Artigo: Processo extrajudicial de usucapião – Por PATRICIA ANDRÉ DE CAMARGO FERRAZ

A extrajudicialização de procedimentos têm se mostrado uma excelente alternativa aos cidadãos que precisam da intervenção jurídica, segura e célere do Estado em situações caracterizadas pela inexistência de conflito. São exemplos exitosos do que pode tramitar pela via judicial ou pela extrajudicial as retificações de registro e as apurações de remanescentes de imóveis, escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio, regularizações fundiárias e as execuções de devedores fiduciantes. Os interessados em tais procedimentos têm majoritariamente optado pela via extrajudicial, onde a tramitação é mais célere e oferece o mesmo padrão de segurança jurídica.

O Código de Processo Civil introduziu o Art. 216-A na Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, colocando à disposição do cidadão mais uma ferramenta jurídica, o processo extrajudicial de usucapião, já apelidado de “usucapião extrajudicial”. O instrumento tem despertado o interesse da comunidade jurídica e das pessoas possuidoras de imóveis de propriedade de outrem, todos com a expectativa de que o instrumento dê uma resposta ágil e segura às demandas de transformação de posses de imóveis em direitos de propriedade, tanto quanto os demais procedimentos “extrajudicializados”.

Ocorre que a aplicação e efetividade deste processo serão ínfimas, acaso mantidos os requisitos impostos pela lei para a sua realização e a limitação procedimental estabelecida no referido artigo.

Refiro-me especificamente à: a) necessidade de anuência expressa dos titulares de domínio e de direitos registrados ou averbados nas matrículas dos imóveis usucapiendo e confrontantes; b) definição da lei de que o silêncio de tais pessoas, acaso intimadas, é equiparado à discordância quanto à pretensão do postulante; e c) falta de previsão expressa da possibilidade de intimação por hora certa, em caso de suspeita de ocultação, e por edital, em caso de não localização, de tais pessoas pelo oficial de Registro de Imóveis.

Os primeiro e segundo requisitos se completam para emoldurar o previsível insucesso dos processos em questão. Ao operador do direito, tanto quanto ao cidadão comum que tenha qualquer contato com os fatos que podem levar à usucapião, é evidente que o dispositivo em comento, ao exigir extensa gama de anuências expressas nas usucapiões que tramitem no Registro de Imóveis, estabeleceu uma rede insuperável de concordâncias que não tem precedente em nossa legislação. Com efeito, não há negócio jurídico imobiliário para cuja realização seja necessária, por exemplo, a anuência expressa do credor hipotecário ou do locatário do imóvel vizinho àquele objeto da transação.

Também não faz parte de nossa cultura legislativa interpretar como discordância o silêncio dos chamados para se manifestarem em processos. Ao contrário, nosso ordenamento jurídico, tanto nos processos judiciais, como nos extrajudiciais, equipara o silêncio à anuência tácita. Nem poderia ser diferente. Imagine-se um vizinho que não tenha qualquer interesse na usucapião que tramite no cartório de sua cidade e para a qual foi chamado a se pronunciar. A ordem natural das coisas é que ele não se movimente se não tiver interesse em se opor ao processo. Não o tendo, permanecerá como estava. Por isso, não há sentido em previamente definir o seu silêncio como discordância.

O que se verificará na prática, então, serão basicamente três situações. A primeira, de advogados preparados que, tendo estudado o instrumento e o caso concreto, identifiquem a impossibilidade de colheita de anuência expressa de qualquer interessado e desistam da via extrajudicial, porque ela representará apenas perda de tempo, energia e dinheiro. A segunda, de profissionais que não atentem para as especificidades da lei e do caso concreto e que optem pela via extrajudicial, onde não terão sucesso. E a terceira, excepcional, de casos que preencham os requisitos legais e possam ser levadas com sucesso ao Registro de Imóveis.

É bom lembrar que, de regra, quando há anuência do titular do domínio para que o possuidor do imóvel lhe adquira a propriedade, o caso não é de usucapião, mas de venda e compra, com recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis, por parte do adquirente, e do imposto de renda sobre lucro imobiliário por parte do vendedor. Assim, mesmo na terceira hipótese aventada, será necessário atentar se não se simula pedido de usucapião para fraudar os fiscos municipal e federal.

