PROVIMENTO 10/2020 REGULAMENTA ATOS NOTARIAIS ELETRÔNICOS NO ESTADO DA BAHIA

PROVIMENTO CONJUNTO Nº CGJ/CCI – 10/2020 GSEC

Regulamenta e autoriza atos notariais eletrônicos e por videoconferência, no âmbito dos tabelionatos de notas do Estado da Bahia.

O DESEMBARGADOR JOSÉ ALFREDO CERQUEIRA DA SILVA, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, e o DESEMBARGADOR OSVALDO DE ALMEIDA BOMFIM, CORREGEDOR DAS COMARCAS DO INTERIOR, no uso de suas atribuições legais e regimentais, consoante o disposto nos artigos 88 a 90 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,

CONSIDERANDO o disposto na Lei Federal no 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus (Covid-19);

CONSIDERANDO o teor da Recomendação no 45, de 17 de março de 2020, do Provimento no 91, de 22 de março de 2020, do Provimento no 93, de 26 de março de 2020, e do Provimento no 94, de 28 de março de 2020, todos da Corregedoria Nacional de Justiça, que tratam de medidas preventivas em relação ao serviço extrajudicial para a redução dos riscos de contaminação pelo novo coronavírus (Covid-19);

CONSIDERANDO o caráter imperativo do Provimento no 95, de 1º de abril de 2020 e do Provimento no 96, de 27 de abril de 2020, editados pela Corregedoria Nacional de Justiça;

CONSIDERANDO a viabilidade de utilização de recursos tecnológicos para a prática de atos notariais de forma remota e segura;

CONSIDERANDO a necessidade de padronizar a utilização e a realização dos atos notariais na forma remota, eletrônica e digital, conferindo-lhes a validade e eficácia pretendidas;

CONSIDERANDO a fé pública do tabelião, consagrada no artigo 3º da Lei Federal no 8.935, de 18 de novembro de 1994;

CONSIDERANDO a necessidade de se estabelecer meios e procedimentos para o atendimento remoto e a prática de atos notariais em ambiência exclusivamente eletrônica;

CONSIDERANDO a relevância da continuidade da prestação do serviço de notas e de preservar a saúde dos delegatários, dos seus colaboradores e dos usuários desses serviços;

CONSIDERANDO que os serviços extrajudiciais de notas e de registro são essenciais para o exercício da cidadania, para a transmissão de bens, para a obtenção e recuperação de créditos, entre outros direitos;

CONSIDERANDO que as atividades notariais e de registro, mesmo exercidas em regime de direito privado, derivam de delegação do Poder Público e estão sujeitas ao controle e fiscalização do Poder Judiciário;

RESOLVEM:

Art. 1º. Os Tabelionatos de Notas do Estado da Bahia estão autorizados a receber requisições de serviços e praticar atos notariais sob a forma digital, sem o uso de certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas – IPC-Br, de acordo com as diretrizes deste Provimento;

Art. 2º. A verificação da capacidade das partes e a formalização da vontade externada por meio eletrônico – sem o uso de certificado padrão ICP-Br –, poderão ser feitas remotamente, através de videoconferência, utilizando-se plataforma digital apta a garantir a segurança e autenticidade do ato, a critério do notário;

§ 1º. A manifestação de vontade por videoconferência será admitida em qualquer ato, exceto para o testamento público e a aprovação do cerrado;

§ 2º. Os atos serão lavrados, respeitando-se os dias e horários regulamentares de funcionamento das serventias extrajudiciais, mas a videoconferência para a coleta da manifestação de vontade das partes poderá ser realizada em qualquer dia e horário, de acordo com a disponibilidade do Tabelião ou de seus prepostos.

Art. 3º. A identidade das partes poderá ser atestada remotamente pelos seguintes meios, utilizados cumulativamente para a prática do ato, ou não, a critério do notário, sem prejuízo de apuração de responsabilidades:

I – exame do documento de identidade eletrônico;

II – análise do cartão de assinatura arquivado na própria serventia;

III – análise do cadastro biométrico;

IV – aposição de assinaturas por meio digital;

V – consulta à plataforma de dados públicos com a qual o tabelionato tenha estabelecido convênio.

VI- Outras diligências para aferição de identidade, capacidade e livre manifestação de vontade.

