Jurisprudência mineira – Cobrança – Seguro DPVAT – Constância do casamento – Óbito – Cônjuge sobrevivente – Filho menor

COBRANÇA – SEGURO DPVAT – CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – ÓBITO – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – FILHO MENOR – LEGITIMIDADE ATIVA – TEMPO DO SINISTRO

– A indenização do seguro DPVAT relacionada ao óbito ocorrido na constância do casamento, antes de 29.12.2006 (MP nº 340/2006 – Lei nº 11.482/2007), deve ser requerida pelo cônjuge sobrevivente e, na sua falta, pelos herdeiros legais; logo, o filho menor de pai falecido, havido de relacionamento extraconjugal, não pode requerer para si a indenização do seguro DPVAT, sobrepondo-se à esposa sabidamente existente, porquanto parte ativa ilegítima.

Recurso provido.

Apelação Cível nº 1.0627.10.000865-5/001 – Comarca de São João do Paraíso – Apelante: Bradesco Seguros S.A. – Apelado: Y.R.C.O., menor, representado sua mãe M.D.R.S. – Relator: Des. Saldanha da Fonseca

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento.

Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2014. – Saldanha da Fonseca – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. SALDANHA DA FONSECA – Recurso próprio e tempestivo.

Preliminar.

Ilegitimidade ativa.

A apelante argui a ilegitimidade ativa do apelado para pleitear indenização do seguro DPVAT, uma vez que a lei da época do acidente determinava o pagamento integral do seguro ao cônjuge sobrevivente, e, no caso, a vítima deixou esposa. A Julgadora utilizou a redação atual da Lei nº 6.194/74, com as modificações trazidas pela Lei nº 11.482/07, para conceder à parte autora indenização do seguro DPVAT em parte do capital segurado, tendo em vista que a vítima era casada. Quando do sinistro (17.09.02), o pagamento da indenização do seguro DPVAT por morte deveria ser realizado, na constância do casamento, aocônjuge sobrevivente. Como a vítima era casada quando de seu falecimento, o apelado não é parte legítima para pleitear o benefício do seguro DPVAT.

O Superior Tribunal de Justiça, no AREsp 497924, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, data da publicação da decisão monocrática 02.05.2014, deixou consignado:

“Ao proferir voto nos autos do Recurso Especial nº 773.072-SP, o ilustre Ministro Luis Felipe Salomão esclareceu: ‘É verdade que, com a edição da Lei 11.482/2007 (que alterou os artigos 3º, 4º, 5º e 11 da Lei 6.194), para os acidentes ocorridos a partir de 29.12.2006, o valor da indenização passou a ser dividido simultaneamente e em cotas iguais, entre o cônjuge ou companheiro (50%) e os herdeiros (50%). […] Porém, nos acidentes ocorridos anteriormente a 29.12.2006, o cônjuge ou o companheiro recebe primeiro a indenização e, na falta desses, os filhos, ou na seguinte ordem, os pais, avós, irmãos, tios ou sobrinhos.”

No caso em questão, o acidente que vitimou o pai do autor ocorreu em 06.12.2002, vigorando o disposto na redação antiga do art. 4º, que dispõe que o cônjuge ou companheiro recebe a indenização primeiro e, somente na falta desse, é que será paga aos herdeiros legais. Vejamos:

“Art. 4º A indenização no caso de morte será paga, na constância do casamento, ao cônjuge sobrevivente; na sua falta, aos herdeiros legais. Nos demais casos, o pagamento será feito diretamente à vítima na forma que dispuser o Conselho Nacional de Seguros Privados.

Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a companheira será equiparada à esposa, nos casos admitidos pela Lei Previdenciária […].”

“Sendo assim, caberia a indenização somente à companheira do de cujus, mãe do autor e que agora o representa. Ocorre, porém, que a cônjuge anuiu ao pleito do filho do falecido e, tacitamente, renunciou ao seguro” (f. 128/129).

“Portanto, a reforma do aresto neste aspecto, isto é, quanto à legitimidade ativa do agravado, representado por sua mãe, em decorrência de renúncia tácita, demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte.”

Como o óbito do pai do apelado aconteceu a 17.09.02 (f. 10), vigora a norma do art. 4º da Lei nº 6.194/74, não alterada pela Lei nº 11.482/07, que determinava que “A indenização no caso de morte será paga, na constância do casamento, ao cônjuge sobrevivente; na sua falta aos herdeiros legais. Nos demais casos, o pagamento será feito diretamente à vítima na forma que dispuser o Conselho Nacional de Seguros Privados.”

