Portaria MINISTÉRIO DE ESTADO DO TRABALHO – MT nº 876, de 24.10.2018 – D.O.U.: 25.10.2018.

Ementa

Altera a redação do item 17.5.3.3 da Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17) – Ergonomia, aprovada pela Portaria MTb nº 3.214/1978.

O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO, no uso das atribuições que lhe conferem o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, o inciso VI do art. 55, da Lei n. 13.502, de 01 de novembro de 2017 e os arts. 155 e 200 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, resolve:

Art. 1º Alterar a redação do item 17.5.3.3 da Norma Regulamentadora n.º 17 (NR-17) – Ergonomia, aprovada pela Portaria MTb n.º 3.214/1978, com redação dada pela Portaria MTPS n.º 3.751, de 23 de novembro de 1990, que passa a vigorar com a seguinte forma:

“17.5.3.3 Os métodos de medição e os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de trabalho são os estabelecidos na Norma de Higiene Ocupacional n.º 11 (NHO 11) da Fundacentro – Avaliação dos Níveis de Iluminamento em Ambientes de Trabalho Internos.”

Art. 2º Revogar os itens 17.5.3.4 e 17.5.3.5 da Norma Regulamentadora n.º 17 (NR-17) – Ergonomia, aprovada pela Portaria MTb n.º 3.214/1978, com redação dada pela Portaria MTPS n.º 3.751, de 23 de novembro de 1990.

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

CAIO VIEIRA DE MELLO

Nota(s) da Redação INR

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 25.10.2018.

O conteúdo deste ato é coincidente com aquele publicado oficialmente. Eventuais alterações posteriores em seu objeto, ou sua revogação, não são consideradas, isto é, este ato permanecerá, na Base de Dados INR, tal qual veio ao mundo jurídico, ainda que, posteriormente, alterado ou revogado.

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Pedido de Providências – Edição de ato normativo – Exclusão de dados pessoais de candidatos a cargos públicos – Concurso público – Poder judiciário – Possibilidade – Princípio da dignidade humana – Direito à intimidade e à privacidade – Direito ao esquecimento – Princípio da publicidade – Inexistência de relação jurídica entre a administração pública e os candidatos reprovados – Marco civil da internet

CNJ – Pedido de Providências nº 0004068-95.2015.2.00.0000 – Rel. Cons. Dias Toffoli – DJ 24.10.2018

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0004068-95.2015.2.00.0000

Requerente: SÉRGIO IGLESIAS NUNES DE SOUZA

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

Advogado: SP154063 – SÉRGIO IGLESIAS NUNES DE SOUZA

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO. EXCLUSÃO DE DADOS PESSOAIS DE CANDIDATOS A CARGOS PÚBLICOS. CONCURSO PÚBLICO. PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. DIREITO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. DIREITO AO ESQUECIMENTO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS CANDIDATOS REPROVADOS. MARCO CIVIL DA INTERNET. ART. 7°, INC. X, DA LEI Nº 12.965/2014. DETERMINAÇÃO DE EXLCUSÃO DE DADOS PESSOAIS APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO JURÍDICA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. UTILIZAÇÃO DA FERRAMENTA NO FOLLOW. POSSIBILIDADE. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

1) Regulamentação no âmbito do Poder Judiciário, através de ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, acerca da obrigatoriedade de exclusão dos dados dos candidatos que prestarem concurso público dos sítios eletrônicos dos Tribunais, após o encerramento do procedimento, ante a ausência de interesse público.

2) Embora o pedido inicial se volte prioritariamente para as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, o mérito da questão diz respeito a todos aqueles que prestam concursos público para cargos do Poder Judiciário.

3) Nos termos do art. 103-B, § 4º, inc. I, da Constituição Federal, é plenamente cabível a regulamentação pelo CNJ sobre a possibilidade de exclusão dos dados pessoais dos candidatos após o encerramento do certame.

4) A exclusão de dados pessoais após o encerramento do concurso público está em consonância com o âmbito de proteção contido no princípio da dignidade da pessoa humana, no direito à intimidade e privacidade (art. 5º, inc. X, da CF/88, art. 11 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica e art. 21 do Código Civil) e no direito ao esquecimento.

5) A relação jurídica entre os submetidos a processo seletivo para provimentos de cargos públicos e a Administração Pública só existe enquanto o certame estiver em andamento, e ainda assim apenas nos limites fixados pelo edital público que rege o respectivo certame. Após o exaurimento do objeto deste, não há razão para que os órgãos do Poder Judiciário mantenham em páginas da internet, aberta e de consulta irrestrita, informações pessoais das pessoas reprovadas no concurso público;

6) A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais se soma ao art. 6º, inc. III, da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e ao art. 7º, incs. VII e X, da Lei nº 12.965/2014 (Lei do Marco Civil da Internet no Brasil), formando o que se pode chamar de microssistema público de proteção de dados pessoais, nos quais se inserem os dados dos candidatos a concursos públicos do Poder Judiciário.

7) Em concursos públicos do Poder Judiciário, apenas o nome do concorrente e o seu respectivo número de inscrição no concurso, ou outro número identificador específico para o concurso, devem ser divulgados, podendo haver organização de acordo com o tipo de concorrência (geral, cotas raciais ou sociais, pessoas com deficiência física, etc.).

8) Os tribunais devem utilizar a tecnologia no follow ou outra que tenha o mesmo resultado, com o fim de dar efetiva concretização da exclusão dos dados pessoais daqueles não aprovados após o exaurimento do concurso.

9) A conclusão de determinar que os tribunais não exponham de forma sumariamente ostensiva na internet os dados pessoais dos candidatos a cargos do Poder Judiciário não pode ser entendida como impeditivo às entidades constitucional e legalmente autorizadas ao acesso desses dados, tais como o próprio Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88), os Ministérios Públicos (art. 129, inc. VI, da CF/88), os Tribunais de Contas (art. 71, inc. III, da CF/88), dentre outros. Nesta mesma linha de pensamento, não se pode dar qualquer margem de interpretação que afaste os termos da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).

