CSM/SP: Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c” e §2º da Lei 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra o loteador por crime contra o sistema financeiro nacional (artigo 5º da Lei 7.492/1986) – Crime contra o patrimônio – Fato suficiente para obstar o registro – Dúvida procedente – Recurso improvido.


  
 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0006891-22.2015.8.26.0322

Registro: 2017.0000461330

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0006891-22.2015.8.26.0322, da Comarca de Lins, em que são partes são apelantes IVO RODRIGUES DO NASCIMENTO e MARIA APARECIDA CARVALHO DO NASCIMENTO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE LINS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 22 de junho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0006891-22.2015.8.26.0322

Apelantes: Ivo Rodrigues do Nascimento e Maria Aparecida Carvalho do Nascimento

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Lins

VOTO N.º 29.803

Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c” e §2º da Lei 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra o loteador por crime contra o sistema financeiro nacional (artigo 5º da Lei 7.492/1986) – Crime contra o patrimônio – Fato suficiente para obstar o registro – Dúvida procedente – Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Ivo Rodrigues do Nascimento e Maria Aparecida Carvalho do Nascimento contra a sentença de fls. 566/568vº, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de loteamento junto à matrícula n.º 28.788 do Registro de Imóveis de Lins.

Sustentaram os apelantes, em resumo, que a recusa ao registro não deve prosperar, pois crime contra o sistema financeiro nacional não é crime contra o patrimônio nem contra a administração pública; que a lei não pode ser interpretada ampliativamente; que possuem higidez financeira e que somente a condenação definitiva constitui óbice ao registro.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento (fls. 599/601).

É o relatório.

Apresentado pedido de registro de loteamento, sobreveio a recusa do Oficial, sob diversos fundamentos. Superadas diversas das pendências, subsistiu a recusa em razão da existência de ação penal em trâmite pela Justiça Federal em face do loteador Ivo Rodrigues do Nascimento, como incurso nas penas do artigo 5º da Lei n.º 7.492/86.

A sentença prolatada em primeiro grau ratificou o teor da exigência e manteve o óbice ao registro.

O caso é de se negar provimento à apelação.

A existência de ação penal em curso contra o loteador, como incurso no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86, é óbice suficiente ao registro de loteamento.

O §2º do artigo 18 da Lei n.º 6.766/1979 prescreve que a existência de ações penais, referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, impedem o registro do loteamento.

A certidão de fls. 96/99 dá conta de que o processo criminal movido contra o loteador aguarda o julgamento de recurso de apelação. Em consulta realizada nesta data, foi possível constatar que a apelação criminal ainda não foi julgada (processo 1305882-42.1997.4.03.6108 do TRF da 3ª Região).

Ao contrário do que sustentam os recorrentes, os crimes contra o patrimônio e contra a administração pública não estão definidos somente no Código Penal, mas também em leis especiais, como é o caso da Lei n.º 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.

O crime pelo qual o loteador responde está previsto no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86:

“Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito”.

Referido tipo penal trata de típico crime contra o patrimônio, uma modalidade de apropriação indébita especial, em função do agente do crime (pessoas relacionadas no artigo 25 da mesma Lei).

Segundo Luiz Regis Prado, no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86, “tutelam-se o mercado financeiro e o patrimônio dos investidores que possam ser prejudicados com a apropriação, desvio ou negociação de seus bens ou valores (delito pluriofensivo)[1]”.

Em suma, o crime pelo qual responde o loteador é, de fato, um crime contra o patrimônio.

E, ainda, quanto à suposta comprovação de que a mencionada ação penal não poderá prejudicar os adquirentes dos lotes, sem razão os recorrentes.

O §2º do artigo 18 da Lei n.º 6.766/1979 admite a comprovação da higidez financeira dos interessados somente na hipótese de protestos, ações pessoais ou ações penais, excetoas referentes à crime contra o patrimônio e contra a administração. E, no caso destes autos, o óbice ao registro decorre justamente da existência de ação penal referente a crime contra o patrimônio, movida contra o loteador. Assim, a eventual higidez financeira dos interessados é incapaz de superar o óbice ao registro.

Além disso, a Lei n.º 6.766/1979 não exige condenação ou tampouco que esta seja definitiva, mas somente a existência de ação penal. E não se pode dizer que referida exigência implica vulneração ao princípio da presunção de inocência.

A existência de ação penal constitui óbice ao registro do loteamento e não configura violação ao princípio da não culpabilidade. Essa limitação tem por objetivo proteger o sucesso do empreendimento e os próprios adquirentes das unidades imobiliárias. É uma precaução, uma garantia de que a atividade será confiada a quem não tenha qualquer pendência que possa, ainda que no futuro, comprometer a sua idoneidade.

Em suma, reconhecida a existência de óbice ao registro de loteamento, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] In Direito Penal Econômico, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 167. (DJe de 24.08.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações | 25/08/2017.

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