Civil – Processual civil – Ação de nulidade de escritura pública de doação – Julgamento fora do pedido – Inocorrência – Observância dos limites traçados pela causa de pedir e pelos pedidos – Reconhecimento incidental e de ofício de causa de nulidade do negócio não arguida – Possibilidade – Respeito ao contraditório, à ampla defesa e ao direito à prova – Doação remuneratória – Respeito aos limites de disposição delineados pelo legislador – Impossibilidade de disposição, a esse título, da totalidade do patrimônio ou de parte que afronte à legítima dos herdeiros necessários – Dissídio jurisprudencial – Ausência de cotejo analítico – 1. Ação proposta em 09/12/1998. Recurso especial interposto em 06/06/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016 – 2. Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve julgamento fora do pedido em virtude de ter havido o reconhecimento da nulidade da retificação da escritura pública de doação; (ii) se a doação remuneratória deve ou não respeitar a legítima dos herdeiros – 3. Não se configura decisão fora do pedido quando a sentença proferida, respeitando os limites delineados pela causa de pedir e pelos pedidos do autor, pronuncia-se, de ofício e incidentalmente, sobre a nulidade do negócio jurídico subjacente, especialmente quando realizada ampla instrução probatória acerca da causa da nulidade e devidamente respeitado o contraditório e a ampla defesa sobre a questão – 4. A doação remuneratória, caracterizada pela existência de uma recompensa dada pelo doador pelo serviço prestado pelo donatário e que, embora quantificável pecuniariamente, não é juridicamente exigível, deve respeitar os limites impostos pelo legislador aos atos de disposição de patrimônio do doador, de modo que, sob esse pretexto, não se pode admitir a doação universal de bens sem resguardo do mínimo existencial do doador, nem tampouco a doação inoficiosa em prejuízo à legítima dos herdeiros necessários sem a indispensável autorização desses, inexistente na hipótese em exame – 5. A ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma impede o conhecimento do recurso especial interposto pela divergência – 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.


  
 

Civil – Processual civil – Ação de nulidade de escritura pública de doação – Julgamento fora do pedido – Inocorrência – Observância dos limites traçados pela causa de pedir e pelos pedidos – Reconhecimento incidental e de ofício de causa de nulidade do negócio não arguida – Possibilidade – Respeito ao contraditório, à ampla defesa e ao direito à prova – Doação remuneratória – Respeito aos limites de disposição delineados pelo legislador – Impossibilidade de disposição, a esse título, da totalidade do patrimônio ou de parte que afronte à legítima dos herdeiros necessários – Dissídio jurisprudencial – Ausência de cotejo analítico – 1. Ação proposta em 09/12/1998. Recurso especial interposto em 06/06/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016 – 2. Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve julgamento fora do pedido em virtude de ter havido o reconhecimento da nulidade da retificação da escritura pública de doação; (ii) se a doação remuneratória deve ou não respeitar a legítima dos herdeiros – 3. Não se configura decisão fora do pedido quando a sentença proferida, respeitando os limites delineados pela causa de pedir e pelos pedidos do autor, pronuncia-se, de ofício e incidentalmente, sobre a nulidade do negócio jurídico subjacente, especialmente quando realizada ampla instrução probatória acerca da causa da nulidade e devidamente respeitado o contraditório e a ampla defesa sobre a questão – 4. A doação remuneratória, caracterizada pela existência de uma recompensa dada pelo doador pelo serviço prestado pelo donatário e que, embora quantificável pecuniariamente, não é juridicamente exigível, deve respeitar os limites impostos pelo legislador aos atos de disposição de patrimônio do doador, de modo que, sob esse pretexto, não se pode admitir a doação universal de bens sem resguardo do mínimo existencial do doador, nem tampouco a doação inoficiosa em prejuízo à legítima dos herdeiros necessários sem a indispensável autorização desses, inexistente na hipótese em exame – 5. A ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma impede o conhecimento do recurso especial interposto pela divergência – 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.708.951 – SE (2015/0138214-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : UBIRATAN MENDONCA

ADVOGADO : GENIVALDO GONÇALVES MENDONÇA – SE001439

RECORRIDO : CLAUDIENE RODRIGUES DE SA DIAS

ADVOGADO : JOSÉ GOMES NETO – SE001361

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO. JULGAMENTO FORA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES TRAÇADOS PELA CAUSA DE PEDIR E PELOS PEDIDOS. RECONHECIMENTO INCIDENTAL E DE OFÍCIO DE CAUSA DE NULIDADE DO NEGÓCIO NÃO ARGUIDA. POSSIBILIDADE. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO, À AMPLA DEFESA E AO DIREITO À PROVA. DOAÇÃO REMUNERATÓRIA. RESPEITO AOS LIMITES DE DISPOSIÇÃO DELINEADOS PELO LEGISLADOR. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO, A ESSE TÍTULO, DA TOTALIDADE DO PATRIMÔNIO OU DE PARTE QUE AFRONTE À LEGÍTIMA DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

1 – Ação proposta em 09/12/1998. Recurso especial interposto em 06/06/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.

