Recurso Especial – Direito Civil – Sucessão – Inventário – União estável – Concorrência híbrida – Filhos comuns e exclusivos – Art. 1790, incisos I e II, do CC/2002 – Inconstitucionalidade declarada pelo STF – Aplicação ao cônjuge ou convivente supérstite do art. 1829, inciso I, do CC/2002 – Doação – Ausência de prequestionamento – Inexistência de reconhecimento da violação da metade disponível – Súmulas 282/STF e 7/STJ – 1. Controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança – 2. O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável – 3. Insubsistência da discussão do quanto disposto nos incisos I e II do art. 1.790, do CCB, acerca do quinhão da convivente – se o mesmo que o dos filhos (desimportando se comuns ou exclusivos do falecido) -, pois declarado inconstitucional, reconhecendo-se a incidência do art. 1.829 do CCB – 4. “Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.” (REsp 1368123/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015) – 5. Necessária aplicação do direito à espécie, pois, reconhecida a incidência do art. 1.829, I, do CCB e em face da aplicação das normas sucessórias relativas ao casamento, aplicável o art. 1.832 do CCB, cuja análise deve ser, de pronto, realizada por esta Corte Superior, notadamente em face da quota mínima estabelecida ao final do referido dispositivo em favor do cônjuge (e agora companheiro), de ¼ da herança, quando concorre com seus descendentes – 6. A interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil – 7. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, §6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma – 8. Não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido – 9. Especificamente na hipótese de concorrência híbrida o quinhão hereditário do consorte há de ser igual ao dos descendentes – 10. Recurso especial parcialmente provido.

Recurso Especial – Direito Civil – Sucessão – Inventário – União estável – Concorrência híbrida – Filhos comuns e exclusivos – Art. 1790, incisos I e II, do CC/2002 – Inconstitucionalidade declarada pelo STF – Aplicação ao cônjuge ou convivente supérstite do art. 1829, inciso I, do CC/2002 – Doação – Ausência de prequestionamento – Inexistência de reconhecimento da violação da metade disponível – Súmulas 282/STF e 7/STJ – 1. Controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança – 2. O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável – 3. Insubsistência da discussão do quanto disposto nos incisos I e II do art. 1.790, do CCB, acerca do quinhão da convivente – se o mesmo que o dos filhos (desimportando se comuns ou exclusivos do falecido) -, pois declarado inconstitucional, reconhecendo-se a incidência do art. 1.829 do CCB – 4. “Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.” (REsp 1368123/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015) – 5. Necessária aplicação do direito à espécie, pois, reconhecida a incidência do art. 1.829, I, do CCB e em face da aplicação das normas sucessórias relativas ao casamento, aplicável o art. 1.832 do CCB, cuja análise deve ser, de pronto, realizada por esta Corte Superior, notadamente em face da quota mínima estabelecida ao final do referido dispositivo em favor do cônjuge (e agora companheiro), de ¼ da herança, quando concorre com seus descendentes – 6. A interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil – 7. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, §6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma – 8. Não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido – 9. Especificamente na hipótese de concorrência híbrida o quinhão hereditário do consorte há de ser igual ao dos descendentes – 10. Recurso especial parcialmente provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.617.650 – RS (2016/0201740-6)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO : ESPOLIO DE RUY GERHARDT BARBOSA – ESPÓLIO

REPR. POR : RODRIGO EMILIO GERHARDT BARBOSA – INVENTARIANTE

ADVOGADOS : FABIANA ESPÓSITO – RS035075

JÚLIO CÉSAR GEMIN – RS026696

DIOGO LUIZ BURILLE – RS037275

DANIEL PETRINI DE MORAES – RS055181

GUSTAVO RECH – RS075569

JULIO ALBERTO WITZLER DIAZ – RS062899

GRACIELI TIEFENSEE MARCHIONATTI – RS073039

PAULO FRAGA DA SILVA – RS078116

PEDRO ZUCCHETTI FILHO – RS093477

RICARDO FUSQUINE VERBIST – RS075427

RECORRIDO : NARA ALAIDES OLIVEIRA

ADVOGADOS : DANIEL PETRINI DE MORAES – RS055181

GRACIELI TIEFENSEE MARCHIONATTI E OUTRO(S) – RS073039

RECORRIDO : MARCIA MARISA GERHARDT BARBOSA

ADVOGADOS : FABIANA ESPOSITO – RS035075B

JULIO ALBERTO WITZLER DIAZ – RS062899

INTERES. : NILO SERGIO FERNANDES BARBOSA

INTERES. : JULIO CESAR GEMIN

INTERES. : MARINES BARBOSA LAZZARETTI

INTERES. : SIMONE MARTINS BARBOSA

INTERES. : MARLUZA SOLANGE BARBOSA NAZZARI

INTERES. : EDUARDO MARTINI BARBOSA

ADVOGADOS : GUSTAVO RECH – RS075569

RICARDO FUSQUINE VERBIST – RS075427

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. CONCORRÊNCIA HÍBRIDA. FILHOS COMUNS E EXCLUSIVOS. ART. 1790, INCISOS I E II, DO CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. APLICAÇÃO AO CÔNJUGE OU CONVIVENTE SUPÉRSTITE DO ART. 1829, INCISO I, DO CC/2002. DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO DA METADE DISPONÍVEL. SÚMULAS 282/STF E 7/STJ.

1. Controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança.

2. O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável.

3. Insubsistência da discussão do quanto disposto nos incisos I e II do art. 1.790, do CCB, acerca do quinhão da convivente – se o mesmo que o dos filhos (desimportando se comuns ou exclusivos do falecido) -, pois declarado inconstitucional, reconhecendo-se a incidência do art. 1.829 do CCB.

4. “Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.” (REsp 1368123/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015)

5. Necessária aplicação do direito à espécie, pois, reconhecida a incidência do art. 1.829, I, do CCB e em face da aplicação das normas sucessórias relativas ao casamento, aplicável o art. 1.832 do CCB, cuja análise deve ser, de pronto, realizada por esta Corte Superior, notadamente em face da quota mínima estabelecida ao final do referido dispositivo em favor do cônjuge (e agora companheiro), de ¼ da herança, quando concorre com seus descendentes.

6. A interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil.

7. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, §6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma.

8. Não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido.

9. Especificamente na hipótese de concorrência híbrida o quinhão hereditário do consorte há de ser igual ao dos descendentes.

10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 11 de junho de 2019(data do julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 105 da CF, contra o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, prolatado em sede de agravo de instrumento manejado por NILO SÉRGIO FERNANDES BARBOSA e OUTROS no curso de ação de inventário dos bens deixados por RUY GERHARDT BARBOSA, cuja ementa está assim redigida:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. PRELIMINAR. DESCUMPRIMENTO DO ART. 526 DO CPC AFASTADA. Embora tenha sido arguida pela parte agravada o descumprimento do disposto no art. 526 do Código de Processo Civil, essa olvidou-se de comprovar o alegado, merecendo ser conhecido o recurso.

DOAÇÃO A FAVOR DA COMPANHEIRA. Mostra-se válida a doação levada a efeito pelo inventariado em favor da companheira em 1980. Necessidade de verificar se a doação não excede a parte disponível.

SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. PARTICIPAÇÃO COMO HERDEIRA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. CONCORRÊNCIA COM FILHOS HÍBRIDOS. Em se tratando de matéria sucessória, o legislador tratou de forma diferente os institutos do casamento e da união estável É permitido à companheira receber quinhão hereditário igual ao do filho comum e dos exclusivos do inventariado, quanto aos bens adquiridos na constância da união estável.

Inteligência do art. 1.790, I, do CPC.

Agravo de instrumento desprovido.

Em suas razões recursais, sustentou a afronta aos arts. 544 e 1790, inciso I, do CCB. Aduziu que as sucessivas doações da nua propriedade de metade do mesmo imóvel e a sua gravação com cláusula de incomunicabilidade, ocorridas em abril de 1980 e em novembro de 1997, entre o falecido e sua companheira, com quem viveu em união de 1977 até o seu passamento em 2012, violara a legislação disciplinante, pois em tendo sido reconhecida a união estável, ainda que em ação ajuizada após o óbito, o bem doado deveria ser considerado comum, e a companheira, assim, já teria a sua meação assegurada.

Referiu que a doação de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhes cabe por herança, estando permitida desde que tal liberalidade seja interpretada à luz do regime de bens, e, em sendo o da comunhão, que o bem pertença ao patrimônio particular do doador, o que no caso não se confirma, já que bem comum, impondo-se tornar ineficaz o ato de liberalidade, determinando-se que a meação do falecido sobre o imóvel integre o monte partível.

Por outro lado, sustentou que, concorrendo a companheira com o filho comum e, ainda, com os filhos exclusivos do de cujus, deve ser adotada a regra do inciso II do art. 1.790 do CCB, pois a que melhor atende os interesses dos filhos, ainda que a filiação seja híbrida, não se podendo garantir ao convivente cota maior em detrimento dos filhos do falecido, pois já lhe cabe a metade ideal dos bens adquiridos onerosamente durante a união. Pediu o provimento do recurso.

