1ª VRP/SP: Dúvida – Registro de Imóveis – 14º Oficial de Registro de Imóveis – Samambaia Participações e Representações Ltda – Registro de imóveis – dúvida – imóvel cujo domínio está indisponível por ordem judicial – possibilidade de locação, mas não da inscrição (lato sensu) de cláusula de vigência ou de cláusula de preferência em caso de alienação do imóvel – a averbação de indisponibilidade, decorrente de ordem legalmente expedida e inscrita anteriormente, retira da propriedade imobiliária a sua disponibilidade – dúvida procedente.

Processo 0074228-83.2013.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 14º Oficial de Registro de Imóveis – Samambaia Participações e Representações Ltda – Registro de imóveis – dúvida – imóvel cujo domínio está indisponível por ordem judicial – possibilidade de locação, mas não da inscrição (lato sensu) de cláusula de vigência ou de cláusula de preferência em caso de alienação do imóvel – a averbação de indisponibilidade, decorrente de ordem legalmente expedida e inscrita anteriormente, retira da propriedade imobiliária a sua disponibilidade – dúvida procedente. CP 428 O 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo suscitou dúvida (fls. 02/05), a requerimento de Samambaia Participações e Representações Ltda., que teve negada sua pretensão de registro de instrumento particular de locação para fins não-residenciais do imóvel objeto da matrícula 98.904 (fls. 10/18). Informa o suscitante que o título recebeu qualificação negativa por estar o imóvel indisponível (mat. 98.904 – indisponibilidade Av.10 – extraído dos autos nº 0009844-30.2004.8.19.0001- 18ª Vara Cível do Rio de Janeiro/ RJ), o que impede registro de contrato de locação com cláusula de vigência e a averbação de direito de preferência, em caso de alienação do imóvel locado (Conselho Superior da Magistratura – CSM, Apelação Cível – Apel. Cív 100.237-0/0 – São José dos Campos), uma vez que a indisponibilidade tem plena eficácia nos casos de alienação voluntária (CSM, Apel. Cív. 0902966-77.2012.8.26.0037), a que poderá conduzir o registro da locação, quando houver, eventualmente, o exercício do direito de preferência ; além disso, a exceção prevista no Provimento CG 13, de 11 de maio de 2012, art. 22, só se aplica a alienações, onerações e constrições judiciais, o que não é o caso da locação. Sustenta a interessada que a indisponibilidade não impede que o titular de domínio contrate a locação do bem e, portanto, não obsta o registro do contrato para fins de vigência em caso de alienação (Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991 – LL91, art. 8º, caput). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 66/67). É o relatório. DECIDO. Conforme precedentes desta Vara de Registros Públicos (autos 100.09.348422-3, Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão, j. 23.02.2010, DJe 09.03.2010), do Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apel. Cív. 100.237-0/0 – São José dos Campos, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 10.12.2003) e da E. Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG 55381/2009, parecer do juiz Álvaro Augusto Valery Mirra, j. 03.09.2009, DJe 17.09.2009), a indisponibilidade do bem, inclusive aquela que resulta de penhora, conforme a Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 52, § 1º, impede a inscrição de cláusula de vigência ou de preferência estipuladas em contrato de locação de imóvel urbano, para a hipótese de alienação. De acordo com a doutrina do professor Luiz Guilherme Loureiro: “A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade (Ap 029.886-0/4, SP,j. 04.06.1996)” (Registros Públicos – Teoria e Prática, 2ª ed revista e atualizada, editora Método) Portanto, se a locação não se contrapõe à indisponibilidade (uma e outra estão em planos diferentes), o mesmo não se dá com essas inscrições (lato sensu), que vão ao plano real – e, portanto, não podem ser admitidas, enquanto indisponibilidade houver. Não vislumbro qualquer irregularidade cometida pelo Oficial de Registros de Imóveis. A averbação de indisponibilidade, decorrente de ordem legalmente expedida e inscrita anteriormente, retira da propriedade imobiliária a sua disponibilidade. As indisponibilidades em questão foram averbadas regularmente e por determinação de autoridade competente. Se do titular dominial se retira o poder de dispor da coisa que, como no caso, ficou à disposição do Juízo, nenhum título tendente a onerar ou transmitir a propriedade imobiliária pode ser admitido no Registro de Imóveis. O entrave deverá ser mantido sobre o imóvel até a decisão definitiva da pendência judicial que o originou. O cancelamento se dará diretamente pela autoridade responsável pela constrição, encaminhada ao 14º RISP. Não é competência de Juízo Corregedor Permanente, no âmbito administrativo, emitir decisão capaz de cancelar a indisponibilidade ou relativiza-la. Conforme o Provimento CG nº 13/2012 Artigo 4º – As indisponibilidades de bens decretadas por Juízos de outros Tribunais e por Órgãos Administrativos que detenham essa competência legal poderão ser incluídas por seus respectivos emissores na Central de Indisponibilidade de Bens na forma prevista neste Provimento. Parágrafo 1º – As comunicações de indisponibilidades recebidas até a data da publicação do presente Provimento serão inseridas na Central de Indisponibilidade pela Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça (DICOGE 1.2). Após essa data, as solicitações encaminhadas para comunicações genéricas de indisponibilidade de bens a oficiais registradores de imóveis, oriundas de autoridades judiciárias e administrativas deste e de outros Estados da Federação, serão devolvidas aos respectivos remetentes com a informação de que, para tal desiderato, podem utilizar o sistema ora instituído ou fazê-lo de forma específica, diretamente à serventia de competência registral, indicando o nome do titular de domínio ou direitos reais atingidos, o endereço do imóvel e o número da matrícula. Do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento Samambaia Participações e Representações Ltda. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Oportunamente arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 27 de março de 2014. Tânia Mara Ahualli JUÍZA DE DIREITO (CP 428) – ADV: CARLOS CORREIA DE SOUZA (OAB 125375/SP) (D.J.E. de 07.04.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 07/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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A locação no Registro de Imóveis

