Artigo: A alteração de registro civil para os transexuais – Por Layany Ramalho Lopes Silva

* Layany Ramalho Lopes Silva

Uma das formas de apreciar o Direito está relacionada à sua evolução, na sua capacidade de aderência ao fato, na sua interpretação adequada aos momentos.

Certo estava Miguel Reale com sua Teoria Tridimensional do Direito, ao considerar um conjunto de fatores para a aplicação da lei. O sistema jurídico é formado por fatores que dão sustentação ao e começam por uma realidade jurídica – a norma. No entanto, a norma é aplicada aos fatos observados na sociedade. Mas, de que adiantaria a simples aplicação da norma ao fato, se a interpretação não estivesse adequada ao momento, aos valores da sociedade? A conjugação proposta por Reale pressupõe uma constante comunicação entre os fatos e os valores buscados pela sociedade, que originam e se relacionam com o aspecto normativo, ou seja, o de ordenamento do Direito. Enfim, os três fatores – Fato, Valor e Norma – se comunicam o tempo todo, relacionando-se e se complementando, fazendo com que o Direito seja uma ciência viva e em constante evolução.

Em sendo assim, adentramos num campo para muitos considerado minado que é o direito à retificação de registro para os transexuais.  Nossa Constituição Federal determina que constitui fundamento da República Federal do a dignidade da pessoa humana. Assim a identificação sexual, direito da personalidade, é intransmissível e irrenunciável e não pode ser objeto de ameaça ou lesão conforme o artigo 11 e seguintes do Código Civil.

Ainda com todo este arcabouço jurídico que visa à proteção das pessoas, alguns grupos são excluídos do convívio social, sofrendo abusos de toda sorte e sendo vítimas de preconceito. Alguns assuntos são tratados com intolerância por parte da sociedade e dentre eles um dos mais prejudicados é o relativo à mudança de sexo. Segundo Berenice Bento: “A sociedade estabelece modelos muito rígidos, nos quais o mundo é dividido entre homens e mulheres.” Se a pessoa não se encaixa em uma dessas categorias, está sujeita à exclusão social. Os transexuais, pessoas que se sujeitaram à alteração sexual, estão sujeitos a estas intempéries. “São pessoas que passam por grande drama existencial, muitos sequer conseguem tocar na genitália e outros chegam a cometer a mutilação.”

As pessoas se chocam enormemente quando se deparam com aqueles que se submetem a cirurgia modificadora de sexo. A lei não impõe discriminação, mais alguns valores morais e éticos ultrapassados da sociedade tem o condão de segregar e constranger os indivíduos chamados de transexuais.

A saída para as pessoas, que o sexo físico não corresponde ao psíquico, seria inicialmente um tratamento psíquico para adequação aos seus atributos físicos. Todavia em grande parcela dos casos, isto não resolve e o caminho é a alteração do físico por meio da cirurgia que é complexa e cara, mas que pode ser custeada pelo Sistema Único de Saúde.

Após o calvário para conseguir a realização da cirurgia estas pessoas necessitam passar por um novo transtorno que o de conseguir a alteração do prenome e a mudança de sexo no Registro Civil.

Os transexuais após a cirurgia e alguns antes mesmo dela, têm de ingressar no Judiciário com uma ação, para após um longo processo, ter sua pretensão deferida. Ocorre que caso o julgador seja menos conservador há o deferimento mais em muitos casos é necessário ainda em grau recursal que o Tribunal de Justiça do estado do transexual reforme a decisão. Indaga-se o motivo pelo qual o Estado brasileiro opõe tantas barreiras a esse grupo da sociedade. Fala-se em dignidade da pessoa humana, de inclusão, mas o que mais se encontra são óbices no sentido de incluir estas pessoas no convívio social e digno.

O sonho de qualquer pessoa que tem o sexo psíquico distinto do físico é a de encontrar a adequação entre os dois. Isso é alcançado por meio da cirurgia transformadora, todavia após ela surge o novo problema. O único meio de se conseguir a alteração do sexo e do prenome no Registro Civil é por meio de autorização judicial.