Nas suas contrarrazões, o espólio, Rodrigo e Nara suscitaram o não conhecimento do recurso por ato incompatível do recorrente, que não interpusera recurso contra a decisão prolatada na origem. Disseram, ainda, da ausência de legitimidade, por não se estar diante de direitos individuais indisponíveis. Finalizaram dizendo da ausência de prequestionamento, da incidência do enunciado 7/STJ e, no mérito, destacaram que a parte disponível do doador não fora ultrapassada, razão do necessário desprovimento do recurso.

O apelo excepcional fora admitido na origem.

O Ministério Público Federal pugnou pelo não conhecimento do recurso especial.

Intimadas as partes a se pronunciarem acerca do julgamento do RE 878.694, sob o rito da repercussão geral, sobrevieram as manifestações dos herdeiros/agravantes, do Ministério Público Federal às fls. 498/500, 501/502 e 510/512 e-STJ, e do Ministério Público Estadual, respectivamente.

Acórdão recorrido publicado antes da entrada em vigor da Lei 13.105/2015, razão por que o juízo de admissibilidade é realizado na forma do CPC/73, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme Enunciado Administrativo STJ 2/2016.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Eminentes Colegas. A controvérsia central do presente recurso especial situa-se em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança.

Discutem-se, além disso, no recurso especial outras questões, como a legitimidade do Ministério Público e a validade de doação da nua propriedade de imóvel feita pelo de cujus à sua companheira em 1980.

Antes de passar ao exame dessas questões, deve ser consignado que o falecido, cujo patrimônio agora é inventariado, morreu no dia 29/03/2012, deixando bens a inventariar e testamento.

O de cujus viveu em união estável com a recorrida, NARA ALAIDES DE OLIVEIRA de outubro de 1977 até a data do óbito, tendo com ela um filho. Além dele, o falecida também teve seis outros filhos exclusivos.

Duas são as questões devolvidas no recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, suscitando-se, ainda, em sede de contrarrazões, além do desprovimento do recurso, a ilegitimidade do Ministério Público estadual.

Inicio com a questão relativa à legitimidade para o Parquet, figurando como custos legis, recorrer do acórdão que julgou o agravo de instrumento interposto pelas partes no curso de ação de inventário em que estão habilitados apenas interessados maiores e plenamente capazes.

Ainda sob a vigência do CPC de 1973, o art. 82 previa expressamente a possibilidade de o Ministério Público intervir nas seguintes hipóteses, ressaltando-se a parte final do inciso II, relativa às disposições de última vontade:

I – nas causas em que há interesses de incapazes;

II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

No CPC de 2015, as situações em que prevista a intervenção se alteraram, prevendo-se, agora, nos arts. 176 e ss., que o Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis, nos processos que envolvam:

I – interesse público ou social;

II – interesse de incapaz;

III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

A legitimidade do MP para a abertura do inventário, questão de que aqui não se cuida, mas que auxilia na compreensão da sua legitimidade como custos legis, seja no CPC de 1973, seja no atual Código, depende da existência de herdeiros incapazes, o que, no presente inventário, inexiste.

Não havendo idosos ou incapazes como interessados, não há, em sede de inventário, interesse público subjacente ou mesmo direito indisponível. Aliás, as partes podem dispor de seus quinhões e inclusive renunciar a direitos sucessórios.

No entanto, na espécie, há a presença de testamento e as manifestações de última vontade, na forma dos arts. 1.126 do CPC/73 e 735, §2º, do CPC atual, exigem a participação do Ministério Público como custos legis.

A propósito:

Art. 1.126. Conclusos os autos, o juiz, ouvido o órgão do Ministério Público, mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento, se lhe não achar vício externo, que o torne suspeito de nulidade ou falsidade.

Art. 735. Recebendo testamento cerrado, o juiz, se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença do apresentante.

(…)

§ 2º Depois de ouvido o Ministério Público, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento.

Finalmente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), racionalizando a atuação da instituição do Ministério Público, no art. 5º da Recomendação nº 16/2010 – édito que somente veio a ser revogado após a interposição do especial, isto pela Recomendação nº 34/2016 – recomendava ser desnecessária a intervenção ministerial na: VII – ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada a aprovação, cumprimento e registro de testamento, ou que envolver reconhecimento de paternidade ou legado de alimentos.

Assim, a presença do Parquet e a sua legitimidade se justificam, desimportando a ausência de impugnação da decisão originalmente exarada em primeiro grau pelo recorrente, fato que não consubstancia preclusão para o ente ministerial.

Analiso, pois, o recurso especial.

A primeira das irresignações diz com a violação ao art. 544 do Código Civil por força da doação da nua propriedade de imóvel pelo de cujus à sua companheira nos idos de 1980, bem este que integraria, segundo o recurso especial, o patrimônio comum dos companheiros, pois adquirido na constância da união e que, assim, não poderia ser doado à Sra. Nara.

O segundo questionamento, que é o ponto central do recurso especial, situa-se em torno do quinhão a que faz jus a companheira tendo em vista o concurso com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança.

Em relação à doação, tenho que não fora devidamente demonstrada a violação ao referido dispositivo de lei e, ainda, não se identifica o devido prequestionamento no acórdão recorrido.

A Colenda 7ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no tocante à doação, limitou-se a dizer que teria ela atendido aos ditames legais.

Não houve, em nenhum momento, o reconhecimento de que o bem em questão teria sido adquirido na constância da união ou mesmo que a parte disponível do autor da herança teria sido superada com a referida doação.

Nessa conjuntura, não identifico a presença dos necessários requisitos para o exame da afronta ao art. 544 do CCB.

Por outro lado, a legislação não proíbe a realização de doação entre os consortes, sejam eles unidos por casamento ou união estável, não se podendo do recurso conhecer no que respeita.

No tocante à concorrência na sucessão entre a companheira e os filhos do de cujus, denominada concorrência híbrida por Giselda Hironaka, o Ministério Público, no recurso especial, sustentou que, apesar de a união estável se assemelhar ao casamento, o legislador tratou de forma diferente os dois institutos notadamente em matéria sucessória.

Destacou que o artigo 1.790 do CC, ao tratar da sucessão entre os companheiros, estabeleceu que este participará da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável e, concorrendo com filhos comuns, terá direito à quota equivalente ao filho, e, concorrendo com filhos do falecido, tocar-lhe-á metade do que cada um receber.

Na ausência de previsão de concorrência híbrida, o MP sustentou que caberia a aplicação do inciso II do art. 1.790, reconhecendo à companheira o direito à metade do que receberam os filhos, e não do inciso I, em que receberia ela o mesmo que os descedentes, como o fizera o acórdão recorrido.

O aresto impugnado, sob a relatoria do e. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, mantendo a decisão da lavra da Dra. Rosana Broglio Garbin, anotou, ao tratar do art. 1.790 do CCB:

A mesma norma jurídica dispõe, ainda que concorrendo com filhos comuns, a companheira tem direito a um quota igual ao dos herdeiros, deixando explícito que a condicionante é a existência de filhos comuns. Ressalto que na mencionada norma não consta a exigência de que a quota será igual quando concorre apenas com filhos comuns, daí porque basta haver filho comum para determinar o valor da quota que tocará à companheira.

Assim, a companheira Nara terá direito a uma quota igual a que tocará aos filhos do falecido, incidente sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união.

Feitos estes registros, destaco que a questão se mostrava controvertida na doutrina, especialmente porque a lei não previu expressamente esta situação, limitando-se a regular os efeitos da concorrência do companheiro com os seus descendentes ou apenas os descendentes do de cujus, e não com ambos.

Esta a redação do art. 1.790 do CCB:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Ocorre que o art. 1.790 do CCB foi declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE nº 878.694, sendo determinada a aplicação ao regime sucessório na União Estável o quanto disposto no art. 1.829 do CCB acerca do regime sucessório no casamento.

A propósito, este o dispositivo constante no voto condutor do provimento do recurso extraordinario, da lavra do ilustre e operoso Ministro Luís Roberto Barroso:

(…) dou provimento ao recurso para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, por violar a igualdade entre as famílias, consagrada no art. 226 da CF/1988, bem como os princípios da dignidade da pessoa humana, da vedação ao retrocesso e da proteção deficiente. Como resultado, declaro o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002.

O legislador no art. 1.829, de sua parte, reconheceu:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Necessário, ainda, destacar o quanto disposto no art. 1.832, a tratar do regime concorrencial entre o cônjuge (e agora o companheiro supérstite) e os descendentes:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

As razões trazidas no recurso especial restaram esvaziadas, notadamente aquelas condizentes com a diferenciação entre os regimes sucessórios no seio do casamento e da União Estável, no sentido da afronta ao art. 1.790, inciso II, do CCB, tendo em conta relevante fato superveniente à interposição consubstanciado na declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo.

O parâmetro legal em sede de sucessão legítima na União Estável, agora, é o do casamento, ou seja, dos arts. 1.829 e ss. do CCB.

O acórdão recorrido, todavia, reconhecera que a convivente, Sra. Nara, teria direito ao mesmo quinhão dos filhos do autor da herança em relação aos bens adquiridos na constância do casamento.

Esta Corte Superior, no entanto, interpretando o art 1.829, inciso I, do CCB, reconheceu, através da sua 2ª Seção, que a concorrência do cônjuge e, agora, do companheiro, no regime da comunhão parcial (que é o regime da União Estável), com os descendentes somente ocorrerá quando o falecido tenha deixado bens particulares e, ainda, sobre os referidos bens.

