Artigo: DIREITO À MORADIA E OS CASOS DE COMPATIBILIDADE EM ÁREAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS – Por George André Alvares

*George André Alvares

Resumo: O presente estudo traz uma analise constitucional, legal e judiciaria do conflito existente entre o direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado

Palavras-chave: direito à moradia; meio ambiente equilibrado; colisão de princípios constitucionais; regularização fundiária; área  de preservação permanente.

Abstract:This study provides a constitutional analysis, legal and judiciary of the conflict between the right to housing and to a balanced environment

Keywords: right to housing; balanced environment; collision constitutional principles; land regularization; permanent preservation area.

SUMÁRIO: Introdução – 1. A compatibilidade constitucional dos direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado – 2. A relação do direito à moradia e meio ambiente na legislação infraconstitucional – 3. O conflito prático entre a moradia e o meio ambiente equilibrado 4. Considerações Finais – 5. Referências 

Introdução

A constituição brasileira de 1988 foi uma grande conquista para toda a sociedade nacional. Ela é conhecida como a Constituição cidadã, pois trouxe inúmeras conquistas aos direitos fundamentais individuais, sociais e difusos. A quantidade de princípios constitucionais é tamanha, que a colisão de alguns torna-se corriqueira.

Uma dessas situações é, justamente, aos direitos de moradia, propriedade e dignidade da pessoa humana em face do meio ambiente equilibrado. Todos possuem status constitucionais, são considerados direitos fundamentais, sendo os primeiros individuais e social, enquanto o direito ambiental seria difuso.

No Brasil, em decorrência do crescente êxodo rural que começou a ocorrer por volta dos meados de 1950, houve uma forte expansão desordenada das áreas urbanas. A falta de controle e fiscalização do Poder Público permitiu a ocupação de diversas áreas que deveriam ser ecologicamente protegidas, os rios e suas nascentes foram poluídos, a fauna e a flora foram fortemente impactadas.

Com base em Alexy, ao compreender os princípios como mandamentos de otimização da norma, trazendo a concepção de que os princípios são normas  que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades  jurídicas e fáticas existentes (2008, p. 90). Pode-se dizer que, em regra, um princípio encontra óbice na execução de outro, visto que em certo momento um deverá ceder ao outro. Isso, contudo, não significa que o principio que prevalecer irá invalidar o derrotado, nem que deva aparecer uma cláusula de exceção ao referido principio. O que ocorrerá será uma condição determinada em que o principio determinado irá ou não sobressair ao outro, ou seja, o caso concreto irá demonstrar qual o melhor principio a ser aplicado. A técnica mais comum de utilização para a solução desses conflitos é a ponderação de valores ou ponderação de interesses, que consiste em estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contraposto. Visto não existir um critério abstrato que determine a supremacia de um sobre o outro, aos olhos de Luís Roberto Barroso, deve-se, no caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando, o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição (2001, p. 36).

Neste contexto que o presente trabalho pretende averiguar a relação entre os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado, nos casos que o exercício de um acaba por limitar o outro.

  1. A compatibilidade constitucional dos direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado

O direito ao meio ambiente equilibrado é garantido em diversos dispositivos constitucionais. Destacam-se o art. 225 da CF/88 por ser o mais completo, mas não menos relevante são os incisos III, IV, VI e VIII do art. 23, que tratam da competência comum dos entes federados em relação à proteção do meio ambiente, no art. 170, VI, arrola a defesa do meio ambiente como um dos princípios dirigentes da atividade econômica nacional, e no art. 216, específico do meio ambiente cultural.

O direito ambiental surge com a evolução dos interesses metaindividuais, dentro dos direitos de terceira geração. Após as consagrações de duas das três idéias lançadas pela filosofia da revolução francesa, igualité e liberté, já era tempo de se chegar à última, a fraternité. Nesse contexto, nasce os direitos de fraternidade em que o titular é a sociedade difusamente considerada.

Sobre o conceito de meio ambiente, pode-se dizer que é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[1].

Por sua vez o direito fundamental à moradia faz parte dos direitos chamados de 2ª geração, aqueles que se exigem uma participação positiva do Estado para concretizar direitos sociais. Inicialmente, a CF/88 não havia contemplado o direito social à moradia no texto original do art. 6º.

Em 1991, o Congresso Nacional aprovou o texto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, o que culminou no Decreto nº. 591/92 e a introdução do referido pacto ao ordenamento jurídico brasileiro.

O item 1. do art. 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, determina que os Estados Partes reconheçam o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si e sua família, incluindo a moradia adequada.

Em 1996, sob forte influência da Conferência sobre Assentamentos de Istambul – HABITAT II, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que discutiu a adequada habitação para todos e o desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis em todo o mundo em urbanização, o Senado Federal apresentou a Proposta de Emenda Constitucional nº. 28/96, que foi aprovada em 26 de janeiro de 2000. Culminando, assim, na inclusão e consolidação do direito social à moradia no texto constitucional do art. 6º.

Apesar dessa introdução tardia do direito à moradia na constituição, outros dispositivos já indicavam sua existência e relevância. O artigos 7°, IV, estipula a moradia dentre os itens básicos a serem considerados no computo do salário mínimo; 23, IX, destaca a competência concorrente de todos os entes federados para promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais; e 182 que determina  diretrizes para política urbana, a ser desenvolvida visando o bem estar dos habitantes da cidade.

Vale dizer, que tanto o direito a moradia quanto ao meio ambiente equilibrado possuem um princípio essencial que os comunicam, é o da função socioambiental da propriedade.

A partir da concepção da propriedade não mais como mero instrumento da autonomia da vontade mas sim como função que traz um caráter de uma finalidade pública a este direito, a ideia ambiental acaba sendo compreendida como algo complementar ao exercício do direito de propriedade e de moradia. O Constituinte, no art. 186, inciso II, determinou o dever de compatibilização da propriedade rural com o meio ambiente equilibrado ao  estabelecer como requisito da função social da propriedade rural a necessidade da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

Com efeito, é evidente a possibilidade e o dever de compatibilidade do direito à moradia e do meio ambiente equilibrado. Ocorre que, na prática, ambos acabam entrando em conflito constantemente. O crescimento urbano desordenado, pouco planejado, com enormes desigualdades sociais estimulam gritantemente a especulação imobiliária, condenando a população de baixa renda a impossibilidade do consumo dos bens imóveis e afastando-a para a periferia dos grandes polos. Os mais pobres perdem acesso as moradias regulares e acabam ocupando, muitas vezes, locais considerados extremamente relevantes para o meio ambiente equilibrado, em especial, áreas de preservação permanente. A clandestinidade é campo fértil para a falta de infraestrutura básica nessas ocupações, assim, o acúmulo de lixo, o despejo de esgoto sem o devido tratamento diretamente em córregos, rios e nascentes, tornam-se naturais nessas glebas irregulares. A seguir será demonstrado a forma que esse conflito vem sendo dirimida no campo normativo em âmbito nacional e pelos Tribunais práticos.

