raciocínio adotado, ademais, não faz nenhum sentido, pois a relação jurídica existente entre as construtoras/incorporadoras e a CEF, ou outra instituição financeira autorizada a utilizar recursos do FGTS para financiamento da construção civil, em nada influi na relação estabelecida entre mutuante e mutuário, não podendo servir de critério para definir quais custos do empreendimento poderão ser repassados aos adquirentes dos imóveis.

Se a inclusão das despesas de corretagem no denominado custo de comercialização fosse capaz de impedir a transferência do encargo ao consumidor nas promessas de compra e venda de imóvel celebradas de acordo com as regras do PMCMV, o mesmo se poderia afirmar em relação a qualquer outra modalidade de financiamento imobiliário disponível no mercado.

Ante o exposto, pedindo as mais respeitosas vênias ao Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator), para fins do art. 1.040 do CPC/2015, proponho a consolidação da seguinte tese jurídica:

“Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.”

No caso concreto, considerando que, de acordo com a proposta de compra de imóvel juntada às fls. 73-74 (e-STJ), as partes convencionaram que o valor correspondente à comissão de corretagem seria pago diretamente pelo proponente ao corretor (Cláusula 4º, “h”), informação esta devidamente ratificada pelo Tribunal de origem (e-STJ fl. 149), dou provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a inversão dos ônus sucumbenciais, fixada a verba honorária em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, observado o benefício da justiça gratuita.

É o voto.

VOTO-VENCIDO

O SR. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO): Senhora Presidente, egrégia Seção, ouvi com muita atenção o voto divergente do eminente Ministro Villas Bôas Cueva, como tinha ouvido o voto do Relator, mas peço vênia ao Ministro Villas Bôas Cueva porque entendo que, no caso, não há lugar para aplicação da regra geral relativa aos negócios imobiliários em geral, porque aqui se trata da operacionalização de uma intervenção estatal destinada a assegurar àqueles que têm uma necessidade especial, àqueles que integram uma categoria social de carência, o direito de moradia, o direito de habitação.

Então, em relação às pessoas que buscam essa atuação estatal para assegurar o direito de habitação, parece-me que se deve adotar uma sistemática em que não há de se aplicar essa transferência ao consumidor da obrigação de pagar uma comissão de corretagem que é exercida por delegação das empresas vendedoras, da empresa que realmente promove a incorporação, a construção desse imóvel e que tem de arcar com os custos e se programar para realizar esse serviço, que tem natureza social.

De modo que peço vênia ao eminente Ministro Villas Bôas Cueva e aos não menos eminentes Ministros que o seguiram, mas acompanho o Relator.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. Lucas Kohls Nunes ajuizou ação de repetição de indébito em face de Franco Lima Imóveis Ltda e Bolognesi Empreendimentos Ltda, sustentando que, em 21 de janeiro de 2012, adquiriu junto a Bolognesi, por intermédio da Franco Imobiliária, o imóvel descrito na inicial, pelo preço total de R$ 73.000,00, ocasião em que lhe foi cobrada “taxa de intermediação” no valor de R$ 4.500,00, dentro do programa “Minha Casa Minha Vida”. Pede, portanto, a restitituição em dobro do que alega ter sido cobrado indevidamente.

A sentença determinou a devolução, mas sem a dobra.

Analisando as apelações de ambas as partes, o Tribunal manteve a condenação, acrescentou a devolução em dobro (fl. 147):

COMPRA E VENDA DE TERRENO E MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL. PROGRAMA GOVERNAMENTAL DE HABITAÇÃO DENOMINADO MINHA CASA MINHA VIDA. COBRANÇA DE VALORES A TÍTULO DE COMISSÃO DE INTERMEDIAÇÃO E CORRETAGEM. LEGITIMIDADE DA EMPRESA RESPONSÁVEL PELO EMPREENDIMENTO E DA CORRETORA. SOLIDARIEDADE. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO.

Legitimidade da empresa demandada demonstrada pela prática de atos próprios de contratante, que autorizam a sua inclusão no pólo passivo da demanda.

Constitui prática ilegal e abusiva a cobrança de valores a título de comissão de corretagem e intermediação que, muito embora contratualmente previstos, desvirtuam as regras do programa governamental de habitação Minha Casa, Minha Vida.

A repetição em dobro do indébito se justifica mediante prova de que os valores cobrados indevidamente foram pagos pelo devedor. Condenação solidária de ambas as demandadas.