Esta é a ementa do precedente a ser seguido:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO. EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.

1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade.

2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares.

3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.

4. Recurso especial provido. (REsp 1368123/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015)

Uma vez mais reafirmo os seus fundamentos:

17.3.– A terceira e última hipótese em que se exclui a concorrência foi disciplinada de forma um tanto quanto obscura, nos seguintes termos: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime (…) ; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. Em termos mais simples o que se conclui é que, o cônjuge sobrevivente, quando casado sob o regime da comunhão parcial, não concorre com os descendentes do falecido, quando este não tenha deixado bens particulares.

A explicação a de que: se o de cujus não deixou bens particulares é porque todos os bens que integram a herança foram adquiridos no curso do casamento, de maneira que, para fins sucessórios, o cônjuge sobrevivente, embora casado sob o regime da comunhão parcial, estará, na prática, em situação idêntica àquele casado sob o regime da comunhão universal, o que atrai a incidência da regra prevista na primeira parte do inciso I, do artigo 1.829. A meação a que ele tem direito, nesse caso, tal como ocorreria naquele outro regime de bens, alcança todo o acervo patrimonial, sendo suficiente, por si mesma, para resguardar o cônjuge.

O cônjuge supérstite, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, apenas concorrerá com os descendentes se o falecido houver deixado bens particulares, ou seja, bens adquiridos antes do casamento ou que, mesmo adquiridos após essa data, não estejam por qualquer motivo, sujeitos à comunhão.

Admitindo-se que esteja autorizado o concurso, cumpre esclarecer em que termos, precisamente, ele deve ocorrer. Nesse ponto se apresentam três alternativas consistentes.

Em que pese não haja referência no acórdão recorrido acerca da existência de bens particulares, o próprio espólio reconhece, nas suas intervenções e, notadamente, à fl. 498/500 e-STJ, a existência desta categoria de bens, o que é suficiente para que aqui se declare que o juízo deverá limitar a sucessão da companheira aos bens particulares, excluindo-se os bens adquiridos na constância da União Estável, na forma da interpretação da legislação federal realizada por esta Corte Superior, a não ser que a ela atribuído por outra forma que não a sucessão legítima, sempre limitado à metade disponível do de cujus.

Cumpre, ainda, que se analise o quinhão devido à companheira, pois, em face da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790, passara a reger a questão o art. 1.832 do CCB.

E aqui chamo a atenção dos eminentes pares acerca da necessidade de sobre ela nos debruçarmos, mesmo não tendo sido expressamente referido o art. 1.832 do CCB no recurso especial ou no acórdão recorrido, mas o fora, certamente, a questão relativa ao quinhão da convivente, cumprindo a esta Corte Superior, com base no princípio iura novit curia, aplicar o direito à espécie em face dos fatos narrados no acórdão recorrido, já que, de modo algum, exigiria a revisão da seara probatória.

Ademais, declarada a inconstitucionalidade do regime concorrencial previsto no CCB aplicado à união estável pelo art. 1.790 do CCB, que era objeto de específica discussão no especial e de prequestionamento no acórdão, fazendo, o STf, aplicar as normas da sucessão dentro do casamento, tornou-se incidente o art. 1.832 do CCB, que, assim, há de ser analisado, aplicando-se o direito à espécie e evitando-se a perenização da discussão, o que apenas investiria contra a efetividade do processo, a celeridade, a economia e a sua duração razoável.

Destaco, ainda, que não haveria sequer violação ao princípio da não surpresa, previsto no art. 10 do CCB, pois determinei a intimação das partes para manifestarem-se acerca da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB e da atual aplicação do regime de casamento (fl. 494/495 e-STJ), sobrevindo manifestação do espólio e dos filhos herdeiros (fls. 498/500 e-STJ), além das razões do recorrente, mediante o Ministério Público Federal (fls. 501/502 e-STJ).

Referido dispositivo, ao disciplinar o quinhão do cônjuge (e agora do companheiro), estabelece caber à convivente supérstite quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, e que não poderá, a sua quota, ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Do art. 1.832 do CCB extrai-se, pois, que a Sra. Nara concorrerá com os filhos do de cujus (concorrência aqui limitada aos bens particulares), e que o seu quinhão será o mesmo daqueles herdeiros que receberem por cabeça, ou seja, por direito próprio e não por representação, cumprindo definir se haverá ou não a reserva do mínimo de 1/4 da herança.

Esta a sua redação:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

A norma não deixa dúvidas acerca de sua interpretação quando há apenas descendentes exclusivos ou apenas descendentes comuns, aplicando-se a reserva apenas quando o cônjuge ou companheiro for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Mais bem explicitando, resulta do art. 1.832 do CCB a inexistência de reserva de 1/4 da herança (bens particulares) ao cônjuge ou companheiro em havendo apenas herdeiros exclusivos, situação em que o consorte receberá o mesmo quinhão dos descendentes.

Em concorrendo com os seus descendentes (filhos comuns em número maior de 3) apenas, haverá a reserva de 1/4 da herança, restando aos filhos suceder 75% dos bens particulares.

No entanto, quando a concorrência do cônjuge ou companheiro se estabelece entre herdeiros comuns e exclusivos, é bastante controvertida na doutrina a aplicação da parte final do art. 1.832 do CCB.

A problemática, destaco, apenas tem fundamento quando há quatro ou mais descendentes a concorrem com o consorte supérstite, pois apenas nesta hipótese seria necessária a reserva de 1/4 da herança ao companheiro(a), já que, em concorrendo com três ou menos descendentes, todos os herdeiros restarão com no mínimo 1/4 da herança.

Estão em testilha dois interesses fundamentais. De um lado, o interesse do cônjuge/companheiro, garantindo-se-lhe um patamar mínimo sobre os bens objeto da herança, e, de outro lado, o dos filhos, que não poderão, tendo em vista as estatuições legais e constitucionais no sentido de sua igualdade, virem a receber patamares diferenciados sobre a herança do pai comum.

Flávio Tartuce, analisando a questão, elaborou um alentado apanhado doutrinário acerca das posições defendidas por insígnes civilistas brasileiros no que concerne à interpretação do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil, tendo em vista a existência da já referida concorrência híbrida entre o cônjuge e os descendentes do de cujus, exclusivos e comuns.

Com base também na referida compilação, elaboro o presente quadro de modo a mais bem evidenciar os doutrinadores e as suas teses no tocante à questão ora controvertida:

Tese1

Caio Mario da Silva Pereira;

Christiano Cassettari;

Guilhemie Calmon Nogueira da Gama;

Gustavo René Nicolau;

Inacio de Carvalho Neto;

Jorge Fujita;

Luiz Paulo Vieira de Carvalho;

Maria Berenice Dias;

Maria Helena Diniz;

Maria Helena Braceiro Daneluzzi;

Mario Delgado;

Mario Roberto Carvalho de Faria;

Rodrigo da Cunha Pereira;

Rolf Madaleno;

Sebastiao Amorim;

Euclides de Oliveira;

Zeno Veloso; e

Flávio Tartuce.

Concorrência com sucessão híbrida =

Inexistência de direito a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como exclusivos do autor da herança;

Tese 2

Francisco José Cahali;

José Fernando Simão; e

Sílvio de Salvo Venosa

Concorrência com sucessão híbrida =

Reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como se fossem comuns.

Tese 3

Eduardo Oliveira Leite

(Professor Titular da Universidade Federal do Paraná)

Concorrência com sucessão híbrida =

Passo 1: divisão da herança de forma igualitária entre todos os filhos.

Passo 2: Fracionamento da herança em blocos; Bloco dos filhos comuns e Bloco dos filhos exclusivos.

Passo 3: reserva da quarta parte do bloco dos filhos comuns;

Passo 4: partilha do restante entre os filhos do bloco comum.

Tese 4

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

(Professora Titular da USP)

Concorrência com a sucessão híbrida =

Passo 1: Divisão da herança entre todos os filhos;

Passo 2: criação de 2 sub-heranças, uma dos filhos comuns e outra dos filhos exclusivos.

Passo 3: Divide-se a sub-herança dos filhos exclusivos entre os filhos pertencentes ao grupo e o consorte.

Passo 4: Divide-se a sub-herança dos filhos comuns entre os filhos comuns e o consorte.

Passo 5: O quinhão do cônjuge será a soma das duas quotas que a ele pertine em cada um dos grupos;

Tese 5

Flávio Augusto Monteiro de Barros

(Ex-Magistrado e professor paulista)

Concorrência com a sucessão híbrida =

Passo 1: Divisão da herança entre todos os filhos e o cônjuge/companheiro.

Passo 2: Apura-se qual seria o montante da reserva ao cônjuge, excluindo a parte dos filhos exclusivos.

Passo 3: Subtrai-se da herança a parte do cônjuge, dividindo o resultado pelo número de filhos (comuns e exclusivos).

De modo a melhor visualizarmos as proposições doutrinárias, é importante aplicá-las a um exemplo que, em parte, espelha o presente caso concreto:

Herança (bens particulares): R$ 800.000,00 (valor hipotético);

Herdeiros: companheira; 1 filho comum; 6 filhos exclusivos;

Tese 1:

Divide-se a herança por igual entre os herdeiros, tratando-se todos os filhos como exclusivos. Atribui-se a cada um dos filhos e à companheira R$ 100.000,00 (não há reserva de 1/4 da herança para a consorte supérstite).

