Registro de Imóveis – Pedido de retificação de registro, com a averbação de descrição georreferenciada – Imóvel com inscrição no CAR, sem que tenha havido, todavia, especialização da reserva legal respectiva – Óbice à inscrição que se justifica – Inteligência do item 125.2.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedente do Conselho Superior da Magistratura – Parecer pelo não provimento do recurso.


  
 

Número do processo: 1014691-32.2016.8.26.0037

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 313

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1014691-32.2016.8.26.0037

(313/2017-E)

Registro de Imóveis – Pedido de retificação de registro, com a averbação de descrição georreferenciada – Imóvel com inscrição no CAR, sem que tenha havido, todavia, especialização da reserva legal respectiva – Óbice à inscrição que se justifica – Inteligência do item 125.2.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedente do Conselho Superior da Magistratura – Parecer pelo não provimento do recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Agropecuária Affonso Giansante Ltda. interpôs recurso administrativo contra a sentença de fls. 259/261, que julgou procedente “o pedido deduzido na inicial para o fim de acolher a recusa do registro pretendido” (fls. 261).

Alega a recorrente, em resumo, que pretende simplesmente averbar a descrição georreferenciada do imóvel rural objeto da matrícula n° 12.630 do 2° Registro de Imóveis de Araraquara, porque está obrigado a fazê-lo, na forma dos artigos 176, §§ 3º e 4º, e 225, § 3º, ambos da Lei n° 6.015/73; que o imóvel está devidamente inscrito no CAR e que houve proposta de compensação de reserva legal, por meio de servidão ambiental; que a compensação da reserva legal não pode depender da aprovação do órgão ambiental; que por estar impossibilitada de cumprir a lei, encontra-se despojada dos poderes inerentes ao direito de propriedade. Pede, por fim, a reforma da sentença, com a averbação da descrição georreferenciada do imóvel matriculado sob n° 12.630 (fls. 276/291).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 306/309).

É o relatório.

Opino.

Pretende a recorrente a retificação do imóvel matriculado sob n° 12.630 no 2° Registro de Imóveis de Araraquara, com a averbação de sua descrição georreferenciada.

Por meio da nota devolutiva copiada a fls. 182, a averbação foi negada pela falta de especialização da reserva legal do imóvel no Sistema Integrado de Gestão Ambiental – SIGAM, no percentual legal de 20%. Para embasar a recusa, a mesma nota transcreve o item 125.2.1 do Capítulo XXI das NSCGJ:

125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

Conclui-se pela leitura do dispositivo que a qualificação positiva do título depende: a) da inscrição do imóvel no CAR/SICAR; b) da especialização da reserva legal florestal.

A averbação n° 11 da matrícula n° 12.630 comprova que o imóvel está inscrito no Cadastro Ambiental Rural – CAR – sob n° 35032080203245 (fls. 207). Todavia, a mesma inscrição traz a informação de que não há “notícia de reserva legal ou reserva legal de compensação” (fls. 207).

No parecer que motivou a alteração da redação do item 125.2.1, consignou-se que “é necessária a alteração da redação, para esclarecer aos Oficiais que, quando das retificações de registro ou quaisquer dos atos enumerados no item 125.2, só será exigida a comprovação da inscrição junto ao CAR/SICAR-SP, com averbação do respectivo número. De posse desse número de inscrição, o Oficial deverá acessar o cadastro e verificar se foi feita a especificação da reserva legal. O título só poderá ser qualificado negativamente se a especificação da reserva legal não houver sido feita perante o CAR/SICAR-SP” (Autos n° 100.877/2013 – DJE de 7/7/16).

Nesse mesmo sentido, voto proferido por Vossa Excelência nos autos da apelação n° 1000891-63.2015.8.26.0362:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida registral – Sentença de usucapião – Não especialização da reserva legal no CAR – Mera inscrição no CAR sem identificação da reserva legal é insuficiente para desobrigar a averbação na serventia predial – A regra do art. 67 da Lei n.° 12.651/2012 não exclui a obrigação de localização da reserva legal – Suavização da obrigação de recuperação da área de reserva legal que não se confunde com a isenção afirmada pelos recorrentes/interessados – Desqualificação registral e sentença confirmadas – Recurso desprovido”.

