2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Reclamação – Cobrança pela pesquisa/busca de ato notarial – Ausência de regulamento ou previsão legal expressa – Expedição de certidão – Meio adequado para o fornecimento de informação à solicitação do usuário, ainda que não localizado o ato notarial – Prestação de serviço não gratuito – Cobrança conforme item 5 da Tabela de Custas e Emolumentos, instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02 – Reclamação arquivada.

Processo 0014246-65.2018.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro Civil das Pessoas Naturais

O.J.T.J.S.P. – F.M.A.P. e outros

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos,

Trata-se de pedido de providências iniciado a partir de reclamação formulada por F. M. A. Piovani à Ouvidoria Judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo, insurgindo-se quanto à cobrança para busca e emissão de certidão de procuração, bem como em relação ao atendimento prestado pelo XXº Tabelionato de Notas da Capital.

A Titular prestou esclarecimentos (fls. 08/10 e 42/43).

Vieram aos autos pronunciamento do Colégio Notarial do Brasil – Seção de São Paulo (fls. 24/31), seguindo-se manifestação da representante do Ministério Público (fls. 49/55).

É o breve relatório. DECIDO.

A reclamação diz respeito à cobrança para pesquisa e expedição de certidão negativa de procuração pública, além de atendimento insatisfatório, pelo XXº Tabelionato de Notas da Capital.

Consta que a requerente entrou em contato com a Serventia Extrajudicial para saber se ali havia sido lavrada, em dezembro de 1.984, uma procuração pública em nome de L. B. N.. Diante do pedido de busca, houve a cobrança do valor R$ 62,50 pela diligência, todavia, a reclamante não concorda, afirmando que outras Unidades lhe forneceram a informação sem custo. Sustentou falhas no atendimento prestado, na medida em que indagou ao Tabelionato se a certidão que deveria retirar representaria a cópia da procuração e, por ter entendido que a resposta era positiva, se deslocou da cidade de Praia Grande até o Cartório, nesta Capital, deparando-se com uma certidão negativa acerca do resultado infrutífero da pesquisa.

Nos esclarecimentos ofertados nos autos, a Titular da Serventia defendeu a regularidade dos procedimentos adotados. Salientou que, diferentemente do que ocorre com os Registros Civis, em que a Tabela de Custas prevê a hipótese de “certidão negativa ou informação prestada por qualquer meio, se dispensada a certidão”, não existe qualquer previsão que estabeleça um paralelo em relação aos Tabeliães de Notas. Discorreu que recepciona inúmeros pedidos diários, por e-mail, solicitando buscas de atos notariais e que o atendimento implica em dispêndio de mão de obra e de materiais, impondo-se uma contraprestação pelo interessado.

Asseverou, finalmente, que a própria usuária se dispôs a retirar pessoalmente a certidão, tendo sido alertada de que poderia restar positiva ou negativa. Pois bem. No que pertine à cobrança realizada para a efetivação de busca naquelas Notas, o conjunto probatório coligido ao feito não indica a ocorrência de irregularidade em relação ao serviço correcionado. Nesta senda, ao contrário das demais especialidades de serviços extrajudiciais, que têm previsão normativa expressa nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça para tratar do fornecimento de informações ao usuário, nas hipóteses em que não há pedido de certidão, o serviço notarial não possui regulamentação específica para os casos de pesquisas/buscas e/ou prestação de informes que não envolvam pedido de emissão de certidões.

Vale dizer, embora os itens 36 e 37, do Capítulo XIII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, autorizem, de forma ampla e geral, a prestação de informações aos interessados, por via eletrônica ou por sistema de telecomunicações, certo é que não há, para os Tabeliães de Notas, uma normativa própria quanto ao procedimento à prática do ato, os valores a serem cobrados ou eventual gratuidade.

Desta forma, a prestação de informações pelos Notários, atualmente, está restrita ao exclusivo procedimento de emissão de certidão, em consonância com a base legal inserta no item 5 da Tabela de Custas e Emolumentos, instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02.