O apelado declarou que o pai falecido era casado com a pessoa de M.C.O., residente na […] (f. 03). A certidão de óbito ratifica o estado civil de casado do pai do apelado, e observa que deixou um filho de nome Y. (f. 10). A prova oral se mostra em plena harmonia com esse cenário fático (f. 127-129). Assim sendo, não se pode falar que a mãe do apelado era a companheira do pai falecido, ao tempo do acidente.

O Termo de Acordo (f. 22) que extinguiu o contrato de trabalho do pai falecido, por beneficiar exclusivamente o filho apelado, menor, nascido em 06.05.00 (f. 11), foi firmado por sua mãe, na condição de representante legal. O fato de a mãe do apelado ter sido qualificada de viúva não lhe confere esse status social, uma vez que o pai do apelado era pessoa casada na data do óbito (f. 03 e f. 10).

Nesse contexto, parte ativa legítima para haver eventual indenização do seguro DPVAT vinculada ao óbito do Senhor P.C.O.F. é a esposa M.C.O., e não o apelado, filho menor havido do relacionamento com M.D.R.S., que a prova produzida em contraditório judicial não qualifica de companheira ao tempo do óbito. Adequado à casuística o parecer do Ministério Público (f. 201-205). 

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Domingos Coelho e José Flávio de Almeida. 

DES. SALDANHA DA FONSECA – Mérito.

Prejudicado.

Dispositivo.

Com tais razões, dou provimento à apelação, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa, com base no art. 267, VI, CPC. De ofício, torno sem efeito a extinção do processo, sem resolução de mérito, em face de M.D.R.S. (f.300-v.), uma vez que não é autora, apenas representante legal do apelado (f. 07), pela condição de menor (f. 11), absolutamente incapaz (art. 3º, CC). Condeno o apelado ao pagamento das custas processuais, custas recursais, e de honorários de advogado em R$1.000,00, suspensa a exigibilidade, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Domingos Coelho e José Flávio de Almeida.

Súmula – DERAM PROVIMENTO. 

Fonte: DJE/MG – Recivil | 28/01/2015.

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MS: Prefeitura alerta quanto ao prazo final do programa “Imóvel Legal”

Prazo encerra no dia 15 de julho e será finito, ou seja, não haverá prorrogação. Portanto, quem ainda não regularizou seu imóvel que esteja em desacordo com o Plano Diretor, deve correr para providenciar os documentos que garantam a averbação do imóvel.

A prefeitura de Três Lagoas está com o projeto “Imóvel Legal” ativo desde 2012, a princípio seria válido até 2013, porém, por determinação da prefeita Marcia Moura (PMDB), foi elaborado projeto de Lei, devidamente encaminhado e aprovado pela Câmara de Vereadores, fazendo valer a renovação do programa até julho de 2015. Neste sentido, a Prefeitura de Três Lagoas convoca a todos os proprietários que têm edificações construídas e não legalizadas, a procurarem o setor, a fim de que possam regularizar, e assim ter condições de averbar o mesmo.

A averbação é um ato que modifica o teor do registro, feito por determinação judicial. Trata-se de um procedimento que dá eficácia e segurança aos atos jurídicos, neste caso a possibilidade e garantia do proprietário realizar financiamentos bancários, transferência de posse e propriedade aos descendentes (herdeiros) e utilização do imóvel como garantia na obtenção de financiamentos.

Se o proprietário tem uma edificação e não legalizou a mesma, ou seja, não tem o alvará de regularização, consequentemente o habite-se e a certidão de construção, não consegue averbar o imóvel, junto ao cartório. Assim, oficialmente em sua matricula, constará apenas o terreno.

“Caso o proprietário queira vender seu imóvel, para uma pessoa que financiará o mesmo, o primeiro documento exigido é a matricula constando a averbação. Assim esclareço a necessidade de concretizar tal processo para providenciar o alvará de regularização, habite-se e a certidão de construção. A Prefeitura está com esta oportunidade há quase três anos e ainda há uma defasagem muito grande. É preciso que haja interesse por parte do proprietário e o mesmo legalize o imóvel, junto à Prefeitura.”, ressalta a secretária.

