Artigo: O bem de família como instrumento de proteção ao direito social de moradia – Por Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali


  
 

* Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali

Historicamente, o instituto do bem de família originou-se no Estado do Texas, por volta dos meados do século XIX, com o advento da lei conhecida como “Homestead” (HomesteadExemptionAct).
Esta lei surgiu em um momento no qual a voracidade dos credores em receber seus créditos sobrepunha-se à preservação das mínimas condições de sobrevivência das famílias dos devedores, motivo pelo qual fez-se necessário tutelar a residência das famílias.
A essência do instituto do bem de família, o qual se subdivide em voluntário/convencional ou legal/involuntário, é garantir o mínimo necessário à dignidade da pessoa humana e, consequentemente, a sobrevivência da entidade familiar.
Não se trata de defender a pessoa do devedor, mas de proporcionar à entidade familiar o exercício do seu direito social à moradia, consagrado pelo artigo 6º da Constituição Federal. Busca-se assegurar o desenvolvimento pleno de todos os integrantes da família unidos pelo afeto e identidade de propósitos.
Desta feita, verifica-se que é do interesse do Estado tutelar a moradia, o que significa dizer que o bem de família pode ser considerado norma de ordem pública.
Hodiernamente, em que muito se fala na concepção eudemonista da família, a qual concebe a entidade familiar como aquela em que cada indivíduo deve viver em plena felicidade e que tal felicidade não se atrela apenas à plenitude material, mas também à plenitude de afeto e realização, faz-se imprescindível o instituto do bem de família.
Isso porque preservar a moradia é também preservar a família e seu convívio.
A residência, além de sua importância material, é a sede da entidade familiar e o lugar no qual os integrantes da família passam boa parte de suas vidas.
Certamente, é o local em que as pessoas buscam descanso, abrigo, conforto, paz, comprometimento mútuo e lazer. As residências integram a história de uma família.
Assim como um homem sem história é incompleto, uma família sem moradia também é. Sem moradia não há desenvolvimento humano e cria-se campo ao aumento das mazelas sociais.
Daí porque o bem de família é um instituto de grande importância e, contrariamente ao que alguns alegam, não se trata de um instituto em desuso ou meio de burlar credores e prejudicar a economia.
Obviamente, como em muitas vicissitudes das relações humanas, há situações em que o bem de família é utilizado de maneira distorcida, porém, acredita-se que este mau uso é exceção e não regra.
Além disso, vale buscar uma definição do que seja família.
Família, pode-se dizer, é toda entidade na qual se desenvolvem plenamente as relações de afeto entre seus integrantes, razão pela qual o seu conceito não pode sofrer restrição ou ser colocado em um rol taxativo. No mínimo, isso seria desumanizar a noção de família.
Uma entidade familiar pode ser formada por qualquer pessoa e atinge diversas relações humanas, como: casamento, união estável, pessoas viúvas, divorciadas, separadas, solteiras, avós, netos, irmãos, sobrinhos, casais heteroafetivos, casais homoafetivos, entidades monoparentais, dentre tantas outras possibilidades. Família é sinônimo de amor e solidariedade.
A Súmula 364 do STJ e decisões dos Tribunais alinham-se à nova visão da família ao determinar que: “…O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas…”.
Nesse sentido, realizadas tais ponderações, compete frisar que o instituto do bem de família, para alguns, especialmente em relação ao voluntário, possui natureza jurídica de transmissão, enquanto que para outros detém natureza de afetação.
O bem de família classifica-se em duas categorias: voluntário ou convencional (artigos1.711 a 1.722 do Código Civil) e legal ou involuntário (Lei nº 8.009/90).
Assim sendo, incumbe traçar algumas diferenças entre o bem de família voluntário/convencional e o legal/involuntário, sem pretender esgotar o tema.
O artigo 1º da Lei nº 8.009/90, ao tratar do bem de família legal, diz “…O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei…”.
E o parágrafo único do aludido artigo complementa: “…A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados…”.
Assim, o bem de família legal, que garante a impenhorabilidade do imóvel, não depende da manifestação de vontade do seu instituidor e se perfectibiliza pelo simples fato da entidade familiar estabelecer no imóvel, urbano ou rural, a sua moradia permanente.
O seu reconhecimento se dá por via judicial, quando necessário, sem a necessidade de formalizar qualquer instrumento para instituí-lo. Não cabe registro do bem de família legal, nem o seu reconhecimento na esfera extrajudicial.
Tal modalidade, porém, não implica a inalienabilidade do imóvel, nem depende de declaração acerca doquantum do patrimônio líquido que ele perfaz.
A impenhorabilidade do imóvel é garantida, independentemente da época em que foram contraídas as dívidas, respeitadas as exceções legais.
Do mesmo modo, é impenhorável, nos termos da Lei nº 8.009/90, o direito real de aquisição do devedor fiduciante. (Enunciado da Jornada do CJF).
Outro ponto de destaque, é o fato de ser impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. (Súmula 486 do STJ).
Todavia, nas hipóteses em que há mais de um imóvel na titularidade do devedor, a lei e jurisprudência tem se firmado no sentido de que o bem de família deverá ser aquele de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis (artigo 5º, parágrafo único da Lei nº 8.009/90).