Parágrafo único. Mesmo após a realização de videoconferência ou de diligências, o notário poderá negar-se a prestar o serviço na forma digital, se não estiver seguro quanto ao preenchimento dos requisitos de validade e eficácia do ato, hipótese em que o atendimento à distância deverá ser convertido em presencial.

Art. 4º. A videoconferência será feita em ato único, com a presença virtual de todos os intervenientes, ou isoladamente, podendo ser suspensa a qualquer momento se houver necessidade de esclarecimentos complementares ou para a realização de adequações no instrumento, sem prejuízo de sua repetição em momento posterior, no mesmo dia ou em outro subsequente, tantas vezes quanto for necessário.

§ 1º. Se o instrumento for alterado após o início das videoconferências, aquelas anteriormente realizadas serão renovadas para manifestação de todas as partes e intervenientes quanto à nova redação.

§ 2º. A manifestação do último interessado, por videoconferência, torna definitiva a aceitação, considerando-se concluído o ato protocolar e sendo vedada a sua alteração.

Art. 5º. A videoconferência será conduzida pelo Tabelião ou seu preposto autorizado, cabendo-lhe as seguintes providências:

I – registrar, na abertura da gravação: a) a data e a hora do seu início; b) o número de ordem no protocolo e, se o ato já estiver lavrado, o respectivo livro e folha; c) o nome por inteiro dos participantes, cuja qualificação completa constará no instrumento lavrado;

II – proceder, com a sua prudência notarial, a verificação da identidade e capacidade dos participantes;

III – proceder à leitura do ato, que poderá ser substituída pela declaração dos participantes de que o leram anteriormente, e esclarecerá as eventuais dúvidas e questionamentos que forem feitos;

IV – colher a manifestação dos participantes, aceitando ou rejeitando o ato e, em caso de anuência, esta deve ser declarada de forma inequívoca e com todos os requisitos estabelecidos no art. 7º deste Provimento;

V – encerrará a videoconferência informando a hora do seu término.

Art. 6º. Os participantes do ato prestarão declaração expressa e inequívoca de aceitação do instrumento lavrado, que conterá os seguintes requisitos:

I – identidade, capacidade e condições pessoais do interessado no momento da videoconferência;

II – declaração verbal do interessado de que:

a) leu ou lhe foi lido o conteúdo do ato; b) compreendeu inteiramente o teor do ato; c) as declarações contidas no ato expressam, fielmente, sua vontade; d) não tem dúvidas sobre os efeitos do ato e suas consequências, em relação aos quais externa total anuência; e) aceita o instrumento tal como redigido e lavrado, e que o faz de forma irretratável, sem reservas e sem incorrer em erro, dolo, coação, fraude, má-fé ou outro vício do consentimento;

III – requerimento para que o ato seja assinado a seu rogo pelo próprio notário, providência que poderá ser substituída pela assinatura digitalizada do declarante colhida por meio da própria plataforma.

Art. 7º. A declaração de aceitação, feita em videoconferência, será autenticada no instrumento para fins do art. 215, incisos IV e V, da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e indicará:

I – data e hora em que ela se iniciou;

II – as pessoas que dela participaram;

III – o número de identificação, protocolo ou código hash da gravação fornecido pela própria plataforma.

Art. 8º. O Tabelião, ao final, assinará e encerrará o ato;

Parágrafo único. A autenticação feita pelo tabelião, referida no artigo anterior, poderá ser substituída por assinatura digital da parte, lançada com o uso de certificado digital padrão ICP-BR de que ela seja titular.

Art. 9º. O arquivo com a gravação da videoconferência será gerado e armazenado em sistema de armazenamento contratado pela serventia, com acesso restrito ao responsável pela Unidade em que foi lavrado o ato e seus prepostos;

Parágrafo único. O armazenamento da captura da imagem facial no cadastro dos intervenientes poderá dispensar a coleta da respectiva impressão digital.

Art. 10. As escrituras poderão ser lavradas de forma nato-digital, mista e físicas com seus respectivos translados digitais;

Art. 11. Fica autorizado o reconhecimento eletrônico de autenticidade da firma lançada em documento público ou particular que tenha sido digitalizado pela própria parte, mediante prévia confirmação por videoconferência:

I – da identidade e capacidade daquele que assinou;

II – da autoria da assinatura a ser reconhecida; e

III – de que a digitalização apresentada é reprodução fiel do documento fisicamente assinado.