O setor de regularização está localizado na Avenida Eloy Chaves, n° 521, no Centro e aberto para atendimento ao público, das 07h às 13h. O cadastro é o primeiro passo para dar início ao processo. Primeiramente, o interessado deve procurar o setor de regularização e apresentar cópias dos seguintes documentos: RG (Identidade), CPF, comprovante de residência, cópia da matrícula atualizada do imóvel (expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis), ou ainda a cópia da Escritura Pública do Imóvel e/ou do Contrato de Compra e Venda.

PRAZO

Segundo a secretária de Planejamento e Gestão, Carmen Goulart, o programa será finito e não haverá renovação, então a população deve ficar alerta.

“Isto é um bem para o próprio cidadão, o projeto foi lançado e prorrogado, oportunizando uma nova chance de regularizar as edificações existentes. Temos mais de 80% dos imóveis irregulares”, esclarece Carmen.

O projeto de Incentivo à Regularização de Edificações foi criado pela prefeita Marcia Moura (PMDB), através da Lei 2.541, de novembro de 2011, regulamentado pela Lei 2.579, de 27 de março de 2012 e alterado por meio dos dispositivos da Lei 2.837, de 15 de julho de 2014.

“O processo leva um determinado tempo, para ser concluído, por isso o ideal é não deixar para ultima hora”, reforça a secretária de Planejamento.

REGULARIZAÇÃO

Para regularizar a propriedade é preciso primeiramente o alvará de regularização. Consequentemente o habite-se e a certidão de construção.

O proprietário dá entrada na documentação para que na sequência o fiscal vá até o imóvel constatar as medidas apresentadas em projeto. Feito isto, inicia-se o processo para emissão dos alvarás, desde que atenda a todas as normas da Lei nº. 2.837, de 15 de Julho de 2014.

Mediante a regularização, o proprietário deverá se dirigir ao cartório para fazer a averbação do imóvel, ou seja, a matrícula que antes constava somente o terreno passará a constar o imóvel.

O imóvel para ser regularizado, dentro deste projeto “Imóvel Legal”, deverá obedecer a Lei Municipal nº. 2.837, de 15 de Julho de 2014.

Para outras informações, o telefone para contato do setor de regularização é 3929-1032 ou 3929-1033.

ESTATÍSTICAS

Desde que instituído, foram cadastrados 3.364 proprietários de imóveis que procuraram o setor de regularização.  Até o momento, apenas 1.350 proprietários regularizaram seu imóvel e 385 processos estão em análise para correção, aprovação e/ou parecer técnico. O setor de regularização recebeu 1.515 cadastros de proprietários que ainda não deram seguimento, ou seja, não apresentaram o projeto do imóvel e nem mesmo solicitaram vistoria.

“Não basta somente fazer o cadastro é necessário continuar com o processo. A equipe está à disposição para esclarecimento de quaisquer dúvida e auxílio no andamento do processo”, finaliza a secretária. 

Fonte: Site Prefeitura Três Lagoas | 22/01/2015.

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CGJ/SP: Registro de imóveis – Imóvel rural – Aquisição por pessoa física estrangeira – Autorização do INCRA – Requisito de validade inexistente – Falta de legitimação – Nulidade de pleno direito em tese caracterizada – Erro de qualificação – Saneamento pelo decurso do tempo – Princípios da segurança jurídica, proteção à confiança, da moralidade administrativa e boa-fé objetiva – Princípio da legalidade enfocado em sua totalidade – Validação do registro – Cancelamento administrativo afastado.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1988/155
(481/2013-E)

Registro de imóveis – Imóvel rural – Aquisição por pessoa física estrangeira – Autorização do INCRA – Requisito de validade inexistente – Falta de legitimação – Nulidade de pleno direito em tese caracterizada – Erro de qualificação – Saneamento pelo decurso do tempo – Princípios da segurança jurídica, proteção à confiança, da moralidade administrativa e boa-fé objetiva – Princípio da legalidade enfocado em sua totalidade – Validação do registro – Cancelamento administrativo afastado.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

A aquisição imobiliária rural realizada pelo português Fernando Ricardo Rodrigues, casado com Albertina Dos Santos Rodrigues, cuja nacionalidade é desconhecida, objeto do r. 1 da matrícula n° 1.525 do RI da Comarca de Miracatu[1] não foi regularizada até o momento.[2]

A transferência foi concluída sem autorização do INCRA, exigida como requisito de validade, pois a área incorporada ao patrimônio do estrangeiro, embora não exceda a 50 módulos de exploração indefinida (MEIs), supera três MEIs[3]: falta, portanto ao adquirente, legitimidade para referida aquisição (artigos 1º, caput, 3º, §§ 1º e 2°, da Lei n° 5.709/1971[4], artigo 1º, caput, e § 2º do artigo 7 do Decreto n° 74.965/1974[5]).

