CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha expedido nos autos de ação de divórcio consensual, com doação de imóveis aos filhos – Qualificação negativa – Ainda que desnecessária a escritura pública de doação, os óbices relativos ao recolhimento do imposto de transmissão por doação e aceitação expressa dos donatários maiores de idade, devidamente qualificados, são mantidos – Recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011505-05.2020.8.26.0637

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1011505-05.2020.8.26.0637

Comarca: T.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1011505-05.2020.8.26.0637

Registro: 2022.0000408507

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011505-05.2020.8.26.0637, da Comarca de Tupã, em que é apelante G. Y. O. S., é apelado O. DE R. DE I. DA C. DE T..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de maio de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011505-05.2020.8.26.0637

APELANTE: G. Y. O. S.

APELADO: O. de R. de I. da C. de T.

VOTO Nº 38.685

Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesava indisponibilidade decorrente de ordem jurisdicional – Efeitos da renúncia ao direito hereditário que retroagem à data da abertura da sucessão – Inteligência do parágrafo único, do artigo 1.804, do Código Civil – Imóvel que não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante e não foi atingido pela ordem de indisponibilidade – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir o registro almejado.

Trata-se de apelação interposta por G. Y. O. S. contra a r. Sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do O. DE R. DE I. DA C. DE T., que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa de registro de escritura de inventário e partilha tendo por objeto o imóvel transcrito sob o n.º (…) da referida serventia extrajudicial.

Alega a apelante, em síntese, que, em virtude da renúncia à herança, o imóvel versado nos autos não chegou a ingressar no patrimônio do filho da falecida e, portanto, não foi atingido pela ordem de indisponibilidade.

A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (148/152).

É o relatório.

A r. sentença tem de ser reformada, apesar das suas bem fundadas razões.

Sempre que trata do tema, a doutrina faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, artigo 247) no campo das proibições ao poder de dispor, pois:

(a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179);

(b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671);

(c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109);

(d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291);

(e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e

(f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral – Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843).

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão:

“Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais.

Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Na hipótese em discussão, entenderam o ofício de registro de imóveis assim como o Juízo corregedor permanente pela impossibilidade de registro do título sem a prévia anuência do Juízo que decretou a indisponibilidade ou enquanto não demonstrado o cancelamento da restrição e baixa na CNIB.

Todavia, em que pesem a bem fundada nota devolutiva e às boas razões da r. sentença apelada, in casu, verifica-se que o imóvel objeto da partilha não ingressou no patrimônio do herdeiro G.K.O., que renunciou à herança em favor do monte mor, de modo que não pode ser considerado atingido pela ordem de indisponibilidade.

Não se desconhece o teor do artigo 1.784, do Código Civil, que dispõe que a herança se transmite aos herdeiros desde a abertura da sucessão.

Contudo, em atenção ao que dispõe o parágrafo único do artigo 1.804, do mesmo Diploma, ressalva que “a transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.

Assim, a despeito dos bens do de cujus serem transmitidos automaticamente aos herdeiros no momento de sua morte, há possibilidade de aceitação ou renúncia aos direitos hereditários, cujos efeitos retroagem à data da abertura da sucessão, ou seja, “ex tunc”.

Nesta ordem de ideias, o imóvel transcrito sob o n.º (…) não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante, pelo que não foi incluído dentre os bens atingidos pela ordem de indisponibilidade.

No mais, o dever de velar pelos interesses dos beneficiados com a indisponibilidade não é da serventia imobiliária, mas dos credores, a quem tocará, eventualmente, usar dos remédios jurídicos que possam ter.

Ante o exposto pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de, afastado o óbice registral, deferir o pretendido registro stricto sensu da partilha (escritura pública copiada as fls. 15/22 – transcrição n.º (…) do O. DE R. DE I. DA C. DE T.).

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 02.06.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesava indisponibilidade decorrente de ordem jurisdicional – Efeitos da renúncia ao direito hereditário que retroagem à data da abertura da sucessão – Inteligência do parágrafo único, do artigo 1.804, do Código Civil – Imóvel que não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante e não foi atingido pela ordem de indisponibilidade – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir o registro almejado.