2. A relação do direito à moradia e meio ambiente na legislação infraconstitucional

Ao observar o ordenamento jurídico é possível verificar que a legislação infraconstitucional busca conciliar a proteção simultânea de ambos os direitos fundamentais. Iniciando-se a analise pelo Código Florestal, Lei n°. 12.651/12, que versa sobre a proteção da vegetação nativa, cumpre informar o conceito de área de preservação permanente (APP), que é a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. No art. 4° da referida Lei há a especificação das zonas que podem ser consideradas APP’s, permitindo, ainda, no art. 6°, que o poder público delimite outras áreas como APP.

O art. 7° e § 1° determina que a vegetação situada em APP deverá ser mantida e em caso de supressão a flora deverá ser recuperada. A legislação ambiental, contudo, traz um regime de exceção, abrindo a possibilidade de supressão dessa vegetação, na hipótese de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Consideram-se de utilidade pública as elencadas nas alíneas “a” a “e” do inciso VIII do art. 3°, destacando-se (no diz respeito ao tema desse trabalho) as obras de infraestrutura destinadas ao sistema viário, inclusive o necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios (alínea “b”). Nas hipóteses trazidas nos casos de interesse social (alínea “d”, do inciso IX, do art. 3°) encontra-se a “regularização fundiária de interesse social”, que são assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, desde que atendidas as condições estabelecidas na Lei n°. 11.977/09. Por fim, dentre as hipóteses de baixo impacto ambiental aparece a construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores (alínea “e”, do inciso X, do art. 3°).

Outra hipótese trazida pelo Código Florestal na qual se permite a intervenção ou supressão de vegetação nativa em manguezais e restingas estabilizadoras de mangues (APP’s previstas nos incisos VI e VII do art. 4°) é o previsto no § 2° do art. 8°, quando ocorrer execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social.

A respeito da regularização fundiária, cumpre destacar, que é um importante instrumento para a cidade ao possibilitar a oficialização das ruas, avenidas, alamedas e todas as demais vias públicas bem como facilitar a implantação e ampliação dos serviços públicos nas regiões beneficiadas. Já para o morador, há ainda mais facilidades, entre as principais destacam-se: a segurança jurídica de sua moradia, ao possuir sua propriedade titulada em cartório de registro de imóveis; conquista um endereço oficial, podendo receber correspondências no seu próprio domicilio e ter um comprovante de residência que lhe abrirá as portas em diversas instituições; tem acesso a financiamento bancário ou crédito no comércio. Em suma, poderá exercer e efetivar seu direito à cidade.

O art. 46 da Lei nº. 11.977/09 traz o conceito da regularização fundiária: consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Os arts. 53 ao 60 tratam da regularização fundiária de interesse social. Esta modalidade de regularização tem o intuito de regularizar assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, em área que esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos, de imóveis localizados em ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) ou áreas declaradas de interesse público para implantação de projetos de regularização fundiária pertencentes à União, Estados ou Municípios, (art. 47, VII).

Nessa regularização, a aprovação urbanística e ambiental é feita pelo próprio Município. Caso o Poder Público Municipal possua conselho do meio ambiente e órgão ambiental capacitado, pode ser dispensado o licenciamento ambiental do Estado (art. 53, §1º). No mais, se a gleba da regularização possuir APP (área de preservação permanente), o Município poderá, mediante decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social dessa área na hipótese de terem sido ocupadas até 31 de dezembro de 2007, desde que o estudo técnico comprove que a intervenção implica em melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior (§ 1º do art. 54).[1]

O § 2° do art. 54 determina as informações necessárias que devem ser demonstradas no estudo técnico referido, veja-se:

I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;

II – especificação dos sistemas de saneamento básico;

III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;

IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;

VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e

VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o caso.

Na hipótese de regularizações em áreas que não sejam formadas por população predominantemente de baixa renda ou localizadas em ZEIS, as denominadas regularização fundiária de interesse específico, também possuem previsão legal e compatibilização do direito à moradia e o meio ambiente equilibrado em APPs, todavia, neste caso segue um rito mais rígido para aprovação, conforme dispõe o artigo 65 da Lei n°. 12.651/12. Veja-se:

“Art. 65.  Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.

§1o O processo de regularização ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído com os seguintes elementos:

I – a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;

II – a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;

III – a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;

IV – a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;

V – a especificação da ocupação consolidada existente na área;

VI – a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;

VII – a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

VIII – a avaliação dos riscos ambientais;

IX – a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

X – a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.

§2o Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.

§3o Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2o poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento.”

Ademais, outras formas de harmonização dos direitos à moradia e ao meio ambiente equilibrado estão nas determinações legais responsabilizando o poder público pela realocações dos moradores nas hipóteses, conforme dispõe:a) no § 3° do art. 58 da Lei n°. 11.977/09, por conta da implementação do projeto da regularização fundiária de interesse social; b) art. 42 da Lei n°. 9.985/00, em decorrência impossibilidade de permanência das populações tradicionais residentes em unidades de conservação; e c) inciso III do art. 5° da Medida Provisória n°. 2.220/01 (regula a concessão especial para fins de moradia), quando houver interesse da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais.

Por fim, cumpre demonstrar a posição legislativa fundamentada no principio ambiental da prevenção, ao tentar não incentivar a ocupação de áreas ambientais protegidas, determinando um limite temporal para regularizar ocupações consolidadas, seja por meio da Lei n°. 11.977/09 (ocupações consolidadas até 31/12/2007) ou da Medida Provisória n°. 2.220/01 (posses até 30/06/96).

A seguir, será demonstrado como os casos concretos tem gerado enormes discussão e conflito em torno dos direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado.

3. O conflito prático entre a moradia e o meio ambiente equilibrado

As discussões levadas ao Poder Judiciário envolvendo o conflito entre os dois direitos fundamentais considerados nesse estudo são inúmeros. A ideia aqui não é analisar todas as decisões que versão sobre o assunto, mas serão apresentados alguns casos concretos suficientes para demonstrar os fundamentos que o judiciário tem aplicado para a solução desses conflitos.

É importante elucidar que até o momento o Supremo Tribunal Federal não possui sequer uma decisão colegiada que tenha enfrentado a colisão desses direitos constitucionalmente protegidos. O Superior Tribunal de Justiça tem enfrentado raríssimas vezes o tema, visto não ter competência para dirimir o aparente conflito constitucional, conforme observa-se no Recurso Especial n°. 1.407.859/RN.