2 – Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve julgamento fora do pedido em virtude de ter havido o reconhecimento da nulidade da retificação da escritura pública de doação; (ii) se a doação remuneratória deve ou não respeitar a legítima dos herdeiros.

3 – Não se configura decisão fora do pedido quando a sentença proferida, respeitando os limites delineados pela causa de pedir e pelos pedidos do autor, pronuncia-se, de ofício e incidentalmente, sobre a nulidade do negócio jurídico subjacente, especialmente quando realizada ampla instrução probatória acerca da causa da nulidade e devidamente respeitado o contraditório e a ampla defesa sobre a questão.

– A doação remuneratória, caracterizada pela existência de uma recompensa dada pelo doador pelo serviço prestado pelo donatário e que, embora quantificável pecuniariamente, não é juridicamente exigível, deve respeitar os limites impostos pelo legislador aos atos de disposição de patrimônio do doador, de modo que, sob esse pretexto, não se pode admitir a doação universal de bens sem resguardo do mínimo existencial do doador, nem tampouco a doação inoficiosa em prejuízo à legítima dos herdeiros necessários sem a indispensável autorização desses, inexistente na hipótese em exame.

5 – A ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma impede o conhecimento do recurso especial interposto pela divergência.

6 – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR – 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por UBIRATAN MENDONÇA, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SE que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação por ele interposto.

Recurso especial interposto em: 06/06/2014.

Atribuído à Relatora em: 25/08/2016.

Ação: anulatória de escritura pública de doação realizada por ALEXANDRINA GONÇALVES LIMA à CLAUDIENE RODRIGUES DE SÁ DIAS.

Sentença: julgou improcedente o pedido, reconhecendo a validade da escritura pública de doação de bem imóvel (fls. 487/493, e-STJ).

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação, nos termos da seguinte ementa:

Civil – Ação anulatória de escritura pública de doação – Incapacidade da Doadora – Inocorrência – Doação Remuneratória – Ausência de prova do excesso remuneratório – Desnecessária anuência dos demais herdeiros – Bem não sujeito à colação – Possibilidade – Inteligência do art. 2011 do Código Civil vigente.

I – De acordo com a prova oral colacionada ao feito, não paira qualquer dúvida acerca da higidez mental da falecida capaz de viciar o consentimento atribuído na referida doação.

II – A doação remuneratória é aquela feita em caráter de retribuição por um serviço prestado pelo donatário cuja retribuição não pode ser exigida pelo donatário (caso fosse exigível, a retribuição deveria ser realizada por início do pagamento, uma das formas de extinção das obrigações). Em regra, não constitui ato de liberalidade, havendo remuneração por uma prestação de serviços executada pelo donatário.

III – Nos termos do art. 2011 do Código Civil, “as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação”.

IV – Recurso conhecido e desprovido. (fls. 527/555, e-STJ).

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram, por unanimidade, rejeitados (fls. 573/578, e-STJ).

Recurso especial: alega-se violação ao art. 460 do CPC/73 e aos arts. 1.176, 1.576, 1.721 e 1.790, parágrafo único, todos do CC/1916, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 581/591, e-STJ).

Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 636/644, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve julgamento fora do pedido em virtude de ter havido o reconhecimento da nulidade da retificação da escritura pública de doação; (ii) se a doação remuneratória deve ou não respeitar a legítima dos herdeiros.

1. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONTROVÉRSIA E DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL.

A ação anulatória de escritura pública ajuizada pelo recorrente, inventariante dos bens deixados por ALEXANDRINA GONÇALVES LIMA, está assentada em duas causas de pedir: (i) a incapacidade da doadora; (ii) a doação da totalidade de bens e o avanço na legítima dos herdeiros.

Em 1º e 2º graus de jurisdição, reconheceu-se a plena capacidade e lucidez de ALEXANDRINA ao momento da doação e, no ponto, não houve impugnação e devolução da matéria ao Superior Tribunal de Justiça pelo recorrente, de modo que a questão controvertida não deve mais ser examinada sob essa perspectiva.