Tese 2:

Reserva-se 1/4 da herança para a consorte, tratando-se todos os filhos como se fossem comuns. Atribui-se para a companheira R$ 200.000,00, rateando-se o restante entre os 7 filhos: R$ 85.714,28 para cada.

Tese 3:

Divide-se a herança entre os filhos. A cada um dos 7 filhos respeitaria quinhão de R$ 114.285,71.

Criam-se dois blocos de filhos. Bloco dos filhos comuns (um filho): R$ 114.285,71; bloco dos filhos exclusivos (seis filhos): R$ 685.714,26.

Extrai-se a quarta parte do bloco dos filhos comuns, encontrando-se a herança do cônjuge/companheiro: R$ 114.285,71 x 1/4 = R$ 28.571,42. O remanescente é divido entre os integrantes do referido bloco dos filhos comuns (1 filho): R$ 85.714,28.

A regra aqui faria com que, no exemplo, os filhos restassem com valores diferentes, pois o comum restaria com R$ 85.714,28 e os exclusivos com R$ 114.285,71.

Tese 4:

Divide-se a herança entre todos os filhos. A cada um dos 7 filhos respeitaria quinhão de R$ 114.285,71.

Criam-se 2 sub-heranças, uma dos filhos comuns e outra dos filhos exclusivos.

Divide-se a sub-herança dos filhos exclusivos e comuns entre os filhos pertencentes ao grupo e o consorte.

Divisão na sub-herança dos filhos exclusivos: R$ 685.714,26 / 7 = R$ 97.959,18 para cada um dos filhos exclusivos e para a companheira.

Divisão na sub-herança dos filhos comuns: R$ 114.285,71 / 2 = R$ 57.142,85 para o filho comum e para a companheira.

O quinhão do cônjuge será a soma das duas quotas em cada sub-herança: R$ 155.102,03.

A regra aqui faria com que os filhos restassem com valores diferentes.

Tese 5:

Divide-se a herança entre todos os filhos e o cônjuge/companheiro. A cada um dos herdeiros respeitaria, assim, quinhão provisório de R$ 100.000,00.

A reserva de 1/4 ao consorte, então, seria calculada apenas dos valores devidos aos filhos comuns. Resultaria, que, em sendo apenas um filho comum, o quinhão do cônjuge seria de R$ 25.000,00 (1/4 de R$ 100.000,00).

Então, deveria ser subtraída da herança a parte do consorte, dividindo-se o restante entre todos os filhos (comuns e exclusivos), a quem restaria quinhão de R$ 110.714,28 (R$ 775.000,00 / 7).

De pronto, bem se extrai dos exemplos adiantados que algumas das teses propõem a realização de cálculos mais elaborados e a criação de blocos ou sub-heranças, mas acabam por resultar em valores desiguais entre os filhos, o que, entendo, resta vedado no sistema jurídico brasileiro pelo quanto disposto no art. 1.834 do CCB e no art. 227, §6º, da CF.

Este o teor das mencionadas normas:

CCB, Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes.

CF, Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(…)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Por outro lado, nas proposições aludidas, quando não há violação à igualdade entre os quinhões do filhos, acaba-se por sugerir a realização de cálculos complexos que apenas trariam incerteza a momento bastante conturbado da vida dos herdeiros e possivelmente poderiam abrir espaço para longas discussões judiciais, desconsiderando, ainda, no sentir deste relator, a intenção do legislador ao restringir a reserva de 1/4 da herança à hipótese em que o supérstite é ascendente dos herdeiros.

O legislador fez questão de limitar a reserva apenas à concorrência entre o consorte e os herdeiros comuns, evitando reduzir o valor que seria atribuído aos herdeiros exclusivos do de cujus, porque o patrimônio amealhado pelo cônjuge sobrevivente, aí se integrando a sua meação e a herança (no mínimo de 1/4), em tese, virá a ser, um dia, herdado pelos filhos comuns.

Por isso, acabou-se alcançando um patamar maior para o consorte sobrevivente, retirando-se parcela dos filhos comuns, que, na ordem natural das coisas, virão a recebê-la quando do falecimento do genitor que sobrevivera.

Essa peculiaridade fora bem ressaltada por Luciano Camargo: “A razão dessa proteção ao cônjuge é resguardá-lo com maior parte do patrimônio familiar, sobretudo, nos casos em que ele se torna o chefe de família, devendo desempenhar os deveres de sustento e cuidado dos filhos comuns. E, sendo o cônjuge ascendente de todos os demais herdeiros, o patrimônio não deixará a família, pois, futuramente, os descendentes receberão pelo menos a parte legítima, quando da morte do ascendente comum.” (in Manual de Direito Civil – Sucessões – Ed. RT, 1ª ed. em e-book, 2014, Parte II, item 1.2.6)

A interpretação restritiva do enunciado normativo do art. 1.832 do CCB garante, a um só tempo, além do respeito a mens legis, uma divisão que atende à igualdade entre os herdeiros e, ainda, preserva o interesse dos filhos exclusivos sobre o patrimônio do ascendente falecido (que não será reduzido por força da reserva do ex-consorte do seu genitor), cujo direito, aliás, não pode ser combalido com base em interpretação extensiva de uma norma a restringir direitos de terceiros.

Analisadas, pois, as várias teses e posicionamentos doutrinários, concluo que a solução alvitrada pela maioria da doutrina brasileira há de ser endossada por esta Corte.

Aliás, esta fora a orientação adotada por aqueles que participaram da 5ª Jornada de Direito Civil do CJF, da qual adveio o enunciado 527: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.”

Neste mesmo sentido, também conclui Carlos Roberto Gonçalves, com apoio na lição de Mário Luiz Delgado Régis (in Direito Civil Brasileiro, Ed. Saraiva, Vol. VII, 2ª ed., 2008, p. 158) :

Verifica-se, assim, que a primeira alternativa, ao assegurar a reserva da quarta parte somente quando todos os descendentes forem comuns, é a que melhor atende à mens legis, pois a intenção do legislador foi, sem dúvida, beneficiar o cônjuge, acarretando o menor prejuízo possível aos filhos.

Se todos os filhos são comuns, a reserva da quarta parte, ainda que implique eventual diminuição do quinhão dos filhos, não lhes acarretará maiores prejuízos, uma vez que o montante a maior destinado ao cônjuge futuramente reverterá aos filhos. Em princípio, os filhos comuns terminarão herdando parte dos bens que ficaram reservados ao cônjuge sobrevivente, como observa Mário Luiz Delgado Régis: “Quanto ao art. 1.832, deve-se considerar que, na concorrência com os descendentes, só existirá o direito do cônjuge à reserva da quarta parte da herança quando todos os descedentes forem comuns; e que, nas hipóteses de filiação híbrida, o quinhão do cônjuge e dos filhos, quanto aos bens particulares do de cujus, deve ser rigorosamente igual.”

Válida, ainda, a menção à precisa lição de Paulo Lôbo, que em tudo consona com o quanto afirmado (in Direito Civil, Ed. Saraiva, V. 6, 5ª ed., 2019, p. 154) :

“Na situação de conjugação de filhos exclusivos do de cujus e de filhos comuns dele e do cônjuge sobrevivente, este também fará jus a uma quota igual à de cada um dos filhos sobre os bens particulares deixados.

Os filhos, por sua vez, independentemente da origem, têm direito à quota igual não só sobre a meação dos bens comuns, mas também sobre os bens particulares deixados pelo de cujus.

Se este deixou três filhos exclusivos e um comum, ou o inverso, serão cinco quotas iguais sobre os bens particulares deixados, ou seja, uma quota do cônjuge sobrevivente e quatro dos filhos.

Nessa situação, o cônjuge sobrevivente não faz jus à quota mínima de um quarto.

A existência de apenas um filho exclusivo do de cujus é suficiente para impedir a incidência da garantia da quota mínima, pois esta é restrição de direito que não admite interpretação extensiva.

E se preservasse, por operação matemática, o valor da quota dos filhos exclusivos, a diminuição correspondente das quotas dos filhos comuns, para satisfazer a quota mínima do cônjuge, conduziria à discriminação de tratamento entre os filhos, em razão de suas origens, violando a vedação constitucional.

Portanto, apenas quando de filhos comuns se tratar, pode-se cogitar de quota mínima em favor do cônjuge sobrevivente.

Nas demais situações, sua quota é igual à de cada um dos filhos do de cujus.”

Por fim, não deixo de salientar a sempre pertinente lição do Professor Mairan Gonçalves Maia Júnior (in Sucessão legítima, Ed. RT, 1ª ed. em e-book, 2018, Parte III, item 11.1.4):

Na verdade, as regras que se pretendem harmonizar, simplesmente não são compatíveis. Está em questão a aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre os herdeiros de mesma classe, no caso os descendentes que, por força de preceito constitucional, hão de ser tratados de modo isonômico. Na sucessão significa que obrigatoriamente hão de receber o mesmo quinhão.

Porém, como compatibilizar o princípio da igualdade entre todos os descendentes com o preceito legal que determina a reserva de 25% (vinte e cinco por cento) ao cônjuge quando concorrer com descendentes seus?