O Resp. n°. 403.190, talvez seja o mais importante.Trata-se de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo, com intuito de reparação de danos ao meio ambiente decorrentes de loteamentos clandestinos fixados às margens da Represa Billing, região de proteção da Mata Atlântica e que abastece São Paulo. Em outro julgado, O STJ considerou acertada a decisão liminar que impedia a remoção de famílias possuidoras de residências que ocupavam uma APP. Veja-se:

PROCESSO CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. MEDIDA LIMINAR. ESTANDO EM CONFLITO O DIREITO À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO À MORADIA DOS OCUPANTES DA ÁREA, É ACERTADA A DECISÃO QUE, NUM PRIMEIRO MOMENTO, O DO EXAME DA MEDIDA LIMINAR, PROTEGEU O DIREITO À POSSE DE QUEM TEM HABITAÇÃO NO LOCAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(AgRg na MC no 12.594, Rel. Min. Ari Pargendler, 3a Turma, julgado em 07.05.2007)

Outra decisão relevante diz respeito à tutela penal do meio ambiente. Visto a Lei 9.605/98 prever inúmeros tipos legais nos quais poderiam ser enquadradas determinadas ocupações irregulares em área ambientais protegidas. No Habeas Corpus n°. 124.829, o Tribunal construiu o entendimento de que deveria ser atípica a conduta consubstanciada na construção de uma casa de adobe em uma área de 22 m2 inserida em APP, compreendendo a insignificância do dano a vegetação do cerrado, naquela situação, diante da importância do direito constitucional de morar.

Em relação aos tribunais de segunda instância é possível observar, de certa forma, um amadurecimento na interpretação deste conflito, pesando-se, muito mais, pela tentativa da compatibilização de ambos os direitos e superando o absolutismo ambientalista. Isto nada mais é do que a aplicação do princípio instrumental de hermenêutica constitucional da concordância prática ou harmonização. Vale dizer que as regras infraconstitucionais determinando a responsabilidade do Poder Público em promover a regularização fundiária ou na impossibilidade desta garantir o direito à moradia por meio de realocações dos ocupantes irregulares foi um catalizador que iluminou os magistrados na aplicação dessa harmonização.

O principio instrumental de hermenêutica constituição da harmonização entre a o direito à moradia e o do meio ambiente equilibrado foi o que justificou o dever do poder público em apresentar disponibilidade de alternativa à moradia na hipótese de desocupação forçada e demolição de casa localizada em área de preservação permanente em acordão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme observa-se na ementa:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIRETO AMBIENTAL. DIREITO À MORADIA. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DESOCUPAÇÃO FORÇADA E DEMOLIÇÃO DE MORADIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSE ANTIGA E INDISPUTADA. AQUIESCÊNCIA DO PODER PÚBLICO. DISPONIBILIDADE DE ALTERNATIVA PARA MORADIA. TERRENO DE MARINHA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA, DESPEJO E DEMOLIÇÃO FORÇADAS PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PREVENÇÃO DE EFEITO DISCRIMINATÓRIO INDIRETO.

  1. (…)
  2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente.
  3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e demolição da moradia depende da disponibilidade de alternativa à moradia.
  4. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos.
  5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e direito à moradia.
  6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (The Right to adequato housing (art. 11.1): forced evictions: 20/05/97. CESCR General comment)
  7. Implica que “nos casos onde o despejo forçado é considerado justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade” (item 14, tradução livre), “não devendo ocasionar indivíduos “sem- teto” ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível.”
  8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade.
  9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atinge mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ônus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais.”

(TRF4, AC n. 2006.72.04.003887-4, Relator Juiz Federal Roger Raupp Rios, Terceira Turma, DE 10/06/2009)

Da íntegra do voto condutor do julgamento, é relevante transcrever algumas palavras do Eminente Juiz Federal Roger Raupp Rios, de notório saber na temática constitucional e de direito humanos:

“Ao lado do direito ambiental, há que se atentar para a força jurídica do direito fundamental à moradia. A atuação estatal, aí incluídas a ação do Ministério Público Federal e o exercício do poder jurisdicional, não pode olvidar este dado normativo fundamental, sob pena de enfraquecimento do texto constitucional, que deve ser interpretado de acordo com os princípios hermenêuticos da força normativa da Constituição e da eficácia integradora.

A preocupação ambiental é, sem sombra de dúvida, necessária e urgente. No entanto, é imperiosa a consideração do direito à moradia, sob pena de emprestar-se solução jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito e à força normativa da Constituição. Com efeito, a força normativa da Constituição, como método próprio de interpretação constitucional, exige do juiz, ao resolver uma questão de direitos fundamentais, adotar a solução que propicie a maior eficácia jurídica possível às normas constitucionais envolvidas, conforme lição de Konrad Hesse (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, Porto Alegre: SAF, 1998). É, portanto, diante deste princípio de hermenêutica constitucional, que se revela imprescindível a consideração do direito à moradia para a concretização do conteúdo jurídico do direito ao ambiente, a fim de que se alcance uma solução jurídica constitucionalmente adequada.

O provimento judicial deve fortalecer, simultaneamente, o direito ao ambiente e o direito à moradia.”

A compatibilidade desses dois direitos constitucionais é otimizada utilizando-se a regularização fundiária. Este instrumento é um poder dever do Poder Público, tornando-se imprescindível a constatação prévia de sua possibilidade antes de ser determinada qualquer medida que ocasione a desocupação dos moradores localizados em área ambientalmente protegida. O Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível 0155992-76.2008.8.26.0000, contemplou essa concepção ao determinar que as obrigações de fazer atribuídas à Prefeitura Municipal de Jundiaí consistentes no desfazimento de loteamento clandestino localizado em APP, a demolição das construções erguidas neste local e a realocação dos moradores estão condicionadas a verificação prévia da possibilidade da aplicação da regularização fundiária na região.

“RECURSOS DE APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. LOTEAMENTO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.

(…)

  1. SUPERVENIÊNCIA DAS LEIS FEDERAIS N° 11.977/09 E 12.651/12 A POSSIBILITAR A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. A premissa de impossibilidade de regularização de loteamento em Área de Preservação Permanente foi superada com a edição da Lei n° 11.977/09 – Minha Casa Minha Vida – e Lei n° 12.651/12  Novo Código Florestal , que possibilitaram a regularização fundiária com base no interesse social ou interesse específico, bem como o Provimento n° 21 da E. Corregedoria Geral de Justiça quedispôs em seus itens 216 e 217 sobre os procedimentos a serem adotados na regularização fundiária. Portanto, se tratando a regularização fundiária um poder dever do Município torna-se imprescindível a análise prévia da sua possibilidade antes de se determinar o cumprimento das obrigações de fazer consistentes no desfazimento do loteamento e subsequente demolição das construções erigidas no local com a relocação de seus moradores. Condicionando-se o cumprimento das obrigações de fazer consistentes na demolição das construções e retirada dos moradores à impossibilidade de regularização fundiária ou expirado o prazo de 180 dias para a apresentação do estudo, sem justificativa. 6. RECUPERAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS. As obrigações de recuperação dos danos ambientais permanecem hígidas, devendo ser determinada a forma e o prazo pelo órgão ambiental competente, ressalvada as eventuais adequações na hipótese de adoção da regularização fundiária em fase de cumprimento de sentença. 7. Sentença reformada, em parte. Recurso do DAE S/A parcialmente provido e recurso dos particulares e do Município desprovidos, com observação.”