Parágrafo único. O reconhecimento eletrônico será feito em conjunto com a autenticação da desmaterialização do documento físico em que foi lançada a assinatura autográfica, sendo devidos os emolumentos e aplicados os selos necessários para a realização de ambos os atos.

Art. 12. Pelo mesmo procedimento descrito no art. 11, poderá ser feito o reconhecimento eletrônico por semelhança em documento digitalizado pelo próprio interessado, desde que possível a comparação da firma com a ficha-padrão depositada na serventia ou disponibilizada para consulta por meio da plataforma de coleta de dados públicos mencionada no art. 2o ;

Parágrafo único. A integridade do documento será conferida por videoconferência.

Art. 13. No reconhecimento de firma por autenticidade, em documentos físicos, públicos ou privados, também poderá ser utilizada a videoconferência para verificação:

I – da identidade e da capacidade do signatário;

II – da autoria da assinatura autográfica.

Art. 14. A videoconferência poderá ser conduzida em qualquer aplicativo de livre escolha dos interessados, devendo ser arquivada a respectiva gravação;

Art. 15. O ato de reconhecimento da firma lançado remotamente independe do armazenamento da impressão digital e da abertura de ficha padrão, caso o signatário seja identificado por meio:

I – do documento de identificação eletrônico; ou

II – da plataforma referida no art. 2.

Art. 16. Será competente para a prática de atos na forma deste Provimento o Tabelião:

I – da respectiva circunscrição onde estiver localizado o bem imóvel, objeto do negócio jurídico;

II – de qualquer uma das circunscrições, quando se tratar de imóveis situados em áreas de atuação distintas;

III – do domicílio no Estado da Bahia de qualquer um dos interessados, seus representantes e demais pessoas que devam intervir no ato.

§ 1º. Na hipótese de competência territorial comum, qualquer tabelião de notas da circunscrição (localização do imóvel ou domicílio dos interessados) poderá praticar atos remotos relacionados a imóveis ou pessoas domiciliadas na mesma região geográfica.

Art. 17. Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação.

Secretaria das Corregedorias, 30 de abril de 2020.

DES. JOSÉ ALFREDO CERQUEIRA DA SILVA
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA

DES. OSVALDO DE ALMEIDA BOMFIM
CORREGEDOR DAS COMARCAS DO INTERIOR

Fonte: INR Publicações

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Vítima de abandono afetivo e material, filho consegue retirada de sobrenome do pai do registro civil

Um jovem conseguiu na Justiça o direito à retirada do sobrenome do pai de seu registro civil, bem como a inclusão do sobrenome referente à família materna. No processo, ficou comprovado o abandono afetivo e material do filho pelo genitor desde os 2 anos de idade. A decisão é do juiz Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, da 1ª Vara Cível de São Paulo.

O autor da ação argumentou que o pai nunca participou de sua infância, adolescência ou de qualquer momento de sua vida. Tanto que, ao longo dos anos, o jovem passou a não mais usar o sobrenome paterno em suas relações sociais, adotando somente o sobrenome materno, que não constava em registro, mas pelo qual já é conhecido há anos.

A sentença destacou que a “robusta documentação” e os depoimentos de testemunhas colhidos em audiência comprovam a ausência do pai na vida do filho desde a separação dos genitores. Ostentar o sobrenome paterno, em tal contexto, trouxe angústia e sofrimento ao requerente, que desenvolveu uma série de traumas psicológicos por conta do abandono.

O magistrado sustentou ainda que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto e encontra exceções na lei e na jurisprudência. “Deve-se levar em consideração as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, que pode levar uma vida atormentada, tal como se verifica no caso em análise”, salientou.

Abandono trouxe abalo emocional ao filho

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Anelise Arnold patrocinou a ação. Ela conta que o jovem tinha o desejo de retirar o sobrenome paterno desde a adolescência, mas só ingressou com o pedido ao atingir a maioridade. Entre as testemunhas, o psicólogo do rapaz confirmou que o abandono lhe causou grande sofrimento.

“O autor fez, por muitos anos, e ainda faz tratamento psicológico. Para ele, era um abalo emocional muito grande portar um sobrenome que o fazia lembrar do abandono que sofreu do pai. Durante muitos anos, ele tentou se aproximar, mas o pai se negava, dizendo que não queria contato”, conta Anelise.