Nada obstante o erro de qualificação registral, a importar em tese, se abstrata e perspectivamente valorado, a nulidade de pleno direito do registro (artigos 15, da Lei n° 5.709/1971[6], e 19, do Decreto n° 74.965/1974[7]), o cancelamento administrativo, admitido pelo artigo 214, caput, da Lei n° 6.015/1973[8], fica desautorizado in concreto.

Ainda que inaplicável a regra do § 5º do artigo 214 da Lei n° 6.015/1973[9], porque o interessado não é terceiro, senão o direta e originalmente favorecido pelos efeitos jurídicos da inscrição, o desfazimento resta vedado, diante da boa-fé e longo tempo decorrido desde o assento, ocorrido no dia 7 de março de 1978[10].

Sopesados os valores em conflito, ponderados particularmente os princípios da legalidade e da segurança jurídica, este, do qual emana a proteção à confiança, e tal como aquele associado ao princípio do estado de direito, prevalece: não é razoável, transcorridos mais de trinta anos, proceder, na via administrativa, ao cancelamento do registro, em ofensa à estabilidade das relações jurídicas e à boa-fé.

Miguel Reale, há décadas, já atribuía ao fator tempo potência para equiparar as situações de fato a situações jurídicas, malgrado a nulidade que marcou o nascimento daquelas, e, ao discorrer sobre a perempção suscetível de obstar o exercício do poder-dever de policiamento da legalidade, asseverou:

Se a decretação da nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela. Desde o famoso affaire Cachet, é esta a orientação dominante no Direito francês, com os aplausos de Maurice Hauriou, que bem soube pôr em realce os perigos que adviriam para a segurança das relações sociais se houvesse possibilidade de indefinida revisão dos atos administrativos[11]. (grifei)

Sob esse prisma, sublinha Almiro do Couto e Silva, o conflito entre justiça e segurança jurídica é ilusório, aparente, existiria tão somente se tomássemos “a justiça como valor absoluto, de tal maneira que o justo nunca pode transformar-se em injusto e nem o injusto jamais perder essa natureza.”[12] Esclarece:

… A tolerada permanência do injusto ou do ilegal pode dar causa a situações que, por arraigadas e consolidadas, seria iníquo desconstituir, só pela lembrança ou pela invocação da injustiça ou da ilegalidade originária.

Do mesmo modo como a nossa face se modifica e se transforma com o passar dos anos, o tempo e a experiência histórica também alteram, no quadro da condição humana, a face da justiça. Na verdade, quando se diz que em determinadas circunstâncias a segurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o que se está afirmando, a rigor, é que o princípio da segurança jurídica passou a exprimir, naquele caso, diante das peculiaridades da situação concreta, a justiça material. Segurança jurídica não é, algo que se contraponha à justiça; é ela a própria justiça. ...[13] (grifei)

A aplicação mecânica, automática e irrefletida da letra fria da lei, expressa em regra isoladamente considerada, e muito embora inspirada no princípio da legalidade, mas em descompasso com o da moralidade administrativa, sucumbe ao maior peso do princípio da segurança jurídica, no seu aspecto subjetivo de proteção à confiança, a preponderar, à luz da relação tensiva descortinada, em detrimento da supremacia neutra do interesse público, míope e estreitamente enfocada. A esse respeito, convém realçar a observação de Bruno Miragem:

A rigor, como se vê, a proteção da confiança constitui limite à atuação administrativa, em especial, ao exigir do exercício do poder pelo Estado-Administração, a consideração não apenas das razões de interesse público implicadas em determinada conduta administrativa, mas, igualmente, o respeito às situações havidas, constituídas regularmente ou – eventualmente que padeçam de eventual irregularidade, mas que de algum modo (em especial em razão do decurso do tempo e a boa-fé), se consolidaram, representando sua retirada do mundo jurídico, a frustração de expectativas legítimas e prejuízos àquele que originalmente beneficiado.[14]

O E. Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Mandado de Segurança n° 22.357-0/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, no dia 27 de maio de 2004, firmou a vinculação da Administração Pública ao princípio da segurança jurídica, subprincípio do Estado de Direito, em vista da necessidade de estabilidade de situações administrativamente criadas, e reconheceu a incidência do princípio da confiança nas relações jurídicas de direito público, justificada, entre outras circunstâncias, pela boa-fé dos interessados e repercussão jurídica do fator tempo.