Outrossim, excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Ainda, em alguns casos, e havendo possibilidade legal para tanto, tem-se determinado judicialmente o desdobro/desmembramento de imóveis divisíveis e de grande extensão.
Esta medida permite preservar a residência, mas também viabilizar a constrição judicial da área destacada para saldar as dívidas. Tudo dependerá da análise judicial em cada caso concreto.
Ademais, não se beneficia do bem de família legal aquele que, sendo devedor, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência da família.
Além disso, cabe destacar que as exceções à impenhorabilidade do bem de família legal encontram-se elencadas no artigo 3º da Lei nº 8.009/90, a saber:
“…A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – revogado; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 
Apenas a título de informação, incumbe salientar que no ano de 2015 dois incisos (I e III) do artigo 3º da referida lei sofreram alterações.
O inciso I, que se referia à hipótese dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias, foi revogado pela Lei Complementar nº 150/15 (lei do trabalhador doméstico).
A citada alteração originou críticas, entretanto, há também quem a defenda, tendo em vista que a lei complementar expandiu alguns direitos dos domésticos e os colocou em situação similar a dos demais trabalhadores. Os interesses e direitos envolvidos foram ponderados.
Já o inciso III da Lei nº 8.009/90 foi alterado pela Lei nº 13.144/15.
Na prática, não houve mudança substancial da matéria, pois o Judiciário já considerava os elementos da alteração em muitas decisões.
Todavia, a mudança foi positiva, uma vez que formalizou a proteção da meação do cônjuge/convivente co-proprietário (não responsáveis/devedores) nas penhoras dos imóveis (bem de família) por motivos de pensão alimentícia.
A alteração aparenta ser desnecessária, contudo não é, haja vista que também há aqueles que ainda defendem a incidência da penhora sobre a integralidade do imóvel, por razões diversas, apesar de desarrazoadas.
Por fim, cabe destacar que a extinção do bem de família legal não depende de qualquer solenidade ou autorização, bastando que a entidade familiar não tenha mais aquele imóvel como sua residência.
No tocante ao bem de família voluntário ou convencional, o artigo 1.711 do Código Civil, ao regular o instituto, estabelece que: “…Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial…”.
O parágrafo único do referido artigo remata: “…o terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada…”.
Ainda, o artigo 1.712 elucida que o bem de família “…consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família…”.
O bem de família voluntário/convencional garante a impenhorabilidade limitada e inalienabilidade relativa do imóvel nas execuções por dívidas posteriores à sua instituição.
Ele depende da manifestação formal de vontade do seu instituidor.
Além disso, a instituição pode ser realizada pelo proprietário do imóvel ou por um terceiro, por testamento ou doação. O imóvel sobre o qual recair o bem de família convencional poderá ser urbano ou rural.
A manifestação de vontade se formaliza por meio de escritura pública ou testamento, que deverá ser levado a registro na serventia imobiliária competente, a fim de que se constitua o bem de família, o qual ganhará publicidade e eficácia erga omnes.
Também é possível instituir o bem de família voluntário sobre os valores mobiliários para manutenção do imóvel e sustento da família, não podendo, neste caso, ultrapassar o valor do próprio imóvel. Os valores mobiliários deverão ser especificados no instrumento de instituição.
Nesse contexto, compete frisar ainda que o valor do imóvel a ser constituído como bem de família voluntário não poderá ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido do instituidor e tal condição deve constar expressamente no título de instituição.
O cálculo para apuração do 1/3 do patrimônio líquido é simples: soma-se todo o patrimônio, subtraem-se todos os débitos existentes e do resultado computa-se o valor correspondente a 1/3.
Por outro lado, salienta-se que o bem de família voluntário é ineficaz em relação a débitos anteriores à sua instituição, assim como dívidas tributárias ou despesas condominiais.
O título de instituição deve mencionar se existem ou não dívidas pretéritas e declarar que o imóvel ficará isento de dívidas futuras, respeitadas as exceções legais e reconhecimento judicial de fraudes.
E aqui irrompe-se a questão acerca da existência de débitos e ônus anteriores à instituição do bem de família convencional, o qual se torna ineficaz. Resta questionar se mesmo assim poderia ser formalizado o instrumento do bem de família voluntário e se a aludida situação não caracterizaria um vício do negócio jurídico.
Observa-se que há entendimento no sentido de que não há óbices ao bem de família, assim como há posicionamento contrário, inclusive, porque sempre deverá ser ponderada a natureza dos ônus que recaem sobre o imóvel.
Derradeiramente, compete destacar que o bem de família voluntário se extingue pela morte de ambos os cônjuges (importante adequar aqui as várias acepções de família) e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela, consoante artigo 1.722 do Código Civil.
O Código Civil contempla outras possibilidades de extinção, as quais também dependem de apreciação judicial, como na hipótese do artigo 1.719, que diz: “…Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público…”.

