Retificação de assento no registro civil – Pretensão de alteração do nome e prenome – Pedido de substituição do nome de família pelo nome do padrasto – Inteligência do art. 57, par. 8º, da Lei dos Registros Públicos – Inclusão que só pode ser feita com expressa concordância do padrasto, e sem prejuízo dos apelidos da família – Concordância não comprovada – Ausência de comprovação do nome do padrasto – Alteração do prenome


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0055878-97.2012.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante FRANCISCO DAS CHAGAS LOPES DE SOUZA FILHO (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA), é apelado JUIZO DA COMARCA (ASSISTENTE).

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALVARO PASSOS (Presidente sem voto), GIFFONI FERREIRA E ROSANGELA TELLES.

São Paulo, 8 de maio de 2018.

MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 0055878-97.2012.8.26.0224

Apelante: Francisco das Chagas Lopes de Souza Filho

Apelado: Juizo da Comarca

Comarca: Guarulhos

Voto nº 0884

RETIFICAÇÃO DE ASSENTO NO REGISTRO CIVIL – Pretensão de alteração do nome e prenome – Pedido de substituição do nome de família pelo nome do padrasto – Inteligência do art. 57, par. 8º, da Lei dos Registros Públicos – Inclusão que só pode ser feita com expressa concordância do padrasto, e sem prejuízo dos apelidos da família – Concordância não comprovada – Ausência de comprovação do nome do padrasto – Alteração do prenome – Autor que se diz infeliz com o prenome atual, alegando que o expõe ao ridículo, e lhe traz constrangimento – Hipótese em que não há exposição ao ridículo – Situação que, no entanto, se reveste de intensa subjetividade – Alteração do prenome que não traz prejuízos a terceiros, e que traz conforto e melhora a autoestima do autor – Possibilidade de alteração – Precedentes desta E. Câmara – Recurso parcialmente provido.

Trata-se de apelação contra a r. sentença de fls. 115/116, que julgou improcedente o pedido de alteração de prenome e nome de família do autor, no Registro Civil.

O autor ajuizou a ação pretendendo a retificação do seu registro de nascimento, com a alteração de seu nome de Francisco das Chagas Lopes de Souza Filho para Kevin Lopes de Souza. Alega que seu nome reproduz o de seu pai, que o abandonou e com quem não mantinha relação de amor e afeto, sendo referência negativa de figura masculina e paterna. Além disso, frequentemente o chamam pelo apelido de “Chico”, com o intuito de deboche, expondo-o ao ridículo e causando-lhe constrangimento. O autor é conhecido no meio familiar e nas redes sociais pelo nome de Kevin Palmgreen, sendo este o sobrenome de seu padrasto, pessoa que o acolheu como filho e se tornou exemplo de figura paterna para ele. Diante disso, requereu a alteração de seu nome no seu assento de nascimento, para Kevin Lopes de Souza, ressaltando que, posteriormente, pretende adotar o sobrenome de seu padrasto. No entanto, ainda no curso do processo, postulou desde logo a alteração total do nome para Kevin Palmgreen.

Irresignado, o autor apelou, reiterando os argumentos da inicial e afirmando que possui o direito de passar a ter o nome de seu padrasto, e pelo qual é conhecido, em seu registro de nascimento. Não lhe foi dada a oportunidade de produzir provas para comprovar o alegado, nem houve qualquer determinação judicial neste sentido, embora tenha dito nos autos que protestava por todos os meios de prova admitidos.

O recurso foi recebido e processado, tendo a D. Procuradoria de Justiça se manifestado pelo não provimento do recurso (fls. 127/130).

É o relatório.

A sentença foi publicada na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Assim, nos termos dos enunciados 02 e 07 do Superior Tribunal de Justiça, e em conformidade com o que foi decidido no REsp. 1.465.535/SP, 4ª. Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 22 de agosto de 2016, o seu processamento deve observar as regras do CPC/73.

Na petição inicial, o autor limitou-se a postular a alteração de seu prenome, de “Francisco das Chagas” para “Kevin”. Mais tarde, ainda no mesmo processo, postulou também a alteração do nome de família, substituindo-se o originário pelo de seu padrasto.