A esse propósito, nas abalizadas considerações traçadas pelo Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo:

“Nessa linha, evidencia-se que para o Notário, o disposto no item 36, do Capítulo XIII, já mencionado, quando se refere ao fornecimento de informações, o meio adequado é a certidão, pois segue a dinâmica de recolhimentos apropriada, visto que, embora possa parecer um trabalho mais simples, trata-se, na verdade, do dispêndio de horas de trabalho, assim como qualquer outra atividade dentro da Serventia, ocupando colaboradores para que façam a pesquisa requerida” (fls. 29).

Além disso, a Lei Estadual nº 11.331/02, que disciplina sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, estabelece, no artigo 9º, as hipóteses taxativas em que não haverá cobrança de emolumentos, nos seguintes termos:

Artigo 9º – São gratuitos:

I – os atos previstos em lei;

II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.

Por sua vez, o artigo 10, da referida Lei, dispõe:

Artigo 10 – Na falta de previsão nas notas explicativas e respectivas tabelas, somente poderão ser cobradas as despesas pertinentes ao ato praticado, quando autorizadas pela Corregedoria Geral da Justiça.

Com efeito, o quadro retratado nos autos, à evidência, não se amolda às prescrições contidas nos aludidos artigos 9º e 10, eis que, como salientado, a certidão se caracteriza como o instrumento apto ao fornecimento de informação pelo Notário, significando que, concretamente, não havia mesmo outra opção ou meio jurídico disposto à prestação do serviço solicitado pela requerente.

Diga-se ainda que, se a própria legislação contempla o serviço extrajudicial de emissão de certidão (positiva ou negativa) e estabelece um regramento para a sua cobrança, por certo que não se pode reputá-la como gratuita.

Ademais, o artigo 14, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, que tem aplicação subsidiária ao serviço notarial, prevê a incidência de valor nos atos de busca, evidenciando que esses não são gratuitos.

Em suma, à míngua de norma expressa que regulamente de modo específico os casos de pesquisas/buscas realizadas e/ou fornecimento de informações de atos notariais nas hipóteses em que não seja necessária certidão, resta, pois, o procedimento formal de prestação de informes às partes por meio da expedição de certidão, em consonância com previsão de cobrança do item 5 da Tabela de Custas e Emolumentos, instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02.

Nesse sentido, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça já decidiu:

“O trecho em destaque leva à conclusão de que as buscas, a exemplo de outros serviços notariais e de registro em que a exigência de emolumentos é indiscutível, não são gratuitas” (Processo CG nº 69.457/2016, Parecer nº 140/2016-E, Cor. Des. Pereira Calça, ap. em 01/07/2016).

Noutro turno, no concernente às certidões e traslados eletrônicos, o Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, estabelece na Subseção II da Seção XI que devem ser entregues em meios seguros, os quais são elencados nos itens 200 a 202, sendo, inclusive, vedado, de maneira expressa, o uso de e-mail para o encaminhamento de tais certidões aos usuários ou registros de imóveis.

Confira-se:

200. As certidões ou traslados digitais poderão ser entregues ao solicitante mediante armazenamento em mídias portáteis (CDs, DVDs, Pen-Drives, Cartões de Memória), ou possibilitando-lhe acesso ao arquivo para download em ambiente seguro do Colégio Notarial do Brasil.

201. É vedado o envio de certidões e traslados digitais aos solicitantes ou aos registros de imóveis por correio eletrônico (e-mail), por meios diretos de transmissão como FTP File Transfer Protocol ou VPN Virtual Private Network, postagem nos sites das serventias, por serviços de despachantes, prestadores de serviços eletrônicos ou comerciantes de certidões.

Portanto, considerando a prevalência do entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que os emolumentos abarcam natureza tributária de taxa, não se afigurava possível à Titular da Unidade de Serviço conceder qualquer espécie de isenção à requerente, sob pena de, aí sim, a questão repercutir no âmbito disciplinar da esfera administrativa.

De outro lado, no tocante ao atendimento dispensado à reclamante, o cenário fático reproduzido indica que as informações prestadas propiciaram um lamentável equívoco que poderia ter sido evitado.