(TJSP, AC n. 2015.0000859086, Relator Des. Marcelo Berthe, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 12/11/2015)

A regularização fundiária também justificou a permanência de um morador em área de preservação permanente, independentemente, de aplicação de multa pelo IBAMA pelo dano ambiental, conforme observa-se no acordão no processo 0005799-66.2012.4.05.8200 proferido pela Primeira Turma do TRF da 5ª Região, veja-se a Ementa:

AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AUTUAÇÃO PARA DEMOLIÇÃO. ANULAÇÃO. EDIFICAÇÃO ANTERIOR À LEI. AUTO DE INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA.

DESPROPORCIONAL. CRITÉRIOS DE DESATENDIMENTO. REDUÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA.

VALORAÇÃO.

  1. Trata-se de Apelação Cível interposta pelo IBAMA em face da sentença proferida pelo juízo da 2a Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba, que julgou procedente em parte Ação Ordinária para regularização fundiária e anulação de ato de administrativo ajuizada por SEVERINA HONORÁRIO DA SILVA.
  2. O cerne da presente controvérsia reside na possibilidade de ingerência do Judiciário para apreciar a proporcionalidade do valor da multa e na observância harmônica dos princípios da moradia e da preservação do meio ambiente.
  3. Ainda que discricionários, os atos da Administração Pública devem sempre pautar-se por determinados princípios, dentre os quais o da legalidade. Por esse princípio, todo e qualquer ato dos agentes administrativos deve estar em total conformidade com a lei e dentro dos limites por ela traçados. A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado peloadministrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa, e quando a autoridade administrativa observa os limites definidos em lei.
  4. A Lei no 9.605/98 determina critérios de dosagem do valor de forma a estabelecer um montante proporcional, de modo que consiga alcançar seus objetivos atendendo às especificidades tanto do meio ambiente atingido (gravidade da infração) como do suposto infrator (situação econômica). No caso concreto, afigura-se uma evidente desproporcionalidade, visto que a apelada/autora não continha registros de antecedentes alusivos à infração ambiental além de ter condição econômica hipossuficiente, demonstrada através de demonstrativo de pagamento de salário. Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença que reduziu a multa fixada pela apelante para o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).
  5. Sobre a possibilidade de anulação dos efeitos da autuação para demolição, tem-se que o fato de ser área de preservação permanente, cujo objetivo é a proteção ambiental, por si só não exclui o direito de construir. A edificação não é absolutamente incompatível com a preservação ambiental. Desde que haja resguardo ambiental, conforme os itens apontados pelos órgãos competentes, nada obsta a construção em área de preservação permanente.
  6. O caso em questão trata de hipótese em que a construção foi edificada em 1937, ou seja, anterior à lei que proíbe o uso das áreas de preservação permanente. Razoável, portanto, a decisão do juízo a quo pela anulação da autuação para demolição com a determinação de regularização fundiária da área afetada. Tal determinação findou por solucionar a questão, harmonizando os direitos fundamentais envolvidos, ou seja, assegurando o direito à moradia digna, contudo, estabelecendo-lhes limites para preservar o meio ambiente.
  7. Apelação improvida.

(TRF5, AC n. 31488-PB, Relator Des. Manoel de Oliveira Erhardt, 1ªTurma, j. 20/08/2015)

Apesar dessas decisões apresentadas mostrarem a possibilidade concreta de compatibilização entre o direito à moradia e o meio ambiente equilibrado, é relevante demonstrar que existem situações que os Tribunais tem se posicionado de maneira diversa, compreendendo que em determinadas situações a ponderação terá como prevalência o direito ao meio ambiente equilibrado, desbancando o direito a moradia. Foi o que ocorreu em moradia localizada no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro em Palhoça/SC. A 4ª Turma do TRF4, na Apelação Cível 5017972-57.2012.4.04.7200, considerou que seria incompatível a regularização do imóvel pois estava dentro de APP e área de manguezal. Importante apontar que, o voto prolatado pela Desembargadora Salise Monteiro Sanchotene não contemplou o direito à moradia, determinando a realocação do apelante, simplesmente, por falta de requerimento.

“Analisando-se ainda o confronto do direito de moradia com o direito ao meio ambiente saudável e protegido, no caso dos autos, o direito que na realidade atende ao réu é o direito individual à moradia e à dignidade, aliado ainda ao direito difuso de proteção ao meio ambiente que se estende a ele e a todos os demais munícipes. Nos autos, diferentemente do que já ocorreu em outras ocupações semelhantes, não houve o cuidado do autor em requerer que a limitação de direitos do apelante só ocorra até a sua realocação, a partir de inscrição em programas de moradia do município. Contudo, a inscrição em tais programas poderá ser buscada oportunamente e não é impeditivo do enfrentamento da questão ambiental nestes autos.”[1]

Data venia, não demonstra ser a melhor maneira de se buscar a justiça nesse raciocínio. O direito à moradia é um direito fundamental coletivo, tem função de contemplar a igualdade àqueles que não a possuem ou que irão perdê-la, deve ser visto como uma questão de ordem pública, portanto, o magistrado nessas situações deveria de ofício condicionar a desocupação à realocação do morador afetado.

De igual forma essa proposição aplica-se em outra decisão que o direito à moradia foi deixado de lado em face do direito ao meio ambiente equilibrado, como observa-se na Apelação Cível 558791/PB do processo n°. 2009.82.00.006628-0 da Segunda Turma do TRF5. O Eminente desembargador, nesse caso, também não se ateve a possibilidade de regularização e nem de realocação do morador.

Por fim, outro exemplo que não foi consagrado o direito à moradia foi no caso analisado pelo TJSP no processo 0003298-11.2011.8.26.0294, no qual houve o entendimento de que a moradia, localizada dentro de unidade de proteção integral, não era de população tida como tradicional, impossibilitando a permanência do particular no local.

4. Considerações Finais

Em síntese, o intuito desse estudo foi demonstrar a complexidade das discussões que abrangem a necessidade da união nos casos concretos dos direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado. Nas circunstâncias fáticas e jurídicas ambos devem ter sua plenitude da forma mais protetiva possível, por mais que de alguma forma uma acabe restringindo o outro, visto que os dois são verdadeiros princípios.

A legislação infraconstitucional foi se modernizando e tentando abarcar situações que o direito à moradia seria privilegiado,como nas regularizações fundiárias de interesse social e o novo Código Florestal. Por sua vez, o poder judiciários utilizou-se desses novos instrumentos legais para decidir e verificar nos casos concretos qual a melhor ponderação.

5. Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista da EMERJ, v.4, n.15, 2001.

_____________

Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 20.

[2] Em São Paulo: a) Não sendo apresentado o licenciamento ambiental pelo Município, será exigida a Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental (DCUA) emitida pelo Estado, por meio do Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal (Decreto Estadual nº 52.052, de 13 de agosto de 2007); b) Não havendo convênio entre o Município e o Estado para estabelecer o Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal, será exigida licença expedida pela CETESB para os casos previstos em lei. Vide itens 226.2 e 226.3 das NSCGJ/SP.

[3] “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APP E ÁREA DE MANGUEZAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÃO DE RECOMPOR O MEIO AMBIENTE DEGRADADO. DIREITO DE MORADIA EM CONFRONTO COM O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL.

  1. A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente encontra respaldo no art. 225, § 3o da Constituição Federal, que recepcionou o regime da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, prevista pela Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1o. Restou albergada também pelo art. 7o da Lei n. 7661/88, que dispôs sobre a zona costeira; pelo art. 2o, § 1o do Novo Código Florestal, e decorre dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e precaução.
  2. A região na qual o réu construiu a casa é qualificada como terreno Área de Proteção Permanente. Além disso, por situar-se na região litorânea, propicia a formação da vegetação conhecida como manguezal, objeto de especial proteção. Restou comprovado que o local em que construído o imóvel, objeto da lide, trata-se de Área de Preservação Permanente, tal como disciplina o Código Florestal, demonstrando a necessidade de preservação e sua influência no equilíbrio do sistema lá existente.
  3. A degradação ambiental resta comprovada nos autos.
  4. Sopesando o direito à propriedade e a proteção do meio ambiente, em se tratando de construções que podem ocasionar dano a esse, imperioso fazer-se valer o princípio da precaução.
  5. Apelação a que se nega provimento.”

(TRF4, AC n. 5017872057.2012.4.04.7200/SC, Relatora Des. Salise Monteiro Sanchotene, 4ª Turma, j. 17/11/2015)

_____________

* George André Alvares

Mestrando em Direito Urbanístico pela PUC/SP

Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP

Advogado

Presidente do Instituto Lares

Como citar este artigo: ALVARES, George André. DIREITO À MORADIA E OS CASOS DE COMPATIBILIDADE EM ÁREAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 172/2016, de 13/09/2016. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2016/09/13/artigo-direito-a-moradia-e-os-casos-de-compatibilidade-em-areas-ambientalmente-protegidas-por-george-andre-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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SP: Provimento CGJ Nº 52/2016 – Regulamenta os nascimentos decorrentes de reprodução assistida, amplia a presunção de paternidade para as hipóteses de união estável – PÁG. 10

DICOGE

DICOGE 5.1

PROCESSO Nº 2016/82203 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Parecer 186/2016-E

Registro Civil das Pessoas Naturais – Adaptação das NSCGJ ao Provimento nº 52 do CNJ, que trata do registro dos nascimentos decorrentes de reprodução assistida – Ampliação da presunção de paternidade para as hipóteses de união estável, em atenção ao disposto no Provimento nº 52 – Preservação do sigilo da identidade dos doadores de gametas e de embriões, em virtude do que dispõe na Resolução nº 2.121/2015 do Conselho federal de Medicina – Dispensabilidade da lavratura de instrumento público para os consentimentos a serem prestados pelos envolvidos na reprodução assistida – Alteração dos itens 40 e 41 do Capítulo XVII das Normas de Serviço e inserção da Subseção I, sob o título “Do Nascimento Decorrente de Reprodução Assistida”, à Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Vistos.

Trata-se de expediente inaugurado por ofício enviado pela Corregedoria Nacional da Justiça acerca da edição do Provimento nº 52, que regulamentou, em âmbito nacional “o registro civil de crianças geradas a partir de métodos de reprodução assistida como a fertilização in vitro e a gestação por substituição, mais conhecida como ‘barriga de aluguel’”.

Embora originalmente o objetivo da comunicação advinda da Corregedoria Nacional da Justiça fosse a distribuição e a afixação de cartazes informativos nos cartórios de registro civil deste Estado – o que efetivamente ocorreu (fls. 3, 7, 8 e 22) – aproveitou-se o expediente para a adequação das Normas de Serviço à nova normatização nacional.

Sobre o tema, a ARPEN-SP se manifestou a fls. 37/39.

É o relatório.

Opinamos.

O Provimento nº 52/2016 da Corregedoria Nacional da Justiça trouxe regras específicas para o registro de nascimento dos filhos havidos por técnicas de reprodução assistida, de casais heteroafetivos e homoafetivos.

Respeitada a sugestão da ARPEN-SP, no sentido de se incluir item nas Normas de Serviço que simplesmente indique a aplicação do Provimento do CNJ, diante da importância da questão e para que seja mantida a harmonia do regramento local, conveniente a abertura de nova subseção no Capítulo XVII para tratar do tema.
Passamos a analisar os principais pontos abordados pelo Provimento do CNJ e o modo pelo qual as Normas de Serviço devem acomodar as modificações.

I – Abrangência do termo “reprodução assistida”

Não obstante tenha sido utilizada a nomenclatura genérica “reprodução assistida”, a Corregedoria Nacional visou à uniformização do procedimento de registro especificamente em três hipóteses: a) doação de gametas ou embriões por terceiros; b) gestação por substituição (“barriga de aluguel”); e c) inseminação artificial homóloga post mortem.

Nas outras hipóteses de reprodução assistida, desde que o material genético utilizado para a fecundação provenha dos cônjuges ou companheiros, que ambos estejam vivos no momento da concepção e que a futura mãe fique grávida (sem gestação por substituição), os termos do provimento são inaplicáveis. Com efeito, nessa hipótese, em que houve simplesmente auxílio médico para a fecundação, não há que se exigir qualquer documento suplementar para a o registro do nascimento da criança, tudo se resolvendo pelos itens 30 e seguintes do Capítulo XVII das NSCGJ.

Assim, para evitar embaraços aos casais que não se enquadram no novo regramento, parece importante que fique claro que as novas normas são aplicáveis de forma restrita, e não genericamente a todos os casais que recorreram a alguma técnica de reprodução assistida.

II – Presunção de paternidade na união estável

O artigo 1º, § 1º, do Provimento nº 52 tem a seguinte redação:

§ 1º Se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer no ato de registro, desde que apresentado o termo referido no art. 2º, § 1º, inciso III deste Provimento.

Trata o dispositivo da presunção de paternidade, matéria abordada pelo artigo 1.597 do Código Civil, e cuja aplicação não se restringe aos casos de reprodução assistida.

Conveniente, portanto, que o tema continue a ser tratado de forma genérica, sem sua inserção na subseção específica de reprodução assistida.