Antes, no Mandado de Segurança n° 24.268-0/MG, julgado em 5.2.2004, o e. Min. Gilmar Mendes, ao salientar que a possibilidade de revogação dos atos administrativos não pode estender-se indefinidamente, havia invocado o princípio de proteção à confiança como elemento do da segurança jurídica, e, recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 598.099/MS, em 10.8.2011, voltou a declarar a constitucionalidade de referido princípio.[15]

E segundo a sagaz e pungente visão doutrinária de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, com a qual concordo, sequer há, na realidade, choque entre o princípio da legalidade e o da segurança jurídica, porque a conformidade exigida por aquele é com o Direito, com a ordem jurídica encarada em sua totalidade, não com um pedaço seu, uma tira sua, com uma norma extraída de texto específico. Afirmam:

Não goza de prestígio em nossos dias a corrente do pensamento segundo a qual o princípio da segurança jurídica estaria em permanente conflito com o princípio da legalidade, ora vencendo um, ora prevalecendo outro, segundo as configurações do caso concreto. Crê-se, hoje, que tais princípios se complementam, bastando para tanto que entenda que, quando falamos em princípio da legalidade, o que contemplamos não é sujeição do ato à literalidade da lei, mas sua conformidade à lei e ao Direito (Lei 9.784/99, art. 2°, parágrafo único, I).[16]

A recomposição da legalidade, leciona por sua vez Celso António Bandeira de Mello, pode advir tanto da invalidação de atos eivados de vícios como, em abono dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, de sua convalidação ou ainda da estabilização pelo tempo das situações deles surgidas. [17]

Em suma, a imperiosa preservação de posições jurídicas individualizadas consolidadas no tempo, nascidas de atividade estatal, titularizadas por interessados de boa-fé, cujas justas expectativas na manutenção do estado atual são portanto legítimas, impossibilita a atuação administrativa direcionada ao cancelamento dos registros, que revelar-se-ia contraditória, dada a longuíssima inércia da Administração Pública, desproporcional, além de inútil, porquanto, concretamente, não se prestaria mais à defesa da soberania e do desenvolvimento nacional.

As particularidades do caso obstam o exercício do dever-poder de autotutela próprio da Administração Pública, ainda que a pretexto de resguardar, com estrabismo, o princípio da legalidade, que, ademais, traduz valor que, não sendo absoluto, deve ser balanceado em confronto com outros, igualmente dotados de status constitucional, como, na situação enfrentada, antes já se frisou, os acobertados pelos princípios da segurança jurídica e da moralidade administrativa.

A justiça material, acentuou-se com estribo em Almiro do Couto e Silva, nesses se encontra; a tutela da ordem jurídica, e assim da legalidade visualizada em sua totalidade, dá-se, aqui, por meio deles, também se ressaltou, com socorro ao magistério de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari.

Quanto à invocação do princípio da moralidade administrativa, elencado no artigo 37 da CF, faço-a sob a influência do escólio de José Guilherme Giacomuzzi, para quem aquele transporta o princípio da boa-fé objetiva, seu conteúdo (objetivo) do qual decorre o mandamento de proteção à confiança – também projetado pelo princípio da segurança jurídica – e a imposição de “deveres objetivos de conduta administrativa, proibindo-se a contradição de informações, a indolência, a leviandade de propósitos.” [18]

Tal compreensão, aliás, restou confortada em precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n° 944.325/RS, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 4.11.2008, quando reconhecida a proteção à confiança como “cláusula geral que ultrapassa os limites do Código Civil (arts. 113, 187 c/c art. 422) e chega ao Direito Público, como subprincípio derivado da moralidade administrativa.”

