CGJ/SP: o cartório não detém personalidade jurídica, mas resume-se à localização, onde o tabelião executa seu múnus público.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2014/33484
(209/2014-E)

Embargos de declaração – Ausência de obscuridade, contradição ou omissão – Negado provimento – Envio de resposta ao E. CNJ.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de embargos de declaração contra a decisão que negou provimento ao recurso de Douglas Fabiano de Melo e determinou o arquivamento de sua representação contra o 3º Tabelião de Notas de Campinas (fls. 127/131).

Alega o embargante, em suma, que o fato do tabelião possuir um CNPJ comprovaria “a personalidade jurídica da empresa notarial”; que é prerrogativa do cidadão exigir nota fiscal (fls. 144/146). Juntou, ademais, reclamação feita ao E. CNJ, no qual a ilustre Conselheira mencionou ser caso de conhecimento da reclamação, sendo a competência, todavia, desta Corregedoria (fls. 148/150).

É o relatório.

OPINO.

Entendemos, salvo melhor juízo, que o parecer de fls. 127/130 abordou a contento os pontos contra os quais o embargante agora se insurge, não havendo se falar em obscuridade, omissão ou contradição e não sendo o caso, portanto, de provimento aos presentes embargos.

De qualquer forma, visando a sanar eventuais dúvidas que ainda persistam ao embargante, o qual não está amparado por advogado, oportuno os seguintes esclarecimentos que apenas repisam o que já havia sido ponderado no parecer anterior.

O Tabelionato de Notas não é uma “empresa notarial”, como colocado pelo embargante. Não é uma pessoa jurídica. Nesse sentido, vide elucidativo trecho de voto proferido pelo Ministro César Asfor Rocha no Recurso Especial n° 545.613-MG, Quarta Turma do STJ, julg. 08.05.2007:

“Com efeito, a Lei n. 8.935/94, que regula os serviços notariais e de registro, limita-se a dispor sobre a responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, não reconhecendo qualquer personalidade jurídica para os cartórios, in verbis:

‘Art. 3º. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

(…)

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurando aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.’

Assim, a responsabilidade dos titulares é pessoal, em função da delegação dos serviços que é feita em seu nome, mediante aprovação em concurso público. Ao contrário do afirmado pelo v. acórdão atacado, o cartório não detém personalidade jurídica, mas resume-se à localização, onde o tabelião executa seu múnus público. Nesse sentido, Ivan Ricardo Garisio Sartori:

‘Ainda no tocante à parte civil, oportuno lembrar que o cartório não tem personalidade jurídica e, portanto, não pode ser parte em ação judicial, mas sim o próprio titular dos serviços.’ (Responsabilidade civil e penal dos notários e registradores. In Revista de Direito Imobiliário, nº 53, Ano 25, jul-dez/2002. p. 108).

Recentemente, esta egrégia Quarta Turma, reconhecendo a inexistência de personalidade jurídica nos cartórios, decidiu que o tabelionato pode ser demandado em juízo, porquanto possuiria personalidade judiciária, constituindo-se em pessoa formal:

‘CARTÓRIO DE NOTAS. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva do cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel.’ (Resp 476.532/RJ, relatado pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 04.08.2003).

Na oportunidade, em que não participei do julgamento, assentou o r. voto condutor:

‘Assim, tenho que o cartório de notas pode figurar na relação processual instaurada para a indenização pelo dano decorrente da alegada má prestação dos serviços notariais. Tanto ele está legitimado, como o tabelião, como o Estado.’

Todavia, peço vênia para divergir do mencionado entendimento.

De fato, as pessoas formais amparadas no art. 12 do Código de Processo Civil constituem, no mínimo, uma universalização de bens, como o espólio e as heranças jacente e vacante. No caso, o cartório não possui qualquer direito, dever ou bem capaz de ensejar a ocorrência de personalidade judiciária.

A teor do art. 21 da Lei nº 8.935/94, ‘o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal’. Dessa forma, tanto as relações laborais (art. 20 da mencionada Lei), como os equipamentos e mesmo o aluguel do cartório são arcados diretamente pelo tabelião, que assume todas as obrigações e direitos pessoalmente.

Ao titular do tabelionato pertencem todos os bens ali existentes, que não são transmitidos no caso de extinção da delegação, como esclarece Roberto J. Pugliese:

‘Perdendo o cargo, v.g., por aposentadoria, demissão, exoneração, morte etc, os móveis e utensílios utilizados pelo tabelião, nas instalações do cartório devem ser adquiridos ou indenizados pelo novo titular que o suceder. Os documentos arquivados, os livros em uso ou já terminados e demais papéis do ofício, permanecem em uso no cartório pelo novo titular.

Esses objetos não pertencem mais ao notário outrossim ao poder público.’ (Direito Notarial Brasileiro. São Paulo: Universitária de Direito, 1989. p. 56).