Preceitua atualmente o item 41 do Capítulo XVII das Normas de Serviço:

41. Para o registro de filho havido na constância do casamento, basta o comparecimento de um dos genitores.

Nota-se que o regramento advindo do CNJ vai além das Normas de Serviço: permite o registro do nascimento do filho por apenas um dos genitores também no caso de o casal viver em união estável, de modo a estender a presunção de paternidade aos companheiros.

A aplicação da presunção de paternidade à união estável encontra amparo na Constituição Federal, na doutrina e na jurisprudência:

Prescreve o artigo 226, § 3º, da Constituição:

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar serviu de argumento para vários doutrinadores defenderem a equiparação total desse instituto ao casamento. Especificamente sobre o inconveniente de haver presunção de paternidade no casamento e não na união estável, ensina Maria Berenice Dias:

“A diferenciação é de todo desarrazoada. Se a presunção é de contato sexual exclusivo durante o casamento, esta mesma presunção existe na união estável. Cabe um exemplo. Falecendo o genitor durante a gravidez, ou antes de ter registrado o filho, esse teria de intentar ação declaratória de paternidade. A demanda precisaria ser proposta pelo filho representado pela mãe e, no polo passivo, teria de figurar sua mãe, na condição de representante da sucessão. A saída seria nomear um curador ao autor para iniciar uma ação que pode durar anos. Enquanto isso, o filho ficaria sem identidade. Claro que a melhor solução é admitir a presunção da filiação também na união estável. Assim, ainda que a referência legal seja à constância do casamento, a presunção de filiação, de paternidade e de maternidade deve aplicar-se à união estável”¹.

Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL – NOMEM IURIS – DEMANDA – PRINCÍPIO ROMANO DA MIHI FACTUM DADO TIBI JUS – APLICAÇÃO – UNIÃO ESTÁVEL – ENTIDADE FAMILIAR – RECONHECIMENTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO – REQUISITOS – CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E DURADOURA – OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA – DEVERES – ASSISTÊNCIA, GUARDA, SUSTENTO, EDUCAÇÃO DOS FILHOS, LEALDADE E RESPEITO – ARTIGO 1.597, DO CÓDIGO CIVIL – PRESUNÇÃO DE CONCEPÇÃO DOS FILHOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – APLICAÇÃO AO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL – NECESSIDADE – ESFERA DE PROTEÇÃO – PAI COMPANHEIRO – FALECIMENTO – 239 (DUZENTOS E TRINTA E NOVE DIAS) APÓS O NASCIMENTO DE SUA FILHA – PATERNIDADE – DECLARAÇÃO – NECESSIDADE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I – Desimporta o nomem iuris dado à demanda pois, na realidade, aplicar-se-á o adágio romano da mihi factum dado tibi jus.
II – O ordenamento jurídico pátrio reconhece, como entidade familiar, a união estável entre pessoas (ut ADPF N. 132/ RJ, Rel. Min. Ayres Brito, DJe de 14/10/2011), configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família (artigo 1723, do Código Civil), com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação de filhos (artigo 1724, do Código Civil), de modo a permitir aplicação, às relações patrimoniais, no que couber, das regras pertinentes ao regime de comunhão parcial de bens (artigo 1725, do Código Civil).
III – A lei não exige tempo mínimo nem convivência sob o mesmo teto, mas não dispensa outros requisitos para identificação da união estável como entidade ou núcleo familiar, quais sejam: convivência duradoura e pública, ou seja, com notoriedade e continuidade, apoio mútuo, ou assistência mútua, intuito de constituir família, com os deveres de guarda, sustento e de educação dos filhos comuns, se houver, bem como os deveres de lealdade e respeito.
IV – Assim, se nosso ordenamento jurídico, notadamente o próprio texto constitucional (art. 226, §3º), admite a união estável e reconhece nela a existência de entidade familiar, nada mais razoável de se conferir interpretação sistemática ao art. 1.597, II, do Código Civil, para que passe a contemplar, também, a presunção de concepção dos filhos na constância de união estável.
V – Na espécie, o companheiro da mãe da menor faleceu 239 (duzentos e trinta e nove) dias antes ao seu nascimento. Portanto, dentro da esfera de proteção conferida pelo inciso II do art. 1.597, do Código Civil, que presume concebidos na constância do casamento os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes, entre outras hipóteses, em razão de sua morte.
VI – Dessa forma, em homenagem ao texto constitucional (art. 226, §3º) e ao Código Civil (art. 1.723), que conferiram ao instituto da união estável a natureza de entidade familiar, aplica-se as disposições contidas no artigo 1.597, do Código Civil, ao regime de união estável.
VII – Recurso especial provido”. (REsp 1194059/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 6/11/2012).

Assim, a fim de que as normas locais estejam em harmonia com o regramento do CNJ e, principalmente, com o objetivo de não limitar a presunção de paternidade na união estável aos filhos advindos de reprodução assistida – o que certamente não se justifica – sugere-se a seguinte redação para o item 41 do Capítulo XVII das Normas, inserido em Seção que trata, de modo genérico, do nascimento:

41. Para o registro de filho havido na constância do casamento ou da união estável, basta o comparecimento de um dos genitores.
41.1. A prova do casamento ou da união estável será feita por meio de certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

Para harmonizar esta nova redação do item 41 ao que já consta no item 40, propõe-se a seguinte redação a este último:

40. No registro de filhos havidos fora do casamento ou da união estável não serão considerados o estado civil e, ou, eventual parentesco dos genitores, cabendo ao Oficial velar unicamente pelo atendimento da declaração por eles manifestada e a uma das seguintes formalidades:

III – Inconveniência de se identificar o doador de gametas ou embriões

O Provimento nº 52 do CNJ optou, em alguns de seus dispositivos, pela identificação dos doadores de gametas. Vejamos:

“Art. 2º. É indispensável, pra fins de registro e da emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:
(…)
II – declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada, o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários.
(…)
§ 1º Nas hipóteses de doação voluntária de gametas ou de gestação por substituição, deverão ser também apresentados:
I – termo de consentimento prévio, por instrumento público, do doador ou doadora, autorizando expressamente, que o registro de nascimento da criança a ser concebida se dê em nome de outrem;
II – termo de consentimento prévio, por instrumento público, do cônjuge ou de quem convive em união estável com o doador ou doadora, autorizando expressamente, a realização do procedimento de reprodução assistida;
(…)” (grifamos).

Todavia, a Resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina, que estabeleceu “normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida”2 e que foi citada expressamente em um dos considerandos do Provimento nº 52 do CNJ, segue linha totalmente diversa em relação à doação de gametas ou embriões. Nesse tema, a entidade médica elegeu como prioridade a preservação do anonimato dos doadores. O item IV do anexo da Resolução 2.121/2015, que trata especificamente da doação de gametas ou embriões, enuncia:

“2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
(…)
4 – Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).”

