2ª VRP/SP: Dupla maternidade. Retificação do Registro de Nascimento lavrado antes do Provimento do CNJ. Deferimento.


  
 

2ª VRP/SP: Dupla maternidade. Retificação do Registro de Nascimento lavrado antes do Provimento do CNJ. Deferimento. EMENTA NÃO OFICIAL

Processo 1072630-72.2016.8.26.0100

Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – A.L.M.P. –  J.R.V.

Vistos.

Cuida-se de Pedido de Providências instaurado por A.L.M.P. e J.R.V., devidamente representadas por sua advogada, relativamente ao pedido de inclusão de A.L.M.P. na filiação do menor A.R.V. filho de J.R.V., a qual consente com a inserção daquela, sua cônjuge, no assento registrário da criança.

As requerentes comunicam que constituíram formal união estável há mais de cinco anos e casaram-se em 03 de dezembro de 2015 (fl. 15). As autoras buscam a proclamação judicial de que A.R.V. é filho de ambas, sendo fruto do desejo que nutriam de constituir família. Vieram aos autos os documentos de fls. 11/45.

Houve manifestação do Sr. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do (…) às fls. 53/54. A representante do Ministério Público ofereceu manifestação às fls. 49 e 64/66, opinando pelo deferimento do pedido.

É o relatório.

DECIDO.

Cuidam os autos de pedido formulado por casal em estável relacionamento homoafetivo há mais de cinco anos, as quais celebraram casamento em 03 de dezembro de 2015. A fim de exercer o direito à parentalidade, recorreram à inseminação artificial. J.R.V. forneceu os óvulos, que foram fertilizados por sêmen de um doador anônimo. Após fertilização in vitro, tornou-se gestante e genitora, do que resultou o nascimento de A.R.V., em 29 de dezembro de 2015.

Faz-se notório nos autos que a convivente de A.L.M.P., apesar de não haver participado biologicamente da concepção e gestação, atuou ativamente durante todo o processo, como se vê por meio dos documentos da Clínica de Fertilidade (fls. 16/31). Com o nascimento, foi lavrado o assento do menor, figurando no registro apenas J.R.V. (fl. 14), subsistindo a pendência registrária em relação à A.L.M.P.A n. Representante do Ministério Público questionou as razões pelas quais o pedido foi encaminhado a esta Corregedoria Permanente e não diretamente ao Sr. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do (…), Capital, ante aos ditames do provimento CNJ 52/2016, que dispõe sobre a inscrição e a emissão da respectiva certidão de filhos nascidos por métodos de reprodução assistida.

Instado a se manifestar, o Sr. Registrador esclareceu que a Sra. J.R.V., quando da lavratura do assento de nascimento de seu filho, tão somente apresentou seu documento de identificação e a declaração de nascido vivo. A escrevente da unidade, cumprindo o procedimento padrão, ofereceu a indicação de suposto pai para complementar a filiação, a qual foi negada pela declarante (fl. 59). Nesse sentido, explicou o Sr. Titular, não houve qualquer recusa pela serventia em se proceder ao registro da dupla maternidade, o qual seria realizado diretamente, acaso tivesse a referida preposta conhecimento de toda a situação fática.

Bem assim, a representante do Parquet entendeu não haver óbice à regularização do assento e reconhecimento da dupla maternidade diretamente pelo Sr. Registrador, não se opondo, de qualquer maneira, ao deferimento do pleito inicial por este juízo. Pese embora o entendimento da i. Promotora de Justiça, bem como os esclarecimentos prestados pelo Sr. Oficial, ressalto que o nascimento foi dado a registro antes do advento do supramencionado provimento.

O documento legal foi publicado em 14 de março de 2016 e o nascimento da criança ocorreu em 29 de dezembro de 2015, como ressaltaram as Sra. Requerentes, às fls. 64/66. Ademais, o texto do Conselho Nacional de Justiça regula a lavratura de novos registros e não a retificação de assentos já inscritos, como é o caso do presente pedido de providências.

No pleito ora analisado, há que se entender que a situação de biodireito humano posta não é passível de uma solução por meio da projeção futura do passado, a despeito de os Códigos Civis serem pensados por meio deste elemento cultural – o futuro estando no passado. Na pós-modernidade, contudo, o tempo passa a ser autorreferencial (o presente influenciado pelo próprio presente ante a inexistência de passado no tema).

A Resolução n. 2121/2015, do Conselho Federal de Medicina, apesar de conforme ao que se decidirá, respeitosamente, não será posta como fundamento para a presente decisão, pelo fato da ausência de legitimidade para vinculação social, o que somente pode ocorrer pelo processo legislativo previsto na Constituição Federal. Há a necessidade de cuidadosa análise do caso, para que se possa traçar a possibilidade de deferimento do pedido nesta via registrária, com a averbação do assento de nascimento na forma almejada. Por sua vez, recusar a dupla maternidade no assento de nascimento prorrogaria o caso, que seria sanado com adoção.

Deve ser respeitada a opção das partes em optar pela via registrária ou pela adoção unilateral, sem que isto importe em desrespeito à orientação sexual nos termos da Resolução 17/19 do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Ademais, forçoso reconhecer o direito à parentalidade. Como a dupla maternidade não trata apenas do direito à parentalidade, importa, neste caso, considerar os direitos da criança e o assento de nascimento como exercício da cidadania e dos direitos humanos.

O presente caso encerra mais uma das muitas manifestações da pós-modernidade no Direito, assim, a evolução tecnológica associada às entidades familiares previstas na Constituição da República e regradas pelo fio do Código Civil redundam na necessidade da realização da dignidade humana em todos os seus aspectos, em conformidade à particularidade de cada situação concreta.

Outrossim, os elementos probatórios coligidos nos autos autorizam a formação de convencimento judicial no sentido de transportar para o registro de nascimento a realidade biológica.

Diante desse contexto favorável, com destaque para a concordância manifestada pela nobre representante do Ministério Público, defiro o requerimento formulado, ordenada a averbação no assento de nascimento de A.R.V., da maternidade de A.L.M.P. O menor passará a se chamar A.R.M.V., servindo esta sentença como mandado, acompanhada de demais documentos necessários à identificação constantes dos autos; após o trânsito em julgado. Ciência ao Ministério Público e às interessadas.

P.R.I.C. – ADV: LILIAN VASCONCELOS BARRETO DE CARVALHO (OAB 234704/SP)

Fonte: DJE/SP | 21/09/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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