A outra limitação do processo extrajudicial de usucapião é de natureza procedimental e, obviamente, sua correção só fará sentido se aperfeiçoado o ponto relativo à interpretação do silêncio dos intimados. Me refiro à falta de previsão quanto à possibilidade de intimação por hora certa e por edital dos interessados conhecidos (titulares de direitos relativos ao imóvel usucapiendo e dos proprietários dos confrontantes) pelo Registro de Imóveis. Há muito estes dois mecanismos já fazem parte da prática processual brasileira, seja na via judicial ou na extrajudicial (vide intimações por hora certa e por editais dos devedores fiduciantes e por editais nas regularizações fundiárias, retificações de registro, apurações de remanescentes e aberturas de matrículas de imóveis públicos). Não há razão lógica para que estes mecanismos facilitadores do bom andamento dos processos não sejam utilizados também nas usucapiões que venham a tramitar no Registro de Imóveis.

Sendo assim, parece-me indispensável alteração legislativa para que se exija a anuência expressa das pessoas efetivamente interessadas no imóvel usucapiendo, quais sejam, os titulares de domínio e dos titulares dos direitos inscritos na matrícula do imóvel usucapiendo e os titulares de domínio dos imóveis confrontantes. Acaso falte a anuência expressa de algum, o faltante deverá ser intimado pessoalmente para se manifestar e, acaso não localizado ou acaso se suspeite de que se oculta para não ser intimado, a expressa previsão de que seja intimado por edital ou por hora certa, conforme o caso. Ademais, seu o silêncio deverá ser interpretado como anuência tácita.

Com estas modificações pontuais, as mais importantes dentre as possíveis, o processo extrajudicial de usucapião poderá se revelar um dos mais efetivos mecanismos de concretização de direitos, com positivos efeitos sociais e econômicos. Além disso, a consequente redução do número de processos judiciais contribuirá para que o Poder Judiciário dedique sua estrutura à solução de conflitos reais.

Fonte: Carta Forense | 04/05/2016.

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CGJ/SP: Registro de Imóveis – Regularização de parcelamento do solo urbano – Impugnações à retificação contempladas na regularização então consideradas infundadas – Retificação que se dá intra muros – Afastamento da ofensa ao direito de propriedade dos impugnantes – Demonstração dos licenciamentos urbanístico e ambiental – Recurso administrativo provido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 0180686-37.2007.8.26.0100
(131/2016-E)

Registro de Imóveis – Regularização de parcelamento do solo urbano – Impugnações à retificação contempladas na regularização então consideradas infundadas – Retificação que se dá intra muros– Afastamento da ofensa ao direito de propriedade dos impugnantes – Demonstração dos licenciamentos urbanístico e ambiental – Recurso administrativo provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

A Municipalidade de São Paulo apresentou pedido de providências com vistas à regularização registrária do loteamento Jardim Meliunas, também conhecida como Chácara Jardim São José.

A regularização pretendida contempla a retificação de fatos constantes do registro; abrange, em especial, o aperfeiçoamento da descrição do bem imóvel objeto da mat. nº 152,880 do 12° RI desta Capital, necessária, afirma-se, então para resguardar a compatibilidade da realidade registral com a extraregistral.[1]

A essa pleiteada regularização, opuseram-se tanto os Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy [2] como a Fazenda do Estado de São Paulo[3].

A MM. Juíza Corregedora Permanente, ao examinar as impugnações, considerou-as fundamentadas e, assim, indeferindo o pedido, remeteu os interessados às vias ordinárias.[4]

A Municipalidade de São Paulo interpôs recurso[5], recebido em seus regulares efeitos[6]. Após as contrarrazões[7], os autos deram entrada no C. Conselho Superior da Magistratura[8] e, depois, com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento do recurso[9], foram enviados a esta E. Corregedoria Geral da Justiça, órgão competente para apreciar o inconformismo do ente municipal[10]

É o relatório. OPINO.

A regularização do loteamento Jardim Meliunas guarda relação com o parcelamento de solo urbano que recaiu sobre o bem imóvel descrito na mat. nº 152.880 do 12º RI desta Capital, em nome de Odete Gonzalez Cintra Baptista e outros, adquirido por meio da usucapião[11], referida, também, na mat. nº 72.748 do 12° RI desta Capital[12], cujo imóvel restou contemplada por aquela.

