CSM/SP: Registro de Imóveis – Registro de instituição parcial e convenção de condomínio – Empreendimento que abrange uma área pertencente a dois Municípios – “Habite-se” expedido por apenas um dos Municípios em que situado o empreendimento – Quadro de avaliação do custo global da construção atualizado, instruído com certidões de valor venal emitidas pelo mesmo Município – Ausência de provas de que as construções finalizadas estão localizadas, na sua totalidade, no território desse Município, exclusivamente – Documentação insuficiente – Óbice ao registro configurado – Dúvida procedente, com manutenção da qualificação negativa do título, embora por fundamento diverso – Nega-se provimento à apelação.

Apelação Cível nº 1008593-69.2019.8.26.0152

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1008593-69.2019.8.26.0152
Comarca: COTIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1008593-69.2019.8.26.0152

Registro: 2020.0000211821

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008593-69.2019.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que é apelante HOGA CONSTRUÇÕES LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE COTIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Mantiveram a recusa do registro e, em consequência, negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1008593-69.2019.8.26.0152

Apelante: Hoga Construções Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cotia

VOTO Nº 31.110

Registro de Imóveis – Registro de instituição parcial e convenção de condomínio – Empreendimento que abrange uma área pertencente a dois Municípios – “Habite-se” expedido por apenas um dos Municípios em que situado o empreendimento – Quadro de avaliação do custo global da construção atualizado, instruído com certidões de valor venal emitidas pelo mesmo Município – Ausência de provas de que as construções finalizadas estão localizadas, na sua totalidade, no território desse Município, exclusivamente – Documentação insuficiente – Óbice ao registro configurado – Dúvida procedente, com manutenção da qualificação negativa do título, embora por fundamento diverso – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Hoga Construções Ltda. contra r. sentença que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa do registro de instituição parcial, especificação e convenção do Condomínio Horizontal “Bosque dos Pássaros” junto à matrícula nº 107.485 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cotia/SP, confirmando os óbices apresentados pelo registrador pois inviável a prática do ato registral a partir do “habite-se” concedido apenas sobre parte do empreendimento, bem como porque indispensável a certidão de inexistência de débito tributário e de regularidade da construção a ser emitida pelo Município de Cotia/SP (fl. 412/414).

Na nota de devolução expedida, o Sr. Oficial Registrador formulou as seguintes exigências: a) apresentar certidões negativas de tributos imobiliários referentes ao imóvel e de tributos mobiliários em nome da proprietária e incorporadora, bem como certidões de valor venal e número cadastral emitidas pelo Município de Cotia/SP; b) apresentar o “habite-se” e CND – Previdenciária referentes às áreas construídas emitidas, ou com anuência, das duas Prefeituras Municipais, referentes às 196 unidades autônomas e a todas as áreas comuns construídas, em conformidade ao projeto aprovado, pois a certidão do IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo confirma que o imóvel e suas respectivas construções são de competência territorial dos dois Municípios; c) juntar ao processo de incorporação arquivado em Cartório a via original da certidão IGC nº 513/2018, conforme decisão judicial proferida nos autos do Processo nº 1003492-85.2018.8.26.0152; d) juntar certidão da Prefeitura de Cotia/SP, anuindo à emissão do “habite-se” emitido pela Prefeitura de Vargem Grande Paulista/SP, referente às áreas construídas no limite territorial do Município de Cotia/SP; e) apresentar quadro de avaliação do custo global da construção atualizado até a data do registro, instruído com as respectivas certidões de valor venal dos Municípios de Cotia/SP e Vargem Grande Paulista/SP (fl. 39/42).

Em sua manifestação, o Sr. Oficial de Registro informou que, a despeito de suscitar dúvida inversa, o interessado não encaminhou a via original do título para protocolo (fl. 384/386).

O título, então, foi reapresentado e prenotado sob nº 301770 (fl. 392), tendo o Sr. Oficial de Registro prestado esclarecimentos (fl. 396/403).

