REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Negativa de registro de loteamento – Artigo 18, § 2º, da Lei 6766/79 – Ações judiciais não elencadas nas hipóteses impeditivas – Comprovação de patrimônio suficiente para a garantia do pagamento de dívidas da loteadora e seus sócios – Improvável ocorrência de dano a futuros adquirentes – Recurso provido.

Apelação Cível n° 0002977-41.2012.8.26.0358

Apelante: Residencial Matheus Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mirassol.

VOTO N° 21.318

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Negativa de registro de loteamento – Artigo 18, § 2º, da Lei 6766/79 – Ações judiciais não elencadas nas hipóteses impeditivas – Comprovação de patrimônio suficiente para a garantia do pagamento de dívidas da loteadora e seus sócios – Improvável ocorrência de dano a futuros adquirentes – Recurso provido.

O Oficial do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirassol obstou o registro de loteamento urbano, incidente sobre o imóvel objeto da matrícula n° 31.978, entendimento que foi prestigiado pelo MM Juiz Corregedor Permanente no julgamento da dúvida suscitada (fls. 1374/1376).

Inconformada, apelou a interessada Residencial Matheus Empreendimentos Imobiliários Ltda. (fls. 1402/1412), sustentando a existência de patrimônio suficiente dos loteadores para a garantia dos adquirentes dos lotes.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso, arguindo, em preliminar, a competência da E. Corregedoria Geral da Justiça para o seu julgamento (fls. 1560/1562).

É o relatório.

Afasto a preliminar de incompetência argüida pelo Ministério Público.

A controvérsia versa sobre registro de loteamento, com o que há de prevalecer, para o julgamento do reclamo, a competência do Conselho Superior da Magistratura, nos termos do art. 16, V, e 181, II, b, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O fato de não importar o ato transmissão de domínio ou constituição de direito real não constitui exceção à regra estabelecida, que prestigia a natureza formal do registro, sem excepcionar suas conseqüências.[1]

No mérito, entendo que assiste razão à apelante.

Como ressaltado nas razões do recurso apresentado, a r. sentença apelada fundamentou a recusa ao ingresso pleiteado apenas em razão da possibilidade de risco aos adquirentes dos lotes, considerando que pendem sobre os sócios da pessoa jurídica titular de domínio do bem, Sr. José Pascoal Constantini, esposa e filhos, dívidas fiscais, cíveis e trabalhistas, que alcançam 16,5 milhões de reais. Os sócios, por imposição legal, respondem solidariamente pela obrigação.

O Registrador embasa sua recusa no disposto no artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 6.766/79, que estabelece que as ações referentes a crimes contra o patrimônio e a Administração Pública impedem o registro de loteamento[2] e pondera que deve ser comprovada a existência de patrimônio suficiente para o pagamento de possíveis condenações.

As ações penais apontadas pelo Registrador não se enquadram nas modalidades expressamente previstas na lei, não versando sobre delitos contra o Patrimônio ou à Administração da Justiça.

Como bem reconhecido pelo MM Juiz Corregedor Permanente: "As ações penais em si, e aqui diferentemente do entendimento do Oficial Registrador, não configuram óbice ao registro, pois nenhuma delas se refere, rigorosamente falando, a crimes contra o patrimônio e contra a Administração Pública, que são apenas aqueles como tais definidos nos respectivos capítulos do Código Penal." (fls. 1375).

A existência de ações de execuções fiscais de valores elevados realmente obriga à cautela na realização do registro, tendo em vista o disposto no artigo 185 do Código Tributário Nacional.

Entretanto, na hipótese em tela, os bens dos demandados foram avaliados em valor superior a 320 milhões de reais, o que confere lastro bastante razoável para afastar eventual risco de dano a terceiros.

A farta documentação trazida pela apelante comprova a higidez e extensão do patrimônio dos sócios da loteadora, o que não justifica a recusa ao registro.

O loteamento "Parque Residencial Prof. Matheus" conta com a aprovação dos órgãos municipais competentes, conforme certificado nos autos (fls. 1045).

Como bem ponderado pelo D. Procurador de Justiça, citando Walter Ceneviva, a suscitação de dúvida deve ser "razoável, no sentido de que é função do serventuário buscar soluções que tendam a viabilizar – e não impedir o registro." (fls. 1561).

