CGJ/SP: Registro de imóveis – Registro de carta de arrematação com quebra do princípio da continuidade – Cancelamento de penhora determinado por juízo diverso do qual emanou a constrição – Necessidade de apuração preliminar acerca da conduta do oficial – Impossibilidade de supressão de um grau de jurisdição.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2013/179530
(96/2014-E)

Registro de imóveis – Registro de carta de arrematação com quebra do princípio da continuidade – Cancelamento de penhora determinado por juízo diverso do qual emanou a constrição – Necessidade de apuração preliminar acerca da conduta do oficial – Impossibilidade de supressão de um grau de jurisdição.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de pedido de providências, instaurado em face do Oficial do Registro de Imóveis do Guarujá, sob o argumento de que ele permitiu o registro de carta de arrematação em desconformidade com o principio da continuidade e aceitou o cancelamento de penhora por ordem de Juízo diverso daquele que a havia determinado.

Os interessados alegam que ajuizaram ação de indenização em face de Zarif Canton Engenharia Ltda., que correu perante a 29ª Vara Cível Central da Capital. Obtiveram êxito nessa ação e, na fase de execução, houve a penhora de duas unidades, matrículas 86.777 e 86.778 (fls. 14/18).

Não obstante, as unidades foram arrematadas, em processos que correram na 4ª Vara Cível do Guarujá, nos quais a executada não era a proprietária. E, mais, o Juízo da 4ª Vara Cível do Guarujá determinou o cancelamento das penhoras, que não haviam sido averbadas por ordem dele, mas do Juízo da 29ª Vara Cível de São Paulo.

Ouvido, o Oficial do Registro de Imóveis disse que não fez mais do que cumprir determinação judicial, aquela emanada do Juízo da 4ª Vara Cível do Guarujá.

O Juiz Corregedor Permanente entendeu da mesma maneira e determinou o arquivamento do expediente.

Os interessados apresentaram recurso administrativo, voltando a afirmar que houve quebra do princípio da continuidade e que as penhoras não poderiam ser canceladas por Juízo diverso do que as determinou.

O Ministério Público, embora tenha entendido que não cabia ao Oficial discutir a ordem judicial, disse haver falta disciplinar, pois o Oficial deveria ter representado ao Corregedor Permanente após o cumprimento.

Passo a opinar.

Houve, a princípio, falha do Oficial. Ao menos do exame dos documentos que instruem os autos, notadamente das matrículas, os processos onde ocorreram as arrematações não tinham o proprietário dos imóveis no polo passivo.

Cuidava-se de ações de cobrança de condomínio.

Não se desconhece a discussão acerca da possibilidade do ajuizamento da ação em face do compromissário comprador, o efetivo devedor das cotas condominiais. Contudo, optando o autor por ajuizar a ação em face dele, a penhora deve recair sobre aquilo que o compromissário comprador possui: o direito à outorga da escritura, caso já tenha quitado o preço. Não se pode penhorar a propriedade, mas, tão somente, o direito que provém do compromisso de compra e venda, eventualmente quitado.

Da mesma maneira, já que apenas o direito que provém do compromisso pode ser penhorado, também somente ele pode ser levado à praça e, por conseguinte, arrematado.

Arrematado o direito, a carta de arrematação não pode ser registrada pura e simplesmente, sem que se busque a adjudicação compulsória em face do proprietário, caso ele se recuse a outorgar a escritura.

Veja-se que, ao registrar a carta de arrematação, o Oficial não se atentou à quebra do princípio da continuidade. Na matrícula 86.777, Zarif Canton Engenharia Ltda era a proprietária. Não obstante, o imóvel foi arrematado, pelo condomínio exequente, em ação ajuizada em face de Américo Micieli Filho – embora se mencione a cientificação da proprietária, não consta que ela estivesse no polo passivo da ação. Logo, a propriedade do imóvel foi transferida ao arrematante sem que houvesse sido transferida da proprietária para o compromissário comprador. Em outras palavras, quebra da continuidade.

Na matrícula 86.778 vislumbra-se o mesmo problema, apenas alterando-se o compromissário comprador e o arrematante.

Não é verdade – ao menos, a princípio, com as peças que instruem esses autos – que o Oficial apenas cumpriu determinação judicial. Em ambos os processos foram expedidas cartas de arrematação, título hábil ao registro e que é levado, ao Cartório, pela própria parte. O Oficial deveria, nesse momento, ter qualificado negativamente o título. Pode e deve fazê-lo, pois é pacífico que os títulos judicias também são passíveis de qualificação.

Se, depois da qualificação negativa, o Juízo da 4ª Vara Cível do Guarujá, ainda assim, houvesse determinado o registro, aí sim caberia ao Oficial apenas cumprir a ordem, representando, oportunamente, ao Corregedor Permanente.

Nem se argumente no sentido de que a arrematação é forma originária de aquisição da propriedade – o que tornaria prescindível o exame da continuidade –, dado que, àquela época, 2010, não era esse o entendimento do Conselho Superior da Magistratura. Vigia, então, o entendimento de que se trata de forma derivada, só tendo havido alteração em agosto de 2012, quando o Conselho julgou a apelação nº 0007969-54.

No que toca ao cancelamento da penhora, no entanto, a situação é diferente. Malgrado a discussão sobe quem seja competente para cancelar a penhora – o Juízo que a determinou ou o Juízo da arrematação – e sobre se o cancelamento é efeito automático da arrematação, o fato é que, nesse ponto, o Oficial efetivamente nada mais fez do que cumprir ordem judicial, retratada em mandado a ele expedido.

Concluindo, no que diz respeito à falha apontada, o expediente não poderia ser meramente arquivado. Era preciso que o Juiz Corregedor Permanente examinasse a conduta do Oficial e, com mais subsídios do que há nesses autos, verificasse a eventual ocorrência de falta disciplinar.

Deve fazê-lo por meio de apuração preliminar, não sendo possível que essa Corregedoria Geral da Justiça prolate qualquer decisão de mérito, pois isso implicaria supressão de um grau de jurisdição.

Assim, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência, é no sentido de que se reforme a decisão que mandou arquivar os autos e que se determine que o Juiz Corregedor Permanente dê início à apuração preliminar dos fatos.

Sub censura.

São Paulo, 25 de março de 2014.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, reformo a decisão que mandou arquivar os autos e determino que o Juiz Corregedor Permanente dê início à apuração preliminar dos fatos. Publique-se. São Paulo, 05.05.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Publicado em PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 023

Fonte: Inrpublicações | 26/3/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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