10) Pedido julgado procedente.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

“Após o voto do Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga (vistor), acompanhando o relator, o Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido e aprovou resolução, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 19 de outubro de 2018.” Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

RELATÓRIO

Trata-se de Pedido de Providências no qual o requerente, Sergio Iglesias Nunes de Souza, pretende seja regulamentado no âmbito do Poder Judiciário, através de ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, a obrigatoriedade de exclusão dos dados dos candidatos – particularmente aqueles com deficiência física ou mobilidade reduzida – dos sítios eletrônicos dos Tribunais, após o encerramento do procedimento, ante a ausência de interesse público.

Alega que as informações dos candidatos permanecem disponíveis para consulta nos sítios de busca na internet, mesmo após a finalização do concurso. E que, na hipótese de regulamentação tal como pretendido, bastaria a “adoção simples e sem custo algum de técnicas informáticas para que os nomes dos candidatos com deficiência física e, quiçá, também os sem deficiência, sejam feitas com o comando eletrônico na programação interna do sítio no follow. Com isso, não se possibilitará a sua indexação por sítios buscadores, tal como o Google e outros sites privados que obtém informações sem expressa autorização do Poder Judiciário brasileiro e de seus candidatos com deficiência física”.

Argumenta ser notório que as informações dos candidatos são pertinentes a fim de dar publicidade ao procedimento do concurso público enquanto em andamento. Todavia, após o encerramento, mesmo após dois anos, tais informações permanecem em alguns sites de concursos ou nas empresas de gestão dos tribunais.

Entende que a permanência da publicidade das informações dos candidatos viola a privacidade dos candidatos com deficiência física e/ou mobilidade reduzida e, ainda, dos que não possuem deficiência física, motivo pelo qual pretende que este Conselho Nacional de Justiça edite resolução para determinar aos tribunais que as informações dos candidatos devem ser excluídas dos sítios eletrônicos após o encerramento do concurso, como forma de preservar os nomes dos candidatos, em especial daqueles com deficiência física, por vezes, estigmatizados pela sociedade, inserindo-se como uma medida de política afirmativa. Menciona ser necessária a regulamentação da matéria, principalmente diante da nova Lei brasileira de inclusão dos deficientes físicos (Lei 13.146/15).

Revela que as pesquisas indexadas geradas em sítios eletrônicos buscadores do Google, viola a privacidade do candidato após o encerramento do concurso, mesmo os sem deficiência, pois não se justifica que terceiros saibam se determinado profissional obteve ou não aprovação em concursos públicos, permitindo que prossiga com sua atuação como advogado, sem prejuízo para sua vida profissional.

Ressalta a aplicabilidade do art. 22, do Decreto 6.949/09, que recepciona a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e do art. 4º, do Decreto 3.298/99, que dispõe sobre o Estatuto dos Deficientes Físicos, da Lei 13.146/15, que trata da inclusão dos deficientes físicos. Afirma ser evidente o direito à privacidade e à confidencialidade, indica ser a proteção à dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e enfatiza ser inviolável a intimidade e a vida privada das pessoas, sendo assegurado pela Constituição Federal a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Entende ser necessária uma definição do que “são informações públicas (processo licitatório, concurso público em regular andamento) com ‘dar publicidade’ (a concurso finalizado), especialmente, quando não há mais pertinência jurídica ou interesse público da informação para manter-se nos sítios virtuais dos Tribunais de Justiça dos Estados já com seu encerramento”. Por esse motivo, assevera que o estado de saúde e a não condição física plena, com deficiência e/ou mobilidade reduzida somente devem permanecer nos sítios de busca quando necessário, ou seja, nos casos em que os concursos estiverem em andamento.

Cita o comando eletrônico denominado no follow que poderia ser utilizado na programação interna dos sítios eletrônicos do Tribunais com vistas a impedir a indexação dos nomes das pessoas por sítios eletrônicos buscadores, tal como o google.

Menciona que os artigos 11, 17 e 20 do Código Civil desautorizam a manutenção das informações dos candidatos com deficiência física de certames já encerrados. Aduz que tal manutenção prejudica os profissionais, na medida em que alguns pretensos clientes, por discriminação, rejeitam sua a atuação. Afirma que “sob o prisma filosófico, a natureza humana é inclinada a buscar sempre o melhor no seu estado de perfeição em todos os seus sentidos”.

Enfatiza que antes do surgimento da internet não havia qualquer empresa que estivesse autorizada a divulgar informações amplas e irrestritas sobre determinada pessoa e questiona porque atualmente isso passou a ser permitido. Assevera que a publicidade deve ser mitigada em concursos públicos finalizados, por não constituir interesse jurídico relevante, especialmente em relação à divulgação de informações de candidatos com deficiência física e/ou mobilidade reduzida.

Faz referência à recente decisão do Tribunal da Corte Europeia em relação à divulgação de dados pessoais em sítios eletrônicos na internet. Enfatiza o item 87 da decisão, especialmente o seguinte trecho: “Com efeito, na medida em que a inclusão na lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, de uma página web e das informações sobre essa pessoa nela contidas facilita sensivelmente a acessibilidade dessas informações a qualquer internauta que efetue uma pesquisa sobre a pessoa em causa e pode ter um papel decisivo na difusão das referidas informações, tal inclusão é suscetível de constituir uma ingerência mais importante no direito fundamental ao respeito pela vida privada da pessoa em causa do que a publicação pelo editor dessa página web”.

Pretende que seja incluído um bloqueio de rastreamento dos buscadores nas páginas virtuais dos tribunais para possível exclusão, seja porque se refere ao estado de saúde do candidato, seja porque o concurso já se encerrou.

Relata que recentemente o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP publicou recente manual intitulado: “Todos juntos por um Brasil mais acessível: o MP e a pessoa com deficiência”, no qual consta que “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (…)”.

