ARTIGO: QUAL É O SEU ESTADO CIVIL? – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES

*Anderson Nogueira Guedes

Essa é uma pergunta simples e deveria ter uma resposta simples também.

Mas, na prática, não é o que sempre acontece.

Muitas pessoas respondem tal questionamento de maneira errada. Umas, por desconhecimento; outras, de maneira proposital.

É uma pergunta corriqueira na prática notarial e registral, e geralmente é acompanhada de outras, necessárias à correta e adequada identificação e qualificação das partes.

Após identificarmos uma pessoa, com a conferência dos originais de seus documentos pessoais, normalmente a questionamos sobre seus dados básicos de qualificação: estado civil, profissão e endereço atual.

Isso é muito comum, principalmente no Tabelionato de Notas, seja na abertura de um cartão de assinaturas, seja na lavratura de um ato notarial como uma procuração, uma escritura ou um testamento.

Não precisei de muito tempo na atividade para perceber que muitas pessoas realmente desconhecem o seu próprio estado civil.

– “Sou casado!” Respondem alguns, acreditando que a união estável e/ou o casamento religioso têm o condão de alterar o estado civil de uma pessoa.

Já outros, respondem: “Sou solteiro!” Acreditando que a separação, o divórcio ou o falecimento do cônjuge o tornam novamente solteiro.

Outros, por outro lado, respondem: “Sou amasiado!”

Mas, em suma, o que é estado civil?

Podemos dizer que, em direito, estado civil é a situação de uma pessoa com relação ao matrimônio ou à sociedade conjugal. É basicamente isso.

É como nos apresentamos em nosso dia a dia, no trato social.

Em nosso ordenamento jurídico, em uma visão tradicional e clássica, os possíveis estados das pessoas com relação ao casamento são: solteiro, casado, separado (judicial ou extrajudicialmente), divorciado e viúvo.

Solteira é a pessoa que não está e nunca esteve ligada a outra pelo vínculo do casamento. Também o é aquele que teve a sociedade conjugal rompida pela nulidade ou anulação do casamento, nos termos do artigo 1.571, II, do Código Civil.

Casada é a pessoa que se encontra ligada a outra pelo vínculo do casamento, nos termos da legislação civil em vigor. O casamento civil está disciplinado pelo artigo 1.511 e seguintes do Código Civil e pelo artigo 70 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

Separada é a pessoa que rompeu a sociedade conjugal por meio de uma ação de separação judicial ou de uma escritura pública de separação consensual.

Divorciado é aquele que rompeu o vínculo do seu casamento por meio de uma ação judicial de divórcio ou de uma escritura pública de divórcio consensual.

Mister se faz frisar que a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, em tabelionatos de notas. E, de lá para cá, milhares de processos deixaram de abarrotar o Judiciário, gerando grande economia de tempo e de recursos aos cofres públicos. Atualmente, a separação e o divórcio, extrajudiciais, estão previstos no artigo 733 do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que assim preconiza:

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

Viúvo, por fim, é o indivíduo que teve o vínculo do seu casamento rompido pelo falecimento de seu cônjuge.

Esses são, segundo a legislação pátria, os possíveis estados das pessoas naturais com relação ao casamento. São as modalidades de estado civil existentes em nosso país.

Vale ressaltar que grandes civilistas, como Flávio Tartuce (2016, p. 150/152), defendem a criação de um novo estado civil familiar, de companheiro ou convivente, para as pessoas que convivem em união estável.

O fato é que não existe, até agora, legislação expressa nesse sentido.

Deve-se, entretanto, observar que, apesar de não haver previsão legal expressa quanto ao estado civil de companheiro ou convivente, não poderá a união estável ser omitida por qualquer dos companheiros, principalmente na realização de negócios jurídicos.

Deve-se ter zelo e muito cuidado na coleta dos dados de identificação e qualificação das partes e na conferência da documentação comprobatória das declarações por elas prestadas.

As implicações, em caso de erro ou inexatidão, são inúmeras. Tanto no campo social, quanto na esfera patrimonial.