Abaixo, seguem alguns julgados sobre o tema “bem de família”:

BEM DE FAMÍLIA – IMÓVEL LOCADO – IMPENHORABILIDADE – INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA LEI Nº 8.009/90. O fato de o único imóvel residencial vir a ser alugado não o desnatura como bem de família, quando comprovado que a renda auferida destina-se à subsistência da família. Recurso especial provido. (REsp 439920/SP, Rel. Ministro  CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2003, DJ 09/12/2003 p. 280).

PROCESSO CIVIL – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – LEI N. 8.009/90 – REEXAME DE PROVA – SÚMULA 7/STJ – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Esta Corte Superior assentou entendimento de que é possível a afetação da impenhorabilidade do imóvel em razão da Lei n. 8.009/90, ainda que o imóvel esteja locado a terceiros.
2. Todavia, in casu, o Tribunal de origem destacou que o agravante ‘não demonstra que utilize efetivamente a renda de seu imóvel, locado para fins comerciais, para pagamento de seu aluguel residencial. Incumbia-lhe, além do ônus da alegação do fato na petição inicial, o ônus da prova de sua veracidade’.
3. Documento comprobatório da situação jurídica do imóvel (contrato de locação) juntado aos autos apenas por ocasião da interposição do recurso especial, operando-se a preclusão temporal.
4. Aferir a destinação dada ao imóvel demanda a reanálise do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a este Tribunal em vista do óbice da Súmula 7/STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 975858/SP, Rel. Ministro  HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJ 07/12/2007 p. 356)
BEM DE FAMÍLIA. Terreno. Possibilidade de parcelamento. Prova. Não ofende a lei a decisão que determina a colheita de prova sobre a possibilidade de ser desmembrado um terreno urbano com 1,4 ha., onde está construído o prédio destinado à residência da família. Recurso não conhecido. (REsp 207693/SC, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/1999, DJ 28/06/1999 p. 123).