Dentro de um contexto de afrouxamento das fronteiras entre o direito público e o direito privado, no qual os espaços de ambos se interpenetram, suas esferas se conjugam, complementam-se, enriquecendo-os, impõe reconhecer “a aplicação do princípio da boa-fé nas relações jurídico-administrativas, carregando consigo todas as suas consequências. [19](grifei)

Entre essas, porque calham, e estão em sintonia com as considerações feitas, acentuo, a reboque de Egon Bockmann Moreira, a proibição ao venire contra factum proprium, a aplicação da máxima dolo agit qui petit quod statimredditurus est – a “negativa ao exercício inútil de direitos e deveres, sem respeito, consideração e efeitos práticos, de molde a não obter qualquer resultado proveitoso, mas causar dano considerável a terceiro” – e a impossibilidade doinciviliter agere, isto é, “condutas egocêntricas, brutais e cegas aos direitos de terceiros, violadoras da dignidade humana”.[20]

As peculiares circunstâncias analisadas, assim, levam à convalidação dos registros, à convalidação ex ope temporis que, vale dizer com auxílio de José dos Santos Carvalho Filho, “não decorre propriamente da retificação dos vícios de que o ato está contaminado, mas sim do decurso do tempo e, por conseguinte, da confiança que nele a coletividade já depositou.”[21]

Ou como prefere Weida Zancaner, operou-se o saneamento, não a convalidação, pelo decurso do tempo, que, no mais, afirma, “constitui uma das formas de estabilização das relações jurídicas e é capaz, portanto, de forma indireta, de validar atos viciados.”[22]

Nulos ou anuláveis, os atos administrativos inválidos, alerta Almiro do Couto e Silva, “sanam sempre que sobre eles cair uma camada razoável de tempo, com a tolerância da Administração Pública[23]. Assim também pensam, entre outros, Celso António Bandeira de Mello[24], Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari[25].

O decurso do tempo, seguindo a concepção de Weida Zancaner, representa tanto barreira à convalidação – suscetível,prima facie, mediante ato administrativo (autorização) do INCRA, agora prescindível – como estorvo, para quem reputa vedada a convalidação por meio do atendimento tardio do requisito procedimental inobservado, à invalidação dos registros, ao tornar intocáveis situações estabilizadas.[26]

Argumenta:

… a conjugação do princípio da segurança jurídica com o da boa-fé pode gerar outra barreira ao dever de invalidar. É o que sucederá, uma vez decorrido prazo razoável, perante atos ampliativos de direitos dos administrados nos casos em que haja no ordenamento jurídico alguma regra hábil para proteger a situação e que lhe teria servido de amparo se tivesse sido produzida sem vício.[27]

Os registros focados, na trilha da classificação dos atos inválidos idealizada por Weida Zancaner, seriam ou, consoante entendo, atos relativamente sanáveis, pois comportam convalidação pela Administração Pública – inviabilizada pela estabilização advinda pelo decurso do tempo – e saneamento por iniciativa dos particulares, ou atos relativamente insanáveis, que, embora não possam ser convalidados nem sanados por ato do particular afetado, foram purificados pelo expressivo período escoado desde a sua prática.[28]

A possibilidade de saneamento pelo interessado se alinha com a histórica jurisprudência administrativa desta E. CGJ, que o admite, em se tratando de aquisição de imóvel rural por estrangeiro sujeita às restrições da Lei n° 5.709/1971 e do Decreto n° 74.965/1974, tanto pela naturalização superveniente dos adquirentes[29] como em razão de posterior transferência da propriedade a brasileiros[30].

De qualquer forma, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé, a par do transcurso de alongado lapso temporal e da presença de norma jurídica protetiva das situações caso tivessem nascido válidas (a que tutela o direito de propriedade), conduzem, na esteira dos ensinamentos de Weida Zancaner, à validação dos registros ampliativos de direitos, mesmo se considerados atos relativamente insanáveis.[31]

A solução se harmoniza com a regra do artigo 54, caput, da Lei n° 9.784/1999 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, in verbis:

Artigo 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (grifei)

Do mesmo modo, alinha-se com a inteligência do inciso I do artigo 10 da Lei Estadual n° 10.177/1998 que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, in ver bis:

Artigo 10. A Administração anulará seus atos inválidos, de oficio ou por provocação de pessoa interessada, salvo quando:

I – ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contado de sua produção;

(…)

E ainda com o parágrafo único do artigo 91 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), aprovado pela Resolução n° 67, de 03 de março de 2009, in verbis:

Art. 91. (…).

Parágrafo único. Não será admitido o controle de atos administrativos praticados há mais de cinco (5) anos, salvo quando houver afronta direta à Constituição.