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 164-171):

Embargos de declaração em Apelação Cível. Compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade habitacional. Programa governamental de habitação denominado de Minha Casa Minha Vida. Cobrança de valores não previstos no contrato. Comissão de corretagem.

Legitimidade da empresa responsável pelo empreendimento. Repetição em dobro do indébito. Inexistência de motivos típicos para o acolhimento dos embargos declaratórios.

O acórdão embargado não se ressente de motivo que dê lugar ou procedência aos embargos, ao estabelecer que constitui prática ilegal e abusiva a cobrança de comissão de corretagem e intermediação que, muito embora contratualmente previstos, desvirtuam as regras do programa governamental de habitação Minha Casa Minha Vida.

O prequestionamento, destinado ao recurso especial ou extraordinário, não caracteriza a omissão, contradição ou obscuridade do acórdão, que não há, assim como os artigos mencionados não têm o efeito de modificar o julgamento.

Os embargos declaratórios são apelos de integração, não de substituição, de modo que não se pode pretender, por meio deles, o reexame do julgamento da causa ou da questão.

A inexistência de motivos típicos determina o não acolhimento dos embargos de declaração.

No recurso especial interposto, sustenta, a ré Bolognesi, violação ao art. 724 do CC e à Lei 11.977/2009, ante a legalidade da cobrança da comissão de corretagem pela empresa de intermediação, haja vista a possibilidade de ajuste entre as partes, relativamente à responsabilidade pela remuneração do corretor de imóveis, e a inexistência de vedação a tal prática pela lei que instituiu o programa federal “Minha Casa, Minha Vida”.

Outrossim, aponta dissídio jurisprudencial, acerca da interpretação conferida aos arts. 724 e 725 do CC, com arestos oriundos de outros tribunais, que consideraram legítima a transferência do ônus do pagamento da taxa de corretagem para o comprador, tendo em vista a regra de mercado que obriga o empresário a repassar os custos do empreendimento ao cliente (fls. 176-194).

Não foram ofertadas contrarrazões (fl. 248).

O recurso foi admitido pelo Tribunal estadual como representativo da controvérsia relativa ao Tema 938 (fls. 256-258), sendo que o recurso foi afetado à Segunda Seção sob o seguinte tema específico (Tema 960): “a validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida”” (fls. 285-287).

Sobrevieram petições requerendo o ingresso no feito, na condição de amicus curiae, protocoladas: pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC (fls. 302-331); pela Caixa Econômica Federal – CEF (fls. 332-339); pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis – SINDUSCON-FPOLIS (fls. 340409); pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC (fls. 410-450); e pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo – SECOVI-SP (fls. 451-504).

Manifestações apresentadas: pela CBIC (fls. 516-536); pelo SECOVI-SP (fls. 538-539); pela União (fls. 540-559); pelo SINDUSCON-FPOLIS (fls. 560-564); pela ABRAINC (fls. 566-571); e pela CEF (fls. 585-599).

Manifestação da Defensoria Pública da União, às fls. 695-697, e parecer do Ministério Público, às fls. 705-719, opinando pelo não provimento do recurso especial:

– Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036, do CPC/2015, que aponta violação e interpretação divergente aos arts. 724 e 725, ambos do CC/2002.

– Tese sugerida para os efeitos do art. 1.036, do CPC/2015: é inválida a transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida”, uma vez que tal exigência contraria a própria essência do programa, que tem como objetivo primordial facilitar o acesso à habitação pela população de baixa renda, dando concretude ao disposto no art. 6º, da Constituição Federal, especificamente ao direito fundamental social à moradia.

– Acerca do caso concreto, no mérito, aplicando-se a tese repetitiva exposta acima, tem-se que a empresa ora Recorrente não poderia ter transferido ao consumidor ora Recorrido a obrigação de pagar a comissão de corretagem decorrente da aquisição do imóvel comercializado no PMCMV, pois tal conduta desnatura sobremaneira o caráter social do programa habitacional, ao dificultar o acesso à moradia pelo mutuário que já atende a todos os requisitos previstos na Lei nº 11.977/2009.

– Parecer, preliminarmente, pelo conhecimento do presente recurso especial, e, no mérito, pelo seu não provimento.

O eminente Ministro relator negou provimento ao recurso especial, ao fundamento central de que o repasse da remuneração pela intermediação imobiliária ao beneficiário de programa habitacional, contraria seu objetivo maior, qual seja a facilitação do acesso da população de baixa renda à casa própria, porquanto o aumento do custo na aquisição do imóvel tem o perverso efeito de excluir parcela da população com situação econômica mais débil. Assim, propôs a consolidação da seguinte tese: “abusividade da cláusula contratual que transfere ao consumidor, beneficiário do PMCMV, a obrigação de pagar a comissão de corretagem”.