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011505-05.2020.8.26.0637

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1011505-05.2020.8.26.0637

Comarca: T.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1011505-05.2020.8.26.0637

Registro: 2022.0000408507

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011505-05.2020.8.26.0637, da Comarca de Tupã, em que é apelante G. Y. O. S., é apelado O. DE R. DE I. DA C. DE T..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de maio de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011505-05.2020.8.26.0637

APELANTE: G. Y. O. S.

APELADO: O. de R. de I. da C. de T.

VOTO Nº 38.685

Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesava indisponibilidade decorrente de ordem jurisdicional – Efeitos da renúncia ao direito hereditário que retroagem à data da abertura da sucessão – Inteligência do parágrafo único, do artigo 1.804, do Código Civil – Imóvel que não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante e não foi atingido pela ordem de indisponibilidade – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir o registro almejado.

Trata-se de apelação interposta por G. Y. O. S. contra a r. Sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do O. DE R. DE I. DA C. DE T., que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa de registro de escritura de inventário e partilha tendo por objeto o imóvel transcrito sob o n.º (…) da referida serventia extrajudicial.

Alega a apelante, em síntese, que, em virtude da renúncia à herança, o imóvel versado nos autos não chegou a ingressar no patrimônio do filho da falecida e, portanto, não foi atingido pela ordem de indisponibilidade.

A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (148/152).

É o relatório.

A r. sentença tem de ser reformada, apesar das suas bem fundadas razões.

Sempre que trata do tema, a doutrina faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, artigo 247) no campo das proibições ao poder de dispor, pois:

(a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179);

(b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671);

(c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109);

(d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291);

(e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e

(f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral – Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843).

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão:

“Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais.

Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Na hipótese em discussão, entenderam o ofício de registro de imóveis assim como o Juízo corregedor permanente pela impossibilidade de registro do título sem a prévia anuência do Juízo que decretou a indisponibilidade ou enquanto não demonstrado o cancelamento da restrição e baixa na CNIB.

Todavia, em que pesem a bem fundada nota devolutiva e às boas razões da r. sentença apelada, in casu, verifica-se que o imóvel objeto da partilha não ingressou no patrimônio do herdeiro G.K.O., que renunciou à herança em favor do monte mor, de modo que não pode ser considerado atingido pela ordem de indisponibilidade.

Não se desconhece o teor do artigo 1.784, do Código Civil, que dispõe que a herança se transmite aos herdeiros desde a abertura da sucessão.

Contudo, em atenção ao que dispõe o parágrafo único do artigo 1.804, do mesmo Diploma, ressalva que “a transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.

Assim, a despeito dos bens do de cujus serem transmitidos automaticamente aos herdeiros no momento de sua morte, há possibilidade de aceitação ou renúncia aos direitos hereditários, cujos efeitos retroagem à data da abertura da sucessão, ou seja, “ex tunc”.

Nesta ordem de ideias, o imóvel transcrito sob o n.º (…) não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante, pelo que não foi incluído dentre os bens atingidos pela ordem de indisponibilidade.

No mais, o dever de velar pelos interesses dos beneficiados com a indisponibilidade não é da serventia imobiliária, mas dos credores, a quem tocará, eventualmente, usar dos remédios jurídicos que possam ter.

Ante o exposto pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de, afastado o óbice registral, deferir o pretendido registro stricto sensu da partilha (escritura pública copiada as fls. 15/22 – transcrição n.º (…) do O. DE R. DE I. DA C. DE T.).

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator ( DJe de 02.06.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Deve-se comprovar desde logo o regime de bens quando o casamento for contraído no exterior.

Processo 1047162-96.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Alessandra Alves Negreiros – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada a fim de manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: CIRO SILVEIRA (OAB 53427/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1047162-96.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis

Suscitado: Alessandra Alves Negreiros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Andrea Oliveira de Lima ante negativa de registro de escritura de venda e compra lavrada pelo 15º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 3289, fls. 209/212), relativa ao imóvel da matrícula n. 25.792 daquela serventia.

O óbice reside na ausência de comprovação do regime de bens da compradora, Alessandra Alves Negreiro, que se casou com Aristodimos Lazidis em 17/06/2017, em Apollonia/Grécia.