A doutrina e a jurisprudência tem tentado dar uma interpretação mais liberal ao artigo 58 da Lei n 6015/73 que é a Lei de Registros Públicos, sob os fundamentos da dignidade da pessoa humana, de que a cirurgia não tem caráter mutilador, mas sim corretivo e que o direito ao próprio corpo é direito da personalidade, o que faculta ao transexual o direito de buscar o seu equilíbrio psicofísico.

A cirurgia de transgenitalização é uma realidade. Aprovada inclusive pelo Conselho Federal de Medicina. Mudar o sexo e o prenome no Registro Civil são consequências lógicas. Assim muitos julgados têm sido prolatados favoravelmente à mudança. Há precedente inclusive no Superior Tribunal de Justiça. O STJ homologou sentença estrangeira que concedeu alteração do sexo e do prenome no Registro Civil, proferida pelo Tribunal de Busto Arsizio, da República Italiana.

No que tange ao Poder Judiciário este vem permitindo que o Direito acompanhe a evolução da sociedade e se adeque a realidade atual, seja em decisões proferidas em primeiro grau ou em segundo grau de jurisdição.

No que se refere ao poder legislativo há projeto de Lei que visa à alteração do art. 58 da Lei de Registros. É o projeto nº 70/1995 que foi acertadamente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça com algumas ressalvas. O projeto originário previa que no Registro Civil e documento de idade deveriam constar que a pessoa era transexual. Ora permaneceriam aí todos, senão maiores, transtornos para a pessoa. Seria ela ridicularizada ao longo de toda a vida, sendo que buscou a alteração do Registro justamente para alcançar a dignidade da pessoa humana. Desta forma a Comissão de Constituição e Justiça, sabiamente e com muito bom senso alterou tal dispositivo do projeto. Junto a este projeto foram apensados os projetos nº 3727/1997, 5872/2005 e 6655/2006 que tratam dos mesmos temas.

Alguns membros do legislativo se mostram favoráveis à aprovação, outros se mostram contrários e alegam que a alteração do sexo e do prenome sem a identificação de transexual poderá acarretar prejuízos a terceiros com quem ele se relacionar. Questiona-se aqui, quais seriam estes prejuízos? No que se refere ao casamento, à omissão do transexual, quando a sua condição de operado, acarretaria a anulação, sob o fundamento de erro essencial quanto à pessoa conforme previsão do art. 1556 do Código Civil. Assim também a união estável poderia ser desfeita sob o mesmo fundamento.

No presente artigo, alertamos que o que não podem os legisladores é criar um “terceiro sexo”, rotulando as pessoas em seus documentos, de transexual.

Debate-se muito atualmente também a possibilidade de modificação de sexo e prenome no Registro Civil daqueles que não se submeteram ao procedimento cirúrgico. Alguns julgadores têm entendido por esta possibilidade.

Neste pormenor, data máxima vênia, não podemos compartilhar dessa opinião favorável. Em que pese uma pessoa se sentir psicologicamente diferente de sua condição fisiológica, é esta a condição que deve constar nos seus assentos até que seja feita a cirurgia, marco identificador maior para o processo de adequação do sexo biológico ao sexo psicossocial.

Conclui-se que é inegável a constatação de que a sexualidade humana não se restringe ao aspecto biológico, mas sim da interação entre este, o psíquico e o comportamental. Quando não se amoldam a mente ao corpo, a única saída é a mudança de sexo. Assim se alterado o sexo biológico não faz sentido que o sexo civil continue o mesmo. Por outro lado, a mudança do sexo civil, implica necessariamente a alteração do prenome.

Assim, faz-se necessário um maior empenho por parte dos legisladores no que tange à aprovação de leis que permitam e facilitem a alteração do sexo e do prenome para aqueles que se submeteram ao procedimento cirúrgico. Louvável o projeto de Lei nº 70/1995,todavia  apesar de passadas duas décadas ainda não foi aprovado.

