CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de adjudicação expedida nos autos de ação de inventário – Título não imune à qualificação registral – Impossibilidade, porém, de a qualificação invadir o mérito da decisão judicial – Cessão de direitos hereditários homologada nos autos do inventário – Falta de recolhimento de ITBI reconhecida de ofício – Recurso provido para reconhecer a improcedência das exigências feitas pelo registrador, mantida, porém, a recusa do registro por motivo diverso.


  
 

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0000418-72.2015.8.26.0531

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0000418-72.2015.8.26.0531, da Comarca de Santa Adélia, em que são apelantes RIDNEY ROGER LANZA e REGIANE CRISTINA LANZA TOMAZI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTA ADÉLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO MAS DEIXARAM DE DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO EM RAZÃO DO ÓBICE REGISTRAL ORA RECONHECIDO, V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.

São Paulo, 9 de novembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n.° 0000418-72.2015.8.26.0531

Apelante: Ridney Roger Lanza e outro

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santa Adélia

VOTO Nº 29.069

Registro de imóveis – Carta de adjudicação expedida nos autos de ação de inventário – Título não imune à qualificação registral – Impossibilidade, porém, de a qualificação invadir o mérito da decisão judicial – Cessão de direitos hereditários homologada nos autos do inventário – Falta de recolhimento de ITBI reconhecida de ofício – Recurso provido para reconhecer a improcedência das exigências feitas pelo registrador, mantida, porém, a recusa do registro por motivo diverso.

Trata-se de apelação interposta por Ridney Roger Lanza e outro objetivando a reforma da r. decisão de fls. 34/37, que julgou “procedente em parte” a dúvida registral, mantendo a recusa ao registro de carta de adjudicação extraída dos autos do arrolamento sumário, processo n.°s 0000504-77.2014.8.26.0531.

Alegam os recorrentes, em suma, que não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil relativas à ordem de vocação hereditária. Entendem que cabe ao registrador apenas a verificação dos aspectos extrínsecos do título, descabendo a revisão do mérito da sentença judicial transitada em julgado.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso ou, no mérito, o seu não provimento (fls. 57/59).

É o relatório.

Necessário ressaltar, inicialmente, que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais [1], conforme o disposto no item 119 do Cap. XX das NSCGJ [2].

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial [3].

Ao contrário, se o título esbarra em obstáculos registrários, deve o registrador comunicá-los ao Juízo que o expediu. Se o Juízo examinar e afastar as exigências, deve o Oficial registrar o título e comunicar ao respectivo Juízo Corregedor Permanente que assim procedeu porque os óbices foram rechaçados na via jurisdicional [4].

Os recorrentes pretendem registrar carta de adjudicação expedida nos autos de Inventário de n° 000504-77.2014.8.26.0531, da Vara Única da Comarca de Santa Adélia (em apenso), requerido pela inventariante Aparecida Danizete Ascencio Vila.

De acordo com o plano de partilha apresentado, o único bem dos autores da herança (Laurinda, Vanda e José Roberto), qual seja, o imóvel descrito na matrícula n.° 3.656, do Registro de Imóveis de Santa Adélia, seria partilhado entre os herdeiros Aparecida Vila, Gustavo Barboza e Gabriela Barboza, nas proporções de 50%, 25% e 25%, respectivamente.

A Fazenda do Estado de São Paulo reconheceu a isenção do ITCMD para esta divisão (fl. 31 – do apenso).

Em seguida, a inventariante peticionou ao juízo do inventário informando que, por meio de instrumento particular de compra e venda, alienaram o imóvel para Ridney Lanza e Regiane Tomazi, e solicitou que o bem lhes fosse adjudicado.

A r. sentença acolheu o pedido e adjudicou o imóvel a Ridney Lanza e Regiane Tomazi (fl. 36).

As exigências do registrador relativas à ocorrência de partilha ”per saltum” e, de quebra, da continuidade devem ser afastadas porque discutem pontos já decididos com trânsito em julgado na esfera judicial.

