Juiz impede apreensão de papagaio por bem-estar e vínculo afetivo do animal com tutora


  
 

Uma mulher conseguiu na Justiça o direito a manter em casa um papagaio que vive com ela há mais de 30 anos. A ação foi ajuizada contra o Estado de São Paulo e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA para a regularização da convivência e o impedimento da apreensão do animal silvestre. A decisão é da 3ª Vara Federal de Santos, em São Paulo.

Na ação, a autora pediu que os órgãos se abstenham de aplicar quaisquer sanções pela posse irregular do papagaio Leco. Ela criava o animal sem o conhecimento da lei ambiental e de que não poderia mantê-lo em ambiente doméstico. Em sua decisão, o magistrado reconheceu o vínculo afetivo entre a autora e o papagaio, comprovado pelo bem-estar da ave.

A sentença lembra que a Lei 9.605/1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas a condutas lesivas ao meio ambiente, prevê que a aplicação de pena pode ser afastada caso a espécie não seja ameaçada de extinção. O juiz também ressaltou que o animal em questão sequer tem condições de ser reintroduzido ao habitat, já que sofre limitações que o impedem de voar e seus 30 anos já são similares ao tempo que poderia sobreviver na natureza.

Judiciário tem sido sensível a casos do tipo

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM trata da preservação do afeto entre humanos e animais de estimação em seu enunciado 11: “Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”.

Para o juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, a decisão da Justiça de São Paulo foi “correta e, sobretudo, necessária no tempo em que vivemos”. Segundo ele, o Poder Judiciário tem se mostrado atento e sensível às relações afetivas nutridas entre animais humanos e não humanos.

“Mostra disso é que o STJ vem priorizando o bem-estar animal em seus mais recentes julgados, como o fez ao assegurar o direito de visitas dos pais humanos à cadelinha yorkshire Kim (REsp. 1.713.167/SP, DJe de 09/10/18) e ao declarar o direito de o papagaio Tafarel permanecer com seus tutores (REsp. 1.483.969/CE, DJe de 23/10/14)”, cita o magistrado.

Ele aponta que o caso ocorrido em Santos é diferente por se tratar de animal silvestre, e a natureza, seu habitat, não poderia ser reproduzida em ambiente doméstico. “Todavia, em casos excepcionais, como os dos papagaios Leco e Tafarel, a permanência ao lado de seres humanos que lhes destinaram tratamento afetuoso por mais de uma década
representa fator mais do que suficiente para a legitimação da situação”, defende.

“A longa duração da convivência atribuiu características especiais não só à relação entre humanos e não humanos, como também aos próprios bichos, que, por conta disso, acabaram sendo ‘domesticados’ e poderiam enfrentar sérias dificuldades em se adaptar à natureza selvagem ou à vida em cativeiro”, acrescenta Calmon.

Lacuna na legislação brasileira

“Nossa legislação, a respeito do Direito Animal, é ampla e variada, mas talvez precise ser atualizada”, acredita o juiz. Ele atenta que, apesar de diversas espécies normativas terem sido editadas entre as décadas de 1960 e 1990, o Código Civil de 2002 continua considerando os animais, indistintamente, como coisas.

“Ao que parece, a mentalidade continua sendo excessivamente antropocêntrica e a preocupação do legislador se resume ao fato de eles não serem maltratados pelos seres humanos, o que é positivo, mas insuficiente. Talvez a visão precise ser alterada para algo centralizado no pensamento eco ou, no mínimo, biocêntrico, com o objetivo de que se contemple o bem-estar animal de um modo geral, o que inclui o reconhecimento de sua senciência e do afeto por eles nutrido pelos seres humanos e vice-versa”, propõe o magistrado.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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