Aduz Sônia Marilda Peres Alves:

‘Ora, Serventia não é pessoa jurídica – não é empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário. Ainda, Serventia não tem capacidade processual, não tem patrimônio, não tem personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de acordo com o Código Civil em vigor [1916] (arts. 16 e 18) e o novo [2002] (arts. 44 e 45).’ (Responsabilidade civil de notários e registradores: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão trabalhista na delegação. In Revista de Direito Imobiliário, nº 53, Ano 25, jul-dez/2002. p. 97).

Somente os documentos do cartório são transmitidos ao sucessor, que inclusive deve providenciar adequados instalação, investimentos e funcionários custeando tudo pessoalmente, como ensina Walter Ceneviva: ‘O custeio corresponde às despesas operacionais e de manutenção dos serviços. Cabe ao serventuário custear os gastos envolvidos com os serviços, isto é, suportá-los por sua própria conta.’ (Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 112-3).

Registre-se que, tratando-se de delegação por concurso público, toda titularidade na serventia é originária, não podendo ser adquirida ou transferida por qualquer forma. Por consequência, não há sucessão na responsabilidade tributária (art. 133 do Código Tributário Nacional), nem na trabalhista (art. 448 da Consolidação das Leis do Trabalho).

Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços” (negritei).

O fato da serventia possuir inscrição no CNPJ não torna ela uma pessoa jurídica, não altera sua natureza.

Nesse sentido, dispõe o art. 12, §3°, inciso VII da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal – SRF n° 200, de 13.09.2002:

Art. 12. Todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ.

(…)

§3° São também obrigados a se inscrever no CNPJ, mesmo que não possuindo personalidade jurídica:

(…)

VII – Serviços notariais e registrais (cartórios), exceto aqueles vinculados à vara de justiça dos tribunais (negritei e grifei).

No mais, considerando que com os embargos veio aos autos também um ofício do E. CNJ, perante o qual o cidadão reiterou sua reclamação, cumpre constatar que o que foi decidido na ADI n° 3.089/DF (mencionada no ofício), não traz caso que, salvo melhor juízo, se amolde exatamente ao presente.

Lá se decidiu, em suma, que os serviços cartorários e notariais não estão imunes ao ISS (fl. 163).

No presente caso não se discute imunidade, mas sim o fato de que até o final de 2013 o ISS era recolhido pelos tabeliães de Campinas de forma fixa, nos termos do art. 28 da Lei Municipal 12.392/2005, e, a partir de 2014, em razão do advento da Lei Municipal 14.562/12, publicada em 02.01.2013, bem como por força do princípio constitucional da anterioridade tributária, o ISS passou a ter como base de cálculo a receita integrante dos emolumentos.

Assim, como já havia sido colocado na decisão embargada, a postura do tabelião estava amparada, à época, pela legislação municipal então incidente e pelo art. 4º da Instrução Normativa DRM/SMF n° 004/09:

“A emissão da NFS-e é uma obrigação tributária acessória restrita às pessoas jurídicas prestadoras de serviços constantes da Lista de Serviços anexa à Lei Municipal n° 12.392/05 ou outra que venha a sucedê-la.”

Por fim, a propósito de ter constado do despacho da ilustre Conselheira do CNJ que seria caso da reclamação ser conhecida, pertinente esclarecer ao interessado que “conhecer” de um recurso ou pedido não se confunde com dar provimento a ele, mas sim entrar em seu mérito – algo que não deixou de ser feito pelo Juiz Corregedor Permanente em sua primeira decisão ou no parecer que inicialmente negou provimento a esse recurso.

Pelo exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento aos embargos, oficiando-se ao E. CNJ, em resposta aos ofícios de fls. 162/166, com cópia desta, da decisão de primeiro grau proferida pelo Juiz Corregedor Permanente (fls. 51/52), do parecer proferido em grau recursal e aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça (fls. 127/131), e ainda da reclamação inicial (fls. 08/10), da primeira resposta do tabelião ao Juiz Corregedor Permanente (fls. 31/38), do recurso (fls. 59/62), da manifestação do tabelião (fls. 85/95), das Leis Municipais 13.916/10 e 14.562/12 (fls. 39/43), da Instrução Normativa DRM/SMF 004/09 (fls. 44/47) e dos documentos de fls. 48/50.

Sub censura.

São Paulo, 18 de julho de 2014.

Gabriel Pires de Campos Sormani

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento aos embargos, determinando ainda que se oficie ao E. CNJ conforme sugerido. Ciência ao embargante. Publique-se. São Paulo, 23.07.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 05.08.2014
Decisão reproduzida na página 109 do Classificador II – 2014

Fonte: INR Publicações – Boletim nº 060 | 13/08/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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