Com efeito, o Juízo do Inventário homologou o plano de partilha e acolheu o pedido de adjudicação da inventariante para que o imóvel fosse adjudicado em nome dos compradores Ridney Lanza e Regiane Tomazi.

Embora a tese do registrador se mostre plausível, não se pode, a pretexto de qualificar o título, rediscutir o que já foi certo ou errado decidido em definitivo na esfera judicial. Do contrário, estar-se-ia admitindo que a via administrativa revisse o que se decidiu na judicial, o que é defeso.

A jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura é tranquila neste sentido:

É certo que os títulos judiciais submetem-se à qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 031881-0/1).

Contudo, a qualificação que recai sobre os títulos judiciais não é irrestrita, de modo que deve se restringir ao exame dos elementos extrínsecos, sem promover incursão sobre o mérito da decisão que o embasa.

No caso em exame, o Oficial o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basílio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.

É nesse sentido a doutrina de Afrânio de Carvalho:

“Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed., pág. 300).

Na mesma direção, a r. decisão da E. 1ª Vara de Registros Públicos, da lavra do então MM. juiz Narciso Orlandi Neto:

“Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (art. 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas.

Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo n° 973/81)

Portanto, em caso de eventual desacerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, caberá o interessado se valer dos recursos e ações previstos no ordenamento jurídico. O que não se permite é que a qualificação registrária reveja o mérito da sentença judicial que já transitou em julgado. (Ap. Cível n.º 0001717-77.2013.8.26.0071).

No mesmo sentido as apelações cíveis n.°s 0006128-03.2012.8.26.0362, 0069588-29.2012.8.26.0114, 0048614-03.2012.8.26.0071 e 1025290-06.2014.8.26.0100.

A especialidade objetiva também não restou atingida porque a descrição do imóvel a ser levada em conta, para o exame desse princípio, é a do título, em cotejo com a do Registro de Imóveis, e não a constante de outros documentos, como as certidões de valor venal.

A exigência relativa ao princípio da especialidade subjetiva falta de indicação da profissão de Ridney Roger Lanza e Regiane Cristina Tomazi, pessoas a quem o imóvel foi adjudicado – também não procede porque: a) a ausência da informação relativa à profissão não coloca em risco a identificação das pessoas envolvidas; e b) os demais dados deles encontram-se no título.

Em relação ao CPF de José Roberto Ascêncio, trata-se de informação que em nada interferirá no registro, por não ser ele destinatário final de qualquer direito ora transmitido. Não fosse isso, constam dos autos documentos oficiais (CPF e certidão de óbito) indicando o número correto, de modo que a retificação pode ser feita pelo registrador de ofício, nos termos do art. 213, I, “g”, da Lei n.° 6.015/73.

Verifica-se, assim, que são improcedentes os óbices levantados pelo registrador.

Contudo, como a dúvida registral devolve – na integralidade – a qualificação do título ao Judiciário, é possível, ainda que de ofício, obstar o registro do título quando verificar a existência de óbice intransponível.

Como visto, o Juízo do Inventário deferiu a adjudicação do imóvel diretamente a Ridney Roger Lanza e Regiane Cristina, em verdadeira cessão de direitos hereditários.

A cessão de direitos hereditários pode ocorrer dentro dos autos do inventário, com dispensa da escritura pública, conforme recentemente decidiu este Conselho Superior da Magistratura, nos AUTOS DA APELAÇÃO N.º 9000001-20.2013.8.26.0180.

Contudo, isso não isenta os adquirentes de recolherem o ITBI incidente sobre o negócio jurídico. Assim, para o registro do título será necessário comprovar o recolhimento do ITBI ou eventual isenção, pois esse tópico não foi abrangido pela sentença judicial prolatada no inventário.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, mas deixo de determinar o registro do título em razão do óbice registral ora reconhecido.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Notas:

[1] Loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense : São Paulo : MÉTODO, 2010. p. 220.

[2] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[3] Apelação Cível n.° 413-6/7.

[4] Parecer n.º 52/2013-E.

Fonte: DJE/SP | 20/01/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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