Acórdão – DJ nº 0027416-80.2013.8.26.0100 – Apelação Cível
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0027416-80.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante VILLE DE FRANCE COMÉRCIO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS LTDA (REP. POR SUA SÓCIA MARCIA CARPI CORREA), é apelado 15º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA APRESENTADA PELO 15º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de março de 2014.
ELLIOT AKEL
RELATOR
Apelação Cível nº 0027416-80.2013.8.26.0100
Apelante: Ville de France Comércio, Administração e Serviços LTDA
Apelado: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 33.944
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Contrato de Locação – Cláusulas de vigência e exercício do direito de preferência – Suficiência do registro em sentido estrito para atribuir eficácia real tanto à cláusula de vigência como ao pacto de preferência – Desnecessidade da prática de dois atos notariais (averbação e registro) – Competência do Conselho Superior da Magistratura por se tratar de registro em sentido estrito – Indisponibilidade decorrente de penhora da Fazenda Nacional nos termos do artigo 53, § 1º, da Lei n. 8.212/91 não é óbice ao registro do contrato de locação para consignar a cláusula de vigência e o exercício do direito de preferência – Precedente deste Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.
Ville de France Comércio, Administração e Serviços LTDA interpôs apelação contra a sentença das fls. 69/71, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, mantendo a recusa de registro do instrumento particular de locação para fins não residenciais do imóvel da matrícula n. 123.864, porque referido imóvel está indisponível por força de penhoras da Fazenda Nacional, o que impediria o registro do contrato de locação com cláusula de vigência e a averbação de direito de preferência em caso de alienação do imóvel locado, porque a indisponibilidade tem plena eficácia nos casos de alienação voluntária, a que poderá conduzir o registro da locação, quando houver, eventualmente, o exercício do direito de preferência.
A apelante alegou que o impedimento da averbação do contrato nos casos de indisponibilidade ofende o direito de uso e, além disso, a inscrição das cláusulas de vigência e de preferência, em caso de alienação do imóvel locado, não restringiria ou limitaria as faculdades do domínio e não criaria oponibilidade ao seu adquirente. Assim, busca a reforma da sentença, para que seja autorizado o registro do contrato de locação (fls. 74/80).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 93/96).
É o relatório.
De início, destaco que, não obstante as previsões constantes do artigo 167, inciso I, “3” e inciso II, “16”, da Lei n. 6.015/73, acompanhado do artigo 33, “caput”, da Lei n. 8.245/91, que referem o registro e a averbação dos contratos de locação, respectivamente para consignar a cláusula de vigência e o exercício do direito de preferência, é desnecessária a prática de dois atos notariais (averbação e registro), bastando o registro em sentido estrito para garantir a eficácia real às cláusulas de vigência e ao direito de preferência, conforme já decidido pela Corregedoria Geral da Justiça no processo n. 2013/36874:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Contrato de locação – Cláusula de vigência e pacto de preferência – Eficácia erga omnes – Registro em sentido estrito – Competência recursal – Conselho Superior da Magistratura – Envio dos autos ao órgão jurisdicional competente – Recurso administrativo conhecido como apelação – Admissibilidade – Princípio da fungibilidade recursal.
Por consequência, reconheço a competência deste Conselho Superior da Magistratura, por se tratar de registro em sentido estrito, na forma do artigo 64, VI, do Decreto-lei Complementar Estadual n.º 3/69, e do artigo 16, V, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O registro do contrato de locação foi negado diante da indisponibilidade do imóvel, nos termos do artigo 53, § 1º, da Lei n. 8.212/91, por força de penhoras da Fazenda Nacional.
A questão é saber se a indisponibilidade impede o registro do contrato de locação para consignar a cláusula de vigência e o exercício do direito de preferência.
Em que pese o precedente deste Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n. 100.237-0/0), da lavra do Desembargador Luiz Tâmbara, inclusive citado pelo magistrado prolator da sentença recorrida, recentemente houve alteração do posicionamento deste Egrégio Conselho, na Apelação Cível n. 0018645-08.2012.8.26.0114 (D.J.E. 14.11/2013), que entendeu que a indisponibilidade prevista no artigo 53, § 1º, da Lei n. 8.212/91 não obstaculiza o registro do pacto locatício.
Nesse sentido, constou do referido precedente:
De todo modo, sequer têm força para embaraçar os registros do contrato de locação nas matrículas n.°s 17.368 e 17.369, não obstruídos pela indisponibilidade legal: ora, com a publicidade resultante da inscrição se objetiva unicamente expandira eficácia subjetiva de cláusulas do contrato de locação[22], que, por si, todavia, escudadas no princípio da função social do contrato, já vinculam terceiros que de seu teor tenham ou devam ter conhecimento. [23]
Se a indisponibilidade não impede a celebração da locação, e tampouco repercute sobre a validade da cláusula de vigência e do pacto de preempção, não faz sentido estorvar fenômeno de reforço eficácial, conseqüência do registro, e direcionado a resguardar, com mais rigor, a função social do contrato, "nesse seu conteúdo ultra partes", cunhado por Cláudio Luiz Bueno de Godoy ao enfocar a face externa de tal princípio, mitigando o da relatividade de seus efeitos e robustecendo o da força obrigatória.[24]
O resultado associado à publicidade registral, com atribuição de eficácia real a obrigações comuns, de poderes diretos sobre os imóveis locados e, particularmente, de direitos reais de gozo e aquisição ao locatário, não é de ser indistintamente vedado em função da indisponibilidade legal, especialmente porque não implica voluntário deslocamento patrimonial subjetivo.
Com mais razão se considerado que não impede, em outra execução, nova penhora sobre o bem indisponível, de acordo com a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, iterativamente, tem afirmado: a indisponibilidade versada no § 1.° do artigo 53 da Lei n.° 8.212/1991 apenas impossibilita a alienação do bem penhorado pelo devedor-executado.[25]
Os recentes precedentes deste Conselho Superior da Magistratura que, na esteira do entendimento do STJ, acentuaram que a indisponibilidade focalizada não frustra a arrematação judicial nem o registro da carta que lhe corresponda também conduzem à inscrição objetada.[26]
Sob a influência da visão de contrato como fato social, instituto jurídico funcionalizado, e a inspiração de novos paradigmas jurisprudenciais, impõe, portanto, rever a orientação deste Conselho expressa no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n.° 100.237-0/0, rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 04.09.2003, quando admitida a incompatibilidade entre a indisponibilidade do artigo 53, § 1.°, da Lei n.° 8.212/1991, e o registro de contrato de locação com cláusula de vigência.
No tocante à concessão de eficácia real ao direito de preferência, é oportuno, ainda, em desabono da desqualificação registral, sublinhar, pautado pelo artigo 32 da Lei n.° 8.245/1991, que a preempção não alcança os casos de venda por decisão.[27]
Portanto, o caso é de afastamento do óbice apresentado para o registro do contrato de locação para consignar a cláusula de vigência e o exercício do direito de preferência, o que não significa desconsiderar a indisponibilidade prevista no artigo 53, § 1º, da Lei n. 8.212/91.
Posto isso, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida apresentada pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Fonte: TJ/SP | 25/03/2014.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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