Já imaginou um indivíduo casado se apresentando ao Oficial de Registro Civil para instruir processo de habilitação para um novo casamento, e declarando-se solteiro?

Imagine agora o “seu José”, casado com a “dona Maria”, de quem está separado de fato, vendendo sozinho um imóvel do casal, ao se declarar solteiro.

Você pode até dizer: “Ah! Isso é fácil de constatar!”

Na prática isso não é tão simples assim.

Não se esqueça que a velocidade com que as coisas acontecem na atual conjuntura social é espantosa. Todos querem tudo para ontem!

Mas não podemos falhar com a qualidade dos serviços em razão da pressa que nos é imposta. Agilidade em detrimento da qualidade do serviço nunca será uma boa opção.

As coisas têm que ser equilibradas.

O equilíbrio, a nosso ver, sempre será o melhor caminho a seguir.

A declaração inexata do estado civil, por equívoco ou má fé da parte, somada à falta de zelo ou atenção do profissional do direito ou de seus prepostos, pode acarretar grandes prejuízos a terceiros e, em consequência, levar as partes interessadas/envolvidas a infindáveis demandas judiciais, que poderiam ser evitadas no balcão da serventia.

A correta e adequada identificação das pessoas que figuram nos atos notariais e registrais garantem a almejada segurança jurídica, a nosso ver cerne das atividades notariais e registrais, e asseguram a eficácia jurídica dos atos praticados pelos notários e registradores.

Quando estou colhendo os dados de identificação de uma pessoa, a fim de saber se o que ela declarou corresponde à verdade, geralmente reforço o questionamento quanto ao estado civil:

– “Você já foi casado em cartório?”.

Isso tem um sentido. Muitos dos que se declaram solteiros são, na verdade, separados, divorciados ou viúvos.

É evidente que essa simples indagação não me dá a certeza de que o que está sendo declarado corresponde à verdade, mas me dá um indicativo de qual caminho seguir.

Caso nunca tenha se casado junto a um Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, claro está que se trata de pessoa solteira, mesmo que conviva ou tenha convivido por um longo tempo com outra em união estável.

Por outro lado, caso a pessoa responda que sim, a exigência da respectiva certidão de casamento é medida que se impõe, sobretudo em atos negociais.

As pessoas solteiras, maiores e capazes, têm, a princípio, livre administração/disposição de seus bens. Já os casados, em regra, necessitam de anuência do outro cônjuge (outorga uxória ou autorização marital) para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, bem como para prestar fiança ou aval, assim como nos demais casos do artigo 1.647 do Código Civil.

Em determinados casos, exige-se, inclusive, que a certidão de casamento esteja atualizada, a fim de se aferir o atual e verdadeiro estado civil da pessoa.

 Frise-se que toda e qualquer situação que altere o estado civil dos consortes deverá ser noticiada à margem do registro de casamento do casal, com fulcro no artigo 29, §1º, a, da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e no artigo 10, I, do Código Civil.

Desta forma, serão objeto de averbação o divórcio, a separação e o restabelecimento da sociedade conjugal, bem como as sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento.

Apesar de referidos dispositivos legais não preverem a averbação da viuvez, a boa prática e as normas das corregedorias estaduais normalmente  recomendam a sua anotação à margem do registro de casamento.

Assim, em vindo o casal a se separar ou divorciar, judicial ou extrajudicialmente, a restabelecer a sociedade conjugal, ou vindo a falecer qualquer do par, tais informações deverão constar do assento de casamento e das respectivas certidões emitidas.

Em regra, uma pessoa que jamais tenha se “casado em cartório” (como costumeiramente se diz), por mais que com outra mantenha ou tenha mantido união estável, mesmo que por um longo período, não poderá ser considerada casada, separada, divorciada ou viúva. É solteira! Existem, entretanto, algumas situações em que a lei dispensa a celebração do casamento em cartório, como no caso do casamento religioso com efeitos civis, as quais serão abordadas em outra oportunidade.

Por outro lado, uma pessoa que se casou no civil, mesmo que separada de fato de seu cônjuge, não poderá ser considerada separada ou divorciada, enquanto pendente a separação ou divórcio.