Segundo a advogada, a situação de descaso se estendia a toda a família paterna. “O juiz alegou que o autor não tinha vínculo emocional e nenhuma característica daquela família que o fizesse ter orgulho do sobrenome, ao contrário do que ocorria no histórico da família materna, que o criou e fez dele a pessoa que ele é. Como não possuía sobrenome materno, o jovem também solicitou a sua inclusão.”

Pai foi contrário à ação

O Ministério Público requereu a citação do pai, que se disse contrário à exclusão de seu sobrenome no registro do filho. Argumentou que, por anos, a mãe havia impedido o contato entre eles, praticando alienação parental. Segundo ele, a progenitora teria mudado de endereço sem informá-lo e jamais reivindicou qualquer pensão ou auxílio na criação do filho.

“A partir daquele momento, foram colocadas as provas documentais e testemunhas. Várias pessoas demonstraram que, na verdade, o pai sempre teve a localização e o acesso ao filho, mas se negou a fazê-lo”, detalha Anelise.

A advogada conta que foi requerido ao genitor, sem sucesso, que apresentasse provas e testemunhas de suas alegações, além de sua participação na audiência. O pai, em contrapartida, não juntou quaisquer documentos, à exceção de duas cartas que não tiveram relevância no processo, sequer sendo citadas pelo juiz na sentença por estarem completamente fora de contexto.

Parentalidade socioafetiva

Ao final, o Ministério Público se manifestou de modo favorável ao pleito inaugural. Ao julgar a ação como procedente, o juiz atentou que a eliminação do sobrenome paterno em nada altera a condição de paternidade, que continua “íntegra e suficiente”.

Ao longo do processo, a advogada não perdeu de vista a possibilidade de suspensão do poder familiar e da própria parentalidade no registro civil do jovem. Ele poderia ter solicitado a exclusão do nome do pai nos documentos, bem como a substituição pelo nome do padrasto, com quem mantém uma relação parental socioafetiva.

“Nada disso foi requerido, afinal o autor tem amor pelo pai (biológico). Essa relação está em seu DNA. Ele achava que seria um impacto muito forte a exclusão da filiação parental em seus registros”, pondera Anelise. “Mas, caso isso fosse requerido, muito provavelmente a ação também teria sido procedente, dado o abandono afetivo e material que ficou constatado”, avalia a advogada.

Fonte: IBDFAM

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1037437-12.2016.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Registro: 2020.0000107502

ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante OSVALDO FRANCISCO DOS SANTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 13 de fevereiro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Apelante: Osvaldo Francisco dos Santos

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos Interessado: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção de Vestuário de Guarulhos

VOTO Nº 31.094

Registro de Imóveis – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Osvaldo Francisco dos Santos, visando a reforma da sentença de fls. 103/104, que julgou parcialmente procedente dúvida suscitada pelo 1º Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, mantendo a recusa de ingresso no registro de compra e venda do imóvel matrícula nº 51.680, entendendo pela existência de compra e venda definitiva e necessidade de formalização por escritura pública.

A Nota de Devolução nº 120.363/2016 indicou, como motivos de recusa do ingresso do título, a ausência de formalização por escritura pública, tendo em vista o valor do bem imóvel negociado ser superior a trinta salários mínimos, nos termos do art. 108 do Código Civil. Houve, ainda, um segundo fundamento de devolução, referente à divergência na razão social da proprietária e à necessidade de comprovação da representação da vendedora, exigência afastada pela sentença de primeiro grau, não havendo recurso quanto ao ponto.

O recurso sustenta, em resumo, que o instrumento apresentado não constitui compra e venda, mas sim compromisso de compra e venda, o que decorre do fato de ter sido formalizado por instrumento particular e haver previsão do pagamento de saldo ao final, quando a escritura definitiva seria lavrada. Afirma que a nominação do contrato não pode ser considerada se contraria seus termos, limitando-se a qualificação do Oficial e a sentença recorrida à consideração do nome atribuído ao negócio. A existência de cláusula de irretratabilidade e a previsão de transferência do domínio após o pagamento do preço qualificam o ato como promessa, permitindo o seu ingresso no registro por meio de instrumento particular (fls. 107/110).

Houve pedido de intervenção como assistente nos autos pelo Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção e Vestuário de Guarulhos, por conta do imóvel em questão ter sido penhorado pela Justiça do Trabalho nos processos nºs 1000077-78.2016.5.02.0316 e 1001238-24.2016.5.02.0316, além de haver fraude perpetrada entre o apelante e a vendedora Terra Moda, com a finalidade de fraudar credores trabalhistas (fls. 155/159).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 244/245).