O Oficial informa que a parte defende que não tem como atender a exigência; que, na Grécia, vigora o princípio da liberdade de escolha do regime patrimonial nos casamentos, podendo ser eleito o regime da comunhão ou da separação de bens por meio de pacto antenupcial; que, à falta de pacto, o regime legal seria o da separação de bens; que também vigora na Grécia, segundo autores que menciona, o princípio da livre alterabilidade do regime matrimonial; que não há segurança quanto ao regime jurídico patrimonial aplicável: primeiro domicílio do casal ou do local da celebração das núpcias; que a clara definição do regime jurídicopatrimonial do casal é relevante para os casos de posterior disposição inter vivos ou mortis causa (item 61.4, Cap. XX, NSCGJ); que, não sendo comprovado o regime de bens adotado pelo casal, em atenção ao princípio da especialidade subjetiva, fica prejudicado o exame completo do título, uma vez que, caso haja comunicação de patrimônio, deve ser indicado o CPF do cônjuge, com consulta à Central de Indisponibilidade.

Documentos vieram às fls. 04/123.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que solicitou ao Consulado da Grécia em São Paulo a expedição de certidão que informasse o regime de bens vigente na Grécia na época de seu matrimônio; que, por e-mail, foi informada que o regime de bens não consta nas certidões de casamento emitidas pela Grécia; que não é possível atender à exigência, uma vez que a Grécia não define o regime de bens por ocasião do casamento; que, na certidão de casamento, consta o teor do disposto no artigo 7º, §4º, do Decreto-Lei n. 4.657/42, conforme artigo 13, §4º, da Resolução n. 155 do CNJ, que o regulamenta, de modo a permitir o registro do título. Pretende, assim, a reconsideração da exigência ou a suscitação de dúvida (fls.32/38).

Em sede de impugnação, a parte reitera as mesmas razões (fls. 124/126).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 129/131).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

O artigo 176, §1º, III, item 2, alínea “a”, da LRP, exige a completa qualificação do adquirente no registro do imóvel, com indicação de seu estado civil:

“O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (…)

III – são requisitos do registro no Livro nº 2: (…)

2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação”.

Por sua vez, os itens 61 e 61.4, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, estabelecem como requisito indispensável ao registro, no caso de pessoa casada, que se comprove o regime de bens adotado:

“61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.

(…)

61.4. Tratando-se de brasileiros ou de estrangeiros casados no exterior, para evitar dúvida acerca da real situação jurídica dominial do imóvel, o regime de bens deve ser desde logo comprovado para constar do registro”.

No caso em análise, a compradora foi qualificada no título como

“Alessandra Alves Negreiros, brasileira, casada com Aristodimos Lazidis, grego, com núpcias celebradas em 17/06/2017, na Apollonia, Grécia, segundo as leis vigentes naquele país, conforme determina o art. 7º, §4º, do Decreto-Lei n. 4.657/42, residente e domiciliada à 10 Deanhead Grove, YO304UH, York, Reino Unido” (fl. 04).

Note-se que, tratando-se de casamento contraído no exterior, deve ser observado o regime de bens vigente naquele país (domicílio dos nubentes), conforme prevê o artigo 7º, §4º, do Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):

“Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

(…)

§ 4º Deverá sempre constar do assento e da respectiva certidão a seguinte anotação: ‘Aplica-se o disposto no art. 7º, § 4º, do Decreto- Lei nº 4.657/1942′”.

O Consulado Grego também não pode prestar qualquer esclarecimento quanto ao regime de bens vigente ao tempo do casamento (fl. 82).

Assim, como a adquirente não está adequadamente qualificada em função da dúvida gerada sobre o regime de bens adotado por ocasião de seu casamento (que não pode ser presumido, por óbvio), o qual tem efeitos jurídicos relevantes (comunicação de patrimônio), não há como se permitir o ingresso do título no fólio real em respeito à segurança que se espera dos registros públicos.

Neste sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – OMISSÃO QUANTO AO REGIME DE BENS ADOTADO QUANDO DO CASAMENTO DA ALIENANTE – CASAMENTO NO EXTERIOR – CÔNJUGE FALECIDO – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO – O regime de bens há de constar expressamente da certidão de casamento. À míngua de expressa menção, não se presume a adoção do regime de reserva previsto na legislação do país em que realizado o matrimônio” (CSM Apelação n. 1094840-54.2015.8.26.0100 Rel. Des. Pereira Calças – j.14.10.2016).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada a fim de manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 31 de maio de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito  (DJe de 02.06.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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