Colaciona inúmeros entendimentos doutrinários a embasar o pleito e aduz ser lícita inclusão de, pelo menos, um bloqueio de rastreamento dos buscadores (no follow) por sítios buscadores nas páginas virtuais dos Tribunais que contém o nome por extenso dos candidatos nos concursos da magistratura, seja porque se refere ao seu estado de saúde, seja porque o concurso já se encerrou, a merecer, em tais situações, a exclusão total das páginas e arquivos virtuais. Sugere, por fim, a manutenção apenas dos candidatos aprovados ao final do concurso e questiona: “é anormal e não razoável alguém solicitar lista de candidatos reprovados, pois, afinal, qual seria o interesse jurídico destainformação em concursos findos, por exemplo, há mais de um ano ou dois? Logo, o que justifica manter uma página pública virtual com o nome dos reprovados e, principalmente, das fases já encerradas, incluído, pessoas com deficiência inscritas reveladoras de seu estado de saúde?”.

Propõe a edição de ato normativo pelo CNJ, inclusive com sugestão de texto.

Ao final, pede a exclusão do nome de todos os candidatos do procedimento do concurso público dos sítios virtuais dos tribunais e empresas contratadas de gestão, inclusive os não deficientes, por ausência de interesse público e pertinência de sua publicidade, notadamente, nome do candidato e número de documentos pessoais, tais como RG ou CPF, ressalvado a qualquer interessado buscar ditas informações diretamente no tribunal respectivo, após o encerramento do certame.

Recebido o procedimento, foi determinada a manifestação do Departamento de Tecnologia da Informação – DTI do CNJ, sobre a viabilidade técnica de não indexação dos nomes dos candidatos não aprovados nos concursos públicos, nos mecanismos de busca na internet, considerando os termos do presente requerimento, bem como a efetiva eficácia da programação interna denominada no follow ou de alguma outra ferramenta com a mesma finalidade (Id 1818460).

O parecer do DTI foi no sentido de ser plenamente viável o emprego da técnica no follow para inibir a atuação de buscadores de informações em páginas na internet. Indicou, ainda, a existência de outras técnicas eficazes para não exibir páginas e links nos resultados das pesquisas realizadas, pelo que entendeu ser viável a implementação de tal recurso técnico, ou outros, para a não indexação de informações sensíveis nas páginas da internet (Id 1827832).

A partir dessa consideração, determinou-se a realização de Consulta Pública, conforme dispõe o art. 26, do Regimento Interno do CNJ, para análise da pertinência de regulamentação, no âmbito do Poder Judiciário, através de ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, da obrigatoriedade de exclusão dos dados dos candidatos – particularmente aqueles com deficiência física ou mobilidade reduzida – que prestarem concurso público dos sítios eletrônicos dos tribunais, após o encerramento do procedimento, ante a ausência de interesse público (Id 1847370).

A Consulta Pública destinou-se à comunidade jurídica, tanto que foi solicitado aos tribunais a disponibilização do link de acesso nos respectivos sítios eletrônicos. Após o término da Consulta Pública, o resultado contabilizado foi o seguinte: 101 (cento e uma) manifestações favoráveis à manutenção dos dados dos candidatos disponíveis mesmo após o encerramento do concurso e 126 (cento e vinte e seis) manifestações contrárias, ou seja, que não existe interesse público na manutenção dos dados dos candidatos nos sítios eletrônicos dos Tribunais e sítios eletrônicos buscadores.

É o relatório.

VOTO

Antes do mérito propriamente dito, cabe assentar que matéria invocada pelo peticionante não envolve unicamente pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, embora essa condição tenha impulsionado e fundamentado boa parte da postulação inicial, inclusive com invocação da normativa pertinente, notadamente a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo (Decreto nº 6.949/09, de 25 de agosto de 2009) e a Lei nº 13.146/15 – Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Em síntese, a controvérsia diz respeito à necessidade/utilidade de a Administração Pública – no caso específico, o Poder Judiciário – manter disponível na internet a qualquer um os dados referentes a candidatos que prestaram concurso, e eventualmente não foram aprovados, mesmo após finalizado o procedimento. Discute-se, em suma, a aplicação do chamado “direito ao esquecimento”. E isso, como regra, repita-se, envolve todo e qualquer candidato, seja ele deficiente físico ou não.

Com efeito, a discussão sobre ter ou não dados pessoais revelados pela Administração Pública é de interesse de qualquer pessoa que preste concurso público, seja pela concorrência geral das vagas ou pelas concorrências específicas das reservas destinadas a determinados grupos. Embora a inicial se direcione aos deficientes físicos, toda fundamentação gira em torno do direito à privacidade, à intimidade, o que, per se, envolve todo e qualquer cidadão (CF, art. 5º, X). O próprio requerente reconhece este fato. E não por outro motivo, a Consulta Pública realizada no site do CNJ foi referente a todas as pessoas, indistintamente.

Assim, a solução aqui adotada deve ser única para todos aqueles que se submetem a certames públicos perante a Administração Judiciária, razão pela não farei mencionarei a qualquer categorização entre as pessoas que se submetem aos concursos públicos do Poder Judiciário.

Após detida análise dos autos e das manifestações obtidas em sede de Consulta Pública, entendo que a definição aqui pretendida transita irremediavelmente sobre algumas questões basilares do direito e seus princípios, emergindo uma reflexão sobre ponderação de valores, com destaque para (i) o princípio da dignidade da pessoa humana, (ii) o direito à intimidade e à privacidade, (iii) o direitoao acesso à informação, (iv) o direito ao esquecimento, (v) o princípio da publicidade.

I – Possibilidade de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça

Ao Conselho Nacional de Justiça “compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário[1], bem assim “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências[2]. É, portanto, “órgão central de planejamento e cúpula no que se refere ao controle da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário”[3]

Dessa forma, plenamente cabível a regulamentação pelo CNJ sobre a possibilidade de exclusão dos dados pessoais dos candidatos após o encerramento do certame.