Alega a apelante, em síntese, que para o registro da incorporação realizado na matrícula nº 107.485 (R.3) foram apresentados todos os documentos previstos no art. 32 da Lei nº 4.591/64, dentre os quais se encontra o projeto aprovado pela Prefeitura de Vargem Grande Paulista/SP, a certidão do IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo e a manifestação da Prefeitura de Cotia/SP anuindo à aprovação expedida pela Prefeitura de Vargem Grande Paulista/SP. Assim, realizado o registro da incorporação, aduz que o Oficial não pode exigir a reapresentação da documentação já analisada e aprovada, sendo que para o registro da instituição, total ou parcial, resta apenas o cumprimento do disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, item 224.1, vigente à época, o que foi atendido. Defende a possibilidade de instituição parcial, citando precedentes que permitem o registro da especificação relativamente às partes já edificadas, o que justifica a apresentação do “habite-se” parcial e averbação apenas das construções concluídas, com afastamento de todos os óbices apresentados pelo Oficial (fl. 420/435).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 449/452).

É o relatório.

2. O empreendimento “Bosque dos Pássaros” foi implantado sobre imóvel cujo perímetro abrange dois Municípios, certo que já efetuado o registro da incorporação. Pretende agora a apelante registrar a instituição parcial, especificação e convenção de condomínio horizontal, o que foi negado pelo Sr. Oficial registrador.

Desde logo, há que ser afastada a exigência, fundada no art. 32 da Lei nº 4.591/64, de apresentação de certidões negativas de tributos imobiliários referente ao imóvel e de tributos mobiliários em nome da proprietária e incorporadora (item 1 da Nota de Devolução a fl. 39/41). Isso porque, uma vez efetivado o registro da incorporação (R.03/107.485 – fl. 58 e AV.08/107.485 – fl. 117), concluise que todos os requisitos necessários à prática do ato foram atendidos, sendo inviável a complementação da documentação apresentada ao Oficial de Registro de Imóveis depois de finalizado o procedimento.

Pela mesma razão, não subsiste a exigência de juntada, no procedimento de incorporação arquivado na serventia extrajudicial, do original da certidão IGC nº 513/2018, emitida pelo IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo, conforme determinado nos autos do Processo nº 1003492-85.2018.8.26.0152 (item 1.3 da Nota de Devolução a fl. 39/42). Até porque, eventual descumprimento da ordem judicial proferida em outro processo deverá ser debatida naqueles autos e não, no presente procedimento de dúvida.

No mais, importa lembrar que a instituição ocorre quando o empreendimento já está pronto e acabado, total ou parcialmente, dependendo, pois, da apresentação do “habite-se” ou documento equivalente, expedido pela Prefeitura segundo o projeto de construção aprovado e arquivado na incorporação, além da certidão negativa de débitos da obra.

Não se desconhece, por certo, a possibilidade do registro de instituição parcial de condomínio, o que vem sendo amplamente admitido pela jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura[1]. Contudo, a controvérsia existente no caso concreto é de natureza diversa, como veremos.

Entende a apelante que, uma vez registrada a incorporação, os documentos já apresentados são suficientes para a prática do ato agora pretendido, consoante disposto no item 224.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça então vigente. Em sua atual redação, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, assim preveem:

“219. A instituição e especificação de condomínio serão registradas mediante a apresentação do respectivo instrumento público ou particular, que caracterize e identifique as unidades autônomas, ainda que implique atribuição de unidades aos condôminos, acompanhado do projeto aprovado e do “habite-se”, ou do termo de verificação de obras em condomínio de lotes.

219.1. Para averbação da construção e registro de instituição cujo plano inicial não tenha sido modificado, será suficiente requerimento que enumere as unidades, com remissão à documentação arquivada com o registro da incorporação, acompanhado de certificado de conclusão da edificação e desnecessária anuência dos condôminos.

219.2. Quando do registro da instituição, deve ser exigida, também, a convenção do condomínio, que será registrada no Livro nº 3.”

O dissenso está, portanto, na necessidade de apresentação, para o registro da instituição parcial do condomínio, do

“habite-se” expedido tanto pela Prefeitura de Vargem Grande Paulista/SP, como também pela Prefeitura de Cotia/SP, ou anuência desta em relação ao “habite-se” expedido por aquela, assim como de apresentação do quadro de avaliação do custo global da construção, atualizado até a data do registro, instruído com as respectivas certidões de valor venal de ambos os Municípios.

E quanto a essas exigências, cumpre observar que o registrador não se refere à obrigatoriedade de construção de toda área comum, mas sim, de comprovação da regularidade, mediante apresentação do “habite-se” expedido por ambas as Prefeituras, relativo às casas e áreas comuns já construídas.

