Pandemia do coronavírus não pode ser usada para rompimento do convívio parental


  
 

A Justiça do Mato Grosso restabeleceu a convivência entre pai e filha que foram afastados após viagem da mãe, levando a menina, para o interior do estado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a juíza Angela Gimenez, da 1ª Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, determinou que a genitora retorne com a menina para a capital. Em seu entendimento, a pandemia do coronavírus e os demais argumentos apresentados pela requerida não justificam a transgressão da guarda compartilhada.

A mãe havia pleiteado a suspensão temporária do direito de convivência do pai ante à situação de distanciamento social por conta da proliferação da COVID-19. Com a suspensão das aulas da filha, a genitora optou por ficar em uma cidade menor, onde a doença não se alastrou, visando o bem-estar da criança.

A magistrada indeferiu o pleito e deu o prazo de cinco dias para retorno da mãe com a filha, sob pena de busca e apreensão da criança. Até a chegada à cidade, o pai deverá ter informações e contato com a filha por meio de recursos digitais, como WhatsApp. Em sua decisão, a juíza destacou que o momento de pandemia exige condutas excepcionais, mas não pode colocar em risco os direitos das crianças, como o convívio com os dois genitores, o que comprometeria seu pleno desenvolvimento.

A mãe ainda pediu a reconsideração da decisão que regulamentou a convivência paterno-filial para que ocorra em todos os finais de semana e às quintas-feiras, alegando que, por estar em período final da faculdade, há uma sobrecarga de afazeres. O pedido foi parcialmente deferido pela magistrada.

Evolução na jurisprudência

Angela Gimenez aponta que a pandemia do coronavírus e as consequentes recomendações das autoridades sanitárias levaram a um aumento das ações sobre o direito à convivência. Mães, na grande maioria dos casos, passaram a entender que as crianças, mesmo as que se encontravam sob o regime de guarda compartilhada, não poderiam conviver com seus dois genitores pois estariam expostas aos perigos da contaminação.

Desde o início da pandemia, houve uma evolução na jurisprudência sobre o tema. “Nos primeiros dias, notamos algumas decisões liminares que mantiveram o status quo da criança, fazendo com que ela permanecesse, por tempo indeterminado, com quem ela estivesse no momento em que a pandemia se instalou”, observa a magistrada.

“No entanto, com o passar dos dias, reconheceu-se que a permanência indiscriminada das crianças com apenas um genitor, por longo tempo, não se afinava com o princípio da proteção integral infanto-juvenil, e que o trabalho a ser feito era o de análise particular de cada caso, com o objetivo de se apurar as melhores condições de proteção e cuidado dos filhos em cada família.”

Desta forma, os juízes passaram a analisar cada pedido de convívio sob a ótica do modelo legal vigente, que é o compartilhamento do tempo dos filhos com seus dois genitores. “Não havendo diferenciação das condições entre pais e mães, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos restou garantida, sempre com a adoção dos cuidados de higiene e de prevenção recomendados pela OMS e autoridades nacionais.”

Bem-estar da criança ou adolescente

“Era de se estimar que, dada à excepcionalidade da situação atualmente vivida, os pais e mães buscassem um consenso, evitando-se a judicialização em ocasião de notória transitoriedade, já que uma nova demanda gera ônus para as partes, ônus para o Poder Judiciário e elevado desgaste para os filhos”, lamenta a magistrada.

Para assegurar o bem-estar da criança ou adolescente, neste contexto de pandemia, Angela aponta que, além das recomendações sanitárias, também é necessário o compartilhamento equilibrado do tempo do filho com os dois genitores. Alguns critérios devem ser observados, como os que ela elenca: evitar o translado da prole em espaços curtos de tempo; verificar a saúde dos genitores e dos filhos; atenção a eventuais situações – como pais que estejam em trabalho essencial, sejam grupo de risco ou residam em condições de menor salubridade –, dentre outros fatores.

