STJ afirma que a multipropriedade imobiliária (timesharing) exibe natureza jurídica de direito real


  
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu, por maioria de votos, que a “a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil”.

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (relator primitivo), inaugurou o julgamento e afirmou:

“(…) Vale ressaltar que a adoção da forma livre de criação dos direitos reais seria capaz de promover um ambiente de insegurança jurídica aos negócios imobiliários devido à impossibilidade de se prever as formas variadas e criativas de novos direitos reais que surgiriam e os efeitos jurídicos que poderiam irradiar.

Soma-se a isso o fato de que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), em harmonia com o princípio numerus clausus dos direitos reais perfilhado pelo ordenamento jurídico pátrio, é categórica ao estabelecer que:

“Art. 168. No Registro de imóveis serão feitas:

(…)

§ 1º No registro de imóveis serão feitas, em geral, a ‘transcrição’, a ‘inscrição’ e a ‘averbação’ dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis, reconhecidos em lei inter vivos e causa mortis, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade”. (grifou-se)

Logo, a expressão “direitos reais reconhecidos em lei” prevista no § 1º do art. 168 da Lei nº 6.015/1973 deixa claro que a taxatividade e a tipicidade dos direitos reais também alcança os atos de registro.

Nesse cenário, diante da inviabilidade de criação de um novo direito real por convenção privada, inafastável a conclusão de que o contrato de time-sharing possui a natureza jurídica de direito pessoal que está relacionado diretamente a um direito real, o do titular do bem objeto da multipropriedade.

Pelo sistema da multipropriedade, o imóvel figura como propriedade de um empreendedor que concede e organiza a utilização periódica do bem e que tem a prerrogativa de representar os titulares do contrato de time-sharing . Malgrado o nome do instituto, o direito dos adquirentes é meramente pessoal, sujeitando-se a extenso rol de preceitos obrigacionais previstos em convenção ou regulamento interno e que deverão ser respeitados a fim de possibilitar a fruição do bem.

Em verdade, trata-se de situação jurídica complexa e atípica que envolve relações obrigacionais específicas interligadas por diversas fontes de interesses – os multiproprietários entre si, e entre estes e a administração do empreendimento – em colaboração recíproca para a satisfação na utilização do bem.

(…)

Conclui-se, então, que o contrato de time-sharing não garante direito real, mas mero direito pessoal, logo, é perfeitamente possível a penhora do imóvel sob o qual incide a multipropriedade, como decidido pelo Tribunal de origem. (…)”

Nada obstante, acabou por prevalecer a tese defendida pelo Ministro João Otávio de Noronha, que cravou:

“(…) Sob a perspectiva dessa expressiva lição doutrinária, não vejo também como admitir, no contexto do Código Civil de 2002, óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225.

Primeiro, porque o vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Segundo, porque com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo.

Mais reflexões poderiam ser feitas sobre o conteúdo e aspectos inerentes à multipropriedade imobiliária, que, embora tenha recebido há décadas uma boa aceitação no Brasil, submete-se a elevado grau de incertezas acerca dos direitos e prerrogativas dos multiproprietários, em especial, diante do inconcebível descuido regulador de sua disciplina jurídica pela via institucional própria, o que, certamente, tem proporcionado insegurança jurídica na formatação dessa nova figura.

Considerando o que acima expendido, com a devida vênia do Ministro relator, concluo o seguinte:

a) a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e

b) o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição de que é cotitular para uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano.

Nada obstante a inexistência, em relação ao contrato de multipropriedade imobiliária, de específico tratamento normativo e, até mesmo, a intensa divergência doutrinária acerca de sua natureza jurídica, o desfecho dado à presente causa é necessário porquanto a questão sobre ser possível ou não a criação de novo instituto de direitos reais – levando-se em conta a tipicidade e o sistema de numerus clausus –, em circunstâncias como a dos autos, nas quais se verifica a superação da legislação em vigor pelos fatos sociais, não pode inibir o julgador de, adequando sua interpretação a recentes e mutantes relações jurídicas, prestar a requerida tutela jurisdicional a que a parte interessada faz jus. (…)”

A íntegra do acórdão aqui referido foi publicada no Boletim Eletrônico INR nº 7702, de 22/09/2016, e pode ser acessada aqui.

Fonte: INR Publicações | 22/09/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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