Inexiste nos autos prova de que as construções finalizadas, referidas no “habite-se” expedido pela Municipalidade de Vargem Grande Paulista/SP (fl. 368/369) e na certidão negativa de débitos apresentada (fl. 370/371), estejam localizadas, na sua integralidade, no território do referido Município, exclusivamente. Com essa prova, a exigência formulada pelo registrador, no que se refere à apresentação do “habite-se” também pela Municipalidade de Cotia/SP, poderia, em tese, ser afastada.

Veja-se que no título apresentado a registro (fl. 283/367) há referência ao memorial de incorporação (fl. 284) e, quanto a este, houve, à época da incorporação, anuência do Município de Cotia/SP em relação ao projeto aprovado pelo Município de Vargem Grande Paulista/SP (fl. 282). Logo, não se pode presumir que todas as edificações finalizadas, sejam aquelas de uso exclusivo, sejam aquelas de uso comum, encontram-se fora do Município de Cotia/SP.

E sem a prova de que as edificações finalizadas estão localizadas apenas no território de Vargem Grande Paulista/SP, não basta a apresentação do “habite-se” expedido por esse Município para o pretendido registro.

Pelo mesmo motivo, mostra-se insuficiente a apresentação do quadro de avaliação do custo global da construção acompanhado das respectivas certidões de valor venal emitida por um dos Municípios, uma vez que o instrumento de instituição de condomínio não indica em qual deles estão as casas e as partes de uso comum já edificadas.

Tal conclusão é reforçada pelo teor da certidão expedida pelo IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo, dando conta de que “o imóvel, conforme planta planimétrica, que me foi fornecida, matrícula nº 107.485 – RI Cotia, propriedade de Hoga Construções Ltda., pertence à jurisdição territorial dos MUNICÍPIOS DE COTIA – 87,46% (oitenta e sete inteiros e quarenta e seis centésimos por cento) da área, e de VARGEM GRANDE PAULISTA – os 12,54% (doze inteiros e cinquenta e quatro centésimos por cento) restantes” (fl. 378/380).

Nesse cenário, ainda que a exigência de apresentação do “habite-se” e do quadro de avaliação do custo global da construção atualizado, instruído com as respectivas certidões de valor venal dos Municípios de Cotia/SP e Vargem Grande Paulista/SP, não se justifique – eis que nada indica que as edificações estão localizadas no território de ambos os Municípios – o fato é que, exatamente porque não há prova da localização de tais edificações, os documentos apresentados são insuficientes para o pretendido registro.

Anote-se, por fim, que a apelação devolve integralmente a análise da qualificação do título, de forma que a recusa de registro deve ser mantida, ainda que por fundamento diverso daquele apresentado pelo Sr. Oficial registrador.

3. Diante do exposto, pelo meu voto, embora por fundamento diverso, mantenho a recusa do registro e, em consequência, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Nota:

[1] CSMSP – Apelação Cível: 72.874-0/0; CSMSP – Apelação Cível: 10.292-0/0. (DJe de 14.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido

Apelação n° 1012042-66.2019.8.26.0562

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1012042-66.2019.8.26.0562
Comarca: SANTOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1012042-66.2019.8.26.0562

Registro: 2020.0000211820

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1012042-66.2019.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante ODILON LUIZ ROCHA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1012042-66.2019.8.26.0562

Apelante: Odilon Luiz Rocha

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 31.096

Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido.

1. Trata-se recurso de apelação interposto por Odilon Luiz Rocha, visando a reforma da sentença de fls. 53/61, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Santos, mantendo a recusa de ingresso do pedido de registro de escritura pública de doação dos imóveis objeto das matrículas nºs 15.700 e 15.701, por falta de registro de formal de partilha do doador, caracterizando ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade.

A Nota de Exigência indicou como motivos de recusa do ingresso do título: “pelo que se apura da escritura de doação apresentada, há desrespeito ao princípio da continuidade e disponibilidade registral, posto que o doador, José Roberto Torelli, adquiriu a fração de 25% dos imóveis enquanto casado com Odaléa Rocha, sendo que, após alterado o seu estado civil para divorciado, conforme consta da Certidão de Casamento, não foi apresentado nesta serventia o formal de partilha oriundo do divórcio formalizado entre as partes, ato este que seria necessário à prévia doação de sua fração ideal sobre os referidos bens” (fls. 2).