Apesar de os transexuais, não precisarem aguardar a alteração da lei, posto que identificação sexual é direito da personalidade e já possui salvaguarda no direito pátrio e a autorização de mudança é uma tendência do Judiciário, é de suma importância que o Direito positivado brasileiro evolua no sentido de acompanhar a evolução social. A palavra de ordem nesta seara é ação, leia-se movimento, por parte dos legisladores.

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* Layany Ramalho Lopes Silva, advogada e servidora pública estadual na Secretaria Estadual de Saúde.

Fonte: Diário da Manhã – Opinião Pública | 30/07/2015.

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TJMG: Compra e venda. Regime matrimonial – comunhão parcial de bens. Autorização do cônjuge – recusa injusta – suprimento judicial.

Autorização do cônjuge é indispensável para a alienação de bem imóvel, salvo no regime de separação absoluta, podendo ser suprida judicialmente no caso de injusta recusa.

A 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) julgou a Apelação Cível nº 1.0024.14.096887-6/001, onde se decidiu que, estando as partes casadas sob o regime da comunhão parcial de bens, a autorização do cônjuge é indispensável para a alienação de bem imóvel, podendo ser suprida judicialmente no caso de injusta recusa. O acórdão teve como Relator o Desembargador Luciano Pinto, e o recurso foi, por unanimidade, julgado provido.

No caso em tela, a apelante ajuizou, em primeira instância, ação de suprimento judicial de outorga em face de seu marido, alegando que é casada em regime de comunhão parcial de bens, estando atualmente separados de fato. Relatou que recebeu como herança três imóveis, optando por vendê-los e que o marido, injustificadamente, negou-se a assinar a escritura pública de compra e venda. Finalmente, ressaltou que, por ainda estarem oficialmente casados, a outorga é necessária, ainda que os bens não se comuniquem. Inconformada com a improcedência da ação, a apelante interpôs recurso sustentando que, pelo regime de casamento escolhido pelas partes, o seu patrimônio não se comunica com o do apelado, mas, conforme o disposto no art. 1.647, I, do Código Civil, é exigível a autorização do cônjuge para fins de alienação de bens do casal, podendo tal autorização ser suprida judicialmente, no caso de negativa injustificada, de acordo com o art. 1.648 do Código Civil.

Ao julgar o recurso, o Relator entendeu ser aplicável a redação do art. 1.647, I, do Código Civil, pois, depreende-se da leitura deste dispositivo, que a autorização do cônjuge é indispensável no caso de alienação de bens imóveis, salvo se casados em regime de separação absoluta. Ademais, destacou que, tratando-se de bens particulares da autora, a recusa do cônjuge em conceder a outorga é injusta, razão pela qual, deve ser ela suprida judicialmente nos termos do art. 1.648 do mesmo Código.

Diante do exposto, o Relator votou pelo provimento do recurso.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB.

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Questão esclarece dúvida acerca da impossibilidade de instituição de bem de família em imóvel indisponível.

Bem de família – imóvel gravado com indisponibilidade.

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da impossibilidade de instituição de bem de família em imóvel indisponível. Veja nosso posicionamento sobre o assunto, valendo-se dos ensinamentos de Ademar Fioranelli:

Pergunta: É possível a instituição de bem de família em imóvel onde recai indisponibilidade de bens?

Resposta: Não é possível a instituição de bem de família em imóvel sobre o qual recaia indisponibilidade de bens.

Sobre o assunto, vejamos o que nos esclarece Ademar Fioranelli:

“O imóvel, ao tempo da instituição, deverá estar livre e desembaraçado de qualquer ônus, de maneira a garantir aos beneficiados o pleno exercício de seu direito.” (FIORANELLI, Ademar. “Usufruto e Bem de Família – Estudos de Direito Registral Imobiliário”, Quinta Editorial, São Paulo, 2013, p. 213).

Para maior aprofundamento no assunto, sugerimos a leitura da obra mencionada.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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