Agora, o que dizer de pessoa separada, judicial ou extrajudicialmente, vindo o seu ex-cônjuge a falecer antes da conversão da separação do casal em divórcio?

Imaginemos a seguinte situação: José e Maria vieram a se separar juridicamente (judicial ou extrajudicialmente). Após a separação do casal, sem que tenha havido a conversão em divórcio, José veio a falecer. Qual é o estado civil de Maria? Pense um pouquinho aí!

Certa vez, uma senhora procurou a nossa serventia e me confessou que não sabia qual era o seu estado civil. Disse-me que havia se separado judicialmente de seu ex-marido há muitos anos, e que antes de promoverem a conversão da separação judicial em divórcio, veio ele a falecer. Confidenciou-me que não aguentava mais aquela situação, pois, segundo ela, ninguém sabia dizer ao certo qual era o seu estado civil. E, por isso, constrangida, apresentava-se sempre como separada judicialmente.

Sem hesitar, disse a ela: – “A senhora é viúva!”

Realmente, inúmeras foram as vezes que vi pessoas se equivocando quanto a essa situação específica, inclusive vários outros profissionais do direito. Muitos acham que, nesse caso, a pessoa permanece como separada judicialmente.

Não podemos nos esquecer que a separação, judicial ou extrajudicial, não tem o condão de dissolver o casamento válido. A separação extingue a sociedade conjugal, mas não dissolve o vínculo do matrimônio.  Desta forma, em vindo a falecer o ex-cônjuge separado (judicial ou extrajudicialmente), o sobrevivente deverá ser considerado viúvo, uma vez que o casamento não havia, ainda, sido dissolvido pelo divórcio.

Esse é, a nosso ver, o melhor entendimento.

Se não for assim, como poderá a pessoa, nesse caso, contrair novas núpcias, eis que o Código Civil em vigor veda o casamento de pessoas separadas?

Nunca mais poderá se casar com outra pessoa, e, assim, prosseguir com a sua vida?

O operador do direito, apesar de não lidar com uma ciência lógica como a matemática, deve procurar, no ordenamento, soluções lógicas, pertinentes e adequadas às situações que surgem em nosso dia a dia. Essa é a minha humilde opinião.

Nem todas as situações estão expressa e literalmente previstas no texto de lei. Aliás, isso seria praticamente impossível, haja vista a grande dinâmica existente em nossa sociedade.

Deve ter, desta forma, um conhecimento amplo do ordenamento jurídico, utilizando-se das regras de hermenêutica jurídica, e, muitas vezes, de interpretação sistemática, a fim de dar uma boa, adequada e justa solução aos casos que lhe são apresentados.

E não me venha com filosofia, dizendo que o que é justo para mim pode não ser justo para você! Estou falando de equilíbrio e bom-senso.

Lembro-me sempre das lições de meu primeiro professor de Direito Civil:

– “O Direito tem que fazer sentido”, dizia ele.

Confesso que a prática muitas vezes não reflete a beleza encontrada na teoria. Quer um exemplo genérico para você entender do que estou falando? Onde estão, saúde, educação, alimentação, transporte, moradia e outros tantos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal a todos os brasileiros? Não estude bastante e consiga um bom emprego para ver o que acontece. E, depois, trabalhe bastante e continue estudando.

Desabafos à parte, voltemos ao que interessa.

O estado civil da pessoa, no caso em tela, é o de viúva.

Nesse diapasão, ensina-nos Maria Berenice Dias (2010, p. 59):

“Ocorrendo a morte de um dos cônjuges depois da separação, o sobrevivente assume a condição de viúvo. Essa conclusão tem uma justificativa lógica. Advindo a morte de um do par, não há a possibilidade de decretação do divórcio. Deste modo, é necessário reconhecer que a morte libera o separado para novo casamento. O mesmo não acontece quando ocorre o falecimento de um dos cônjuges depois do divórcio. Os divorciados continuam sendo assim identificados mesmo depois da morte do ex-cônjuge. O casamento já estava dissolvido”.

Apesar de simples, o assunto pode, por vezes, tornar-se tormentoso, como no caso daquela senhora que sempre se declarava separada judicialmente.