II – Harmonização dos princípios envolvidos

A tarefa de harmonizar a aplicação dos princípios envolvidos no caso em apreço não é tão simples. A harmonização depende de um juízo de valoração, do grau de importância de determinado princípio em relação a outro igualmente aplicável.

Não basta apenas estabelecer quais os princípios serão aplicáveis ao caso em exame, mas definir, primeiramente, o que se entende por princípio. No dizer de Humberto Ávila, “são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado[4].É exatamente o que se pretende, buscar a norma aplicável à situação concretamente observada, qual seja, existe violação ao direito de acesso à informação excluir os dados dos candidatos após o encerramento de determinado concurso público, mesmo que essa informação seja unicamente de interesse do candidato.

Pois bem. “Os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade”. Logo, no caso de colisão entre princípios – prossegue Ávila – “a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um princípio sobre o outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre princípios colidentes, em função do qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. Por esse motivo, somente a partir da “aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza mediante regras de colisão. Por isso a aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: ‘Se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso’”.

Nessa ótica, no dizer de Eros Grau a ponderação entre os princípios “não consiste em atribuírem-se significados aos textos dos dois princípios de que se cuide, mas em formular-se um juízo comparativo entre eles, seguido da opção por um ou outro[5]. Contudo, “inexiste, no sistema jurídico, qualquer regra ou princípio a orientá-los a propósito de qual dos princípios, no conflito entre eles, deve ser privilegiado”, motivo pelo qual, definir qual o princípio que se sobrepõe a outro, no caso concreto, é o escopo que se pretende atingir com a análise em curso.

Observe-se que o disposto no artigo 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil enuncia que no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

No mesmo sentido, o enunciado nº 274, da IV Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, ao estabelecer que os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de conflito entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

Como se vê, a ponderação é a palavra-chave, o mecanismo adequado para se definir qual o princípio deve prevalecer na análise do caso concreto, de forma a harmonizá-los pacificamente, extraindo deles a máxima efetividade possível e pertinente ao caso posto. Noutras palavras, ao se ponderar sobre qual princípio deve se sobrepor, não estará a se dizer que este é melhor ou mais relevante do que outros. Não se estará equacionando o grau de importância dos princípios, mas apenas sopesando diante das circunstâncias apresentadas, avaliando que, naquele caso, um ou alguns deles atendem melhor e de forma mais razoável para a solução da demanda, os hard cases na festejada teoria dworkiana.

Considerando, então, alguns dos valores e princípios envolvidos, passemos à análise e ponderação sobre seus efeitos e sua incidência no presente caso.

2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana consiste na ideia de que a todos é garantida uma existência digna. A noção de dignidade está atrelada, portanto, a um mínimo de condições que o ordenamento jurídico deve garantir ao indivíduo de forma a possibilitar tanto a sua autodeterminação, quanto o respeito aos deveres que terão que ser cumpridos. Na definição do Professor Ingo Wolfang Sarlet, a dignidade da pessoa humana pode ser entendida como “[…] um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável […]” (SARLET,2007, p. 62).

Sempre tão citado, o princípio tem como escopo evitar que a pessoa seja colocada em situação aviltante, humilhante, desprezível.

A partir destas premissas, é factível admitirmos a incidência de tão caro norteador quando se está a avaliar sobre o direito ao esquecimento. Basta ver o Enunciado nº 531 aprovado na VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo 11 do Código Civil.

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

A diretriz do CJF reforça a ideia de que a dignidade da pessoa humana deve prevalecer em detrimento de uma situação constrangedora na qual determinada pessoa possa ter sido exposta, mesmo que tenha contribuído efetivamente para o evento, mas que em algum momento deve ser finalizado. Ou seja, o direito ao esquecimento se alicerça na proteção à dignidade da pessoa humana – reforçando a noção presente no Direito Penal de que não existe, no Brasil, pena de caráter perpétuo.

No caso em tela, embora não estejamos falando de “pena” propriamente dita, é possível se apropriar da mesma ideia de inexistência de perpetuação de determinada situação que, em si e do ponto de vista estritamente subjetivo, pode vir a provar algum tipo de constrangimento – a reprovação do candidato num certame público.

Vê-se, pois, a relevância deste princípio no ordenamento jurídico, como base de toda cadeia estruturante de direitos, e sua pontual importância para o tema aqui em debate.

2.2. Intimidade e privacidade (ou vida privada)

O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O pacto de São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), vigente em nosso país como norma supralegal, dado o seu caráter de carta de direitos humanos, reconhece a proteção à honra no art. 11, ao dispor que toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

Por seu turno, o Código Civil, apesar de não mencionar “intimidade”, caracteriza a “vida privada” como um direito da personalidade, com a seguinte disposição: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. 

A doutrina conceitua estes objetos de tutela por meio da “teoria das esferas”, a qual classifica a personalidade humana em esferas concêntricas por meio das quais se desenvolveria, e que no entender do jurista português Antonio Menezes Cordeiro pode ser descrita em ordem crescente de amplitude e proteção:

(…) uma esfera pública (própria de políticos, actores, desportistas ou outras celebridades, ela implicaria uma área de condutas propositadamente acessível ao público, independentemente de concretas autorizações); uma esfera individual-social (reporta-se ao relacionamento social normal que as pessoas estabelecem com amigos, colegas e conhecidos); uma esfera privada (tem a ver com a vida privada comum da pessoa: apenas acessível ao círculo da família ou dos amigos mais estreitos, equiparáveis a familiares); uma esfera secreta (abrange o âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a ninguém; desde o momento em que ele observe a discrição compatível com tal decisão, esta esfera tem absoluta tutela); uma esfera íntima (reporta-se à vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito – cônjuge e filhos –; tem uma tutela absoluta, independentemente de quaisquer prévias decisões, nesse sentido, do titular considerado; elas são dispensáveis). (CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, p.200, apud WINIKDES, Ralph, A Concepção de Vida Privada e de Intimidade no Direito Brasileiro, in http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0da474fc8e382f9c, acessada em dezembro de 2016)

Ou seja, a inviolabilidade de forma indevida a todas essas esferas acima citadas traz o direito ínsito ao de ressarcimento. Contudo, sem a pretensão de exaurir o tema, é cediço que quando a Constituição Federal prevê um direito de primeira dimensão, que assim o é o direito à privacidade e à intimidade, ela gera um dever primário ao Estado para que este atue no sentido de que prevenir qualquer violação ao direito previsto.