A reserva de quota para o cônjuge constitui regra de aplicação especial pois, como já ressaltado, não atende ao princípio da igualdade entre os herdeiros chamados na mesma ordem de vocação sucessória. Por esse motivo, há de ser interpretada e aplicada como regra de exceção e, somente, na precisa hipótese abstratamente prevista pelo art. 1.832, ou seja, quando concorrer exclusivamente com descendentes comuns.

Na sucessão do cônjuge com descendência híbrida deve, simplesmente, ser aplicado o princípio da igualdade entre todos os herdeiros, destinando a mesma quota para cada um deles, sem reserva de cota mínima para o cônjuge sobrevivente.

Esse entendimento foi consagrado na V Jornada de Direito Civil, no enunciado 527, o qual estatuiu: “527 – Art. 1.832: Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida”.

Em resumo, conclui-se que a reserva de no mínimo 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3).

Em qualquer outra hipótese de concurso com filhos exclusivos, ou comuns e exclusivos, não haverá a reserva de 1/4 da herança ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.

É de rigor, por conseguinte, a parcial reforma do acórdão recorrido, reconhecendo-se que a recorrida, Sra. Nara Alaides de Oliveira, concorrerá com os demais herdeiros apenas sobre os bens particulares (e não sobre a totalidade dos bens do de cujus), recebendo, cada qual, companheira e filhos, em relação aos referidos bens particulares, o mesmo quinhão.

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso especial.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.617.650 – Rio Grande do Sul – 3ª Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJ 01.07.2019

Fonte: INR Publicações

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Ação de retificação de registro civil – Mudança de nome, com adoção do nome húngaro – Agravante que pretende a expedição de alvará para obtenção de nova via de sua Carteira Nacional de Habilitação, sobre o fundamento de que o processo tramitou sob o palio da Justiça Gratuita, que se estenderia à realização de atos extrajudiciais – Descabimento – Pretensão que não encontra amparo no título executivo transitado em julgado, que nenhuma menção fez a respeito da requerida concessão de alvarás para alteração de documentos perante quaisquer órgãos e empresas nacionais – Art. 98, §1º, IX do CPC que diz respeito a atos notariais necessários à concretização da pretensão, conceito no qual não se insere a expedição de nova CNH – Decisão mantida – Recurso desprovido.

Ação de retificação de registro civil – Mudança de nome, com adoção do nome húngaro – Agravante que pretende a expedição de alvará para obtenção de nova via de sua Carteira Nacional de Habilitação, sobre o fundamento de que o processo tramitou sob o palio da Justiça Gratuita, que se estenderia à realização de atos extrajudiciais – Descabimento – Pretensão que não encontra amparo no título executivo transitado em julgado, que nenhuma menção fez a respeito da requerida concessão de alvarás para alteração de documentos perante quaisquer órgãos e empresas nacionais – Art. 98, §1º, IX do CPC que diz respeito a atos notariais necessários à concretização da pretensão, conceito no qual não se insere a expedição de nova CNH – Decisão mantida – Recurso desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2011313-94.2018.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é agravante MATEUS PACHECO FIAMENGUI, é agravado O JUIZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores EDSON LUIZ DE QUEIROZ (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.

São Paulo, 25 de julho de 2019.

Angela Lopes

Relatora

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 4.195

Agravo de Instrumento n. 2011313-94.2018.8.26.0000

Origem: 3ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí

Agravante: MATEUS PACHECO FIAMENGUI

Agravado: O JUÍZO

AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – MUDANÇA DE NOME, COM ADOÇÃO DO NOME HÚNGARO – Agravante que pretende a expedição de alvará para obtenção de nova via de sua Carteira Nacional de Habilitação, sobre o fundamento de que o processo tramitou sob o palio da Justiça Gratuita, que se estenderia à realização de atos extrajudiciais – Descabimento – Pretensão que não encontra amparo no título executivo transitado em julgado, que nenhuma menção fez a respeito da requerida concessão de alvarás para alteração de documentos perante quaisquer órgãos e empresas nacionais – Art. 98, §1º, IX do CPC que diz respeito a atos notariais necessários à concretização da pretensão, conceito no qual não se insere a expedição de nova CNH – Decisão mantida – RECURSO DESPROVIDO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão que, em ação de retificação de assento de registro civil, indeferiu o pedido de expedição de alvará judicial para autorizar o autor a requerer a retificação de seu nome junto às autoridades com isenção de custas e emolumentos.

Não foi formulado pedido de concessão de efeito suspensivo ou antecipação de tutela recursal.

O Juízo prestou informações à fl. 58/59.

É o relatório.

O agravante ajuizou ação objetivando a retificação de seu registro civil, uma vez que cidadão húngaro-brasileiro, aqui está registrado como Mateus Pacheco Fiamengui, e na Hungria, como Mateusz Hangrád.

Por identificar-se como Mateusz Hangrád, pediu, ao final, em suma:

“d) a integral procedência da presente ação, para determinar a retificação do assentamento de nascimento da parte autora (registro públicoda folha 075vs. do livro A-49 do Registro Civil de Pessoas Naturais da Comarca de Tanabi SP), de modo que seu nome seja alterado para MATEUSZ HANGRÁD, expedindo-se, para tanto, o respectivo ofício ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Tanabi, para adoção das medidas cabíveis neste sentido; e, sem prejuízo

e) a expedição de alvará judicial para autorizar o autor a diligenciar perante autoridades, órgãos e empresas nacionais a fim de alterar seus documentos.”

Foi proferida sentença de procedência, nos seguintes termos:

“Mateus Pacheco Fiamengui, mais conhecido como Mateusz Hangrád, qualificado nos autos, ingressou com pedido de retificação de assentamento de registro civil, alegando erros na grafia no sobrenome da sua família nos documentos seus e de seus pais e, ainda, alega que é conhecido por Mateusz Hangrád, de modo que requer a retificação do assentamento de nascimento para que seja alterado seu nome para Mateusz Hangrád.

(…)

O pedido formulado pelo requerente deve ser julgado procedente.

(…)

Posto isso, e tendo em vista o parecer favorável do M.D. Representante do Ministério Público, JULGO PROCEDENTE o pedido de retificação de assentamento de registro civil e DETERMINO seja efetuada a retificação requerida, expedindo-se o necessário para tanto.” (fls. 192/193).

Não foi interposto recurso.

Às fls. 208/209, o demandante postulou a expedição do mandado de retificação de seu assento junto ao registro civil, bem como o alvará judicial autorizando-o a promover “as alterações de seus cadastros perante as autoridades e empresas competentes”.

Foi, então, expedido o mandado de retificação de assento, endereçado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Tanabi SP (fl. 210).

Insistiu, então, o postulante, na expedição de alvará para que retificasse sua carteira nacional de habilitação (CNH) sem custas, vez que é beneficiário da justiça gratuita.

Sobreveio, pois, a decisão agravada:

“Vistos.

Seria muito ativismo ursupativo de atribuições e competências este juízo determinar a gratuidade universal de documentos para o autor.

A retificação pedida é a do registro civil.

Lá se determinou, por procedência, com gratuidade, a retificação.

Exauriu-se o processo.

Não há mais nada a ser feito aqui.

Ainda que um alvará “resolvesse” o problema do autor, seria equivocado pois usurparia de análise e contraditório que se devem fazer alhures, pela fazenda, inclusive, quando ao pleito.

O juízo não pode ir além dos autos.

E não vai.

Indeferido, pois, o pedido.

Arquivem-se. Intime-se”

Pois bem.

O recurso não comporta provimento.

O agravante, na defesa de seu pleito, defende que teve deferido em seu favor o benefício da gratuidade, tendo expressamente pedido, em sua peça inaugural, a expedição dos alvarás judiciais que lhe permitissem diligenciar perante “autoridades, órgãos e empresas nacionais”, a fim de alterar seus documentos.

Deduz que o Magistrado de Primeira Instância julgou procedente a demanda, sem indeferir qualquer dos pedidos, pelo que compreende ter sido deferida também tal pretensão.

Insiste que não tem condições de arcar com as despesas decorrentes das retificações e ampara seu pedido no art. 98, §1º, IX do CPC.

Todavia, não cabe adotar a interpretação sugerida pelo agravante, certo que nenhuma menção a respeito do deferimento do pedido de expedição de alvarás para diversas (sequer especificadas) autoridades, órgãos e empresas nacionais foi feita da r. sentença, já transitada em julgado.

Cabia ao autor, à míngua de expressa menção a um dos pedidos feitos na peça inaugural (expedição de alvarás diversos), ter apresentado o recurso cabível à hipótese, o que não fez.

E ao contrário do que pretende fazer entender o recorrente, nada indica tenha havido deferimento tácito do pleito, certo que a r. sentença é expressa ao referir ser procedente pedido de retificação de assentamento de registro civil, tendo sido determinada a retificação deste, somente, expedindo-se o necessário para tanto. Nada além.

Descabida a interpretação extensiva da vontade do julgador.

No mais, é mesmo despropositado que o Juízo expeça alvarás para quaisquer órgãos e empresas nas quais tenha o autor cadastrado o nome brasileiro, interpretação que conduziria à absurda conclusão de que dependeria do Judiciário determinar a retificação gratuita de cartões bancários, passaporte, registros junto a entidades de classe, associações de que faça parte etc.

E que não se diga que o art. 98, §1º, IX do CPC ampara a pretensão ora aventada.