A esse respeito, explanou a ilustre representante do Ministério Público, a requerente, por estar na cidade de Praia Grande (circunstância que era de conhecimento da Serventia, conforme o e-mail de fls. 17 “estou na cidade de praia grande” sic), buscou obter o resultado, negativo ou positivo, da certidão, no intuito de evitar uma viagem desnecessária até a cidade de São Paulo.

Veja-se que, no e-mail de fls. 14, a reclamante perguntou à Unidade de Serviço: “A certidão na verdade é uma cópia atual da procuração pública, certo?”, sendo-lhe respondido: “a certidão é uma cópia autêntica do Ato Notarial lavrado nestas Notas”, a indicar uma clara mensagem de que a busca foi positiva e que a certidão representa uma cópia da procuração almejada.

Destarte, os elementos reunidos no feito revelam falha consubstanciada na prestação de informação ambiguamente equivocada, a qual, por si só, foi suficiente para levar a usuária a acreditar legitimamente que o resultado do seu requerimento de busca de procuração havia sido positivo.

Por isso, ela considerou que valeria a pena se deslocar da cidade de Praia Grande até a Capital para retirar a cópia autêntica do ato notarial pretendido. Nada obstante, na situação analisada, toda a comunicação por e-mail foi tratada com a escrevente responsável, que agiu de maneira individual e solitária, sem a possibilidade de controle pela ilustre Titular da Delegação.

Bem por isso, na linha do parecer do Ministério Público, o caso telado é pontual e não caracteriza grave descumprimento da Lei ou das Normas. Assim, embora não se justifique, concretamente, a instauração de procedimento disciplinar, fica a recomendação à Titular para que redobre as orientações a todos os prepostos quanto às informações fornecidas aos usuários do serviço, visando evitar a indesejável repetição da reclamação verificada nos autos.

Isto posto, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos. Ciência à Tabeliã, à reclamante, por e-mail, à Ouvidoria Judicial e ao Ministério Público.

Em face da relevância da matéria aqui versada e da evidente repercussão do tema para o serviço notarial, revela-se adequado e prudente o encaminhamento do expediente para submissão da questão posta à elevada Egrégia Corregedoria Geral da Justiça para apreciação, se o caso. Encaminhe-se cópia de todo expediente à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente sentença como ofício.

P.I.C.

(DJe de 06.09.2018 – SP)

Fonte: Blog do 26 | 07/09/2018.

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1ª VRP|SP: Dúvida Imobiliária – Recusa de registro de pacto antenupcial com regime matrimonial de separação total de bens (legal) dispondo sobre a possibilidade de doação, alienação e transferência de bens ao cônjuge – Possibilidade ante a plena capacidade dos contratantes – Improcedência.

Processo Nº 583.00.2007.240561-0 

DÚVIDA IMOBILIÁRIA – recusa de registro de pacto antenupcial com regime matrimonial de separação total de bens (legal) dispondo sobre a possibilidade de doação, alienação e transferência de bens ao cônjuge – possibilidade ante a plena capacidade dos contratantes – improcedência.

Vistos.

Cuida-se de dúvida imobiliária suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por requerimento de Gillian Carol Steel, que pretende registrar pacto antenupcial em que se estabeleceu a possibilidade de livre disposição entre cônjuges casados no regime de separação legal de seus bens. Alega o Registrador que o título não foi registrado por afrontar o regime de separação obrigatória imposto, devendo a cláusula que permite a livre disposição de bens entre cônjuges ser excluída do contrato antenupcial por meio de reti-ratificação (fls. 02/03). A interessada impugnou o feito sustentando a validade do contrato antenupcial haja vista que a imposição do regime de separação a cônjuges maiores de 60 anos vem sendo mitigada pelas Cortes brasileiras desde a promulgação da Constituição Federal (fls. 24/28).

O Ministério Público ofereceu parecer no sentido de procedência da dúvida, sustentando que a estipulação da possibilidade de fazer doações, alienações e transferências entre si, de bens pretéritos e futuros, implica burla ao regime legal de bens do casamento sendo, portanto, nula (fls. 37/38).