É o relatório.

Preliminarmente, é o caso de se indeferir o pedido de assistência simples apresentado pelo Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção e Vestuário de Guarulhos, eis que o procedimento de dúvida não tem natureza jurisdicional.

O Oficial registrador, no caso, não ostenta a condição de parte, não havendo como se admitir figura processual destinada à participação de pessoa estranha à lide em benefício de um dos litigantes.

Por estes motivos, fica indeferido o pedido de assistência.

O caso é de não provimento do recurso.

A nota de exigência emitida pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos manteve um dos fundamentos para a recusa do ingresso do título, entendendo tacitamente por estarem prejudicadas as demais, eis que seriam comprovadas ao Tabelião por conta da lavratura da escritura necessária. Mantida, portanto, a exigência concernente ao fato de o título caracterizar compra e venda de bem imóvel em valor superior a trinta salários mínimos, exigindo-se a formalização por meio de escritura pública, conforme o art. 108 do Código Civil.

De fato. Observa-se que o título apresentado a registro, com a pretensão de entrada no fólio real como instrumento particular de promessa de compra e venda de imóvel, constitui verdadeiro contrato de compra e venda, a exigir a formalização por meio de escritura pública.

Para além de o instrumento ser denominado “Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel Comercial”, observa-se de seus termos a ausência de promessa de realização de negócio jurídico futuro, no caso, a compra e venda, mas a conformação do contrato de compra e venda de forma integral, com a simples obrigação de transferência da propriedade e do pagamento do preço, sem que uma condicione a outra. Consta de referido instrumento (fls. 10/20):

“O VENDEDOR vende ao COMPRADOR o imóvel situado na Rua Cabo Antonio Pereira da Silva, 47, Jd. Tranquilidade, Município de Guarulhos, Estado de São Paulo, circunscrição imobiliária do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos, contribuinte nº 08350000563000008, matrícula nº 51.680, do livro 2 do registro geral.

Que o valor da venda é de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), e serão pagos da seguinte forma:

(…)

Que após a (sic) o pagamento da última parcela, o vendedor outorgará ao comprador, quitação geral no negócio, podendo o comprador dispor do imóvel da forma que desejar, porém, antes de quitar toda a dívida não poderá fazê-lo sem a outorga do vendedor, e caso o faça, a venda será considerada nula.”

Percebe-se que estão presentes, sem nenhuma condição, os elementos necessários à configuração do contrato de compra e venda: coisa, preço e consentimento (art. 482 do Código Civil).

O único elemento condicional que se observa no negócio é a vinculação da expedição de quitação do preço ao pagamento de todas as prestações acordadas, não se confundindo a vinculação da expedição do termo de quitação ao pagamento do preço com a eficácia do contrato de compra e venda, para fins de transmissão da propriedade. Afinal, estabelecidos os elementos essenciais da compra e venda, tem-se por perfeito e acabado o negócio, ainda que o preço não tenha sido pago.

No caso, há compra e venda simples. Não se observa, como objeto do negócio jurídico, a promessa do proprietário de, mediante pagamento do preço, celebrar contrato de compra e venda futura, com a devida outorga de escritura pública de venda. E tal obrigação de contratar futuramente é essencial para se configurar a promessa ou contrato preliminar. Neste sentido, entendendo pela configuração de contrato definitivo, há precedente deste Conselho Superior da Magistratura, de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Renato Nalini:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida  Recurso de Apelação  Instrumento particular de promessa de permuta  Possibilidade de registro desde que assim caracterizado  Inocorrência no caso em exame – Contrato com rótulo de instrumento particular de promessa de permuta, mas que representa desde logo o negócio definitivo  Inexistência de obrigação de as partes declararem vontade futura ou de celebrar negócio definitivo – Necessidade de escritura pública na forma do art. 108, do Código Civil  Recurso não provido. (CSM Ap. 0006797-56.2012.8.26.0071 Bauru j. 09.05.2013).

Assim, constituindo o negócio jurídico entabulado entre as partes compra e venda de bem imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, mandatório sua formalização por meio de escritura pública, nos termos do art. 108 do Código Civil, mantida a recusa formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos.

3. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 08.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

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