PROCESSO CIVIL – IMPENHORABILIDADE – BEM DE FAMÍLIA – INVIABILIDADE DE FRACIONAMENTO DO IMÓVEL –  REEXAME DE PROVA – SÚMULA 7/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – INEXISTÊNCIA – CONTEXTO FÁTICO DIVERSO 1. A impenhorabilidade do bem de família, trazida pela Lei 8.009/90, se estende ao imóvel em que se encontra a residência familiar, nos termos do art. 1º, parágrafo único da lei. O fracionamento do imóvel para efeito de penhora, que a princípio se admite, se afigura inviável no presente caso, conforme atestaram as instâncias ordinárias. 2. Não se admite o recurso especial amparado em pressuposto fático diverso do revelado pelos juízos ordinários, cuja constatação dependa do reexame do conjunto fático-probatório, a teor do que dispõe o enunciado n. 7 da Súmula do STJ. 3. Dissídio jurisprudencial não verificado. 4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 510643/DF, Rel. Ministro  JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 30/05/2005 p. 383)

Execução. Bem de família. Preclusão. Penhora de parte comercial do imóvel. Precedentes da Corte. 1. A Corte já assentou que indeferida a impenhorabilidade em decisão não atacada por recurso, sobre esta desce o manto da preclusão. 2. É possível a penhora da parte comercial do imóvel, guardadas as peculiaridades do caso, mesmo sem que haja matrículas diferentes. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 515122/RS, Rel. Ministro  CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2003, DJ 29/03/2004 p. 233)
PROCESSUAL CIVIL. LEI 8.009/90. BEM DE FAMÍLIA. HERMENÊUTICA. FREEZER, MÁQUINA DE LAVAR E SECAR ROUPAS E MICROONDAS. IMPENHORABILIDADE. TECLADO MUSICAL. ESCOPOS POLÍTICO E SOCIAL DO PROCESSO. HERMENÊUTICA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I – Não obstante noticiem os autos não ser ele utilizado como atividade profissional, mas apenas como instrumento de aprendizagem de uma das filhas do executado, parece-me mais razoável que, em uma sociedade marcadamente violenta como a atual, seja valorizada a conduta dos que se dedicam aos instrumentos musicais, sobretudo quando sem o objetivo do lucro, por tudo que a música representa, notadamente em um lar e na formação dos filhos, a dispensar maiores considerações. Ademais, não seria um mero teclado musical que iria contribuir para o equilíbrio das finanças de um banco. O processo, como cediço, não tem escopo apenas jurídico, mas também político (no seu sentido mais alto) e social.
II – A Lei 8.009/90, ao dispor que são impenhoráveis os equipamentos que guarnecem a residência, inclusive móveis, não abarca tão-somente os indispensáveis à moradia, mas também aqueles que usualmente a integram e que não se qualificam como objetos de luxo ou adorno.
III – Ao juiz, em sua função de intérprete e aplicador da lei, em atenção aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, como admiravelmente adverte o art. 5º, LICC, incumbe dar exegese construtiva e valorativa, que se afeiçoe aos seus fins teleológicos, sabido que ela deve refletir não só os valores que a inspiraram mas também as transformações culturais e sócio-políticas da sociedade a que se destina.
(REsp 218882/SP, Rel. Ministro  SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/1999, DJ 25/10/1999 p. 92)

O STJ já consolidou que vaga de garagem com matrícula e registro próprios é penhorável (AgRg no Ag 1.058.070) não se estendendo a ela, proteção do instituto do bem de família legal.

AGRAVO REGIMENTAL. BEM DE FAMÍLIA. VAGA AUTÔNOMA DE GARAGEM.
PENHORABILIDADE.
1. Está consolidado nesta Corte o entendimento de que a vaga de garagem, desde que com matrícula e registro próprios, pode ser objeto de constrição, não se lhe aplicando a impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1058070/RS, Rel. Ministro  FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 02/02/2009)
PROCESSUAL CIVIL. BEM IMPENHORÁVEL. ARTIGO 3º, INCISO I DA LEI 8.009/90. MÃO DE OBRA EMPREGADA NA CONSTRUÇÃO DE OBRA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. (…) 3.  Consectariamente, não se confundem os serviçais da residência, com empregados eventuais que trabalham na construção ou reforma do imóvel, sem vínculo empregatício, como o exercido pelo diarista, pedreiro, eletricista, pintor, vale dizer, trabalhadores em geral. (…) (REsp 644733/SC, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 28/11/2005 p. 197)

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

Não se pode opor ao agente que financiou a construção ou a aquisição do bem de família, a proteção da impenhorabilidade; não haveria lógica mas, muita margem para fraudes.