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Anote-se, de início, que não cabe a este Juízo correicional-administrativo verificar a nulidade, ou não, do ato a ser registrado. Tal fato deve ser objeto de ação própria por terceiro interessado na via adequada. O que se discute aqui é a possibilidade de registro de pacto antenupcial com disposição que autoriza cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens a doarem, alienarem ou transferirem seus bens um ao outro.

A despeito da r. manifestação do Ministério Público, a recusa deve ser afastada.

A lei não veda que cônjuges casados no regime da separação legal de bens estipulem a livre disposição de bens entre si no pacto antenupcial. Apenas exige que o pacto antenupcial seja feito por escritura pública (artigo 1.653 do Código Civil), o que foi feito e encartado nos autos. Demais disso, pelo que consta, o pacto foi celebrado por partes capazes que, ao menos em tese, tinham discernimento no momento da celebração do ato. Extrai-se, portanto, que, formalmente, o título está em ordem, não se podendo falar, por conseguinte, em nulidade do ato levado a registro.
Quanto à disposição do artigo 1655, do Código Civil, que prevê a nulidade do ato cuja convenção ou cláusula contravenha disposição absoluta de lei, forçoso reconhecer que foi respeitada. Apesar de o Oficial de Registros argumentar no sentido de que o antigo diploma civil de 1916 previa em seu art. 312 a proibição da estipulação de doações recíprocas nos casos de separação obrigatória de bens, é certo que tal disposição não foi repetida pelo atual legislador de 2002. Aliás, ao contrário: foi revogada pelo art. 2045, do Novo Código Civil, que dispôs expressamente sobre a revogação do Código Civil de 1916 (v. LICC, art. 2º).

Sendo assim, não há como, sob o argumento de interpretar a vontade do legislador, aplicar lei revogada, ignorando o art. 2045, do Novo Código Civil. Acresça-se a isso o fato de a escritura ora em debate ter sido lavrada na vigência do Novo Código. Inaplicável, destarte, a disposição do Código revogado. Além disso, vem prevalecendo na doutrina e jurisprudência o entendimento de que a obrigatoriedade da adoção do regime de separação legal é inconstitucional.

A propósito, cite-se a decisão proferida em 1998 pelo ministro César Peluso, então desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a égide do Código Bevilaqua:

“Tampouco são nulas as doações ulteriores ao matrimônio. E não o são, porque o disposto no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, refletindo concepções apenas inteligíveis no quadro de referências sociais doutra época, não foi recepcionado, quando menos, pela atual Constituição da República e, portanto, já não vigendo, não incide nos fatos da causa. É que seu sentido emergente, o de que varão sexagenário e mulher qüinquagenária não tem liberdade jurídica para dispor acerca do patrimônio mediante escolha do regime matrimonial de bens, descansa num pressuposto extrajurídico óbvio, de todo em todo incompatível com as representações dominantes da pessoa humana e com as conseqüentes exigências éticas de respeito à sua dignidade, à medida que, por via de autêntica ficção jurídico-normativa, os reputa a ambos, homem e mulher, na situação típica de matrimônio, com base em critério arbitrário e indução falsa, absolutamente incapazes para definirem relações patrimoniais do seu estado de família. […] Noutras palavras, decretou-se, com vocação de verdade legal perene, embora em assunto restrito, mas não menos importante ao destino responsável das ações humanas, a incapacidade absoluta de quem se achasse, em certa idade, na situação de cônjuge, por, deficiência mental presumida iuris et de iure contra a natureza dos fatos sociais e a inviolabilidade da pessoa. […] Deduzir, com pretensão de valor irrefutável e aplicação geral, homens e mulheres, considerados no ápice teórico do ciclo biológico e na plenitude das energias interiores, à condição de adolescentes desvairados, ou de neuróticos obsessivos, que não sabem guiar-se senão pelos critérios irracionais das emoções primárias, sem dúvida constitui juízo que afronta a amesquinha a realidade humana, sobretudo quando a evolução das condições materiais e espirituais da sociedade, repercutindo no grau de expectativa e qualidade de vida, garante que a idade madura não tende a corromper, mas a atualizar as virtualidades da pessoa, as quais constituem o substrato sociológico da noção da capacidade jurídica. […] Não é tudo. A eficácia restritiva da norma estaria, ainda, a legitimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do casamento, atinge o cerne mesmo da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, III, da Constituição Federal), não só porque a decepa e castra no seu núcleo constitutivo de razão e vontade, na sua capacidade de entender e querer, a qual, numa perspectiva transcendente, é vista como expressão substantiva do próprio Ser, como porque não disfarça, sob as vestes grosseiras de paternalismo insultuoso, todo o peso de uma intromissão estatal indevida em matéria que respeita, fundamentalmente, à consciência, intimidade e autonomia do cônjuge. E aqui, para agravo da classificação jurídica que, como toda legislação, opera, distinguindo entre categorias de cônjuges, fundado em critérios factuais aleatórios, o velho artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil, perpetra discriminação não menos desarrazoada e injusta, porque não há norma nem princípio jurídico que impeça a alguém, em razão de idade avançada e de envolvimento afetivo, doar bens ao parceiro, antes ou durante o concubinato, e sequer no decurso de relacionamento efêmero que reúna todos os ingredientes de uma aventura amorosa. Tampouco estão os mais jovens imunes aos riscos patrimoniais da ilusão e da farsa. Por que é, pois, que, sob pretexto de vulnerabilidade psíquica, subentendida como doença peculiar da instituição matrimonial, haveriam de ser tolhidos na mais nobre das manifestações humanas, que é o exercício da generosidade e da justiça, apenas os cônjuges os quais não raro têm largas razões para compartilhar e repartir por conta de injunção normativa, esta, sim, decrépita, e cuja menor extravagância está em desestimular, por reação legítima em resguardo da autonomia, ética e da liberdade jurídica, que relações não matrimoniais se convertam em casamento? E atentado considerável à estabilidade do ordenamento jurídico é já o descrédito notório, que, provocado pela inconveniência dessa conversão, capaz de satisfazer anseios genuínos e evitar incertezas danosas à ordem social, levaria, ou vem levando, à desuetudo dos casamentos tardios. […] São estas todas razões mais que bastantes por negar vigor ao artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil, em especial na sua imodesta conseqüência de proibir alienações, gratuitas ou onerosas, entre os cônjuges. Não custa, porém, aduzir que, conquanto sem argumentos manifestos, há quem, dentre juristas respeitáveis, sustente não ser essa, conseqüência da regra: “Quando o regime é o da separação, os cônjuges podem livremente negociar um com o outro” (AGOSTINHO ALVIM, “Da Doação”, SP, Ed. RT, 1ª ed., 1973., p. 147, n. 46). É quem chegue a mesma conclusão, entendendo ser inaplicável ao casamento, ainda que celebrado sob regime legal de separação pura de bens, que é o de que se cogita na hipótese, o conteúdo restritivo do artigo 312 do Código Civil, o qual só apanharia os nubentes, não os cônjuges; “Os bens e demais frutos que sobejam aos encargos do casamento podem ser doados a quem quer que seja, inclusive ao outro consorte… A 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de março de 1947 (R. dos T., 167, 689), tentou estender às doações entre cônjuges o que só se refere às doações entre nubentes: É nula a liberalidade feita pelo marido à mulher na constância do casamento contraído sob o regime de separação obrigatória de bens. É certo que o artigo 312 do Código Civil trata das doações antenupciais, não fazendo referência a doações durante a vigência do casamento. Mas, está subentendido, por força de extensão, que a proibição compreende também as liberalidades na constância do casamento, porque, do contrário, não haveria razão para lei vedar as doações antenupciais. Seria inutilidade. Sem razão; não se interpretam leis sem se entenderem” (PONTES DE MIRANDA, op. cit., pp. 431-432, § 943, n. 2. Não há contradição com p. 425, § 939, n. 5, onde trata de doações inter sponsos, não inter conjuges. Cf., ainda, seu “Direito de Família”, RJ, Ed. Jacintho R. dos Santos, 1917, p. 238, § 115)” (Apelação Cível 007512-4/2-00, TJSP, julgamento 18/08/98, São José do Rio Preto, Relator: Cezar Peluso).