Tal inciso refere a atos registrais: emolumentos devidos a notários ou registradores, para fins de averbação de ato notarial, o que nenhuma relação tem com a expedição de nova via de carteira de habilitação.

Com efeito:

“Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 1º A gratuidade da justiça compreende:

(…)

IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.”

E a jurisprudência colacionada pelo próprio agravante demonstra o quanto apontado acima: que a gratuidade alcança atos notariais necessários à ultimação da providência judicialmente deferida, não havendo amparo para o pleito ora formulado.

Em assim sendo, escorreita a decisão de primeira instância, que deve ser mantida.

Ficam as partes intimadas desde logo que, havendo interposição de embargos de declaração contra o presente acórdão, que se manifestem no próprio recurso sobre eventual oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da Resolução nº 549/2011, com a redação alterada pela Resolução nº 772/2017 do Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça. No silêncio, os autos serão automaticamente incluídos no julgamento virtual.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

ANGELA LOPES

Relatora /

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2011313-94.2018.8.26.0000 – Jundiaí – 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Angela Lopes – DJ 05.08.2019

Fonte: INR Publicações

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Recurso Especial – Ação condenatória – Cessão e transferência de direitos decorrentes de implantação de reflorestamento – Dação em pagamento do imóvel sem cláusula que dispusesse acerca da propriedade da cobertura vegetal lenhosa – Tribunal a quo que manteve a sentença de improcedência – Insurgência da autora – Reclamo desprovido – Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação – 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional – 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada – 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica – 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua – 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização – 4. Recurso especial desprovido.

Recurso Especial – Ação condenatória – Cessão e transferência de direitos decorrentes de implantação de reflorestamento – Dação em pagamento do imóvel sem cláusula que dispusesse acerca da propriedade da cobertura vegetal lenhosa – Tribunal a quo que manteve a sentença de improcedência – Insurgência da autora – Reclamo desprovido – Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação – 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional – 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada – 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica – 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua – 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização – 4. Recurso especial desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.567.479 – PR (2011/0271419-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

ADVOGADO : LUIZ GUILHERME BITTENCOURT MARINONI E OUTRO(S) – PR013073

ADVOGADOS : HELENA DE TOLEDO COELHO – PR024661

GILSON JOAO GOULART JUNIOR – PR036950

FERNANDO MUNHOZ RIBEIRO – PR035025

MARCEL KESSELRING FERREIRA DA COSTA – PR032679

THIAGO MOURÃO DE ARAUJO – PR042152

NASTASSIA LYRA IURK DA SILVA – PR064683

RECORRIDO : KLABIN S/A

ADVOGADO : SEBASTIAO MARIA MARTINS NETO – PR014978

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CONDENATÓRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DE IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO IMÓVEL SEM CLÁUSULA QUE DISPUSESSE ACERCA DA PROPRIEDADE DA COBERTURA VEGETAL LENHOSA – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – RECLAMO DESPROVIDO.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada.

2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica.

2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes.

Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua.

3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

4. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Luiz Guilherme Bittencourt Marinoni, pela parte Recorrente: IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

Brasília (DF), 11 de junho de 2019 (Data do Julgamento)

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

Narra a autora, ainda, que na data de 14/02/1989, CLEUZA vendeu o imóvel juntamente com as florestas e projetos de reflorestamento implantados por sobre a área à empresa ré KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A, a qual procedeu ao corte raso das árvores de propriedade da Refloril.

Pleiteia o ressarcimento contemporâneo, ou seja, o equivalente a 150.000 árvores de pinus ssp face a inexistência de árvores remanescentes do projeto de reflorestamento.

Em sede de contestação, a demandada sustentou a idoneidade da aquisição imobiliária ante o desaparecimento do condomínio face a consolidação da propriedade exclusiva com a ré, não tendo praticado qualquer ilícito ao promover o corte raso da floresta remanescente. Afirmou, por fim, que a autora é litigante de má-fé em virtude de não ser cessionária de qualquer direito descrito na referida escritura pública de cessão e transferência, pois a pessoa que a subscreveu em nome da Refloril não mais era seu representante legal.

Na sentença, o magistrado julgou improcedente o pedido sob a assertiva de que “a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direito, Vantagens e Obrigações (fls. 19/20) foi lavrada quando a cedente Refloril Empreedimentos Florestais Ltda. não mais detinha os direitos relativos aos 20% das árvores remanescentes de pinus ssp, de sorte que efeito algum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino“.

Concluiu, ainda, o magistrado, que o imóvel rural no qual fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido à CLEUZA GUILARDI ZONARI em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, a indicar que a dação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, em razão do acessório seguir o principal.

Opostos aclaratórios, esses foram rejeitados (fl. 1245).

Interposto o recurso de apelação, o Tribunal a quo desproveu o reclamo nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS – IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO TERRENO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA QUE DISPUSESSE SOBRE A PROPRIEDADE DAS ÁRVORES QUE INTEGRAVAM O REFLORESTAMENTO – VENDA A NON DOMINI – RECURSO DESPROVIDO POR MAIORIA.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão de direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados pelo acórdão de fls. 1350-1353.

Nas razões do recurso especial (fls. 1357-1400), alega a insurgente, além de dissídio jurisprudencial, violação aos artigos 535 do CPC/73, 79, 82, 287, 1232 e 1369 do Código Civil/2002. Sustenta, em síntese:

a) negativa de prestação jurisdicional em razão de obscuridade existente no julgado, haja vista que é incontroverso dos autos que a demandada KLABIN S/A promoveu o corte raso das árvores em data posterior à transferência ocorrida em 24/03/1983, sendo falsa a premissa utilizada pelo Tribunal a quo ao asseverar que “não mais existiam as árvores objeto dos contratos”;

b) era desnecessário que a REFLORIL tivesse ressalvado os direitos sobre as árvores para que não seguissem junto com a transferência da terra nua, pois os vegetais lenhosos destinados ao corte, ou seja, de destinação certa de comercialização em separado, constituem bens móveis por antecipação, não sendo aplicável a premissa de que o acessório segue o principal;

c) inocorrente a alegada venda a non domino, pois a transferência do imóvel da Refloril para a sua ex-sócia CLEUZA ZONARI não englobou as árvores de reflrorestamento;

d) a REFLORIL (cedente) não só autorizou o estabelecimento de condomínio florestal como o implantou, mantendo para si como remuneração, através dos contratos particulares de condomínio florestal, as árvores existentes após o 4° desbaste previsto para o 20° ano depois da assinatura dos ajustes;

e) embora a REFLORIL tenha dado em pagamento a terra nua, não transferiu as árvores, tanto que essas foram objeto da cessão de direitos operada por essa com a insurgente no ano de 2004, devidamente registrada em cartório.

Contrarrazões às fls. 1418-1430.

Inadmitido o reclamo na origem, adveio agravo (art. 544 do CPC/73) visando destrancar a insurgência, ao qual este signatário deu provimento (decisão de fls. 1477-1478) e determinou a sua conversão em recurso especial para melhor análise da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O reclamo não merece acolhida.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) frente às circunstâncias do caso concreto, qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se há de ser considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Inicialmente, no tocante à preliminar de negativa de prestação jurisdicional, não merece acolhida a irresignação, porquanto é cediço nesta Corte Superior que os embargos de declaração se destinam a suprir eventual vício existente na deliberação judicial, não necessitando o órgão julgador manifestar-se expressamente acerca de todas as disposições legais que as partes entendam aplicáveis, embora deva motivar suas decisões, expondo os fundamentos do seu livre convencimento.

Segundo a insurgente, a violação ao artigo 535 do CPC/73 teria ocorrido porquanto a Corte local deixou de corrigir erro de fato/premissa, afeto à informação de que a recorrida KLABIN S/A teria adquirido o imóvel quando não mais havia o número total de árvores implantadas pelo projeto de reflorestamento, uma vez que a REFLORIL (cedente) já teria procedido aos cortes nos anos de 1981, 1982 e 1987.

Relativamente ao ponto, o acórdão recorrido foi expresso ao asseverar, com vasta fundamentação, inclusive amparada no acervo fático-probatório dos autos que, quando da venda do imóvel operada por CLEUZA ZONARI à empresa KLABIN S/A o quantitativo de árvores referidas nos contratos originários da implantação do reflorestamento não mais existia, pois teria havido intercorrências no plantio que ensejaram a redução da área plantada, e a cobertura vegetal lenhosa efetivamente cultivada teria sido objeto de corte pela própria REFLORIL nos anos acima referidos.

Confira-se, por oportuno, o trecho do julgado:

Frise-se ainda que não mais existiam as árvores objeto dos contratos, quando houve a venda do imóvel. Isto porque antes de serem vendidas para a Klabin, a Refloril promoveu o corte; também porque ocorreram deficiências no plantio e houve a redução das árvores. O IBAMA, em informações técnicas apresentadas ao Juízo da Justiça Federal, atesta a redução da área plantada nos projetos Refloril IV e V. Com o esmo parecer técnico junta documentos que certifica ter o IBAMA autorizado a Refloril a proceder planos de corte em 1981, 1982 e 987, portanto, antes da venda para a Klabin.

Como se vê, o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

Nesse sentido: EDcl no Ag 749.349/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no REsp 1716263/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no AREsp 1241784/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018.