Por João Pedro R. S. de Arruda Camara[1]

O ingresso do contrato de locação no serviço registral imobiliário, mais especificamente na matrícula do imóvel locado, tem se mostrado um assunto espinhoso para proprietários, inquilinos, corretores e advogados que atuam no ramo imobiliário. Para que dúvidas e perplexidades sobre o tema sejam sanadas, é preciso uma pequena incursão sobre a sistemática registral brasileira e sua finalidade.

Em apertada síntese, pode-se dizer que o registro imobiliário serve para constituir direitos sobre imóveis, principalmente os chamados direitos reais (propriedade, superfície, servidão, usufruto, direito de promitente comprador, hipoteca, propriedade fiduciária, etc.), dando-lhes publicidade para que possam gerar todos os efeitos jurídicos que lhes são inerentes, mormente aqueles efeitos que atingem terceiros, isto é, que extrapolam a órbita dos direitos e deveres do transmitente e do adquirente do direito real.

A regra geral do art. 1.227 do Código Civil diz que os direitos reais sobre bens imóveis só nascem com o registro da aquisição no cartório de registro de imóveis competente. Essa regra é bastante conhecida no meio jurídico-imobiliário pelo seguinte ditado: “Quem não registra não é dono”. E esse ditado pode ser corretamente ampliado para “quem não registra não tem direito real sobre imóvel”, pois não só a propriedade como todos os outros direitos reais só se constituem com o registro.

Entretanto, existem ainda direitos que não são reais, mas mesmo assim a lei determina o seu registro ou averbação na matrícula do imóvel. Na verdade, tudo que de alguma forma tenha relevância jurídica para o imóvel e todos que com ele se relacionem, merece ingresso no registro imobiliário.

Nesse contexto, o legislador acertadamente identificou no contrato de locação dois direitos que merecem ser levados a registro. O primeiro é o direito do locatário à vigência da locação em caso de alienação do imóvel a terceiros; o segundo é a preferência do locatário à aquisição do imóvel, caso o proprietário deseje aliená-lo. Note-se que são dois direitos distintos; o primeiro está previsto no art. 8º da Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245/91), e o seu registro está determinado no art. 167, inciso I, item 3 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73); o segundo encontra-se disciplinado nos arts. 27 a 34 da Lei nº 8.245/91, e a sua averbação está positivada no art. 167, inciso II, item 16 da Lei nº 6.015/73.

Mas por que se praticar dois atos registrais se o contrato de locação é o mesmo? É que o sistema registral imobiliário brasileiro é de registro de direitos, e não de registro de títulos. Em outras palavras, o que se registra ou averba na matrícula do imóvel não é o contrato ou documento celebrado entre as partes (título), mas o direito ou direitos nele contidos. É por isso que ao ser levada ao Registro de Imóveis uma escritura de compra e venda com hipoteca, esta origina dois atos registrais na matrícula; um registro relativo à compra e venda (transmissão do direito de propriedade ao comprador); e outro referente à hipoteca (constituição do direito de hipoteca em favor do credor). Da mesma forma, um contrato de locação tem a possibilidade de originar dois atos distintos na matrícula do imóvel, relativos a dois direitos que não são reais, mas que produzem efeitos jurídicos diretamente sobre o imóvel e seu proprietário.