A inclusão do nome do padrasto é expressamente autorizada por lei, mas desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 57, par. 8º, da Lei de Registros Públicos (Lei no. 6.015/73). É indispensável que o padrasto, cujo nome se pretende incluir, consinta expressamente, e que a inclusão se faça sem prejuízo dos apelidos de família. Nenhum consentimento do padrasto foi trazido aos autos, e para tanto, não era necessária a designação de audiência ou colheita de prova oral, já que a anuência deveria ser trazida por escrito. Não há nem mesmo a comprovação de que o nome do padrasto seja aquele indicado pelo autor. Assim, não preenchidos os requisitos mencionados, não havia mesmo como acolher a pretensão à modificação do nome de família.

Quanto ao prenome, a Lei de Registros Públicos possibilita a modificação imotivada no primeiro ano de maioridade civil, desde que não prejudique os apelidos de família (art. 56) ou, posteriormente, em caráter excepcional e motivadamente (art. 57).

Admite-se, também, a modificação fundada na existência de nome diverso, público e notório, pelo qual a pessoa é conhecida, nos termos do art. 58, “caput”, da Lei no. 6.015/1973, com a redação que lhe foi dada pela Lei no. 9.708, de 18 de novembro de 2011. Como ensina Carlos Roberto Gonçalves, “Atualmente, portanto, o prenome oficial tanto pode ser substituído, conforme o caso, por apelido popular, na forma dos exemplos citados, de acordo com a lei, como por outro prenome, pelo qual a pessoa é conhecida no meio social em que vive, com base no permissivo criado pela jurisprudência” (Direito Civil Brasileiro, Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 15ª. edição, 2017, p. 158).

A rigor, nenhuma das hipóteses mencionadas está presente. O prenome “Francisco das Chagas”, à evidência, não expõe o autor ao ridículo. Tampouco há provas de que ele seja conhecido pelo prenome Kevin, não bastando, para tanto, os documentos relativos às comunicações feitas por meio de rede social.

No entanto, é preciso levar em conta que a questão do constrangimento trazido pelo nome reveste-se de elevado grau de subjetividade. Há casos em que, ainda que o nome não exponha o titular ao ridículo, causa-lhe, por razões pessoais e íntimas, grave constrangimento, que repercute na sua autoestima. No caso dos autos, o autor leva o nome de seu pai. Está comprovado nos autos que ele e o pai não mantiveram relação de afeto, e que ele se afeiçoou ao padrasto, que reside no exterior. Nessas circunstâncias, e não havendo prejuízo a terceiros, já que todas as certidões criminais e cíveis são negativas, não se justifica que o autor tenha de carregar definitivamente um nome que não lhe traz boas recordações, e que causa constrangimento e angústia. Nesse sentido, tem decidido esta E. 2ª. Câmara:

“7. Assim, ainda que o prenome atual não exponha a autora ao ridículo (não é este o caso aqui) e ainda que se possa questionar a necessidade de tal alteração, entendo que a alteração pretendida está em condições de sobressair, já que não culminará em prejuízo algum a terceiros, e tem respaldo legal, tendo a autora comprovado que é conhecida no meio social por VERÍSSSIMA (vide, inclusive, reportagem no “Diário Oficial Guarujá” sobre a enfermeira, ora apelante fls. 22). 8. Desta forma, colhe-se que em situações excepcionais tem-se admitido a mudança do nome, portanto, não existe empecilho para proporcionar a alteração a quem não está satisfeito com prenome. 9. Imperioso registrar que a própria iniciativa da recorrente de vir a juízo para requerer a alteração de seu prenome já é sinal mais do que suficiente, no meu entender, de que ela deseja muito tal alteração, e portanto a necessidade deve ser vista sob tal ótica no caso concreto, lembrando que o nome é direito da personalidade, identifica a pessoa no meio social e está ligado à própria dignidade de pessoa humana. 10. Assim, pelas ponderações acima, entendo que o direito deve tutelar a pretensão da apelante, não só porque trará felicidade a ela, como, também, porque não trará prejuízo a quem quer que seja” (Apelação nº1001155-12.2015.8.26.0223, de 29 de novembro de 2017, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves).

Assim, o recurso deve ser acolhido em parte, para que o nome do autor passe a ser Kevin Lopes de Souza.

Isto posto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação acima.

MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES

Relator

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 0055878-97.2012.8.26.0224 – Guarulhos – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Marcus Vinicius Rios Gonçalves – DJ 29.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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