Ressalte-se, também, no pertinente ao assunto ora em debate, que ante o óbice da súmula 7/STJ é vedado a esta Corte Superior incursionar nas provas constantes dos autos para averiguar acerca da alegada ocorrência de erro de fato/premissa referido pela insurgente, motivo pelo qual eventual equívoco do acórdão, relativamente à matéria de fato, não pode ser corrigido pela via do recurso especial.

2. Quanto ao mérito, para o deslinde da questão controvertida, afigura-se impresdincível, de início, tecer breve comentário acerca do histórico pertinente ao reflorestamento no Brasil, bem como externar o concatenamento cronológico dos fatos reputados incontroversos atinentes à causa, para, a posteriori, estabelecer qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte e objeto dos projetos de implantação do reflorestamento.

2.1 O caso concreto tem seu nascedouro em projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) implementados no imóvel Areia Preta (matrícula nº 2894), localizado no Município de Reserva – PR. O reflorestamento, em linhas gerais, constitui uma ação ambiental visando repovoar áreas que tiveram a vegetação removida pelas forças da natureza ou ações humanas, a denotar, em princípio, que a finalidade primordial é reimplantar ao solo, ainda que artificialmente, aquilo que foi dele removido. No entanto, a prática não se dá apenas com a finalidade precípua de minimização dos impactos ambientais via reintegração da vegetação nativa degradada (reflorestamento ecológico), podendo, também, a escolha da cobertura vegetal a ser implantada servir aos propósitos comerciais.

A prática de reflorestamento no Brasil não é nova. O primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793), foi lançado em 1934 no propósito de enfrentar os desmatamentos realizados em decorrência da extração de madeira. Com o advento do Código Florestal seguinte, Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, houve uma mudança significativa no manejo das florestas e demais formas de vegetação, em razão de terem sido reconhecidas de utilidade às terras que revestem e, portanto, bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Nessa, as ações e omissões decorrentes da utilização e exploração das florestas realizada em contrariedade às disposições da referida legislação foi considerada como uso nocivo da propriedade. O mencionado regramento visou, em síntese, minimizar os impactos ao meio ambiente, tendo o poder público, inclusive, estimulado o reflorestamento via incentivos fiscais.

Segundo estudiosos da matéria, no período de 1967 a 1986, foram concedidos incentivos fiscais ao reflorestamento, que ensejaram o crescimento da área reflorestada de 1967 a 1979. Tais estímulos foram adquirindo volume, sem limitação regional para o plantio de florestas, até final da década de 70, a partir de quando se verifica diminuição do fomento e, consequentemente, decréscimo da área reflorestada. Não obstante, em 2000, o Brasil ainda se mantinha como o sexto maior país, no mundo, em termos de território reflorestado, a denotar que apesar das fraudes e plantações mal sucedidas, houve significativa expansão das superfícies recuperadas, em que pese os motivos para o reflorestamento perpassarem, quase que necessariamente, pelo fator econômico da conduta de minimização dos impactos ambientais. (SCIENTIA FORESTALIS, n. 66, p. 191-203, dez. 2004)

2.2 Feita essa breve digressão, segundo afirma a insurgente na exordial, os projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) foram implementados na década de 1970, com árvores de pinus ssp e contaram com a faculdade de isenção tributária instituída na Lei 5.106/66, que dispunha sobre os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais. Por meio de “contrato de cessão de terras e execução florestal” firmado entre a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA e os investidores, aquela fora contratada para promover o reflorestamento da área, tendo estipulado que, a título de pagamento, após o 4º desbaste estimativo previsto para o 20º ano da assinatura do contrato, teria o direito ao remanescente de 500 árvores por hectare.

Após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de findo o prazo de vinte anos firmado nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894.

Em 1983, a empresa REFLORIL, mediante escritura pública de dação em pagamento, transferiu – sem ressalvar as árvores ou os projetos de reflorestamento – a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 2894 a CLEUZA GUILARDI ZONARI, essa que, em 1981, havia se retirado dos quadros da sociedade da empresa inicialmente formada por ela e o marido Sinésio Zonari.

No ano de 1989, CLEUZA GUILARDI ZONARI vendeu o referido imóvel à empresa KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A.

Aos 22/04/2004, a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA, no ato representada por Raul Fernandes da Silva, por meio de escritura pública de cessão de direitos e vantagens, transferiu à autora IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, “todos os direitos e vantagens que possui sobre os 20% (vinte por cento) das árvores remanescentes de pinus ssp, implantadas na área de reflorestamento denominado REFLORIL – SECÇÃO IV, (…) implantada no imóvel localizado no lugar denominado Areia Preta, Município de Reserva no Estado do Paraná, matrícula nº 2894 da Serventia Registral da Comarca de Reserva – PR, no plano de corte raso e rotação final (…), o residual de 300,00 hectares, que deve ter 150.000 árvores de pinus ssp (500 árvores por hectare)”.

Ressalte-se que, desde a data de 25 de setembro de 2000, o referido representante Raul Fernandes da Silva teria se retirado dos quadros da sociedade, nos termos da alteração contratual de fls. 173-174.

Eis o quadro fático e cronológico pertinente ao feito.

2.3 Antes, porém, de adentrar na análise do tema propriamente dito, pontua-se que, apesar dos fatos originários da causa datarem de momento anterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002, a denotar que a averiguação judicial poderia ter sido embasada nos ditames legislativos do diploma civilista revogado de 1916, certo é que a demanda foi examinada à luz das disposições normativas do Código Civil de 2002 em razão de a cessão de direitos alegadamente operada entre a REFLORIL e a autora datar de 2004.

Ainda, preliminarmente, é curial tecer breve comentário sobre o direito de propriedade, especificamente sobre uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária, a acessão.

Pois bem, como sabido, à propriedade o sistema jurídico pátrio atribuiu o mais amplo dos direitos reais, que pode ser conceituado como um instituto complexo, ao qual se vinculam as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa, sendo que as únicas limitações impostas ao titular relacionam-se à supremacia do interesse público e a coexistência do direito de outros titulares.

A acessão é um modo originário de adquisição da propriedade, em virtude do qual fica pertencendo ao titular tudo quanto se une ou se incorpora ao bem, o que pode ocorrer em duas modalidades: a natural, que se dá quando a união ou incorporação advém de acontecimento da natureza, como a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e o abandono de álveo; e a artificial, resultante do trabalho do homem, como no caso das construções e plantações, hipótese dos autos.

Ressalta-se que, nesse contexto, surgiu o direito de superfície, novidade jurídica implementada pelo legislador civil de 2002 visando contribuir para a formulação de uma nova política de uso racional e socialmente adequado do solo urbano e rural. Esse instituto, apesar de ter sido mencionado pelo Tribunal a quo para corroborar a fundamentação do julgado no tocante à necessidade de ressalva acerca da propriedade das árvores, não será abordado nessa oportunidade em razão dos projetos de implantação do reflorestamento Refloril IV e V datarem de 1970 e da dação em pagamento ter ocorrido em 1983, época, como cediço, em que o referido espeque do direito de superfície inexistia.

Nos termos da legislação em vigor (art. 1.253 do Código Civil), toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e às suas custas até prova em contrário.

No caso, essa presunção foi elidida em razão de ser incontroverso dos autos que a empresa REFLORIL (cedente) foi contratada para a prestação de serviços de reflorestamento, mediante “contratos de cessão de terras e execução florestal”, tendo implantado na modalidade de condomínio florestal os projetos Refloril IV e V, junto ao imóvel matriculado sob o nº 2894, perante o Registro de Imóveis de Reserva, para que os investidores obtivessem os benefícios da Lei nº 5.106/1966. Restou estabelecido, no ajuste entabulado, que a título de pagamento pelos serviços de reflorestamento, ficaria de propriedade da contratada o remanescente das árvores após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, fixado esse remanescente em 500 árvores por hectare. Assim, em princípio, a acessão artificial realizada não se perfectibilizou às expensas do proprietário, visto que, a título de pagamento, ante o condomínio florestal, os investidores promoveram o pagamento dos serviços, ainda que a REFLORIL adquirisse a propriedade única e exclusiva das árvores após o 4º desbaste estimativo.

Salienta-se, no ponto, mais uma vez que, após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de ultimado o prazo vintenário previsto nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894, ficando extinto o condomínio florestal.

É irrefragável, também, que em 24/03/1983, o imóvel rural (matrícula nº 2894) em que fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido via dação de pagamento a CLEUZA GUILARDI ZONARI, sem qualquer ressalva quanto as árvores ali existentes, restando consignado na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transmitia-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação relativos ao referido imóvel.

Nesse ponto reside a controvérsia, pois as instâncias ordinárias compreenderam que, em razão da ausência de ressalva na dação em pagamento quanto à cobertura vegetal lenhosa plantada no imóvel, a transferência englobou, além da terra nua, as plantações, em razão da máxima jurídica de que o acessório segue o principal.

Acerca da questão, tem-se que, nos termos do artigo 79 do Código Civil/2002, “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Em virtude disso, em regra, a acessão artificial operada no caso (plantação de árvores de pinus ssp) receberia a mesma classificação/natureza jurídica do terreno, sendo considerada, portanto, bem imóvel, ainda que acessório do principal, nos termos do artigo 92 do Código Civil, por se tratar de bem reciprocamente considerado.