Abrindo a divergência, o eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva concluiu pelo provimento do recurso especial da Incorporadora, ao entendimento de que as três últimas faixas de renda do PMCMV (faixas 1,5, 2 e 3) não guardariam diferenças substanciais com relação às demais modalidades de financiamento imobiliário existentes, de modo que lhes deve ser aplicado o mesmo entendimento perfilhado no julgamento do recurso repetitivo anterior – REsp 1.599.511/SP (Tema 938). Propôs a adoção da seguinte tese jurídica: “Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem”.

Pedi vista dos autos para mais acurada análise.

2. O Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei n. 11.977/2009, tem o escopo precípuo de criar mecanismos de incentivo à produção e à aquisição da casa própria pelas famílias de baixa e média renda, de modo a dar concretude ao disposto no art. 6º da Constituição Federal, especificamente ao direito fundamental à moradia e, em última análise, ao postulado constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Carta da República).

Para atingir tal desiderato, esse programa habitacional conta com a parceria entre Estados, Municípios e empresas e com mecanismos de incentivo à produção, tudo com vistas à desoneração de custos na construção ou na requalificação de moradias, inclusive com a concessão de subvenção econômica nas operações de financiamento imobiliário.

O PMCMV é composto por dois subprogramas: a) o Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR; e b) o Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU, que se encontra dividido em faixas de renda (1; 1,5; 2 e 3).

De início, consoante consignado pelo eminente Relator, impende registrar que a presente afetação abarca a definição acerca da validade da transferência, ao comprador, da obrigação de pagar a comissão de corretagem na aquisição imobiliária realizada mediante o PMCMV, apenas no que tange aos imóveis urbanos e às faixas de renda 1,5, 2 e 3.

Assim, estão excluídos, do âmbito deste recurso repetitivo, o subprograma destinado aos imóveis rurais (PNHR) e a faixa de renda 1 do Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU.

Ainda, importante salientar que a faixa 1 do PMCMV compreende famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 ou, excepcionalmente, R$ 3.600,00, quando enquadradas em situação específica de hipervulnerabilidade social. Nesse segmento do programa, não se verifica propriamente uma relação de consumo entre o beneficiário e a construtora, haja vista a ausência de comercialização direta das unidades habitacionais e a alocação de recursos públicos pela União para construção desses imóveis, os quais são sorteados entre as famílias previamente cadastradas no Programa, o que, por óbvio, afasta a intermediação imobiliária geradora da comissão da corretagem.

No ponto, elucida o Ministério Público que (fl. 713):

Assim, para as modalidades do PNHU com recursos do FAR e do FDS [faixa 1], tem-se que: a) a aquisição da moradia é quase totalmente subvencionada pela União, sendo que os adquirentes pagam prestações de apenas 5% da sua renda bruta familiar mensal, em valor mínimo de R$ 25,00, por 120 meses, sem juros ou prêmios de seguros, além de isenção de pagamento de emolumentos cartorários e alguns tributos; ou seja, praticamente todo o custo de aquisição do imóvel é suportado pela União, assemelhando-se, na prática, a uma transferência de benefício; b) na modalidade com recursos do FAR, os contratos firmados com os beneficiários são contratos de compra e venda parcelada, figurando o FAR (representado pela CEF) como vendedor das unidades; c) na modalidade com recursos do FAR, na fase de construção, o FAR (representado pela CEF) é o proprietário dos imóveis e contratante da construtora responsável pela obra; d) cabe ao Município (no caso de recursos do FAR) ou às entidades organizadoras (nas operações com recursos do FDS) a organização, seleção e envio à CEF dos beneficiários; e e) não há comercialização dos imóveis no mercado, tampouco espaço para qualquer espécie de intermediação imobiliária.

3. Por seu turno, as faixas 1,5, 2 e 3 alcançam famílias com renda mensal bruta, respectivamente, de até R$ 2.600,00, até R$ 4.000,00, e até R$ 9.000,00, havendo subsídios públicos ao financiamento apenas para as duas primeiras, ou seja, a faixa 3 não conta com subvenção econômica, haja vista não corresponder à parcela da população considerada mais necessitada. Ao revés, trata-se de uma renda bastante considerável, se levarmos em conta a realidade nacional.