No tocante à usucapião, a aquisição originária da propriedade foi reconhecida nos autos do processo nº 583.00.1979-902106-0 (antigo nº 299/79), em sentença definitiva proferida pelo Juízo da 2º Vara de Registros Públicos desta Capital, no dia 6 de fevereiro de 1991, transitada em julgado em 22 de abril de 1999[13].

Dentro desse contexto, a impugnação dos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy – centrada na nulidade do processo de usucapião – é manifestamente infundada. Ora, em atenção ao trânsito em julgado da decisão judicial, exarada então em processo contencioso, não há, especialmente na seara administrativa, como reavivar discussão sobre a regularidade da aquisição originária; descabe, portanto, sob esse prisma, cogitar de efetiva controvérsia sobre direito de propriedade.

De todo modo, para realçar a inconsistência dessa impugnação, impõe pontuar que a aventada falta de titulação, levantada quando da apuração sobre a irregularidade do loteamento, está escorada em documento antigo, de 21 de dezembro de 1989[14], anterior à sentença de usucapião. Destarte, não interfere neste pedido de providências, voltado, aliás, justamente, à regularização do loteamento, assim como aqui não repercute a noticiada e vetusta condenação por crimes atrelados ao ilegal parcelamento do solo urbano, imposta no início dos anos 90[15].

Sem importância, também, a frustrada tentativa pretérita de retificação da transcrição nº 11.331 do 12° RI desta Capital,que descreve imóvel com área de 12.100 m²[16], depois objeto da mat. nº 72.748 do 12º RI desta Capital[17], alcançado pela usucapião. Pelo que se infere da documentação exibida[18], a retificação foi rejeitada porque não era intra muros. Por meio dela, ao que consta, buscava-se, indevidamente, por via oblíqua, aquisição de domínio.

Entretanto, no v. acórdão que ratificou a rejeição da retificação, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 261.477, em 3.11.1977, reI. Des. Macedo Bittencourt, vislumbrou-se a consumação da usucapião em favor de Odete Gonzalez Cintra Batista e outros, anos depois judicialmente confirmada. A propósito, é oportuno reproduzir trechos desse precedente:

Admite-se que os apelantes tenham posse antiga de uma área bem maior e que sejam mais amplas as divisas de fato.Essa situação de fato é que foi objeto da escritura de reconhecimento de dividas de fls. 28/32, outorgada sem a participação de quem transferiu a propriedade ao antecessor dos apelantes. O fato da vizinhança reconhecer e respeitar a posse dos requerentes não é suficiente para a retificação da área constante do título aquisitivo.

É possível que os apelantes tenham adquirido o domínio da área restante, pelo usucapião. Trata-se, contudo, de outro título aquisitivo, que não justifica a retificação do primeiro e que deverá ser objeto da ação apropriada.[19] (grifei)

Em síntese, a impugnação oposta pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy não obsta a regularização deflagrada pelo ente municipal, que, sem interferir no direito dominial daqueles, desenvolve-se dentro dos limites tabulares do bem imóvel usucapido, identificado na mat. nº 152.880 do 12° RI desta Capital, com observação dos pertinentes aos bens imóveis confinantes. Inclusive, o laudo pericial realizado confirmou que a retificação se dá intra muros[20].

Por sua vez, em relação à impugnação do Estado de São Paulo, é de rigor, inicialmente, tendo em vista a afirmação feita ao tempo de sua primeira manifestação[21], que, retificando-se em novos pronunciamentos[22], informou que, na realidade, o bem imóvel objeto da regularização fundiária, descrito na referida mat. nº 152.880, encontrasse fora de perímetro discriminado ou em discriminação. Em outras palavras, não se localiza em terras consideradas devolutas.

no que se refere à desapropriação mencionada, objeto dos autos do processo nº 0082960-84.1982.8.26.0053, em curso nesta Capital, no Setor de Execuções contra a Fazenda Pública[23], e que foi deflagrada por meio de declaração de utilidade pública (Decreto nº 17.098, de 25 de maio de 1981[24]), é oportuno destacar que a área por ela abarcada ainda não foi, conforme a própria Fazenda do Estado de São Paulo[25], incorporada ao patrimônio público estadual.