Para Paulo Gustavo Gonet Branco[6], o controle das informações sobre si mesmo está no centro do alcance de proteção do direito à privacidade; e completa:

Em estudo clássico, William Prosse, nos Estados Unidos, sustentou que haveria quatro meios básicos de afrontar a privacidade: 1) intromissão na reclusão ou na solidão do indivíduo, 2) exposição pública de fatos privados, 3) exposição do indivíduo a uma falsa percepção do público (false light), que ocorre quando a pessoa é retratada de modo inexato ou censurável, 4) apropriação do nome e da imagem da pessoa, sobretudo para fins comerciais.

Ademais, o constitucionalista brasileiro assevera que “O direito à privacidade, em sentido mais estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a terceiros ou ao público em geral. Como acontece com relação a qualquer direito fundamental, o direito à privacidade também encontra limitações, que resultam do próprio fato de se viver em comunidade e de outros valores de ordem constitucional”.

Trazendo tais conceitos para o caso concreto, parece evidente que viola o direito à intimidade do cidadão a divulgação de dados pessoais sem a devida permissão – ou mesmo quando o titular desses dados, apesar de inicial permissão, opta por não mais os manter públicos.

2.3. Direito ao acesso à informação e o princípio da publicidade

A relação entre o direito ao acesso à informação (art. 5º, inc. XXXIII[7], da CF/88) e o princípio da publicidade (art. 37, ´caput’[8], da CF/88) nos permite concluir que é dever da Administração Pública tornar transparentes os atos praticados, na medida em que é ínsito ao administrador, quando no trato público das coisas públicas, o dever de prestar contas e de permitir que o cidadão se certifique que seus direitos estejam sendo cumpridos de forma eficaz e eficiente.

Contudo, o princípio da publicidade só tem razão de existir quando estivermos frente a um dever de transparência do Estado, no interesse público e não no interesse do público, sentidos que são bastante diferentes. É que enquanto aquele se volta para o interesse final da sociedade resultante das prestações de serviços públicos, este tem por característica atender a um interesse privado de parcela da sociedade, ainda que majoritária, e que não necessariamente se confunde com o interesse público.

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, “não se olvida que o tratamento dos dados e informações públicos e a sua divulgação devem ter como meta a transmissão de uma informação de interesse público ao cidadão (individual ou coletivamente), desde que inexista vedação constitucional ou legal. Assim, veda-se a divulgação de informação inútil e sem relevância, que deturpe informações e dados públicos em favor de uma devassa, de uma curiosidade ou de uma exposição ilícitas de dados pessoais, para mero deleite de quem a acessa[9].

Assim, certamente o direito acesso à informação e o direito à publicidade devem ser harmonizados com o direito à intimidade e à privacidade acima exposto.

A proteção de dados pessoais se mostra como medida necessária para o pleno exercício de diversos direitos e para não que não haja indevida perturbação por terceiros. Os dados que são pessoais cabem aos donos o direito de divulgá-los, de persegui-los, de controlálos e, por último, de excluí-los do domínio público. Veja-se que não se trata de fato público, mas de dados pessoais, dados e informações que só dizem respeito ao indivíduo, enquanto ser existente, ainda que em uma sociedade. Pode ter sido importante que, na vigência do certame, tenham vindo à tona, como forma de dar transparência ao concurso, porém, a partir do momento em que o procedimento tenha se finalizado, esgotadas todas as fases, não existe mais motivo algum, relevante para a Administração Pública ou para a própria sociedade, que se mantenham os dados pessoais disponíveis a qualquer um.

É importante pontuar, por fim, que o fato de dados pessoais, em algum momento terem se tornados públicos, mesmo com o consentimento do dono para a sua divulgação, não fazem deles dados públicos, na essência e na acepção da palavra.

2.4. Direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento relaciona-se diretamente à proteção da honra e da intimidade, denotando daí o seu viés constitucional.

Vivemos em uma sociedade cujo o trânsito da informação não encontra fronteiras, sem mencionar a facilidade com que as pessoas podem ter acesso à informação, bastando um simples teclar. Uma foto despretensiosamente postada em uma rede social aqui no Brasil, em menos de frações de segundos pode ser facilmente acessada por cidadãos nórdicos ou neozelandeses, por exemplo. Trata-se de algo que podemos chamar do fenômeno da hiperinformação.

Para o direito ao esquecimento, as informações lícitas não deixam de assim o ser, pelo simples fato do decorrer temporal. Contudo, não se pode olvidar que o tempo exerce uma importante função no Direito, que é permitir a estabilização das relações humanas, conforme se verifica na prescrição, decadência, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Para além disso, o direito ao esquecimento é consagrado de forma mais acentuada no direito interno em diversos diplomas e institutos legais tais como a previsão do prazo de cinco anos para que constem em bancos de dados relativos a informações negativas acerca de inadimplência (art. 43, §1º, do Código do Consumidor) e a reabilitação na seara penal (art. 93 e ss. do Código Penal).

A jurisprudência pátria vem gradualmente se debruçando sobre o tema. O STJ tem aplicado o direito ao esquecimento, principalmente quando o assunto envolve a publicidade de delitos ocorridos no passado. Nesta senda, destaco o REsp nº 1.334.097/RJ, que trilhou por este caminho ao vedar programa televisivo de âmbito nacional a exibir reportagem sobre a Chacina da Candelária[10]:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.