Entretanto, muito embora o mencionado art. 79 do Código Civil considere a árvore, enquanto incorporada ao solo, bem imóvel, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, pois a mesma vontade humana que tem o condão de imobilizar bens móveis, pondo-os a serviço da coisa imóvel, tem o poder de mobilizar bens imóveis, em função da finalidade econômica.

É importante consignar que o fato de um bem se enquadrar em uma categoria não necessariamente o exclui de outra, podendo pertencer ao mesmo tempo em mais de uma classificação.

No Código Civil de 2002, os bens jurídicos são tratados no Livro II, que, por sua vez, encontra-se dividido em três capítulos dispostos da seguinte forma: Capítulo I – os bens considerados em si mesmos; Capítulo II – os bens reciprocamente considerados e o Capítulo II – os bens públicos.

Os bens considerados em si mesmo encontram sua normatização legal entre os artigos 79 a 91, no Capítulo I do Título Único do Código Civil e se apresentam subdivididos da seguinte maneira: a) bens imóveis e móveis; b) bens fungíveis e infungíveis; c) bens consumíveis e inconsumíveis; d) bens singulares e coletivos; e) divisíveis e indivisíveis.

Nessa topologia, há particular interesse pela categoria de bens móveis: aqueles que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro.

Seguindo a linha de intelecção verifica-se, doutrinariamente, a existência da subclasse bens móveis por antecipação, cuja peculiaridade decorre da circunstância segundo a qual são verdadeiramente bens imóveis, embora acessórios do principal, que a vontade humana mobiliza em função da finalidade econômica. Assim, por exemplo, árvores, frutos, pedras e metais, aderentes ao imóvel, são imóveis; quando separados, porém, para fins humanos, tornam-se móveis.

A ora insurgente pretende a aplicação, ao caso, da referida classificação doutrinária, pois, no seu entender, em razão do projeto de implantação de reflorestamento desde o seu nascedouro ter sido elaborado para a finalidade econômica de desbaste/corte das árvores plantadas, essas seriam, desde o início, consideradas bens móveis por antecipação, motivo pelo qual a alegada ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento não teria o condão de transferir a propriedade da cobertura lenhosa destinada ao corte, tendo ocorrido, segundo essa tese, a cessão apenas da terra nua registrada na matrícula 2894 do Registro de Imóveis em Reserva.

Em que pese seja viável classificar a cobertura vegetal em bens móveis por antecipação, não é possível descurar que, na hipótese, trata-se de projeto de reflorestamento, e que a participação dos investidores foi adquirida, extinguindo-se o condomínio florestal, consolidando-se a propriedade plena com a REFLORIL.

É irrefutável, para o deslinde do caso, que os bens móveis por antecipação somente recebem essa classificação por vontade humana e, na hipótese, pela análise categórica realizada pela Corte local relativamente às provas constantes dos autos, notadamente dos documentos atinentes à dação em pagamento, dos contratos de reflorestamento e das sucessivas averbações junto à matrícula do imóvel, face a ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento, as árvores existentes sobre o terreno de matrícula 2894 foram inegavelmente transferidas.

Confira-se, por oportuno, trechos elucidativos do acórdão recorrido:

O exame da documentação carreada aos autos evidencia não assistir razão à autora, na medida e que a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direitos, Vantagens e Obrigações (fls. 18/20) foi lavrada quando a cedente Reforil Empreendimentos Florestais Ltda., não mais detinha os direitos relativos ao 20% das árvores remanescentes de pinus SSP, de sorte que efeito nenhum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino.

De fato, o imóvel rural em que fora implementado o Projeto de Refloretamento (Refloril IV e V) foi transferido a Cleuza Guilardi Zonari em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, restando consignada na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transferiu-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação que sobre o referido imóvel tinha, para que ele passasse a usar, gozar e livremente dispor (fls. 21-verso).

Consoante documentos acostados à inicial (fls. 563 e seguintes , denota-se que a aquisição quanto a terra e árvores, se deu da seguinte forma:

a – em 30/01/89, foi lavrada escritura pública de compromisso de compra e venda, tendo por objeto a aquisição de terras (600 alqueires) e florestas “ad mensuram” e 102.000m3 de madeira, sendo 65,29 alqueires de reflorestamento jovens;

b – em 30/06/89, foi lavrada a escritura pública de compra e venda tendo por objeto a área de 600 alqueires, ao preço certo de NCZ$ 265.518;39, correspondentes a 174.798,15 dólares americano;

c – em 28/07/89 foi lavrada escritura pública de re-ratificação e cessão e transferência de direitos de posse, perante o Tabelionato Euzébio Borba, para o ajuste “ad mensuram” das terras, descrevendo a gleba de 627,75 alqueires. Pela diferença da área, a Klabin pagou o preço certo de NczR$ 11.700,51, correspondente a 7.702,77 dólares norte-americanos;

d – em 02/08/89, nova escritura de compra e venda de madeiras foi lavrada, visando dar cumprimento à cláusula “ad mensuram” tendo por objeto 337.971 árvores com 174.400,10 m3 de madeiras, na área de 150,74 alqueires de reflorestamentos jovens.

e – Em 03/08/89, visando à retificação de algumas cláusulas contratuais, foi lavrada a escritura pública de re-ratificação.

Forçoso concluir que juntamente com a alienação do imóvel, a empresa Refloril Empreendimentos Florestais Ltda., transferiu os direitos relativos às árvores nele plantadas.

(…)

Antes de alienar a terra, reflorestamento e direitos a ele inerentes em favor da Klabin, CLEUZA ZONARI, teria se tornado legítima proprietária e possuidora de tais bens por força da escritura pública da dação em pagamento, cujo teor é transcrito no R-1, da matrícula n 2894 (fls. 23v).

Na oportunidade, a Refloril, através do seu titular SINEZIO ZONARI, lhe transferiu toda posse, dominio, direito e ação que tinha sobre o imóvel. Tal fato se deu em 1983, ou seja, treze anos após a implantação dos reflorestamentos no ano de 1970.

Dessa maneira, na escritura pública de Dação em pagamento (fls. 22/23) não ressalvou para si a propriedade das árvores plantadas no imóvel, o que indica que a ação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, vez que o acessório segue a sorte do principal.

(…)

E a adquirente Cleuza Guilardi Zonari em 14/02/1989 vendeu mencionado imóvel e “toda a cobertura vegetal adulta existente no imóvel acima referido, originária de reflorestamentos implantados pela empresa REFLORIL, denominados Refloril IV e V (fls. 32 à demandada KLABIN, a qual passou, dessa forma, a se tornar proprietária plena do imóvel rural e de suas plantações.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão e direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

(…)

À luz de ais documentos públicos, infere-se que as transações efetuadas pela Klabin, foram feitas de forma idônea e sem os vícios alegados pela apelante. Não houve por parte da Klabin, qualquer atividade incompatível, nem desrespeito a qualquer direito de terceiros.

Assim, não tem o autor como pleitear os pretensos direitos constantes de aludida cessão, vez que ineficaz o negócio jurídico. Deverá postular a anulação da cessão e a conseqüente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto.

(fls. 1325-1329 – grifos nossos)

É inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos e das cláusulas contratuais dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel matriculado sob o nº 2894.

Tendo isso em evidência, repisa-se, conforme artigo 79 do Código Civil, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel salvo expressa manifestação em contrário, que não ocorreu na hipótese. Outrossim, não é por outra razão, também, que, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, “salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”.

Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, também como bem móvel por antecipação, no caso, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois, iniludivelmente, em virtude da ausência de anotação/observação acerca das árvores plantadas sobre o terreno, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal, essas foram transferidas com a dação em pagamento realizada em favor de CLEUZA GUILARDI ZONARI.

Por essa razão, em virtude da empresa REFLORIL ter transferido, já em 1983, a propriedade e todos os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 2894, nos quais se incluem as acessões artificiais (plantações), não poderia ter cedido à autora, em 2004, quaisquer direitos, pois deles não dispunha.

É imprescindível mencionar, inclusive, ter a Corte local consignado que a cessão de direitos realizada entre a REFLORIL – ou quem se dizia e se apresentava como seu representante legal – e a ora insurgente, no ano de 2004, fora realizada quando aquela não mais era a titular dos direitos relativos às árvores plantadas sobre o terreno, razão por que as instâncias precedentes compreenderam se tratar de efetiva venda a non domino, realizada por quem não possuía a qualidade de proprietário do bem objeto do negócio jurídico. Esse ponto, aliás, afeto à ausência de representação legal adequada da empresa REFLORIL sequer foi objeto de impugnação no recurso especial, a atrair a incidência do óbice da súmula 283/STF.

Assim, por quaisquer ângulos que se analise a questão, apesar de ser viável classificar as árvores destinadas ao corte como bens móveis por antecipação, esse enquadramento não ampara o direito da autora de cobrar da empresa KLABIN S/A os seus alegados prejuízos, pois, se esses de fato existiram, decorreram da alienação de aparência celebrada com a REFLORIL (ou com seu pretenso representante) no ano de 2004.

Tal como referido pela Corte local, a autora, querendo, “deverá postular a anulação da cessão e a consequente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto”. (fls. 1328-1329)

3. Do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.567.479 – Paraná – 4ª Turma – Rel. Min. Marco Buzzi – DJ 18.06.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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