Se é certo que o casamento de maior de 60 anos pode se dar de forma interessada no patrimônio do outro cônjuge, certo também é que tal interesse pode se dar em qualquer idade. “A plena capacidade mental deve ser aferida em cada caso concreto, não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legislador que simplesmente reproduziu razões de política legislativa, fundadas no Brasil do início do século passado” (Silmara Juny Chinelato, apud Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Vol. VI, Editora Saraiva, p. 410).

Mesma orientação foi tomada em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Não colhe o inconformismo do apelante, eis que a vedação prevista na lei civil, em razão da idade do autor, não se refere à doação na constância da união estável, de sociedade de fato, ou mesmo do casamento. Para se atingir o objetivo do autor, necessário seria que fosse ele interditado para os atos da vida civil. A doação de imóvel para a companheira ou cônjuge não se estende ao impedimento da sociedade constituída com separação total ou parcial. Trata-se, na verdade, de ato de mera liberalidade praticado por profissional do Direito, a fazer presumir, portanto, conheça as razões e vicissitudes dos impedimentos e suas vantagens, impostos pelo legislador, que, por si-sós, não constituiriam um bill de indenidade para as demais pessoas, fossem quais fossem suas atividades profissionais. Outrossim, quanto ao art. 312 do CC/16, cabe mencionar que referido dispositivo nada mais fez do que impor odiosa restrição ao casamento, quando um dos cônjuges não pode sequer fazer mera liberalidade, amparando o outro, sem desamparar a própria velhice ou eventual prole. Sobre este assunto, pertinente trazer a decisão proferida pelo TJ/MG, Apelação n. 1.0491.04.911594- Apelação n. 546.548.4/7- São Pauto Voto n. 15.769, Rei. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, julgado em 29.03.2005: (…). Pois bem, o atualíssimo Diploma Civil de 2002, que tantas inovações progressistas nos trouxe, nesta parte manteve este censurável atentado contra a liberdade individual de pessoas maiores e capazes, fazendo uma odiosa discriminação contra estas pessoas, ferindo o seu direito de livre disposição do patrimônio adquirido com seu trabalho, cabendo ao Judiciário, no cumprimento de sua função precípua de integração do ordenamento jurídico para o alcance da justiça, analisar cada caso concreto e fazer a leitura legal que mais se amolda aos objetivos prescritos pela norma. O objetivo do retro citado artigo [art. 1641, do CC] é de proteção dessas pessoas (maiores de 60 anos) contra, como são costumeiramente chamados, casamentos interesseiros, onde o nubente mais jovem contrai matrimônio com idoso visando auferir vantagem econômica. A proteção da lei, ao meu entender, deve parar por aí, pois já cumpriu assim o seu objetivo de proteção e alerta aquele que está contraindo matrimônio com pessoa mais jovem. Alargar o sentido da norma para proibir o sexagenário, maior e capaz, repita-se, de dispor de seu patrimônio de maneira que melhor lhe aprouver é, como dito acima, um atentado contra a sua liberdade individual (…). A aplicação da proibição ao cônjuge, já de tenra idade, de fazer doação ao seu consorte jovem deve ser aplicada com rigor naquelas hipóteses onde se evidencia no caso concreto que o nubente mais velho já não dispõe de condições para contrair matrimônio, deixando claro que este casamento tem o único objetivo de obtenção de vantagem material’” (APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 546.548-4/7-00, TJSP, julgamento 02/04/2008, São Paulo, Relator: CAETANO LAGRASTA).