(…)

2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.

3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações.

(…)

7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores.

(…)

11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal.

Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público – além de ser conceito de significação fluida – não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada.

(…)

14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.

(…)

16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.

17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.

18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado – com muita razão – um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.

19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado.

No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida “vergonha” nacional à parte.

20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante.

21. Recurso especial não provido.

(REsp 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013) [grifos meus]

Também o Supremo Tribunal Federal vem invocando o direito ao esquecimento, na seara penal, para excluir da consideração da circunstância judicial de maus antecedentes as condenações extintas há mais de cinco anos:

1.Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida. (HC 126315, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 04-12-2015 PUBLIC 07-12-2015)

Importante assentar que na Suprema Corte ainda pende de julgamento o ARE 833248/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, sob o rito da repercussão geral, tendo a seguinte ementa:

EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO DE PROGRAMA TELEVISIVO QUE ABORDA CRIME OCORRIDO HÁ VÁRIAS DÉCADAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA POR FAMILIARES DA VÍTIMA. ALEGADOS DANOS MORAIS. DIREITO AO ESQUECIMENTO. DEBATE ACERCA DA HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO COM AQUELES QUE PROTEGEM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A INVIOLABILIDADE DA HONRA E DA INTIMIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. (ARE 833248 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 11/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 19-02-2015 PUBLIC 20-02-2015 )

O fortalecimento da ideia de um direito a ser esquecido ou “deixado em paz” (the right to be left alone) se dá na mudança de paradigma entre o esquecimento como processo biológico para o da imortalização de dados promovida pela tecnologia – como no caso em particular, qual seja, a inserção de dados pessoais na internet.

Busca-se, por meio da efetivação desse direito, impedir que fatos pretéritos, muitas vezes relacionados à honra ou imagem do sujeito do direito, exerçam influência permanente na vida deste, impedindo-o à constituição de uma vida digna em sociedade. Alguém pode indagar o quanto é, efetivamente, indigno constar definitivamente de uma lista de reprovados em concurso público… A resposta fica a cargo de cada candidato individualmente. O sentimento de ter sua dignidade ferida ou não, ou até que ponto aquela reprovação pode causar constrangimentos, na medida que, em determinada circunstância pode ser considerada uma nódoa, pode colocar a pessoa em situação indesejada, pode criar embaraços à sua imagem – todas estas questões, enfim, são carregadas de subjetividade. O sujeito é que dirá o quanto a mantença de seus dados pode lhe causar prejuízos, inclusive emocionais ou à sua imagem. E havendo possibilidade potencial deste dano, a proteção ao direito se faz necessária.

Em contrapartida, emerge o princípio da publicidade a ser observado pela Administração Pública (CF, art. 37, caput). E, realmente, a observância deste princípio se impõe, de forma impositiva, quando do fazimento do certame. Todavia, haverá justificativa para a manutenção pública dos dados pessoais, por tempo indeterminado, daqueles candidatos não selecionados? O princípio da publicidade já não terá sido atingido durante realização, em si, do concurso? Há efetivo interesse da Administração ou da sociedade na permanência indefinida destes dados nos sítios eletrônicos?

Foram questões suscitadas e debatidas na Consulta Pública, e de tudo que foi mencionado não foi possível visualizar real interesse público na manutenção dos dados pessoais de concorrentes a cargos públicos, após o exaurimento do processo seletivo. No máximo, podemos falar em interesse do público (o acesso às informações sobre dados pessoais dos concorrentes), mas não em interesse público – até porque a Administração poderá (e deverá) sistematizar os dados relevantes sobre o processo seletivo, após o término do concurso, de forma que dados pessoais não sejam divulgados.

Ou seja, a proteção à intimidade, à imagem e à vida privada, in casu, não se contrapõe ao princípio da publicidade, pois este já restou atendido e esgotado durante a realização do concurso. Portanto, o direito ao esquecimento, neste caso, não ofende o texto constitucional.

III. Relação jurídica entre a Administração e os particulares que prestam concursos públicos.

Entendo ser de extrema importância fixar a relação que existe entre aqueles que almejam um cargo público com a Administração Pública para reforçar a proposta de atendimento ao pleito contido na inicial.

A relação jurídica entre os submetidos a processo seletivo para provimentos de cargos públicos e a Administração Pública só existe enquanto o certame estiver em andamento, e ainda assim apenas nos limites fixados pelo edital público que rege o respectivo certame.

Obviamente, aqueles aprovados e selecionados para exercer cargo público estarão sob os efeitos jurídicos próprios da Administração Pública, inclusive ao que tange ao acesso de dados pessoais, em especial sob os efeitos da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e do Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784/1999).

Os demais, entretanto, uma vez exaurida a relação jurídica para fins do certame ficam desobrigados quanto à Administração, sendo perfeitamente plausível e razoável que não mais queiram seus nomes e seus dados expostos nos sites do ente público para o qual prestou o concurso.

IV. Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Resolução CNJ nº 215/2015

No plano normativo, o legislador pátrio vem dando muita atenção à proteção de dados de ordem pessoal, atento, como não poderia deixar de sê-lo, aos novos influxos, problemas, dilemas e questionamentos que o era digital nos tem trazido.

Neste diapasão, a Lei de Acesso à Informação, que data de 18 de novembro de 2011, já expressava a preocupação com a proteção dos dados pessoais aos quais os órgãos públicos dispunham e dispõem de custódia. Ao considerar que “informação pessoal” é aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável (art. 4º, inc. IV), determinou que os órgãos devem assegurar a proteção dessa informação:

Art. 6o – Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a:

I – gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação;

II – proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade; e

III – proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso.

A par deste normativo, muitos questionamentos judiciais se afloraram sobre a extensão da proteção da informação pessoal de servidores públicos quando confrontada com o princípio da publicidade, no viés eminentemente protetivo do interesse público primário, notadamente quanto à divulgação dos valores recebidos por parte daqueles.

