* Ivone Zeger
Antes de morrer, Fernando fez um testamento indicando seu irmão Cláudio como único herdeiro. Cláudio é irmão por parte de pai e de mãe, ou seja, irmão bilateral. Mas quando o inventário foi aberto, conforme o processo sucessório estava em curso, Cláudio não foi considerado o único herdeiro. O que houve?
Três irmãs por parte de mãe entraram na partilha. Meias irmãs, ou ainda irmãs unilaterais, elas questionaram na Justiça a validade do testamento e foram beneficiadas por decisão do STJ, que aplicou a regra do artigo 1.841 do Código Civil. O artigo diz que: "Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar".
No caso citado, a herança foi dividida em cinco partes, sendo dois quintos para Cláudio e um quinto para cada irmã unilateral, totalizando para elas 60% (ou três quintos) do patrimônio deixado por Fernando, o irmão unilateral falecido. O patrimônio é um imóvel que está alugado. Assim, o valor do aluguel é dividido da forma mencionada acima, ao menos enquanto durar a polêmica em torno do testamento. Provavelmente, o inventário da mãe ainda estava em curso e Fernando, desconhecendo como se elabora um testamento, incluiu a totalidade do patrimônio da mãe como se fosse só dele e a destinou a Cláudio.
É impressionante a quantidade de situações que envolvem as questões de sucessão e herança e, muitas vezes, notícias e decisões judiciais como essa, sem as devidas explicações, só aumentam a confusão na cabeça das pessoas.
Ao elaborar um testamento é necessário observar regras muito precisas e sacramentadas em nosso Código Civil. A mais importante delas é a obrigatoriedade de se reservar 50% do patrimônio, quando da existência dos herdeiros necessários, que na ordem da vocação hereditária são os descendentes, ascendentes e cônjuge. Ou seja, a de se fazer um testamento legando bens de forma aleatória, ou a quem se quiser legar, nem sempre é possível, mas é viável quando não existirem os herdeiros necessários.
Vamos supor que não haja testamento. Quando uma pessoa falece e não elabora um testamento, o seu patrimônio deverá ser dividido entre os descendentes (filhos, netos ou bisnetos) em concorrência com o cônjuge. Na falta destes, herdarão os bens os ascendentes (pais, avós ou bisavós) e o cônjuge; se não houver descendentes e ascendentes, herdará os bens o cônjuge sobrevivente.
Se não existirem herdeiros necessários, e só assim, é que poderão herdar os chamados herdeiros colaterais, os irmãos; na falta destes, tios e sobrinhos e, na falta destes, os popularmente chamados primos- irmãos. Mas se antes de falecer a pessoa quiser elaborar seu testamento, ela só poderá destinar 50% de seus bens a quem ela quiser. Os outros 50% comporão a parte destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários citados acima.
Tenho dito reiteradas vezes: irmãos não são herdeiros necessários. Só aparecem na linha de vocação hereditária se o falecido não tiver descen dentes, ascendentes e cônjuge.
Claro que nada impede que um irmão deixe bens a outro em testamento: se ele não tiver os chamadosherdeiros necessários, poderá doar a totalidade dos seus bens ao irmão ou a quem ele quiser.
O fato é que a elaboração de um testamento deve se cercar de todo cuidado: é trabalho para especialistas tarimbados. Ou o testamento pode não ter eficácia e o falecido não terá seu desejo atendido, frustrando alguns herdeiros e alegrando outros.
Há detalhes importantíssimos. Por exemplo, um testamento particular deve ter a assinatura de pelo menos três testemunhas, sendo que duas delas devem estar vivas e serem encontradas quando da abertura do testamento. Isso é necessário para evitar a contestação do documento. Por isso, o testamento particular, embora seja legal, nem sempre é indicado, pois poderá dar margem a futuros problemas.
Outro dado importante: vamos supor que Fernando recebeu os bens da mãe, mas o pai ainda estava vivo ou, quem sabe, hospitalizado, quando decidiu "adiantar o expediente" e elaborar o testamento.
Nesse caso, Fernando jamais poderia ter deixado todos os bens herdados da mãe para seu irmão Cláudio. Afinal, seu pai, mesmo que pudesse morrer antes dele, ainda estava vivo e era seu ascendente. Tendo ascendente, Fernando tinha um herdeiro necessário, detentor de ao menos metade dos bens dele. Assim, se a data do testamento antecede à data da m orte de umherdeiro necessário, e se nesse testamento não for destinada a parte que é obrigatoriamente dele, o documento perde a validade.
Tanto é assim que, quando se vai ao cartório para elaborar um testamento público, a primeira providência do tabelião é pedir a prova da existência e documentação dos herdeiro necessário. Se falecidos, terá de se provar por meio do atestado de óbito. A lei não aceita que se transacionem expectativas de herança.
Mais uma questão bastante pertinente quando o assunto é testamento: na atual legislação, o direito sucessório do companheiro ou companheira não está totalmente contemplado. Muito se fala do regime de bens na união estável, que se equipara ao regime da comunhão parcial de bens; e até se menciona a possibilidade de, por meio de pacto de convivência ou escritura pública, determinar outro regime de bens para a união estável.
Mas o que ocorre, na verdade, é que as regras estabelecidas são contempladas apenas em parte nos processos de sucessão e herança e os companheiros não têm, como os cônjuges, o status de herdeiro necessário. Portanto, se a pessoa quiser oferecer alguma segurança ao companheiro ou companheira, deve legar bens por meio do testamento. Até 50% do patrimônio pode ser destinado a esse fim.
O testamento é a maneira mais acertada de se apaziguar disputas familiares e evitar mais problemas e pode ser feito por qualquer pessoa a partir dos 18 anos. Mas se alguém desejar elaborar seu testamento deve fazê-lo com todo o cuidado. E será preciso monitorar, digamos assim, os acontecimentos e o vaivém da vida dos herdeiros. Já por isso, a lei permite que os testamentos, mesmo públicos, sejam alterados. Assim, quem quiser fazer seu testamento, que o faça. Mas do jeito correto!
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* Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas”.
Fonte: Diário do Comércio I 29/10/2013.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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