Todos então contemplando normas símiles que servem, no contexto, como vetores exegéticos e animam a validação, a legitimação dos registros das propriedades rurais imobiliárias, efetivados há mais de dez anos, mediante exercício de função pública, e em favor de quem, antes, confiou no assessoramento jurídico de tabelião de notas, agente público responsável pela formalização do título aquisitivos.

Agora, no tocante à Oficial responsável pelo registro e à Tabeliã de Notas pela lavratura das escrituras públicas[32] a dispensa daquela, que atuava como interina, por fim exorada de suas funções de escreventes, e a aposentadoria desta, em 1983[33], obstam a instauração de processo censório-disciplinar.

Por fim, no tocante aos crimes de prevaricação e falsidade ideológica identificados nos artigos 15, da Lei n° 5.709/1971, e 19, do Decreto n° 74.965/1974, descabe inaugurar qualquer apuração de responsabilidade criminal, porquanto, depois de vinte anos, prescrita a pretensão punitiva estatal.

Pelo exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de dar por saneado, pelo decurso do tempo, e no que toca à falta de autorização do INCRA, o r. 1 da matrícula n° 1.525 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Miracatu.

Sub censura.

São Paulo, 8 de novembro de 2013.

Luciano Gonçalves Paes Leme

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou por saneado, pelo decurso do tempo, e no que toca à falta de autorização do INCRA, o r. 1 da matrícula n° 1.525 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Miracatu. Procedam-se às anotações e às comunicações pertinentes, dando ciência ao Oficial do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Miracatu. Publique-se. São Paulo, 14.11. 2013. – (a) – JOSÉ RENATO NALINI – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:

______________

[1] Fls. 1.519.

[2] Fls. 1.540, item 1.

[3] Fls. 1.510.

[4] Artigo 1º. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

Artigo 3º. A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.

§ 1º. Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 (três) módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.

§ 2º. O Poder Executivo baixará normas para a aquisição de área compreendida entre 3 (três) e 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida.

[5] Artigo 1°. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista neste regulamento.

Artigo 7. (…)

§ 2° A aquisição de imóvel rural entre 3 (três) e 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida dependerá de autorização do INCRA, ressalvado o disposto no artigo 2°.

[6] Artigo 15. A aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito. (…).

[7] Artigo 19. É nula de pleno direito a aquisição de imóvel rural que viole as prescrições legais: (…).

[8] Artigo 214. (..) As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta

[9] Artigo 214. (…)§ 5º. A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já preenchido as condições de usucapião do imóvel, (grifei)

[10] Fls. 1.929-1.930.

[11] Revogação e anulamento do ato administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 85-86.

[12] Princípios da legalidade da Administração Pública e da segurança jurídica no Estado de Direito Contemporâneo. In: Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 84, p. 46-63, outubro-dezembro/1987. p. 47.

[13] Ibidem.

[14] A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 244-245.

[15] Há, no mesmo sentido, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça: Recurso em Mandado de Segurança, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. j. 30.10.2008.

[16] Processo administrativo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 116.

[17] Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros. 2012. p. 483-485.

[18] A moralidade administrativa e a boa-fé da Administração Pública: o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 231 -283

[19] José Guilherme Giacomuzzi. idem, p. 270.

[20] Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 125.

[21] Processo administrativo federal: comentários à Lei n° 9.784, de 29.1.1999. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 59.

[22] Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90-91.

[23] Idem, p. 60.

[24] Idem, p. 492-493.

[25] Idem,p. 271-272.

[26] Idem, p. 72-76.

[27] Idem, p. 75

[28] Idem, 110-111.

[29] Processo CG n° 53.438/1979, Des. Adriano Marrey, j. 9.12.1980.

[30] Processo CG n° 82.194/1987, parecer n° 133/88 de 21.3.1988, Juiz Auxiliar da Corregedoria Aroldo Mendes Viotti; Processo CG n° 86.353/1989, parecer n° 259/89 de 31.3.1989, Juiz Auxiliar da Corregedoria Aroldo Mendes Viotti; Processo CG n° 87.339/1989, parecer n° 818/89 de 7.11.1989. Juiz Auxiliar da Corregedoria Aroldo Mendes Viotti; Processo CG n° 367/1995, parecer n° 633/95 de 14.7.1995, Juiz Auxiliar da Corregedoria Marcelo Martins Berthe.

[31] Idem, p. 114-117.

[32] Fls. 1.519.

[33] Fls. 1.544.

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Fonte: DJE/SP – Grupo Serac – PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 007 | 27/01/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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