O recurso sustenta, em resumo, que José Roberto Torelli e Odaléa Rocha, quando casados, adquiriram fração ideal de 25% dos imóveis objeto das matrículas nºs 15.700 e 15.701. Pretendendo o apelante doar 12,5% da parte ideal para a ex-esposa, proprietária dos outros 12,5% da mesma fração, não haveria impedimento por conta da ausência de partilha dos bens, vez que não há dúvidas da propriedade doada entre os comunheiros. Que pelo fato da doação se dar entre os ex-cônjuges, cientes da quota parte de cada um sobre o patrimônio comum, não haveria motivos para o impedimento do registro. Pretende o acolhimento do recurso, julgando-se improcedente a dúvida (fls. 66/68).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 95/97).

É o relatório.

2. Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.

Consta da escritura de doação de fls. 7/9 que o apelante José Roberto Torelli, qualificado como divorciado, doava para sua ex-esposa, Odaléa Rocha, 12,5% (doze e meio por cento) dos imóveis matrículas nºs 15.700 e 15.701, do 2º Registro de Imóveis de Santos. Consta, ainda, da escritura:

“II) Que ele OUTORGANTE DOADOR, adquiriu a fração ideal de 12,5 (doze e meio por cento) dos imóveis nos termos da escritura pública de compra e venda de 22 de março de 1985, lavrada nas Notas do 4º Tabelião Interino da Comarca de São Bernardo do Campo, deste Estado, conforme se verifica dos registros feitos sob o número 02, nas citadas matrículas números 15.700 e 15.701 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos, deste Estado, declarando ainda que, na época desta aquisição era casado com a ora DONATÁRIA, e quando da dissolução de seu matrimônio, os bens imóveis que estão doados por meio desta não foram objeto de partilha de bens, razão pela qual, após o divórcio, ficou possuindo a fração ideal de 12,5% (doze e meio por cento) sobre os referidos bens, uma vez que o extinto casal adquiriu conjuntamente a fração ideal de 25% (vinte e cinco por cento) dos bens, naquela ocasião” (fls. 7).

O casamento entre José Roberto Torelli e Odaléa Rocha ocorreu em 07.01.1981, sob o regime da comunhão parcial de bens (fls. 11). Segundo o R. 2, da matrícula nº 15.700, houve aquisição, por José Roberto e Odaléa, de 25% da propriedade ideal do imóvel, em 05.06.1985. Na Av. 6, datada de 11.01.2010, houve averbação do divórcio dos mesmos, sem informações sobre a partilha de bens do casal. O mesmo em relação à matrícula nº 15.701.

Em que pese a averbação do divórcio junto às matrículas e o fato da doação dar-se em favor da comunheira do bem, não é possível a alienação de parte ideal do bem imóvel por quem não ostente a condição de propriedade exclusivo desta parte ideal, mas sim de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Da análise da matrícula, conclui-se que parte ideal de 25% dos imóveis está registrada em nome de José Roberto e Odaléa, por força da aquisição onerosa na constância da sociedade conjugal, sem que haja registro da partilha de tal propriedade, atribuindo-a exclusivamente a cada um dos ex-cônjuges.

O art. 195, da Lei nº 6.015/1973, estabelece:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Deste comando decorre o princípio da continuidade registral, exigindo que novo título que ingresse no fólio se ampare no registro anterior em seus aspectos subjetivos e objetivos. Não há como se inscrever na matrícula ato jurídico que não tenha por base registro anteriormente constante da matrícula.

Não consta da matrícula registro da partilha e, por consequência, da propriedade de 12,5% do imóvel em nome do doador, mas sim a propriedade em comunhão com sua ex-esposa em 25% do bem. E tal comunhão, decorrente do regime de bens, não cessa com o fim da sociedade conjugal, mantendo-se a mancomunhão por força do regime de bens até que haja decisão ou acordo de partilha da propriedade.

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio.

Há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, exigindo o prévio registro da partilha para atos de disposição do comunheiro:

“Divórcio consensual sem partilha de bens. Bem imóvel em mancomunhão. Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio. Violação do princípio da continuidade. Inviabilidade do registro de doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges. Pena da violação ao princípio da continuidade. Recurso provido (CSM – Ap. 1041935-33.2019.8.26.0100 – rel. – Des. Pinheiro Franco – j. 19.09.2019).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de pessoas casadas – Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada – Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio – Princípio da Continuidade – Além disso, a inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel – Impossibilidade da consideração de situações jurídica não inscritas no registro imobiliário – Recurso não provido (CSM – Ap. 1000237-38.2018.8.26.0664 – rel. Des. Pinheiro Franco – j. 12.11.2018)”.