Assim, em sede de repercussão geral, o Pretório Excelso, por ocasião do ARE 652777, de relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki, entendeu ser constitucional a “publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias”. (ARE 652777, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-128 DIVULG 30-06-2015 PUBLIC 01-07-2015).

Anteriormente à própria Lei de Acesso à Informação, o STF já tinha se debruçado sobre matéria idêntica, qual seja, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.902, de relatoria do Ministro Ayres Britto, onde restou decidido pela constitucionalidade da “proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor”. (SS 3902 AgR-segundo, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2011, DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-01 PP-00055 RTJ VOL-00220-01 PP-00149).

Nesta mesma linha, não se pode olvidar a Resolução CNJ nº 215/2015, que dispõe, no âmbito do Poder Judiciário, sobre o acesso à informação e aplicação da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), em especial o que dispõe o Capítulo IX, que trata das “informações pessoais”, com especial destaque para os artigos 32, 33 e 35.

Art. 32. As informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem detidas pelo Poder Judiciário:

I – terão acesso restrito a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que se referirem, independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da data de sua produção; e

II – poderão ter sua divulgação ou acesso por terceiros autorizados por previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que se referem ou do seu representante legal.

Parágrafo único. Caso o titular das informações pessoais esteja morto ou ausente, os direitos de que trata este artigo assistem ao cônjuge ou companheiro, aos descendentes ou ascendentes, conforme o disposto no parágrafo único do art. 20 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e na Lei 9.278, de 10 de maio de 1996.

Art. 33. O tratamento das informações pessoais deve ser realizado de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

Art. 35. A restrição de acesso a informações pessoais não poderá ser invocada:

I – com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades, conduzido por órgão competente, em que o titular das informações for parte ou interessado; ou

II – quando as informações pessoais não classificadas estiverem contidas em conjuntos de documentos necessários à recuperação de fatos históricos de maior relevância.

V. Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)

Ainda no plano normativo, a Lei nº 12.965/2014, que institui o Marco Civil da Internet no Brasil e estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria, não deixa dúvidas quanto à disponibilização de dados pessoais pela Administração Pública.

Com efeito, o art. 7º da aludida lei prevê que “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos”:

VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;

X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei e na que dispõe sobre a proteção de dados pessoais;

Nessa mesma toada, o art. 10 assevera que “a guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas ”.

Em suma, o próprio texto legal consagra uma espécie de direito ao esquecimento, como regra, e, incidindo no caso concreto, autoriza a exclusão dos dados pessoais dos bancos de dados dos tribunais quando houver decorrido o prazo de validade do concurso.

VI. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018)

Nessa ordem de ideias, a Lei nº 13.709/2018, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, afinada com a Lei n 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e com a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), conceitua o que vem a ser dados pessoais sensíveis, consoante se nota do seu art. 5, inc. II:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

A par deste desiderato normativo, a recentíssima Lei limita o tratamento de dados pessoais sensíveis às hipóteses taxativamente dispostas no seu art. 11.

Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

I – quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;

II – sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:

a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;

c) realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis;

d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);

e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;

f) tutela da saúde, em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias; ou

g) garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os direitos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo a qualquer tratamento de dados pessoais que revele dados pessoais sensíveis e que possa causar dano ao titular, ressalvado o disposto em legislação específica.

§ 2º Nos casos de aplicação do disposto nas alíneas “a” e “b” do inciso II do caput deste artigo pelos órgãos e pelas entidades públicas, será dada publicidade à referida dispensa de consentimento, nos termos do inciso I do caput do art. 23 desta Lei.

§ 3º A comunicação ou o uso compartilhado de dados pessoais sensíveis entre controladores com objetivo de obter vantagem econômica poderá ser objeto de vedação ou de regulamentação por parte da autoridade nacional, ouvidos os órgãos setoriais do Poder Público, no âmbito de suas competências.

§ 4º É vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nos casos de portabilidade de dados quando consentido pelo titular.

A Lei também versa sobre as regras aplicáveis ao tratamento de dados pessoais pelo Poder Público, no art. 23 e seguintes, com especial atenção ao que dispõe sobre a imprescindibilidade do atendimento ao interesse público quando das medidas de operação realizadas com dados pessoais, não parecendo fazer diferença entre dados pessoais dos seus servidores e dados pessoais dos jurisdicionados.

Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:

I – sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos;

II – (VETADO); e

III – seja indicado um encarregado quando realizarem operações de tratamento de dados pessoais, nos termos do art. 39 desta Lei.

À toda evidência, da leitura dos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, verifica-se que eles se somam ao art. 6º, inc. III, da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e ao art. 7º, incs. VII e X, da Lei nº 12.965/2014 (Lei do Marco Civil da Internet no Brasil), formando-se o que se pode chamar de microssistema público de proteção de dados pessoais, nos quais se inserem os dados dos candidatos a concursos públicos do Poder Judiciário.

VII. Dados pessoais a serem divulgados na vigência do concurso

Consoante com as argumentações acima expostas, é necessário que seja delimitada a abrangência dos dados pessoais dos prestadores de concursos públicos que os tribunais devem divulgar na vigência do concurso.

Assim, entendo que apenas o nome do concorrente e o seu respectivo número de inscrição no concurso, ou outro número identificador específico para o concurso, devem ser divulgados, podendo haver organização dos dados de acordo com o tipo de concorrência (geral, cotas raciais ou sociais, pessoas com deficiência física, etc.).

Esta medida não impede a fiscalização por parte do Ministério Público, em decorrência do seu poder de requisição insculpido no art. 129, inc. VIII, da Constituição Federal do Brasil, e por parte da população em geral, que pode solicitar adicionais informações sobre o candidato se utilizando da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).

Qualquer divulgação espontânea dos tribunais de outros dados, além dos mencionados acima, não encontra respaldo na legislação vigente, como visto acima.