De suma importância, portanto, a correta identificação e qualificação das partes nos atos notariais e registrais, exigindo-se, sempre, dos notários e registradores, bem como de seus prepostos, muita atenção e zelo na realização de seu mister, a fim de que os seus atos venham a garantir as almejadas segurança e eficácia jurídicas.

Desta forma, depois de tudo devidamente esclarecido, pergunto-lhe:

Qual é mesmo o seu estado civil?

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Código de Processo Civil Brasileiro, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13105.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015consolidado.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11441.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6 ed. São Paulo: Método, 2016.

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Tabelião Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral da comarca de Campo Novo do Parecis-MT. Bacharel em Direito e Secretário-Adjunto da ARPEN/MT.

Fonte: Anoreg/MT | 11/08/2017.

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DJE/SP: PROVIMENTO CG 37/2017 CONCEDE DESCONTO PARA ESCRITURAS DE LOTES QUE SE ENQUADRAM NA LEI DO LOTEAMENTO

O Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) disponibiliza abaixo, para conhecimento geral, o Provimento CG nº 37/2017 que decorreu de uma consulta sobre a aplicabilidade do desconto previsto no Item 1.6 das Notas Explicativas da Tabela de Emolumentos dos Tabelionatos de Notas (Lei Estadual nº 11.331/2002) às lavraturas das escrituras públicas decorrentes de compromissos de compra e venda de lote firmado pelo loteador acompanhado da prova de quitação, nos termos do § 6º do artigo 26 da Lei Federal nº 6.766/79.

Nesse sentido, alerta-se aos notários paulistas que, nos termos do parecer da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP) abaixo mencionado, o desconto previsto no item 1.6. (especialidade de notas), da Lei de Emolumentos, aplica-se a toda escritura pública de venda e compra que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, do art. 26, da Lei 6.766/79.

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PROCESSO Nº 2017/106303

Espécie: PROCESSO
Número: 2017/106303
Comarca: CAPITAL

PROCESSO Nº 2017/106303 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

(287/2017-E)

TABELIONATO DE NOTAS – Consulta – Aplicabilidade do desconto previsto no item 1.6, da Lei de Emolumentos – Lei n. 6.766/69, art. 26, parágrafo 6º – Compromisso de compra e venda de lote firmado pelo loteador acompanhado de prova de quitação – Contrato preliminar impróprio, que substitui o contrato de compra e venda formalizado por escritura pública – Desconto legal que se impõe, tratando-se de mais uma exceção à regra geral prevista no art. 108, do Código Civil.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de consulta formulada pela MM. Juíza de Direito Lígia Donati Cajon, acerca da possibilidade de se aplicar o disposto no item 1.6 (nota explicativa), da Lei n. 11.331/2002, a teor do que dispõe o art. 26, parágrafo 6º, da Lei 6.766/79.

Consultados, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) manifestaram-se contrariamente à interpretação sugerida, a teor de que o art. 26, parágrafo 6.766/79 não representaria exceção à regra do art. 108, do Código Civil. Isso porque não poderia ser confundido o contrato preliminar (compromisso de venda e compra) com o contrato de venda e compra. O CNB/SP acrescentou que a Lei de Emolumentos prevê descontos à lavratura de escritura de compromisso de compra e venda (item 2.1) e de escritura de compra e venda de loteamentos (item 2.5), a depender dos requisitos ali previstos.

A Associação de Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP) apresentou manifestação no sentido de que o item 1.6, da Lei de Emolumentos, seria aplicável se referente à hipótese do parágrafo 6º do artigo 26, da Lei 6.766/79 e não às alienações de qualquer lote, mesmo que oriundo de loteamento regularmente registrado.

É o relatório. Opino.

Pertinente a consulta formulada pela MM. Juíza Lígia Donati Cajon, uma vez que, em primeira análise dos dispositivos legais por ela indicados, seria possível cogitar da não aplicabilidade do desconto previsto no item 1.6, da Lei n. 11.331/2002 para todas as hipóteses de primeira alienação de lote de terreno pelo loteador.