Tenha-se em mente, outrossim, que o Novo Código Civil estatuiu como princípio básico o da boa-fé objetiva, diferentemente do Antigo, regido pelo interesse privado e pela boa-fé subjetiva.
Carlos Roberto Gonçalves explica muito bem o assunto:

“Todavia, a boa-fé que constitui inovação do Código de 2002 e acarretou profunda alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, que se constitui em uma norma jurídica fundada em um principio geral do direito, segundo o qual todos devem comportar-se de boa-fé nas suas relações recíprocas. Classifica-se, assim, como regra de conduta. Incluída no direito positivo de grande parte dos países ocidentais, deixa de ser principio geral de direito para transformar-se em cláusula geral de boa-fé objetiva. É, portanto, fonte de direito e de obrigações. Denota-se, portanto, que a boa-fé é tanto forma de conduta (subjetiva ou psicológica) como norma de comportamento (objetiva). Nesta última acepção, está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contraente, especificamente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio” (Direito Civil Brasileiro, Vol. III, 2ª Edição, Ed. Saraiva, p. 35/36).
Sendo o pacto antenupcial, em última análise, um contrato, deve prevalecer a boa-fé objetiva, ou seja, deve-se presumir a honestidade contratual das partes. Por derradeiro, insta salientar que o registro na Serventia Predial dará publicidade do ato a terceiros a partir do seu ingresso no registro tabular, portanto terá efeitos  ex nunc, isto é, não alcançará atos realizados no passado, sendo que neste citado período o contrato terá produzido efeitos apenas entre as partes.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por requerimento de Gillian Carol Steel, para determinar o registro do Pacto Antenupcial encartado nos autos.
Oportunamente cumpram-se o artigo 203, II, da Lei de Registros Públicos e o conseqüente disposto na portaria-conjunta 01/2008 das 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo.

PRIC.

São Paulo, 28 de abril de 2008.

GUSTAVO HENRIQUE BRETAS MARZAGÃO

DOE, 21/05/2008

Fonte: Blog do 26 | 06/09/2018.

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TJ/AL: Humberto Lôbo deve indenizar cliente que não recebeu escritura definitiva de imóvel quitado

Pagamento de loja em empresarial foi finalizado em julho de 2016, mas o comprador recebeu as chaves do imóvel sem a documentação

A Humberto Lôbo Ltda. foi condenada a pagar R$ 10.000,00, a título de danos morais, a um cliente que adquiriu loja em empresarial da construtora e, após quitação, não recebeu a escritura definitiva de compra e venda do imóvel. A decisão, da juíza Maria Valéria Lins Calheiros, da 5ª Vara Cível da Capital, foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico de quarta-feira (5).

Na decisão, a magistrada destacou que, havendo a comprovação da quitação do preço do imóvel e demais encargos da aquisição, caberia à construtora proceder com a outorga da escritura. Segundo Maria Valéria, a não entrega do documento causou séria angústia e preocupação do comprador, uma vez que esteve impossibilitado de dispor do bem adquirido.

“É posição dominante na doutrina e jurisprudência pátria que o dano moral deve ter caráter compensatório e função punitiva, com a condenação do agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a não só punir como desestimular a prática futura de atos semelhantes. Porém, não pode servir de fator de enriquecimento, apesar de não dever ser apenas simbólico”, explicou a magistrada.

De acordo com os autos, no dia 22 de setembro de 2011, o cliente firmou contrato com a construtora para aquisição da loja 19, com a respectiva fração ideal de terreno, no Edifício Empresarial Humberto Lôbo, situado na avenida Menino Marcelo, na Serraria, em Maceió.

O pagamento do imóvel foi concluído em julho de 2016, no valor final de R$ 179.848,11. No entanto, a escritura definitiva não foi entregue sob a justificativa de que todo o empreendimento estava hipotecado, em decorrência do financiamento contraído pela construtora com a Caixa Econômica Federal.

Na ocasião, a empresa informou ao cliente que a situação seria resolvida em pouco tempo, mas nenhuma providência foi adotada. Mesmo sem a documentação, o comprador já teve que arcar com o pagamento da taxa condominial e do IPTU desde quando recebeu as chaves do imóvel, em julho de 2016.

Em fevereiro deste ano, o cliente já havia conseguido, por meio de liminar, que a Justiça determinasse à construtora Humberto Lôbo Ltda. a entrega do documento definitivo.

A notícia é referente ao Processo nº 0702777-53.2018.8.02.0001.

Fonte: TJ/AL | 05/09/2018.

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