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, dou provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Art. 16. Compete ao Conselho Superior da Magistratura:

V – julgar os processos de dúvidas de serventuários dos Registros Públicos;

Art. 181. Salvo disposição legal ou regulamentar, os feitos serão distribuídos nas seguintes classes:

II – no Conselho Superior da Magistratura:

b) dúvidas de registro de serventuários dos Registros Públicos;

[2] Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

§ 2° – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente. (D.J.E. de 31.10.2013 – SP).

Fonte: D.J.E I 01/11/2013.

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Todo cuidado é pouco!

* Ivone Zeger

Antes de morrer, Fernando fez um testamento indicando seu irmão Cláudio como único herdeiro. Cláudio é irmão por parte de pai e de mãe, ou seja, irmão bilateral. Mas quando o inventário foi aberto, conforme o processo sucessório estava em curso, Cláudio não foi considerado o único herdeiro. O que houve?

Três irmãs por parte de mãe entraram na partilha. Meias irmãs, ou ainda irmãs unilaterais, elas questionaram na Justiça a validade do testamento e foram beneficiadas por decisão do STJ, que aplicou a regra do artigo 1.841 do Código Civil. O artigo diz que: "Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar". 

No caso citado, a herança foi dividida em cinco partes, sendo dois quintos para Cláudio e um quinto para cada irmã unilateral, totalizando para elas 60% (ou três quintos) do patrimônio deixado por Fernando, o irmão unilateral falecido. O patrimônio é um imóvel que está alugado. Assim, o valor do aluguel é dividido da forma mencionada acima, ao menos enquanto durar a polêmica em torno do testamento. Provavelmente, o inventário da mãe ainda estava em curso e Fernando, desconhecendo como se elabora um testamento, incluiu a totalidade do patrimônio da mãe como se fosse só dele e a destinou a Cláudio. 
 
É impressionante a quantidade de situações que envolvem as questões de sucessão e herança e, muitas vezes, notícias e decisões judiciais como essa, sem as devidas explicações, só aumentam a confusão na cabeça das pessoas.  
 
Ao elaborar um testamento é necessário observar regras muito precisas e sacramentadas em nosso Código Civil. A mais importante delas é a obrigatoriedade de se reservar 50% do patrimônio, quando da existência dos herdeiros necessários, que na ordem da vocação hereditária são os descendentes, ascendentes e cônjuge. Ou seja, a   de se fazer um testamento legando bens de forma aleatória, ou a quem se quiser legar, nem sempre é possível, mas é viável quando não existirem os herdeiros necessários.
 
Vamos supor que não haja testamento. Quando uma pessoa falece e não elabora um testamento, o seu patrimônio deverá ser dividido entre os descendentes (filhos, netos ou bisnetos) em concorrência com o cônjuge. Na falta destes, herdarão os bens os ascendentes (pais, avós ou bisavós) e o cônjuge; se não houver descendentes e ascendentes,  herdará os bens o cônjuge sobrevivente. 
 
Se não existirem herdeiros necessários, e só assim, é que poderão herdar os chamados herdeiros colaterais, os irmãos; na falta destes, tios e sobrinhos e, na falta destes, os popularmente chamados primos- irmãos. Mas se antes de falecer a pessoa quiser elaborar seu testamento, ela só poderá destinar 50% de seus bens a quem ela quiser. Os outros 50% comporão a parte destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários citados acima. 
 
Tenho dito reiteradas vezes: irmãos não são herdeiros necessários. Só aparecem na linha de vocação hereditária se o falecido não tiver descen dentes, ascendentes e cônjuge.
 
Claro que nada impede que um irmão deixe bens a outro em testamento: se ele não tiver os chamadosherdeiros necessários, poderá doar a totalidade dos seus bens ao irmão ou a quem ele quiser. 
 
O fato é que a elaboração de um testamento deve se cercar de todo cuidado: é trabalho para especialistas tarimbados. Ou o testamento pode não ter eficácia e o falecido não terá seu desejo atendido, frustrando alguns herdeiros e alegrando outros. 
 
Há detalhes importantíssimos. Por exemplo, um testamento particular deve ter a assinatura de pelo menos três testemunhas, sendo que duas delas devem estar vivas e serem encontradas quando da abertura do testamento. Isso é necessário para evitar a contestação do documento. Por isso, o testamento particular, embora seja legal, nem sempre é indicado, pois poderá dar margem a futuros problemas. 
 
Outro dado importante: vamos supor que Fernando recebeu os bens da mãe, mas o pai ainda estava vivo ou, quem sabe, hospitalizado, quando decidiu "adiantar o expediente" e elaborar o testamento. 
 