Analisados os textos normativos do CNJ e do Conselho Federal de Medicina pergunta-se: como preservar o anonimato dos doadores de gametas, se os futuros pais da criança são obrigados a apresentar no Registro Civil termo de consentimento do doador ou doadora (artigo 2º, § 1º, I, do Provimento nº 52 do CNJ) e de eventual cônjuge ou companheiro desses últimos (artigo 2º, § 1º, II, do Provimento nº 52 do CNJ)?

É evidente que ao se exigir a apresentação de documento que comprove o consentimento do doador de espermatozóides ou da doadora de óvulos para o registro da criança, o anonimato que o Conselho Federal de Medicina tentou preservar será violado. E não há dúvida de que a preservação do anonimato dos doadores estabelecida administrativamente pelo órgão médico é medida que se baseia em estudos, que preserva a família socioafetiva e que impede a criação de laços desnecessários entre mãe ou pai meramente biológicos – que desde a doação dos gametas sabiam dessa sua condição – e a criança – que será registrada em nome daqueles que recorreram à reprodução assistida.

Com base no que foi exposto, optamos por retirar do regramento administrativo local a necessidade de apresentação de termos de consentimento do doador de gametas ou embriões (artigo 2º, § 1º, I, do Provimento nº 52 do CNJ) e de seu eventual cônjuge ou companheiro (artigo 2º, § 1º, II, do Provimento nº 52 do CNJ) para o registro da criança, preservando-se o anonimato dos doadores.

Por consequência, também foi excluída da minuta de provimento que segue em anexo, a parte final do inciso II do artigo 2º do Provimento nº 52 do CNJ, que preceitua que na declaração firmada pelo diretor técnico da clínica de reprodução humana deve constar “o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários”.

O único questionamento que se pode admitir em relação ao anonimato dos doadores diz respeito ao direito de o filho conhecer sua ascendência genética. Sobre o tema, disserta Maria Berenice Dias:

“Muito tem se questionado sobre a exigência do anonimato do doador, o que subtrai do filho o direito de conhecer sua ascendência genética. Assim, não há como negar a possibilidade de o fruto de reprodução assistida heteróloga propor ação investigatória de paternidade para a identificação da identidade genética, ainda que o acolhimento da ação não tenha efeitos registrais.”³

Todavia, a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina não ignora o tema, estabelecendo, no item IV.5 de seu anexo, que “as clínicas, centros ou serviços onde é feita a doação devem manter, de forma permanente, um registro com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com legislação vigente”.

Assim, com o intuito de permitir que a pessoa concebida por meio de doação de gametas ou embriões possa ter acesso aos dados relativos a sua ascendência genética, inserimos na declaração a ser firmada pelo diretor da clínica de reprodução humana o compromisso de que esta última mantenha, “de forma permanente, registro com dados clínicos, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos eventuais doadores de gametas ou embriões”.

Acolhida a proposta, em se tratando de inseminação artificial heteróloga, no Registro Civil das Pessoas Naturais será arquivada a declaração firmada pelo diretor da clínica, contendo: a) a técnica adotada; e b) o compromisso de manutenção de registro e de amostra de material celular dos doadores de gametas ou embriões. As informações relativas aos doadores, por sua vez, serão confiadas exclusivamente às clínicas de reprodução humana.

Desse modo, caso a pessoa concebida por meio de inseminação artificial heteróloga busque informações acerca de sua ascendência genética – o que ocorrerá excepcionalmente – basta que se dirija ao Registro Civil das Pessoas Naturais onde seu nascimento foi registrado, em cujos arquivos encontrará informação acerca da clínica de reprodução assistida que atendeu seus pais. Em seguida, de posse dessa informação, poderá requerer à clínica os dados dos doadores, informação que provavelmente só lhe será prestada por ordem judicial, tendo em vista o que dispõe a Resolução nº 2.121/2015 4.

Ressalta-se, por fim, que as considerações feitas nesse item aplicam-se apenas à doação de gametas ou embriões. Em relação à gestação por substituição, cabíveis os consentimentos mencionados nos incisos I, II e III do § 1º do artigo 2º do Provimento do CNJ. Aliás, a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina prevê, para a realização da gestação por substituição, a necessidade de obtenção da aquiescência: a) dos futuros pais (VII.3.1 5); b) da doadora temporária de útero (VII.3.1); e c) de seu cônjuge ou companheiro (VII.3.6 6).

IV – Desnecessidade de se lavrar instrumento público para a formalização dos termos de consentimento

Preceitua o artigo 107 do Código Civil:

“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

A regra, portanto, é a liberdade de forma, podendo a lei exigir forma especial.

No caso dos consentimentos previstos nos incisos do § 1º do artigo 2º do Provimento nº 52, não há lei que obrigue a lavratura de instrumento público para tanto, de modo que o Conselho Nacional de Justiça, não obstante o poder normativo que detém, não poderia exigir a forma especial.

Tendo em vista que os termos de consentimento ficarão arquivados na Serventia, razoável que a declaração seja feita por escrito. Além disso, com o intuito de resguardar a segurança jurídica e seguindo a diretriz traçada pelo artigo 221, II, da Lei nº 6.015/73 7, exigir-se-á o reconhecimento de firma na declaração.

V – Exclusão dos temas já tratados de forma genérica pelas NSCGJ

Como optamos, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, pela criação de subseção autônoma para as hipóteses de reprodução assistida, inadequado que nela haja repetição de assuntos gerais já tratados nas Normas.

Desse modo, excluir-se-ão:

a) o inciso I do artigo 2º do Provimento, que trata da indispensabilidade da apresentação de Declaração de Nascido Vivo (DNV), uma vez que essa obrigação já consta nos itens 31.1, 37, “h” e 38 do Capítulo XVII das Normas;

b) o inciso III do artigo 2º do Provimento, que trata das formas como o casamento e a união estável são provadas, pois, além de ser matéria que atinge todos os nascimentos – e não apenas os decorrentes de técnicas de reprodução assistida –, o tema já foi abordado no novo item 41.1, cuja redação foi acima sugerida.

No mais, com o intuito único de harmonizar o texto do Provimento do CNJ às Normas de Serviço, pequenas alterações de ordem formal foram realizadas, mantida, obviamente, a essência do regramento nacional.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência propõe a edição de Provimento, conforme minuta anexa, que visa a adequar as NSCGJ ao Provimento nº 52 da Corregedoria Nacional da Justiça.

Caso este parecer seja aprovado e devido à relevância da matéria, sugerimos sua publicação na íntegra no Diário da Justiça Eletrônico, por três dias alternados.

Sub censura.

São Paulo, 8 de agosto de 2016.