A cláusula do contrato de locação que impõe ao adquirente do imóvel locado o dever de honrar a locação até seu termo final é uma disposição que extrapola os limites dos direitos e obrigações das partes contratantes (locador e locatário), vinculando um terceiro estranho a essa relação contratual. É justamente por isso que a lei exige que o direito de vigência seja publicizado na matrícula do imóvel, a fim de que o pretenso comprador saiba, de antemão, que terá de respeitar a locação até o fim do prazo contratual.

Porém, conforme dispõe o art. 8º da Lei nº 8.245/91 – e aqui está o âmago da questão –, são necessários dois requisitos para que o direito de vigência seja constituído em favor do locatário. O primeiro é que no contrato haja cláusula expressa constituindo o direito de vigência (este direito não se presume, tem que ser instituído pela vontade das partes); e o segundo é que este direito esteja registrado[2] no cartório de registro de imóveis competente, na matrícula do imóvel locado. Sem esses dois requisitos o locatário não terá reconhecido o direito de permanecer no imóvel, caso este seja alienado. Por isso, o corretor, gestor imobiliário e/ou consultor jurídico deve orientar seu cliente (principalmente se este for o locatário) sobre as vantagens de se fazer o registro do direito de vigência, e, a contrário senso, sobre os riscos do não registro.

A título de exemplo, imaginemos uma locação comercial, cujo locatário investe em benfeitorias e publicidade, fixa seu ponto no imóvel, esperando ali permanecer por anos a fio, entretanto se esquece de incluir no contrato a cláusula de vigência em caso de alienação, ou pior, apesar de ter feito constar tal cláusula no contrato, deixou de registrá-lo. Vem o locador e vende o imóvel a um terceiro que não pretende manter a locação, e esse comprador denuncia a locação dentro do prazo de noventa dias contados da data do registro da aquisição. Nesse caso, não restará alternativa ao locatário, senão desocupar o imóvel no prazo de noventa dias a partir da denúncia. É o que diz a lei (art. 8º da Lei nº 8.245/91), corroborada por farta jurisprudência dos tribunais pátrios.

O direito de preferência à aquisição do imóvel (também chamado de preempção), diferentemente do de vigência, é conferido ao locatário independentemente de cláusula expressa no contrato, sendo inclusive inafastável por disposição contratual, porém é imprescindível a sua averbação na matrícula do imóvel para que possa ter eficácia.

Esse direito confere ao inquilino a preferência para adquirir o imóvel em igualdade de condições com terceiros, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento de sua intenção de venda e condições do negócio, a fim de que ele possa exercer ou não seu direito.

Caso a preferência seja desrespeitada, o inquilino poderá reclamar perdas e danos ou haver para si o imóvel, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro da venda na serventia imobiliária. Note-se aqui a repercussão na esfera jurídica de terceiro alheio ao contrato de locação, já que o comprador poderá perder o imóvel em favor do locatário, restando àquele apenas o direito de receber de volta o que pagou pelo imóvel. E isto é motivo mais que suficiente para justificar a determinação legal de averbação do direito de preferência na matrícula (art. 167, II, 16, da Lei nº 6.015/73). Vale lembrar, ainda, que se a escritura de compra e venda for lavrada por valor abaixo do realmente acertado pelas partes, configurando sonegação fiscal dos contratantes, o locatário só precisará depositar o valor indicado na escritura para haver para si o imóvel.

Enfim, o registro do direito de vigência da locação em caso de alienação, quando estipulado pelas partes, e a averbação do direito de preferência são medidas obrigatórias, nos termos do art. 169 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), e imprescindíveis para dar efetividade a tais direitos e, assim, conferir segurança não só a seus titulares como a terceiros que porventura tenham interesse no imóvel.

João Pedro R. S. de Arruda Camara
Registrador de Imóveis substituto em Brasília/DF
Especialista em Direito Registral Imobiliário
Coordenador da ENNOR

 


[1] João Pedro R. S. de Arruda Camara- Registrador de Imóveis substituto em Brasília/DF, Especialista em Direito Registral Imobiliário e Coordenador da ENNOR

[2] A Lei nº 8.245/91 fala em averbação do direito de vigência, contudo o art. 167, I, 3, da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Púbicos), c/c art. 576 do Código Civil de 2002, deixam claro que o ato a ser praticado é de registro.

Fonte: ANOREG/BR. Publicação em 03/04/2013.