1ªVRP/SP: Carta de Arrematação. Princípio da Continuidade ou do Trato Sucessivo e Trato Contínuo.


  
 

Processo 1056908-90.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1056908-90.2019.8.26.0100

Processo 1056908-90.2019.8.26.0100 – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Dúvida – Cancelamento de Hipoteca – Luiz Pedroso dos Santos – Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por Luiz Pedroso dos Santos em face do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da carta de arrematação extraída do processo nº 0012996-56.2008.28.26.0100, que tramitou perante o MMº Juízo da 20ª Vara Cível da Capital, ajuizada pelo Edifício e Condomínio Brás IX em face de Paulo Jorge Arruda Mitoso, na qualidade de compromissário comprador sem título registrado, referente ao imóvel objeto da matrícula nº 126.270. O óbice registrário refere-se à violação ao princípio da continuidade registrária, tendo em vista que o executado não é proprietário do imóvel, não havendo prova de que Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB, atual titular de domínio, tenha sido intimada nos mencionados autos. Insurge-se o suscitante acerca do óbice registrário sob o argumento de que a COHAB não outorgou escritura definitiva ao compromissário e tendo em vista que não houve o pagamento foi proposta ação de cobrança sem sucesso, contudo, por se tratar de débitos condominiais, que constituem obrigação propter rem, o imóvel respondeu pelas dívidas e, levado a leilão judicial, foi arrematado pelo suscitante. Juntou documentos às fls.74/107. O Ministéri Público opinou pela procedência da dúvida (fls.119/122). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real, como já está pacificado pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura. Nesse sentido a decisão do Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 464-6/9, São José do Rio Preto): “Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, o exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”. Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular. Feitas estas considerações, passo a análise do mérito. Importante destacar o entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, em Código Civil Comentado: “O princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo, está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.105/73. Expressa a regra que ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e quantidade diversa dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve haver uma cadeia de titulares, à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação”. Sobre o tema merece ser citado Narciso Orlandi, para quem: ” No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56). Portanto, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula, caso contrário traria insegurança jurídica ao Registro de Imóveis. Na presente hipótese, conforme verifica-se da matrícula de fls.105/106, a titular de domínio é a COHAB, a qual não figurou no pólo passivo da ação, que originou a arrematação do imóvel em questão, logo, em consonância com o princípio da continuidade devem primeiro ser registrados os títulos que levaram Paulo Jorge a adquirir o domínio, para posteriormente ter ingresso a carta de arrematação. Assim deve haver um encadeamento entre os registros na matrícula ou transcrição do imóvel, de modo que determinado direito só pode ser alienado ou transferido caso seu titular dele tenha disponibilidade, assim constatado no fólio registral, a evitar que qualquer pessoa transmita a terceiros mais direitos do que possui. No mais, é certo que os títulos originários não estão sujeitos ao princípio da continuidade por sua natureza constitutiva, pois nesta forma de aquisição da propriedade não há a transmissão de um sujeito para outro. Todavia, a matéria restou pacificada pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura, que reconheceu a arrematação como forma derivada de aquisição da propriedade: “REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação Título judicial que não escapa à qualificação registral Forma derivada deaquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Cancelamento objetivado, com a finalidade de possibilitar a inscrição do título, que não comporta exame na via administrativa – Dúvida julgada procedente Recurso não provido” (APELAÇÃO CÍVEL:1061979-44.2017.8.26.0100, DATA DE JULGAMENTO:23/04/2018 DATA DJ:23/05/2018, Rel: Des. RELATOR: Geraldo Francisco Pinheiro Franco). “REGISTRO DE IMÓVEIS CARTA DEARREMATAÇÃO FORMA DERIVADA DEAQUISIÇÃODA PROPRIEDADE EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE RECURSO DESPROVIDO” (TJSP; Apelação 1047731-10.2016.8.26.0100; Relator: Des. Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/09/2017; Data de Registro: 16/10/2017) Como destaca o MMº Juiz de Direito Drº Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112). E ainda, de acordo com a observação feita pelo mencionado magistrado, “a arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118). Logo, na presente hipótese, não se tratando de aquisição originária, houve o rompimento do encadeamento sucessivo de titularidade, ferindo consequentemente o princípio da segurança jurídica que dos atos registrários se espera. Por fim, conforme observado pelo D. Promotor de Justiça, o instrumento juntado às fls.80/85, refere-se a compromisso de venda e compra, que não constitui título translativo da propriedade, logo, mesmo que registrado, o suscitante não poderia adquirir o domínio do bem, mas apenas os direitos do compromissário comprador. Diante do exposto, julgo procedente a dúvida inversa suscitada por Luiz Pedroso dos Santos, em face do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: PRISCILA MARIA DE SOUZA MONTEIRO (OAB 331933/SP)

Fonte: DJe/SP de 24.07.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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