E isso particularmente porque inocorrente o integral pagamento da indenização prévia, pressuposto de perfectibilização da expropriação. Por conseguinte, a desapropriação não se apresenta como obstáculo à pretendida retificação e, nessa linha, de acordo com a justa ponderação do Oficial do 12º RI desta Capital, a área a ser expropriada, então sua parcela inserida nos limites da mat. nº 152.880[26], deve constar da regularização dessa, para futuro destaque, quando do eventual registro da desapropriação.[27]

Em arremate, não há dúvida, tampouco discussão, de que a regularização intencionada, com andamento a ser retomado, se aprovado esse parecer, deverá respeitar a área objeto da expropriação, onde já implantado estabelecimento de ensino, a EEPG Santa Amélia, e, da mesma forma, a área de preservação permanente marginal ao Córrego Carioca, tal como acentuado no parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça[28].

Em atenção a esse último ponto, acentuo que, a par do auto municipal de regularização de loteamento[29], consta destes autos, em reforço da pretensão da recorrente, declaração de conformidade urbanística e ambiental emitida, no dia 25 de fevereiro de 2009, pela Secretaria da Habitação do Governo do Estado de São Paulo, por meio do Programa Legal Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais Cidade Legal[30] o Assim sendo, a regularização perseguida se encontra respaldada por licenciamentos urbanístico e ambiental.

Pelo exposto, o parecer que submeto à apreciação de Vossa Excelência propõe o provimento do recurso para rejeitar as impugnações opostas pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy e pela Fazenda do Estado de São Paulo e, assim, determinar a retomada do andamento da regularização fundiária promovida pela Municipalidade de São Paulo, observando-se as últimas manifestações do Oficial de Registro[31].

Sub censura.

São Paulo, 10 de junho de 2016.

Luciano Gonçalves Paes Leme

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso para rejeitar as impugnações opostas pelos Espólios de José Rodrigues de Godoy e Piedade da Cruz Godoy e pela Fazenda do Estado de São Paulo, consideradas infundadas, e, portanto, determinar a retomada do andamento da regularização fundiária promovida pela Municipalidade de São Paulo, com observação das manifestações do Oficial do 12º RI desta Capital (fls. 307 e 352), atentando, no mais, para devolução sem cumprimento da carta precatória cujo retorno, ao tempo da sentença, era aguardado. Publique-se. São Paulo, 13.06.2016. – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:


[1] Fls. 2-6, 17-20, 30-32 e 37-39

[2] Fls. 62-74, 318-337, 545-549, 590-603, 605-611, 629-664 e 683-689.

[3] Fls. 387-392 e 441-442.

[4] FIs. 699-701.

[5] Fls. 707-709.

[6] Fls. 710.

[7] Fls. 720-725 e 727-747.

[8] Fls. 752.

[9] Fls. 755-759.

[10] Fls. 762-763 e 766.

[11] Fls. 10-11.

[12] Fls. 12-13.

[13] Cf. r. da mat. nº 52.880 do 12° RI desta Capital (fls. 10) e av. 4 da mat. n° 72.748 do 12º RI desta Capital (fls. 13).

[14] Fls. 545, 685 e 741.

[15] Fls. 547, 645 e 742.

[16] Fls. 737-740.

[17] Fls. 12-13.

[18] Fls. 603, 643-644, 655 e 686.

[19] Fls. 643-644.

[20] Fls. 131, 141-143 e 147-148.

[21] Fls. 387-392.

[22] Fls. 443-444 e 720-725.

[23] Fls. 447-449.

[24] Fls. 445-446.

[25] Fls. 441-442, itens 3-4, e 443-444, parte final.

[26] Cf. laudo pericial, fls. 133-134.

[27] Fls. 282. 307 e 352.

[28] Fls. 755-759.

[29] Fls. 5-6.

[30] Fls. 86.

[31] Fls. 307 e 352.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.06.2016
Decisão reproduzida na página 81 do Classificador II – 2016

Fonte: Boletim Eletrônico INR – Pareceres dos Juízes Auxiliares da CGJ nº. 086 | 08/11/2016.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Arrematação em hasta pública – Forma derivada de aquisição da propriedade – Executada que não figura como proprietária do imóvel na respectiva matrícula – Afronta ao princípio da continuidade – Carta de adjudicação do imóvel previamente expedida em favor da executada, mas não levada a registro, que não basta para permitir exceção à continuidade – Recurso desprovido.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1009832-65.2014.8.26.0223

Registro: 2016.0000737038

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1009832-65.2014.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que são partes é apelante DARCY ANTONIO GERAGE JUNIOR, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 30 de setembro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1009832-65.2014.8.26.0223