Desta forma, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, não há como ingressar no registro título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que a donatária seja a ex-cônjuge e também comunheira sobre o bem.

3. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 14.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de arrematação expedida em ação de execução por débitos condominiais – Hipoteca concedida no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação que não impede o registro da carta de arrematação, porque não torna o imóvel indisponível – Credor hipotecário, ademais, que foi intimado e interveio na ação de execução para pleitear a preferência no recebimento de seu crédito. Arrematação que recaiu sobre a propriedade do imóvel – Ação de execução movida contra compromissários compradores – Princípio da continuidade – Dúvida inversa julgada procedente – Recurso não provido.

Apelação n° 1007712-39.2017.8.26.0451

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007712-39.2017.8.26.0451

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1007712-39.2017.8.26.0451

Registro: 2020.0000211825

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007712-39.2017.8.26.0451, da Comarca de (…), em que é apelante R. G., é apelado 1 O. DE R. DE I. E A. DA C. DE P..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007712-39.2017.8.26.0451

Apelante: R. G.

Apelado: 1 O. de R. de I. e A. da C. de P.

VOTO Nº 31.111

Registro de Imóveis – Carta de arrematação expedida em ação de execução por débitos condominiais – Hipoteca concedida no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação que não impede o registro da carta de arrematação, porque não torna o imóvel indisponível – Credor hipotecário, ademais, que foi intimado e interveio na ação de execução para pleitear a preferência no recebimento de seu crédito.

Arrematação que recaiu sobre a propriedade do imóvel – Ação de execução movida contra compromissários compradores – Princípio da continuidade – Dúvida inversa julgada procedente – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou a dúvida inversa procedente e manteve a recusa do registro da carta de arrematação do imóvel objeto da matrícula nº (…) do 1º R.I.T.D.C.P.J.C.P., que foi extraída de ação de execução movida pelo Condomínio Edifício D. contra J.W.A. e R.F.P.A., por ausência de continuidade do registro e porque o credor hipotecário que recebeu o bem em garantia de financiamento concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação não anuiu com a transmissão do imóvel.

O apelante alegou, em suma, que arrematou o imóvel em hasta pública realizada no Processo nº 0012746-71.2001.8.26.0451 da 3ª Vara Cível da Comarca de (…), sendo imitido na posse. Afirmou que a arrematação foi promovida em ação de execução de despesas condominiais e teve por objeto o domínio do imóvel por se tratar de obrigação propter rem, conforme decidido naquela ação. Asseverou que o credor hipotecário moveu ação autônoma, contra o proprietário do imóvel, para a execução do seu crédito (Processo nº 0010272-98.1999.8.26.0451 da 5ª Vara Cível de (…)). Aduziu que os compromissários compradores do imóvel ficaram sub-rogados na obrigação de pagar as parcelas do financiamento e as despesas condominiais. Esclareceu que a realização da praça do imóvel foi comunicada para o juízo da ação de execução hipotecária que intimou os proprietários por meio de publicação no DJe. Desse modo, o proprietário do imóvel foi intimado da praça por intermédio dos advogados que constituiu na ação de execução hipotecária. Informou que depois da sua apresentação para registro foi a carta de arrematação desfeita por decisão prolatada pelo juízo da execução, mas essa decisão foi suspensa em agravo de instrumento. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro da carta de arrematação (fls. 182/193).

O Juízo da ação de execução das despesas condominiais, a seguir, comunicou que anulou a carta de arrematação, por r. decisão prolatada em 26 de agosto de 2019, em razão da discordância do arrematante com a alteração da praça para constar que a arrematação disse respeito aos direitos de compromissários compradores de que os executados são titulares (fls. 237/238).

O julgamento foi convertido em diligência para a manifestação do apelante que informou que a decisão que desconstituiu a arrematação foi suspensa em tutela antecipada concedida em agravo de instrumento (fls. 244/245 e 248/250).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 256/257).

É o relatório.