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

A exceção da lei restringe-se aos tributos cobrados e vinculados ao bem de família.

Observação: O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento, seguido pelo STJ, no sentido de que a cobrança de taxa de condomínio resulta também na penhora do imóvel (RE 439.003/SP).

Taxa de condomínio não é tributo, mas, por fundamentos de ordem social, se os condôminos não pagassem a taxa de condomínio, haveria grande desfalque na receita que mantém as atividades deste condomínio.

RE 439003 / SP – SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 06/02/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação
DJ 02-03-2007 EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS CONDOMINIAIS. 1. A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar — a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

Caso contrário, se pudesse alegar a impenhorabilidade, se violaria o venire contra factum proprium.

O STJ, por outro lado, como se lê no AgRg no REsp 813.546/DF, tem entendido que a simples indicação do bem à penhora não implica renúncia ao benefício da lei 8.009/90. O devedor poderá depois, em embargos, retificar a indicação a “desdizendo”; STJ tem admitido esta prática, mesmo que viole neste caso a vedação imposta pelo princípio do venire contra factum proprium.

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO À PENHORA. RENÚNCIA AO BENEFÍCIO ASSEGURADO PELA LEI. 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indicação do bem de família à penhora não implica em renúncia ao benefício conferido pela Lei 8.009/90, máxime por tratar-se de norma cogente que contém princípio de ordem pública, consoante a jurisprudência assente neste STJ. 2. Dessarte, a indicação do bem à penhora não produz efeito capaz de elidir o benefício assegurado pela Lei 8.009/90. Precedentes: REsp 684.587 – TO, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 13 de março de 2005; REsp 242.175 – PR, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, DJ de 08 de maio de 2.000; REsp 205.040 – SP, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira Turma, DJ de 15 de abril de 1.999) 3. As exceções à impenhorabilidade devem decorrer de expressa previsão legal. 4. Agravo Regimental provido para dar provimento ao Recurso Especial. (AgRg no REsp 813546/DF, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/04/2007, DJ 04/06/2007 p. 314)

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens (efeitos civis da sentença penal condenatória).

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

Este inciso VII é o inciso mais polêmico dentre todos os constantes do rol do art. 3º.

O fiador, segundo este dispositivo, em contrato locatício não possui a proteção do bem de família no Brasil. O professor PABLO STOLZE entende como um retrocesso este inciso, e mais ainda, com a posição dada pelo Supremo recentemente.

O STF, por seu plenário, já firmou ser constitucional a penhora do imóvel residencial do fiador na locação (RE 352.940-4/SP e RE-AgR 477.953/SP).

RE-AgR 477953 / SP – SÃO PAULO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 28/11/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENHORA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. LEGITIMIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 407.688, decidiu pela possibilidade de penhora do bem de família de fiador, sem violação do art. 6º da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento. 4. Jurisprudência Selecionada

A súmula 364 do STJ firmou entendimento no sentido que a proteção do bem de família alcança inclusive devedores solteiros, separados (inclusive os divorciados) e viúvos.

Súmula 364 do STJ – O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

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WENDELL JONES FIORAVANTE SALOMÃO
Escrevente do 5º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto/SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Qualificador Registral pela ARPEN/SP. Membro Diretor do IBDFAM/RP. Autor de artigos. Ministro de aulas e palestras.
Endereço profissional: Rua Mariana Junqueira, n.º 494, Centro, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.015-010.
E-mail: wendell@quintotabeliao.com.br

ISABEL NOVEMBRE SANGALI
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); aprovada nos quadros da OAB/SP, em 2004; especialista em Direito Empresarial pelo MBA/FUNDACE – FEA/USP/RP; fez extensão em Contratos Imobiliários pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais; participante do High Performance Executive/Net Profit – Coaching; associada IBDFAM; e Escrevente Autorizada do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto,SP.
Endereço profissional: Avenida Antônio Diederichsen, 400, térreo, Jardim América, CEP 14020250 – Ribeirão Preto, SP.
E-mail: isabelsangali@terra.com.br

Fonte: Notariado | 04/08/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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