No que se refere ao avanço sobre a legítima dos herdeiros, é preciso destacar, em primeiro lugar, que a escritura pública inicialmente lavrada a pedido de ALEXANDRINA previa a doação da totalidade de seu único bem à recorrida, sua bisneta, e, por ato unilateral e de ofício do tabelião, houve a posterior retificação dessa escritura, após a morte da doadora, limitando a doação à 50% do bem, justificando o tabelião que a referida retificação se deu porque teria ele vislumbrado uma nulidade decorrente do avanço sobre a legítima dos herdeiros necessários.

É preciso examinar, em primeiro lugar, se poderia o juiz, na ação em que se discute a nulidade da escritura de doação, declarar também a nulidade da retificação realizada pelo tabelião após a morte da doadora, para reconhecer que, na verdade, a recorrida faz jus à totalidade do bem.

De outro lado, também é preciso examinar se, na doação remuneratória, o doador está autorizado a dispor do único bem imóvel que compõe o seu patrimônio ou se deve respeitar a legítima dos herdeiros.

2. DA DECISÃO SUPOSTAMENTE FORA DO PEDIDO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 460 DO CPC/73.

Examinada a petição inicial (fls. 1/5, e-STJ), constata-se que a pretensão do recorrente é de anular inteiramente a doação realizada por ALEXANDRINA em favor da recorrida, ao fundamento de que havia incapacidade da doadora e de que houve avanço sobre a legítima dos herdeiros necessários.

Afastada a alegada incapacidade da doadora – questão sobre o qual, repise-se, sequer há mais controvérsia – a pretensão do recorrente deve ser examinada sob o prisma da existência ou não de avanço sobre a legítima dos herdeiros necessários e, nesse contexto, é imprescindível que se faça, como questão prejudicial ao deslinde do mérito, o exame acerca da validade da escritura pública de doação.

Desse modo, ainda que não tenha sido expressamente suscitada pelas partes a nulidade da retificação da escritura pública de doação realizada, de ofício, pelo tabelião, que reduziu a doação da totalidade para 50% do bem de propriedade de ALEXANDRINA, fato é que a nulidade da escritura é questão de ordem pública, suscetível de cognição incidentalmente e de ofício pelo juiz, na medida em que se refere à substância do ato negocial.

Anote-se, por oportuno, que ao tempo da propositura da ação, não se tinha notícia acerca da existência de escritura retificadora lavrada unilateralmente pelo tabelião após a morte de ALEXANDRINA.

A pretensão deduzida pelo recorrente, pois, voltava-se contra a doação da totalidade do bem por ALEXANDRINA, nos termos da escritura lavrada originariamente, de modo que a revelação daquele fato superveniente no curso do processo não provocou alteração do objeto litigioso e, mais do que isso, foi objeto de debate e de ampla instrução probatória, inclusive com a oitiva do tabelião em juízo que confessou ter modificado a escritura, de ofício, contrariamente a vontade de ALEXANDRINA e após a sua morte.

Conclui-se, portanto, que ao julgar improcedente o pedido deduzido pelo recorrente, reconhecendo, incidentalmente, a nulidade da retificação da escritura pública realizada pelo tabelião, não houve julgamento fora do pedido formulado na petição inicial, motivo pelo qual não há que se falar em violação ao art. 460 do CPC/73.

3. DA DOAÇÃO REMUNERATÓRIA E DA LIMITAÇÃO À LEGÍTIMA DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 1.176, 1.576, 1.721 E 1.790, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CC/1916.

São raros os julgados desta Corte que enfrentaram temáticas relacionadas às “doações remuneratórias” e, salvo melhor juízo, não há precedente que tenha examinado especificamente a questão devolvida no presente recurso especial, a saber, se é necessário que, nas doações remuneratórias, igualmente haja o respeito à legítima dos herdeiros necessários.

O conceito de doação remuneratória é bem delineado por Silvio de Salvo Venosa:

Doação remuneratória consiste naquela que se faz em recompensa a serviços prestados ao doador pelo donatário. Ainda que esses serviços possam ser estimados pecuniariamente, não se consideram prestação exigível, isto é, o donatário não se torna credor. Como essa doação é conferida em retribuição, esses serviços devem ser anteriores ao ato. O caráter liberal do negócio, como vemos, apresenta-se mais tênue nessa modalidade. Exemplo clássico é a doação feita a quem tenha salvo a vida do doador. Outros exemplos podem ser figurados: reconhecimento a quem obteve emprego ou função pública para o doador; retribuição a quem concedeu apoio psicológico ou religioso em momento difícil na vida do doador, etc. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 126).

Na hipótese, é induvidoso que a recorrida, bisneta de ALEXANDRINA, recebeu o único bem de titularidade da doadora em retribuição aos serviços de cuidadora que prestou à bisavó até os últimos dias de sua vida, abdicando, inclusive, de seus próprios afazeres.