“A permanência da criança somente com um genitor – e aqui diremos a mãe, já que o número de mães que têm permanecido com os filhos é bem superior – pode trazer consequências danosas para sua segurança e desenvolvimento, assim como perpetua uma desigualdade entre homens e mulheres”, defende Angela.

Segundo a juíza, a situação provoca, entre outras atribulações: a sobrecarga à mãe; sofrimento e angústia dos filhos pelo afastamento dos pais, com associação do “sumiço” à morte; a ansiedade e tensão entre adultos, o que pode levar à reprovável aplicação de castigos físicos aos filhos; e repercussões na pensão alimentícia, como atraso ou não pagamento.

“Tendo em mente que os itens citados são meros exemplos, uma vez que muitas outras consequências poderão ser enfrentadas, é que, também, durante a pandemia, a guarda compartilhada deve ser implementada, pelo princípio da corresponsabilidade existente entre pais e mães e para se garantir o desenvolvimento integral dos filhos”, assinala a juíza.

Justiça do Pará também restabeleceu convívio paterno-filial

Em decisão semelhante, a Justiça do Pará concedeu tutela de urgência ao verificar que o convívio paterno-filial não estava sendo cumprido na forma acordada entre os genitores. A decisão judicial deferiu o pedido para o cumprimento imediato dos termos anteriormente estabelecidos. A ação corre em segredo de justiça.

A advogada Magda Hosn, membro do diretoria do IBDFAM seção Pará, representou o requerente. Segundo ela, o litígio entre os genitores transcorre há dois anos e vêm comprometendo acirradamente a relação entre pai e filho. Mesmo morando na mesma cidade, os dois eram impedidos de manter qualquer contato, mesmo por chamadas de vídeo. A sentença judicial conquistada recentemente foi recebida como um alento.

Em caso de descumprimento da determinação judicial pela mãe, foi estipulada multa diária, além da entrega da criança ao requerente. A Justiça acatou ainda o pedido de compensação para que o menor passe as férias escolares integralmente na companhia do pai, ante o descumprimento do acordo pela genitora.

Alienação parental

Segundo Magda, o mais recente afastamento do convívio paterno-filial ocorreu por decisão arbitrária e unilateral, sob a égide do isolamento social a ser cumprido por conta da COVID-19. O argumento era de que o distanciamento visava poupar a criança da contaminação pela doença.

Na opinião da advogada, houve uma clara tentativa de alienação parental ao se “aproveitar” das recomendações dos órgãos de saúde em meio à pandemia para afastar o genitor do convívio com o filho. O objetivo foi atingindo por 60 dias, visto as limitações do Poder Judiciário no atual período.

“Tão facilmente desnudado em nosso pedido em tutela de urgência para que o convívio fosse urgentemente restabelecido, como assim se dera integralmente atendido pelo juízo, e incluídas as devidas e possíveis compensações pelos dias paternos perdidos”, avalia Magda. “Resultado de um dos decisórios mais perfeitos e acabados, e, principalmente, mais humanos, pois é para tal que o Direito existe”.

Falta previsão legal para momento de pandemia

A decisão alcançada foi mais que justa, diz Magda, pois se baseou no amor e na luta do pai por seus direitos e também pelo direito do filho de conviver com ambas as figuras parentais. Ela atenta, contudo, que não há qualquer previsão legal ou entendimento jurisprudencial consolidado quanto a convivência em estado de pandemia.

“O que se entende é que, apesar das crianças não estarem no dito grupo de risco da COVID-19, o eventual deslocamento entre a casa dos pais, em cumprimento ao regime de convivência regularmente estabelecido, poderia ser caminho da transmissão (da doença) entre uma casa e outra”, pondera a advogada.

“Contudo, motivos injustificados e sem qualquer fundamento legal, igualmente, não podem e não devem se consolidar como uma espécie de ‘licença’ para manter seus filhos longe do outro genitor, independente do regime de guarda, ou de quem a detenha”, defende Magda.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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