Apelante: DARCY ANTONIO GERAGE JUNIOR

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarujá

VOTO Nº 29.519

Registro de imóveis – Arrematação em hasta pública – Forma derivada de aquisição da propriedade – Executada que não figura como proprietária do imóvel na respectiva matrícula – Afronta ao princípio da continuidade – Carta de adjudicação do imóvel previamente expedida em favor da executada, mas não levada a registro, que não basta para permitir exceção à continuidade – Recurso desprovido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarujá, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de carta de arrematação expedida em execução de que figura, como executada, pessoa diversa daquela que consta como proprietária na matrícula do imóvel arrematado.

O apelante afirma, em síntese, que arrematação é modo originário de aquisição da propriedade imóvel, de forma que o registro da respectiva carta não implicaria violação ao princípio da continuidade, ainda que distintos o devedor da execução em que arrematado o bem e o titular registral do imóvel. Sustenta que a devedora é a efetiva proprietária do imóvel, por conta de demanda movida em face da titular registral do imóvel, com pedido de adjudicação compulsória acolhido por sentença transitada em julgado, já tendo sido expedida, inclusive, a carta de adjudicação, embora ainda não levada a registro.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Consoante se verifica de fls. 7, o imóvel em comento está registrado em nome de DJP Incorporadora e Construtora Ltda. Não obstante, o imóvel foi arrematado pelo recorrente no bojo de execução movida em face de WFNC Empreendimentos Imobiliários Ltda. A devedora na execução em que havida a arrematação promovida pelo recorrente é, pois, pessoa diversa daquela que atualmente figura, perante o Registro Imobiliário, como titular do imóvel arrematado.

Todavia, à luz do art. 195 da Lei de Registros Públicos:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

Já o art. 237 do mesmo Diploma dispõe:

“Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Inviável, pois, o registro, tal como almejado, por implicar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária. Conforme os magistérios de Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed. Forense, 1998, pág. 253).

Em idêntico sentido o entendimento de Narciso Orlandi Neto:

“Existe uma inteiração dos princípios da especialidade e da continuidade na formação da corrente filiatória. Quando se exige a observância da continuidade dos registros, exige-se que ela diga respeito a um determinado imóvel. O titular inscrito, e só ele, transmite um direito sobre um bem específico, perfeitamente individualizado, inconfundível, sobre o qual, de acordo com o registro, exerce o direto transmitido. É por este corolário dos princípios da continuidade e da especialidade, reunidos, que o §2º do art. 225 da Lei nº 6015/73 dispõe: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.”(Retificação do registro de imóveis, Ed. Juarez de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 67/68)

O só fato de se tratar de arrematação judicial não basta para afastar a incidência das normas aludidas. Trata-se, com efeito, de modo derivado de aquisição da propriedade imóvel, mantendo-se vínculo com a situação pretérita do bem. A participação do Estado-Juiz na alienação forçada do imóvel não transmuda para originária a natureza da aquisição.

Consoante ensina o eminente magistrado Josué Modesto Passos:

“Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. Sã Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112).

E, em seguida, reforça:

“A arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118).

Para o mesmo Norte aponta a pacificada jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida. Registro de carta de adjudicação. Modo derivado de aquisição da propriedade. Modificação do posicionamento anterior do Conselho Superior da Magistratura. Análise da natureza jurídica do ato de adjudicação. Fundamentos que não afastam a natureza derivada da transmissão coativa. Óbices ao registro mantidos. Recurso não provido.” (APELAÇÃO CÍVEL: 9000001-34.2013.8.26.0531, Rel. Des. Elliot Akel, j. 7/10/14)

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1).

Por fim, cabe notar que o só fato de haver carta de adjudicação do imóvel expedida em favor da empresa que figurou como devedora na execução em que se deu a arrematação não basta para dar por observado o princípio da continuidade, seguindo inviável o registro da carta de arrematação em pauta. Essencial, para tanto, que se promova, antes, efetivo registro da carta de adjudicação.

Nem se olvide que o recorrente tinha meios de verificar, previamente à arrematação, que o imóvel não estava registrado em nome da executada, de modo a saber das providências que haveria de adotar para alcançar o registro almejado.

Desta feita, bem postada a recusa do Sr. Oficial, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.11.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 08/11/2016.

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