Do corpo do voto, cabe aqui a transcrição do seguinte trecho:

“Em outros termos: por ocasião do primeiro registro, da prática de atos registrais relacionados com a transmissão de domínio, desmembramento, retificação de área de bens imóveis rurais e outras inscrições modificativas da figura geodésica dos imóveis e, mormente, do registro de sentenças de usucapião, caberá ao Oficial apurar se, com a inscrição no CAR, houve registro da reserva legal, sem o qual o acesso do título ao fólio real ficará condicionado ou à regularização da situação perante o CAR, com complementação de informações e saneamento das pendências, ou à especialização da reserva legal junto à serventia predial.

Enfim, se, no CAR, inexistir informação relativa à reserva legal florestal, essa, porque limita o direito de propriedade, deve constar do registro de imóveis, em prestígio da segurança jurídica e do princípio da publicidade. E inclusive para permitir o cumprimento de obrigações ambientais decorrentes dessa limitação. Agora, a averbação da reserva legal será prescindível, bastando a do número de inscrição no CAR, se determinada, no cadastro, sua posição, seu lugar.

Em recente precedente, inteiramente aplicável ao caso dos autos, o C. STJ reconheceu que a delimitação da reserva legal florestal, no CAR, apresenta-se como condição para o registro da sentença de usucapião: de acordo com o resolvido, a ‘nova lei não pretendeu reduzir a eficácia da norma ambiental, pretendeu tão somente alterar o órgão responsável pelo ‘registro’ da reserva legal, que antes era o Cartório de Registro de Imóveis, e agora passou a ser o órgão ambiental responsável pelo CAR’.

Não convém, com efeito, prestigiar, aqui, o excesso de formalismo. Nessa última hipótese, consumado o registro eletronico da reserva legal no CAR, a especialização (obrigatória) na serventia predial seria uma superfetação. E feriria o princípio da razoabilidade, seja porque efetivada pelo meio eleito por lei como o mais adequado aos fins perseguidos, seja porque, com a burocratização indesejada (expressa na exigência de duplicidade de registros), o que se ganharia em termos de (reforço de) publicidade ambiental teria menos relevo se confrontado com a perda de segurança jurídica que adviria da falta de regularização registral (proporcionalidade em sentido estrito).

Em síntese: com o registro da reserva legal florestal no CAR, não haveria mais justificativa razoável para uma obrigatória especialização desse espaço ambiental na serventia imobiliária. Uma exigência nesse sentido comprometeria a regularização da aquisição da propriedade, o controle e a transparência do tráfego imobiliário e, nessa trilha, o bom cumprimento pelo Oficial de sua missão institucional de guardião da propriedade imobiliária. Desconsideraria, de mais a mais, a instrumentalidade do registro de imóveis, a fidedignidade dos assentos registrais e o princípio fundamental do sistema registral (o da segurança jurídica).

Ocorre que, na hipótese vertente, malgrado provada a inscrição do imóvel rural usucapião no CAR, lá não houve localização da área de reserva legal florestal. Correta, sob esse enfoque, portanto, a recusa do registro pretendido. Inviabilizada se encontra, realmente, a abertura de matrícula tendo por objeto a gleba usucapida. No entanto, regularizada a situação cadastral, com especialização da reserva legal, não haverá necessidade de exibição de planta e memorial descritivo com identificação da reserva legal, instruída com declaração de profissional responsável afirmando equivaler à descrição inscrita no CAR.”

Nota-se claramente que a especialização da reserva legal não precisa estar averbada na matrícula do imóvel. A adequada descrição da área de reserva legal, mesmo que por compensação, pode simplesmente esta incluída no CAR.

No entanto, não tendo havido especialização da reserva legal – seja no registro imobiliário, seja no CAR – o item 125.2.1 acima transcrito impede a averbação da retificação.

E, obviamente, a mera referência às servidões ambientais propostas como compensação[1] (fls. 191), sem descrição das áreas afetadas, não pode ser tida como especialização, de modo que não justifica a qualificação positiva do título.

Correto, portanto, o óbice apresentado pelo registrador, mantido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Nesses termos, o parecer que se submete à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 25 de agosto de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 28 de agosto de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: RAFAEL PAVAN, OAB/SP 168.638, HELIO LOBO JUNIOR, OAB/SP 25.120, BRUNO DRUMOND GRUPPI, OAB/SP 272.404 e NARCISO ORLANDI NETO, OAB/SP 191.338.

Diário da Justiça Eletrônico de 26.09.2017

Decisão reproduzida na página 263 do Classificador II – 2017


Nota:

[1] Art 66 da Lei nº 12.651/12 – O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente:

(…)

III – compensar a Reservo Legal.

(…)

§ 5° A compensação de que trata o inciso III do caput deverá ser precedida pela inscrição da propriedade no CAR e poderá ser feito mediante:

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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