Conquanto o Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU -, nessas faixas de renda, preveja financiamento habitacional com recursos do FGTS, com possibilidade de subsídio na taxa de juros, redução no valor dos emolumentos cartorários e subvenção limitada da União, tal hipótese constitui espécie tradicional de financiamento pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, em tudo similar a uma operação de mercado, tendo em vista que é o próprio comprador que escolhe o empreendimento imobiliário ofertado no âmbito do programa, contrata a sua aquisição e obtém o financiamento, sem qualquer intervenção do Poder Público.

Outrossim, consoante destacado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC (fls. 414-415), “nas faixas 2 e 3, as unidades são das incorporadoras, que deverão colocá-las no mercado à disposição dos interessados, por meio de força de vendas própria ou através de corretores de imóveis”, sendo as unidades habitacionais, portanto, livremente comercializadas.

Acrescenta a ABRAINC, ainda, que (fl. 415):

24. Tal qual ocorre na aquisição de imóveis em geral, os interessados na aquisição de uma unidade comparecem ao estande de vendas, onde, após a apresentação do imóvel, optam por adquirir uma unidade.

25. Ato contínuo, formulam junto à imobiliária ou vendedor credenciado proposta de pagamento para aquisição daquela unidade, a qual depois será encaminhada pelos corretores à Incorporadora.

26. Bem de se ver ainda que primeiramente são firmadas as condições gerais do negócio ou compromisso de compra e venda com a incorporadora e, após certo período ou quando a obra estiver em determinado estágio (em algumas modalidades do Programa, o financiamento só é realizado quando 80% do empreendimento estiver construído) é celebrado contrato de financiamento com alienação fiduciária perante a CEF ou outra instituição financeira credenciada.

27. Frise-se, a respeito do financiamento, que embora possa haver benefícios na sua obtenção, nas faixas 2 e 3 não há a possibilidade de financiar integralmente o preço do imóvel. Significa dizer, então, que os adquirentes devem deter recursos próprios, com os quais arcarão com a diferença, e, eventualmente, com a corretagem.

28. Desse modo, ainda que haja algum benefício assistencial, a natureza onerosa do contrato permanece, ao menos nessas faixas do Programa.

O Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis – Sinduscon-FPOLIS – elucida a forma de implantação do PMCMV, corroborando a similitude entre a negociação imobiliária realizada com auxílio desse programa governamental e a negociação tradicional operada no mercado (fls. 348-349):

28. Para edificar um empreendimento que se enquadre no Programa “Minha Casa, Minha Vida”, as construtoras desenvolvem seus projetos e os submetem à análise prévia das instituições financeiras participantes. Após aprovação, é celebrado contrato entre a construtora e a referida instituição. Com a celebração do dito instrumento, a construtora se torna apta a iniciar a execução do empreendimento e, principalmente, a alienação de unidades aos interessados por meio do Programa habitacional.

29. Ato contínuo, aquele particular que decide adquirir uma unidade, assina com a construtora um pré-contrato (promessa de compra e venda) e, após, pode firmar, perante a instituição financeira responsável pelo financiamento, um contrato de compra e venda e mútuo para construção.

30. As unidades são financiadas diretamente pelos compradores, durante a fase de construção, permitindo a prática de preços baixos e para o acesso ao imóvel próprio. Em razão disso, as construtoras recebem os recursos de forma gradativa, ao longo da execução da obra, conforme um cronograma de execução físico-financeiro pré-definido pela instituição.

31. O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, em ambos os seus subprogramas, é dividido em modalidades (faixas ou grupos de renda), determinadas conforme a renda da família a que se destinará o imóvel. Cada uma dessas modalidades possui diferentes valores de subsídios a serem concedidos pelo Governo Federal, bem como taxas de juros e períodos de financiamento diversos. Desse modo, o Programa logra atender diferentes faixas de renda, e promover a aquisição de moradia de forma segura e adequada aos padrões financeiros de seus beneficiários.

32. Sucede que, muito embora se trate de negociação imobiliária realizada com auxílio de um programa governamental, a compra e venda de uma unidade habitacional pelo Programa “Minha Casa, Minha Vida” guarda fortes semelhanças com as negociações realizadas fora do âmbito do Programa. Em outras palavras, em que pese o objetivo assistencial do “Minha Casa, Minha Vida”, as alienações realizadas deverão observar os mesmos parâmetros e dispositivos legais de qualquer outra compra e venda de bem imóvel.