É o que diz a farta prova oral produzida na fase instrutória e reproduzida no acórdão recorrido:

Conheceu muito bem a d. Alexandrina há muitos anos (…) Informa ainda a testemunha que d. Alexandrina morou muito tempo com um filho de nome Eloi, mas que não lembra quanto tempo e que antes de d. Claudiene vir morar com a falecida já cuidava dela, pois sempre vinha vê-la e de vez em quando dormia com a mesma. Que em Janeiro de 98 a d. Claudiene veio morar com D. Alexandrina, ficando até o falecimento desta. Declara, ainda, a testemunha que soube através da própria d. Alexandrina que lhe disse que tinha passado a casa para a D. Claudiene cuidar dela e que dona Alexandrina gostava muito de Claudiene e que também os seus netos a visitava. (Testemunha Maria José da Silva Pereira – fls. 79/80)

(…)

Que veio a Juízo para dizer que deseja que a palavra de sua irmã Alexandrina seja mantida. Que 4 dias antes de morrer sua irmã Alexandrina lhe disse que iria deixar a casa com tudo que tinha dentro dela para a requerida aqui presente, para que esta tomasse conta dela. Que o motivo de ela estar doando a casa era só esse. Que gostaria que a Justiça não desfizesse a palavra de sua irmã Alexandrina. (…) que 4 dias antes do falecimento dona Alexandrina fez renda. Que até o seu falecimento dona Alexandrina sabia o que estava fazendo. (Declarante Nestor Gonçalves Lima – fls. 99).

A despeito da vontade expressamente manifestada por ALEXANDRINA, de dispor de seu único bem em favor da bisneta que lhe deu cuidados nos últimos anos de vida e que fora concretizada pela escritura pública de doação do imóvel, não se pode olvidar que o CC/1916, assim como o CC/2002, proíbem expressamente tanto a doação universal, como também a doação inoficiosa.

A doação universal (art. 1.175 do CC/1916; art. 548 do CC/2002) é vedada porque, como leciona Fábio Ulhoa Coelho, “muitas vezes devemos ser defendidos de nós mesmos”, de modo que “mesmo os que não possuem herdeiros, não podem doar simplesmente tudo o que têm”, motivo pelo qual “o doador sempre deve manter em seu patrimônio bens ou renda suficientes para a sua subsistência”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 244/245).

Por sua vez, a doação inoficiosa (arts 1.176 e 1.576, do CC/1916; art. 549 do CC/2002) é igualmente proibida no direito brasileiro porque quis o legislador tutelar os interesses dos herdeiros necessários, conferindo a eles uma certa garantia de subsistência decorrente dos estreitos vínculos de parentesco com o falecido. Trata-se, pois, como assinalam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, da “preservação da expectativa patrimonial dos herdeiros necessários do doador” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito dos contratos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 810).

Uma parcela significativa da doutrina tem dado às doações universais e às doações inoficiosas o caráter de regra inflexível, reputando como absolutamente nulo o ato de disposição de todo o patrimônio ou o ato de disposição em desrespeito à legítima dos herdeiros necessários e, mesmo quem sustenta haver a possibilidade de alguma espécie de flexibilização dessas regras, não dispensa a preservação de um mínimo existencial para preservação da dignidade da pessoa humana do doador (na hipótese da doação universal) ou a obrigatória aquiescência dos herdeiros (na hipótese da doação inoficiosa).

É nesse contexto, pois, que deve ser interpretada a doação remuneratória, inserindo-a no microssistema a qual pertence, de modo que, diferentemente do que se consignou no acórdão recorrido, também nessa modalidade deverão ser respeitadas as vedações legais acima mencionadas, não podendo o doador dispor de todo o seu patrimônio ou dispor de mais da metade dele em afronta à legítima dos herdeiros necessários.

Na hipótese em exame, embora a recorrida tenha sustentado que teria havido autorização tácita dos herdeiros para a doação da totalidade do bem por ALEXANDRINA, não obteve êxito em comprovar esse fato, de modo que se deve reconhecer que o acórdão recorrido violou os arts. 1.176, 1.576, 1.721 e 1.790, parágrafo único, todos do CC/1916, devendo ser reduzida a doação ao quantum que ALEXANDRINA poderia dispor, isto é, 50% do imóvel.

4. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

A despeito de prejudicado o exame do dissídio jurisprudencial em razão do acolhimento da pretensão recursal pela alínea “a” do permissivo constitucional, o recurso especial não se mostra cognoscível, no ponto, ante a ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma.

5. CONCLUSÃO.

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de que declarar a nulidade parcial da escritura pública de doação, a fim de resguardar a legítima dos herdeiros necessários. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.708.951 – Sergipe – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 16.05.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.