1VRP/SP: Registro de Imóveis. O imóvel partilhado não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante, pelo que não pode ser atingido pelas ordens de indisponibilidade.


  
 

Processo 1038581-92.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Maria de Lourdes Baggio Tavares – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida inversamente suscitada por Maria de Lourdes Baggio Tavares para afastar o óbice e determinar o registro do título. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: OSVALDO ESTRELA VIEGAZ (OAB 357678/SP), ANTONIO RENATO DE LIMA E SILVA FILHO (OAB 96945/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1038581-92.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Maria de Lourdes Baggio Tavares

Suscitado: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital

Prioridade Idoso

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Maria de Lourdes Baggio Tavares em face da negativa do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro de escritura de inventário e adjudicação relativa ao espólio de Andrea Baggio Tavares, pela qual o imóvel matriculado sob nº 38.551 perante aquela serventia foi adjudicado.

A parte suscitante esclarece que é mãe da autora da herança, além de inventariante e única sucessora após renúncia formalizada pelo herdeiro Gilmar Alves Tavares, pai. Andrea faleceu solteira, sem deixar filhos.

O título foi desqualificado após o Oficial identificar ordens de indisponibilidade de bens e direitos lançadas contra o herdeiro Gilmar, pelo que concluiu pela ocorrência de fraude à execução.

A parte suscitante defende a viabilidade do registro por se tratar de renúncia abdicativa da herança, a qual consubstancia exercício regular de um direito e afasta o bem dos efeitos da ordem de indisponibilidade, uma vez que o imóvel jamais integrou o patrimônio do renunciante.

Documentos vieram às fls. 12/24.

Diante do vencimento da prenotação, determinou-se a reapresentação do título à serventia extrajudicial (fl.25).

Com o atendimento, o Oficial se manifestou às fls.31/33, reafirmando a impossibilidade de registro enquanto não demonstrado o cancelamento das restrições e baixa na CNIB. Entende que, pelo princípio da saisine, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se desde logo e é imediatamente afetada pelas indisponibilidades decretadas anteriormente contra o herdeiro. Documentos foram produzidos às fls.34/76.

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice registrário (fls. 79/81).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida inversamente suscitada é improcedente.

Vejamos os motivos.

O entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de que a indisponibilidade dos bens decretada em juízo inviabiliza o registro da transferência de propriedade.

Todavia, no caso concreto, verifica-se que o imóvel objeto da partilha não ingressou no patrimônio do herdeiro Gilmar, que abdicou à herança.

Segundo o princípio da saisine, todos os bens do de cujus são transmitidos aos herdeiros no momento da morte, mas a transmissão depende de aceitação, cujos efeitos retroagem à data da abertura da sucessão.

Ao lado da aceitação, há possibilidade de renúncia, como se extrai do artigo 1.804 do Código Civil:

“Artigo 1.804. (…).

Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.

Considerando, assim, que Gilmar manifestou vontade expressa em não participar da herança deixada por sua filha (fls.15/16), deve ser tratado como se nunca tivesse sido herdeiro, passando a parte da herança que caberia a ele imediatamente para Maria de Lourdes, mãe da falecida e única sucessora restante, conforme dispõe o artigo 1.810 do Código Civil:

“Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subsequente”.

Ademais, extrapola o aspecto formal da qualificação registral a conjectura de eventual ardil na tentativa de contornar a ordem de indisponibilidade, incumbindo apenas aos credores do herdeiro buscar o reconhecimento jurisdicional de eventual fraude.

Sobre a possibilidade de renúncia de herança por herdeiro que tenha patrimônio gravado por ordem de indisponibilidade, o C. CSM já se posicionou favoravelmente:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais Cessão de parte dos bens do espólio a filho desse herdeiro Óbice aos pretendidos registros decorrentes da partilha Indisponibilidade que, entretanto, não impunha ao herdeiro o dever de aceitar Fraude contra credores e fraude à execução que não podem ser apreciadas na via administrativa Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados” (Apelação Cível nº 1039545-36.2019.8.26.0506, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 04 de maio de 2021).

Em suma, o que se vê é que o imóvel partilhado não ingressou no patrimônio do herdeiro, pelo que não pode ser atingido pelas ordens de indisponibilidade.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida inversamente suscitada por Maria de Lourdes Baggio Tavares para afastar o óbice e determinar o registro do título.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 27 de maio de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 31.05.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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