(a) Carlos Henrique André Lisboa 
Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Iberê de Castro Dias 
Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Luciano Gonçalves Paes Leme 
Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Swarai Cervone de Oliveira 
Juiz Assessor da Corregedoria

1 Manual de Direito de Família – 11. ed. rev. atual. e ampl. – Editora revista dos Tribunias – p. 389
2 Art. 1º da Resolução CFM nº 2.121/2015
3 Manual de Direito de Família – 11. ed. rev. atual. e ampl. – Editora revista dos Tribunias – p. 399
4 IV.4 – Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).” (grifamos)
5 VII.3.1. – Termo de consentimento livre e esclarecido informado assinado pelos pacientes e pela doadora temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;
6 VII.3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável.
7 Art. 221 – Somente são admitidos registro:
(…)
II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;

DECISÃO: Aprovo o parecer dos Juízes Assessores da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino a edição do Provimento sugerido, conforme minuta apresentada, com a publicação inclusive do parecer, por três vezes, em dias alternados, no DJE. Dê-se ciência à ARPEN, ao CNJ e ao CREMESP a respeito do parecer aprovado, do Provimento editado e desta decisão. Publique-se. São Paulo, 30 de agosto de 2016. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça.

Provimento CGJ Nº 52/2016

Regulamenta os nascimentos decorrentes de reprodução assistida, amplia a presunção de paternidade para as hipóteses de união estável, altera o texto dos itens 40 e 41 do Capítulo XVII das NSCGJ, acrescenta a Subseção I à Seção III do Capítulo XVII das NSCGJ e dá outras providências.

O DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO as novas formas de reprodução assistida e seus reflexos no registro civil;

CONSIDERANDO a recente edição do Provimento nº 52 da Corregedoria Nacional de Justiça que trata desse tema;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça ao citado Provimento;

CONSIDERANDO as sugestões submetidas ao exame desta Corregedoria Geral da Justiça nos autos do processo nº 2016/00082203;

RESOLVE:

Art. 1º. O caput do item 40 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça passa a ter a redação que segue:

40. No registro de filhos havidos fora do casamento ou da união estável não serão considerados o estado civil nem eventual parentesco dos genitores, cabendo ao Oficial velar unicamente pelo atendimento da declaração por eles manifestada e a uma das seguintes formalidades:

Art. 2º. O item 41 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça passa a ter a seguinte redação:

41. Para o registro de filho havido na constância do casamento ou da união estável, basta o comparecimento de um dos genitores.

41.1. A prova do casamento ou da união estável será feita por meio de certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

Art. 3º. Acrescentar a Subseção I, sob o título “Do Nascimento Decorrente de Reprodução Assistida”, à Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com a seguinte redação:

Subseção I

Do Nascimento Decorrente de Reprodução Assistida

42-A. O assento de nascimento dos filhos havidos por técnicas de reprodução assistida será inscrito no livro “A”, independentemente de prévia autorização judicial e observada a legislação em vigor e os itens 40 e 41 supra, seja o casal heteroafetivo ou homoafetivo, munidos da documentação exigida por este provimento.

42-A.1. Nas hipóteses de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem haver qualquer distinção quanto à ascendência paterna ou materna.

42-B. No caso de doação de gametas ou embriões por terceiros; gestação por substituição (“barriga de aluguel”); e inseminação artificial homóloga post mortem, é indispensável, para fins de registro, a declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada e se comprometendo a manter, de forma permanente, registro com dados clínicos, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos eventuais doadores de gametas ou embriões.

42-B.1. No caso de doação voluntária de gametas ou embriões, deverá constar na declaração referida no item 42-B que a clínica se compromete a manter, de forma permanente, registro com dados clínicos, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

42-B.2. Nas hipóteses de doação voluntária de gametas ou embriões ou de gestação por substituição, deverá ser apresentado termo de consentimento, por instrumento público ou por escrito particular com firma reconhecida, do cônjuge ou do companheiro da receptora ou beneficiária da reprodução assistida, autorizando expressamente a realização do procedimento.

42-B.3. No caso de gestação por substituição, também será indispensável, para fins de registro:
a) termo de consentimento prévio, por instrumento público ou por escrito particular com firma reconhecida, da doadora temporária de útero, autorizando, expressamente, que o registro de nascimento da criança a ser concebida se dê em nome de outrem;

b) termo de aprovação prévia, por instrumento público ou por escrito particular com firma reconhecida, do cônjuge ou de quem convive em união estável com a doadora temporária de útero, autorizando, expressamente, a realização do procedimento de reprodução assistida.

42-B.4. Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo -DNV.

42-B.5. Na hipótese de reprodução assistida post-mortem, além do documento referido no item 42-B, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para o uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou por escrito particular com firma reconhecida.

42-B.6. O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento de vínculo de parentesco nem dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o ser gerado por meio da reprodução assistida.

42-B.7. Todos os documentos referidos neste item deverão permanecer arquivados em livro próprio do Cartório de Registro Civil.

42-C. É vedada aos Oficiais Registradores a recusa ao registro de nascimento e emissão da respectiva certidão para os filhos havidos por técnicas de reprodução assistida, nos termos desta Subseção.

42-C.1. A recusa prevista no caput deverá ser comunicada ao respectivo juiz corregedor permanente para as providências disciplinares cabíveis.

Art. 4º. Renumerar, de I para II, a atual Subseção I da Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, denominada “Do Assento de Nascimento do Indígena no Registro Civil das Pessoas Naturais”.
Art. 5º. Este provimento entra em vigor na data de sua primeira publicação.

São Paulo, 30 de agosto de 2016.

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS 
Corregedor Geral da Justiça

Fonte: Anoreg – SP | 12/09/2016

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TJ/MA: Tempo de espera por atendimento em cartórios deve ser de 30 minutos.

Os cartórios devem iniciar o atendimento no prazo máximo de 30 minutos, a partir do momento em que o usuário tenha entrado na fila de atendimento. A determinação vale para todas as serventias extrajudiciais do Estado e o cartório que não obedecer ao prazo responderá a processo administrativo disciplinar.

O cumprimento do tempo de espera em fila é um dever dos notários e registradores com o público usuário dos serviços extrajudiciais. Essa é um das obrigações listadas entre os deveres dos notários e registradores previstos no Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça.

Dentre outros deveres, os cartorários têm de “atender às pessoas com eficiência, urbanidade e presteza” e afixar, em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor. Devem, ainda, facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitados.

“Todos esses itens são analisados durante as visitas de inspeção feitas pela Corregedoria, com o objetivo de atestar a qualidade dos serviços prestados pelos cartórios”, explica a juíza corregedora Sara Gama.

A consulta ao Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça pode ser feita pelo endereço eletrônico da CGJ-MA: http://www.tjma.jus.br/cgj/visualiza/sessao/28/publicacao/9289. Qualquer reclamação do usuário sobre o atendimento pode ser feita `a Ouvidoria do Poder Judiciário, pelo telefone 0800-707-1581 – a ligação é gratuita.

Fonte: TJ / MA | 12/09/2016

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