2. Foi apresentada para registro a carta de arrematação do imóvel objeto da matrícula nº (…) do 1º R.I.T.D.C.P.J.C.P., extraída de ação de execução que teve curso perante a 3ª Vara Cível daquela Comarca (Processo nº 0012746-71.2001.8.26.0451), movida pelo Condomínio Edifício D. contra J.W.A. e R.F.P.A. (fls. 19/118).

A comunicação, pelo juízo da ação de execução, de que anulou a carta de arrematação (fls. 231 e 237/238) não prejudica o prosseguimento da dúvida porque os efeitos dessa decisão foram suspensos mediante tutela recursal concedida no Agravo de Instrumento nº 2235448-55.2019.8.26.0000, da Col. 32ª Câmara de Direito Privado (fl. 250).

Diante disso, eventual insubsistência da arrematação do imóvel, por fato futuro, poderá ensejar o cancelamento do seu registro, desde que mediante decisão na ação de execução, com expedição do mandado de cancelamento pelo juízo competente.

O registro da carta de arrematação foi recusado com fundamento na ausência de continuidade, uma vez que o imóvel é de propriedade de V.B.A. e sua mulher, A.C.D.B.A., e da existência de hipoteca constituída pelos proprietários em favor do Banco do Estado de São Paulo S.A. (fls. 26/27 e 141).

A certidão da matrícula demonstra que o imóvel foi hipotecado em favor do Banco do Estado de São Paulo S.A. e foi penhorado em ação de execução movida pelo credor hipotecário, com registro da penhora promovido em 27 de dezembro de 2000 (fls. 26/27).

Os registros da hipoteca e da penhora em favor do credor hipotecário não impedem o registro da arrematação realizada em ação de execução movida pelo condomínio porque não se cuida de hipoteca cedular, ou de outra garantia de que decorra a indisponibilidade do imóvel, pois a obrigatoriedade da anuência do credor para a transferência do financiamento, prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.004/90, somente incide na hipótese de alienação voluntária de que decorra a transferência do financiamento:

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora“.

Ademais, conforme a carta de arrematação, o credor hipotecário foi intimado da nova penhora e da praça do imóvel e formulou pedido de preferência para o recebimento de seu crédito, o que implicou na instauração de concurso de credores que foi decidido pelo juízo da execução (fls. 78 e 89).

Por esses motivos, o registro não é impedido pela falta da anuência do Banco do Estado de São Paulo S.A. com a transmissão da propriedade do imóvel.

Contudo, o registro da arrematação do imóvel depende da prévia aquisição do domínio pelos executados, ou do reconhecimento, pelo juízo da execução, de que os proprietários estão sujeitos aos efeitos da arrematação.

Assim porque a ação de execução das despesas condominiais foi movida contra compromissários compradores que não são titulares da propriedade e, neste caso concreto, não são titulares de direito real de outra natureza porque não promoveram o registro do compromisso de compra e venda.

Diante disso, o registro da arrematação é impedido pela ausência de continuidade entre o proprietário do imóvel e as partes da ação de execução. Nesse sentido:

O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Afranio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª ed., 1998, Rio de Janeiro: Forense, p. 253).

O respeito à continuidade não se altera pela comunicação da praça ao juízo da ação de execução hipotecária que teria intimado os proprietários por meio dos advogados que constituíram naquele processo.

Assim porque não houve o reconhecimento, na ação em que a arrematação foi realizada de que os proprietários do imóvel, que não foram partes daquele feito, estão sujeitos aos efeitos da arrematação.

Ao contrário, o juízo da ação de execução decidiu, de forma expressa, que os efeitos da arrematação não prevalecem em relação aos proprietários do imóvel, porque foi movida contra os compromissários compradores (fls. 237/238).

A natureza propter rem da obrigação de pagar as despesas condominiais permite a cobrança do débito contra o adquirente do imóvel, mas não altera a condição de titular de direitos meramente obrigacionais em relação ao compromissário comprador que não registrou o contrato de compromisso de compra e venda.

Por fim, o contrato particular de compromisso de compra e venda celebrado entre os proprietários e o executado (fls. 114/116) não foi protocolado para registro, pois o único título apresentado para essa finalidade foi a carta de arrematação (fl. 135).

E o apelante não pretende o registro da aquisição dos direitos de compromissário comprador, o que impede a análise dos requisitos para a prática desse ato.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 16.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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