Entretanto, em que pesem as bem fundamentadas ponderações do Colégio Notarial e do IRIB acerca da impossibilidade de se confundir o contrato preliminar (compromisso de venda e compra) com o contrato em que se almeja a efetiva transmissão dominial, o fato é que, como ensina José Osório de Azevedo Jr., o compromisso de compra e venda é contrato preliminar atípico, constituindo uma verdadeira espécie do gênero compra e venda (Compromisso de Compra e Venda, 5ª edição, Melhoramentos):

“Barbosa Lima foi quem mais desenvolveu – chegando, às vezes, às últimas consequências – a pista aberta por Luiz Machado Guimarães, que, segundo nos parece, foi o primeiro a afirmar que, “em face de sua nova disciplina legal, o compromisso de venda de terrenos loteados para pagamento em prestações sucessivas (Decreto-lei 58, art. 1º) ou de imóveis não-loteados para pagamento em uma ou mais prestações (Decreto-lei citado, art. 22), averbado no Registro de Imóveis, constitui uma espécie do gênero ‘compra e venda’; e não do gênero ‘contrato preliminar’” (Luiz Machado Guimarães, Código de Processo Civil, v. 4, n. 486, apud Barbosa Lima Sobrinho, As Transformações da Compra e Venda, p 217) (José Osório de Azevedo Jr, op. cit., p 20)”

Prossegue ensinando que:

“Mas, se é verdade que as teses de Barbosa Lima frutificaram pouco na jurisprudência e quase nada na doutrina, é também verdade que muitas daquelas postulações – seja por força do debate, seja por pressão dos próprios fatos – ganharam ampla consagração legislativa. A cada passo se encontra um texto legal dando tratamento idêntico ao compromissário comprador e ao proprietário”

(…)

“E as coisas se passam dessa forma porque o compromisso de compra e venda mais se caracteriza como uma espécie do gênero ‘compra e venda’ do que como mero contrato preliminar dependente de outro, dito ‘principal.’” (op. cit. p.21/22)

O autor explica a distinção entre promessa e compromisso de compra e venda. O segundo, ao contrário da primeira, tem os seguintes atributos: impossibilidade de arrependimento; possibilidade de ser substituído por sentença constitutiva; atribuição ao promitente comprador de direito real sobre o bem que se comprometeu a comprar:

“A simples promessa (sem esses atributos) é ‘contrato preliminar próprio’, e o compromisso de compra e venda (com esses atributos) é contrato preliminar impróprio. Neste, as partes não se obrigam a uma nova manifestação de vontade e sim a reiterar, a reproduzir, a manifestação anterior, pois foi neste momento anterior que o consentimento foi dado de forma cabal e irreversível – motivo por que deste momento anterior devem ser considerados produzidos todos os efeitos concretos do ato.” (op. cit., p. 22)

E, conclui, citando os brilhantes ensinamentos de Orlando Gomes (Direitos Reais, p. 456), que:

“Assim é que a ‘escritura’ não se constitui em outro negócio jurídico, caracterizando-se – isto sim – como um ‘ato devido’ que expressa o cumprimento da obrigação assumida no primeiro contrato.” (op. cit.p 23)

Ora, reconhecida a proximidade ontológica entre o compromisso de compra e venda e a compra e venda propriamente dita, não há razão para se considerar, respeitados os doutos entendimentos divergentes, que o art. 108, do Código Civil não foi excepcionado pelo art. 26, parágrafo 6º, da Lei 6.766/79.

Pelo contrário, deve-se reconhecer que o Legislador criou nova hipótese de exceção à regra geral do art. 108, dispensando a formalização de contrato de compra e venda por escritura pública nas hipóteses do art. 26, parágrafo 6º, da Lei de Loteamento Urbano.

A exceção mencionada, ao tornar dispensável a lavratura de escritura pública de compra e venda, impõe que incida o desconto previsto no item 1.6, da Lei de Emolumentos.

Quanto às demais hipóteses de desconto mencionadas pelo CNB/SP, não se confundem com aquela ora analisada. O item 2.1. trata da lavratura de escritura pública de compromisso de compra e venda de qualquer bem, não se restringindo à hipótese específica do art. 26, parágrafo 6º da Lei de Loteamento. Também o item 2.5 trata de hipóteses bem específicas, que não se confrontam com o item 1.6 da Lei de Emolumentos.