33. Significa dizer que a compra e venda realizada pelo Programa “Minha Casa, Minha Vida” não apenas sujeita os seus contratantes aos mesmos direitos e deveres, mas também impõe as mesmas medidas preventivas às partes. Nesse sentido, se mostra prudente o auxílio técnico dos corretores de imóveis, porquanto profissionais capazes de proporcionar uma negociação mais segura e satisfatória.

Assim, assentada esta premissa – a similaridade entre a comercialização de imóveis no âmbito do PMCMV, nas maiores faixas de renda, e no livre mercado imobiliário -, é bem de ver que a Segunda Seção, por ocasião do julgamento do REsp 1.599.511/SP, sob o rito dos recursos repetitivos, já consagrou a validade da cláusula contratual que transfere, ao promitente-comprador, a obrigação de pagar a comissão de corretagem, nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

Confira-se a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA. I – TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. 1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

II – CASO CONCRETO: 2.1. Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a validade da cláusula prevista no contrato acerca da transferência desse encargo ao consumidor.

Aplicação da tese 1.1.

2.2. Abusividade da cobrança por serviço de assessoria imobiliária, mantendo-se a procedência do pedido de restituição. Aplicação da tese 1.2.

III – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1599511/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016)

O mesmo entendimento foi manifestado pelo Ministério das Cidades ao editar a Instrução Normativa n. 23/2015, atualmente vigente, que, admitindo o repasse da comissão de corretagem ao mutuário, determina que essa remuneração seja clara e transparente, quando somada ao valor do imóvel, guardando estrita correspondência com os limites de valores de venda de imóveis previstos para cada uma das modalidades do PMCMV (subitem 7.12, alínea “b”, do Anexo): “o valor total do preço de venda dos imóveis será aquele constante do contrato de financiamento, vedada a celebração de outros instrumentos contratuais que exorbitem os limites definidos pelo subitem 7.1 deste Anexo”.

É que, segundo penso, o repasse dos custos de corretagem ao consumidor é decorrência lógica do modelo econômico capitalista e não tem o condão de impedir o acesso aos benefícios do PMCMV, haja vista que, nessas faixas de renda, o programa não admite o financiamento imobiliário da totalidade do valor do bem, razão pela qual o comprador sempre terá que desembolsar antecipadamente parte do preço, o que poderá ser feito de forma parcelada, devendo-se salientar, ainda, que o valor dessa remuneração tem como base de cálculo o valor do imóvel.

Consoante consignado pelo douto Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, com a acuidade costumeira, na impossibilidade de transferência, ao consumidor, da obrigação de pagar a comissão de corretagem, esse custo seria sistematicamente embutido no preço dos imóveis, em prejuízo dos beneficiários situados nas primeiras faixas de renda familiar, tendo em vista a necessária observância dos tetos de aquisição previamente definidos nas regras do programa.

Não se pode olvidar, ainda, que o PMCMV já caminha para a fase final de implementação, só não tendo sido cobrada a comissão de corretagem durante o curto período de vigência da Portaria n. 363/2011, que, em seu art. 4º, § 3º, expressamente vedava o seu repasse ao mutuário.

A tese proposta pelo relator teria, assim, o efeito de estimular o ajuizamento de inúmeras ações por todos aqueles que adquiriram imóveis mediante o programa habitacional do Governo Federal.

Nessa linha de intelecção, acompanho a divergência quanto à consolidação da tese de que: “Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem”.

4. No caso concreto, foi firmado contrato de compra e venda de bem imóvel, no valor de R$ 73.000,00, segundo as regras do PMCMV (fl. 43).

O recorrido ajuizou ação de repetição do valor de R$ 4.500,00, cobrados a título de comissão de corretagem e intermediação, nos moldes dos recibos de fls. 9-10, tendo sido julgado procedente o pedido pelo Juízo de piso, o que foi confirmado pelo Tribunal estadual, que, todavia, consignou que (fl. 149):

No contrato entabulado entre a demandante e a empresa Bolognesi consta da cláusula 42, alínea “h”, que as partes convencionam que o valor correspondente à comissão de corretagem não compõe o preço e será paga diretamente pelo proponente ao corretor (fl. 72).

Como se vê, há cláusula contratual expressa informando sobre o preço destacado da comissão de corretagem, além dos recibos de corretagem, às fls. 9-10, o que se coaduna com a tese consagrada no REsp 1.599.511/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos.

5. Ante o exposto, com a devida vênia do relator, acompanho a divergência para dar provimento ao recurso especial e julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com inversão dos ônus sucumbenciais, observado o benefício da gratuidade de justiça.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.601.149 – Rio Grande do Sul – 2ª Seção – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJ 15.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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