Nesse caso, Fernando jamais poderia ter deixado todos os bens herdados da mãe para seu irmão Cláudio. Afinal, seu pai, mesmo que pudesse morrer antes dele, ainda estava vivo e era seu ascendente. Tendo  ascendente, Fernando tinha um herdeiro necessário, detentor de ao menos metade dos bens dele. Assim, se a data do testamento antecede à data da m orte de umherdeiro necessário, e se nesse testamento não for destinada a parte que é obrigatoriamente dele, o documento perde a validade. 
 
Tanto é assim que, quando se vai ao cartório para elaborar um testamento público, a primeira providência do tabelião é pedir a prova da existência e documentação dos herdeiro necessário. Se  falecidos, terá de se provar por meio do atestado de óbito. A lei não aceita que se transacionem expectativas de herança. 
 
Mais uma questão bastante pertinente quando o assunto é testamento: na atual legislação, o direito sucessório do companheiro ou companheira não está totalmente contemplado. Muito se fala do regime de bens na união estável, que se equipara ao regime da comunhão parcial de bens; e até se menciona a possibilidade de, por meio de pacto de convivência ou escritura pública, determinar outro regime de bens para a união estável.

Mas o que ocorre, na verdade, é que as regras estabelecidas são contempladas apenas em parte nos processos de sucessão e herança e os companheiros não têm, como os cônjuges, o status de herdeiro necessário. Portanto, se a pessoa quiser oferecer alguma segurança ao companheiro ou companheira, deve legar bens por meio do testamento. Até 50% do patrimônio pode ser destinado a esse fim. 

O testamento é a maneira mais acertada de se apaziguar disputas familiares e evitar mais problemas e pode ser feito por qualquer pessoa a partir dos 18 anos. Mas se alguém desejar elaborar seu testamento deve fazê-lo com todo o cuidado. E será preciso monitorar, digamos assim, os acontecimentos e o vaivém da vida dos herdeiros. Já por isso, a lei permite que os testamentos, mesmo públicos, sejam alterados. Assim, quem quiser fazer seu testamento, que o faça. Mas do jeito correto!

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* Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas”.

Fonte: Diário do Comércio I 29/10/2013.

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Tenho união estável, mas não filhos; quem herda meus bens?

Dúvida: Moro com uma companheira há dois anos, mas não somos casados no civil. Temos apenas uma declaração de união estável lavrada em cartório. Não temos filhos juntos, apenas ela tem um filho de uma relação anterior. Antes de passarmos a morar juntos eu havia comprado um apartamento e um carro. Caso eu me separe, haverá algum tipo de partilha dos meus bens com ela, ou de indenização? E se eu falecer, quem herda o meu patrimônio? Ela ou meus pais, uma vez que eu não tenho meus próprios filhos? Como faço para garantir que meus pais sejam meus herdeiros, é possível?

Resposta de Rodrigo da Cunha Pereira*:

Na união estável em que não houver contrato que estabeleça regime diverso, aplicam-se as regras da comunhão parcial de bens. Ou seja, os únicos bens que são partilháveis em caso de dissolução do vínculo são aqueles adquiridos onerosamente na constância da união e os frutos de quaisquer outros bens, originados durante a convivência, como, por exemplo, eventuais aluguéis desse apartamento que você tinha antes do seu relacionamento. Assim, o apartamento e o carro são somente seus e, com o fim da convivência, ela não terá direito a qualquer indenização ou fração desses bens.

De acordo com o art. 1.790 do Código Civil, caso você faleça antes de sua companheira e o único patrimônio seja o apartamento e o carro, ela não terá qualquer direito hereditário, pois o companheiro sobrevivente só participa da partilha dos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável. Assim, esse patrimônio ficará com os seus pais.

Por fim, caso à época da sua morte seus pais ou irmãos estejam vivos, sua companheira receberá, a título de meação, 50% dos bens adquiridos onerosamente na constância da União Estável e dos frutos desses seus bens particulares (carro e apartamento) percebidos durante o relacionamento. Ainda nesse caso, ela receberá adicionalmente um terço da outra metade desses bens. Caso você queira excluí-la do recebimento deste um terço, é possível fazê-lo por meio de testamento, uma vez que ela não é herdeira necessária.

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* Rodrigo da Cunha Pereira é advogado, mestre e doutor em direito civil e presidente do Instituto Brasileiro do Direito da Família (IBDFAM).

Fonte: Site Exame I 29/10/2013.

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