Por fim, não é demais lembrar que cumpre aos Tabeliães, sempre que lhes for solicitada a lavratura de escritura pública de imóvel que se enquadre no parágrafo 6º do art. 26 da Lei 6.766/79, não apenas conferir o desconto previsto em lei, como também esclarecer aos usuários quanto à dispensabilidade do ato.

A esse respeito, e a fim de conferir caráter normativo ao dever de esclarecimento quanto à dispensabilidade da prática de atos sob a forma pública, sugere-se a edição de Provimento, conforme minuta anexa, com inclusão do item 1.4 do Capítulo XIV das NSCGJ.

Em suma, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência, é no sentido de que: 1) o desconto previsto no item 1.6. (especialidade de Notas), da Lei de Emolumentos, aplica-se a toda escritura pública de venda e compra que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, do art. 26, da Lei 6.766/79; 2) edite-se provimento, cuja minuta segue em anexo, impondo o dever de esclarecimento quando a lavratura de escritura pública for dispensável para a celebração de negócio jurídico.

Sugere-se, por fim, que seja dada ciência à consulente.

Sub censura.

São Paulo, 31 de julho 2017

(a) Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo integralmente o parecer da MM. Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça. Publique-se no DJE o parecer e o Provimento, por três dias alternados. São Paulo, 04 de agosto de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça. (DJe de 15.08.2017 – SP)

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Provimento CGJ N.º 37/2017

Espécie: PROVIMENTO
Número: 37/2017
Comarca: CAPITAL

Provimento CGJ N.º 37/2017

Inclui o item 1.4 do Capítulo XIV das NSCGJ

O DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento do texto da normatização administrativa relativa ao Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça;

CONSIDERANDO o fato de que nem sempre os usuários do serviço notarial têm conhecimento acerca da dispensabilidade da adoção de forma pública para a prática de determinados negócios jurídicos;

CONSIDERANDO ser dever dos Tabeliães de Notas, delegatários de serviço público, esclarecer as partes quanto aos direitos e deveres inerentes ao ato notarial que pretendem praticar;

RESOLVE:

Art. 1º. O Capítulo XIV das NSCGJ passa a vigorar com a seguinte alteração:

1.4 Sempre que a prática de determinado negócio jurídico dispensar a forma pública, é dever do Tabelião de Notas informar acerca dessa dispensabilidade às partes interessadas.

Art. 2º. Este provimento entra em vigor na data de sua primeira publicação.

São Paulo, 04 de agosto de 2017

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça (DJe de 15.08.2017 – SP)

Fonte: CNB/SP – DJE/SP | 15/08/2017.

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Saiba mais sobre o ITCMD em Inventário e Partilha

O imposto incide sobre transmissão de bens por herança ou doação

A cobrança de imposto está presente no cotidiano dos brasileiros, influenciando inclusive na compra e venda de bens. A lei brasileira prevê para esses casos a cobrança do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), cobrado no momento em que se faz transferência de patrimônio em razão de morte ou de doação.

O que é?

O ITCMD é um imposto estadual que incide sobre a soma do valor venal (de venda) da totalidade dos bens imóveis e móveis havido por sucessão legítima ou testamentária ou por doação. O imposto não incide em casos de renúncia de herança ou legado; na extinção de usufrutos; na doação, “quando esta corresponder a uma operação incluída no campo de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadoria e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e na extinção do condomínio, quando o valor transmitido não superar a cota-parte de cada condômino”.

Quando é cobrado?

A cobrança do imposto é feita quando há sucessão legítima ou testamentária, ou seja, os sucessores e herdeiros adquirem os bens e direito do falecido –, ou por transferência de patrimônio em razão de doação, ainda em vida.

Ela se dá após o início do processo de inventário e partilha realizado em Cartório de Notas.

Para mais informações sobre esse imposto, confira a Lei nº 14.471/15 na íntegra ou procure o Tabelião de Notas de sua confiança.

Fonte: CBN/RS

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