VIII. Tecnologia no follow

A tecnologia no follow mencionada pelo peticionante na exordial consubstancia na ferramenta eletrônica em que permite ao manejador da página eletrônica a vedar a indexação por sites de busca, tal como o Google Search e o Ask.com, de dados contidos naquela página. Importante frisar que a tecnologia não retira a publicidade do ato administrativo revelado pela página hospedada na internet, porquanto ele poderá ser acessado normalmente via site do tribunal, no caso de concursos do Poder Judiciário, como é a hipótese dos autos.

Para a efetiva concretização da exclusão dos dados pessoais daqueles não aprovados após o exaurimento do concurso, é necessário que esses dados de alguma forma não tenham sido anteriormente indexados por estes sites buscadores, porquanto, mesmo que os tribunais excluam esses dados de suas páginas eletrônicas, eles ficaram disponíveis na rede mundial de computadores em outros sites.

Sabemos que os dados pessoais por estarem disponíveis durante a vigência do concurso poderão ser acessados livremente por qualquer pessoa, o que o permite fazer sua indexação por conta própria e os hospedem em sítios eletrônicos próprios. Contudo, com a utilização da ferramenta no follow, os tribunais contribuirão para que isso ocorra com menos frequência. E, com isso, será possível à exigência de publicidade durante a realização do concurso, ao mesmo tempo em que se preserva o direito à intimidade e o direito a ter os dados pessoais preservados, relativizando a possibilidade de eternização das informações.

Registro assim que o parecer técnico do Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação do CNJ assegura ser plenamente viável o emprego da técnica no follow para inibir a atuação de buscadores em páginas na internet, havendo, ainda, outras técnicas eficazes como a no index, que é utilizada para não exibir páginas e links nos resultados das pesquisas realizadas. (Id 1818460)

IX. Do acesso aos dados pessoais dos candidatos pelas entidades legalmente autorizadas.

A conclusão de determinar que os tribunais não exponham de forma sumariamente ostensiva na internet os dados pessoais dos candidatos a cargos do Poder Judiciário não pode ser entendida como impeditivo às entidades constitucional e legalmente autorizadas ao acesso desses dados, tais como o próprio Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88), os Ministérios Públicos (art. 129, inc. VI, da CF/88), os Tribunais de Contas (art. 71, inc. III, da CF/88), dentre outros.

Nesta mesma linha de pensamento, não se pode dar qualquer margem de interpretação que afaste os termos da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011),

Dessa forma, malgrado a não exposição ostensiva dos dados na internet, os tribunais deveram manter a custódia interna dos dados, para fins de possível acesso por parte das entidades acima citadas, bem como para cumprimento dos imperativos da Lei de Acesso à Informação.

X – Conclusão

Ante o exposto, julgo procedente o pedido, para determinar que os tribunais do Poder Judiciário:

a) ao realizarem concurso de magistrados e servidores, se limitem a divulgar nome completo e número de inscrição dos concorrentes;

b) após a vigência do concurso, apagar qualquer dado pessoal dos candidatos de suas páginas;

c) aplicar a tecnologia no follow ou outra ferramenta capaz de inibir a atuação de buscadores nas páginas da internet referentes aos concursos públicos.

Para tanto, fica proposta a edição de resolução pelo Conselho Nacional de Justiça, regulamentando a matéria.

É como voto

Intimem-se todos os tribunais do Poder Judiciário, com exceção do Supremo Tribunal Federal.

Após, arquivem-se.

Brasília, data registrada no sistema.

VALTÉRCIO DE OLIVEIRA

Conselheiro

———————————————————————————————————————-

RESOLUÇÃO Nº ____, DE _____DE __________DE 2018

Institui regras sobre a gerência de dados pessoais de candidatos a cargos públicos, mediante concurso público, do Poder Judiciário.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO a atribuição Constitucional conferida ao Conselho Nacional de Justiça, no art. 103-B, para expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

CONSIDERANDO os princípios da dignidade de pessoa humana, o direito à intimidade e privacidade e a necessidade de proteção dos dados pessoais por parte do Poder Público;

CONSIDERANDO a relação jurídica entre a Administração e os particulares que prestam concursos públicos, e a observância do princípio da publicidade;

CONSIDERANDO disposto no art. 6º, inc. III, da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), no art. 7º, incs. VII e X, da Lei nº 12.965/2014 (Lei do Marco Civil da Internet no Brasil) e nos art. 5, inc. II, art. 11 e art. 23, todos da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais);

RESOLVE:

Art. 1º – Em todos os concursos públicos do Poder Judiciário, os tribunais divulgarão apenas o nome completo e o número de inscrição dos concorrentes à (s) vaga (s) pública (s).

§ 1º – A relação dos candidatos deverá ser organização de acordo com o tipo de concorrência do concurso.

§ 2º – Os tribunais deverão utilizar a tecnologia no follow ou ferramenta similar para inibir a atuação de buscadores de informação nas páginas eletrônicas em que constarem dados pessoais dos candidatos.

Art. 2º – Após a vigência do concurso, os dados pessoais publicados devem ser excluídos das páginas eletrônicas abertas ao público de competência dos tribunais.

§ 1º – A exclusão poderá ser feita imediatamente após o encerramento do concurso, incluindo todas as suas fases e recursos, caso haja abertura de novo certame.

§ 2º – Sem prejuízo do caput deste artigo, os tribunais poderão manter o registro de todo o andamento do concurso público em página eletrônica, por prazo no interesse da Administração.

Art. 3º – O atendimento aos dispostos nos artigos precedentes não impede o acesso aos dados pessoais pelas entidades constitucional e legalmente autorizadas.

Art. 4º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro DIAS TOFFOLI

Notas:

[1] Art. 103-B, § 4º, da Constituição da República.

[2] Art. 103-B, § 4º, inciso I, da Constituição da República.

[3] CNJ. PP 0006721-46.2010.2.00.0000. Rel. Cons. Walter Nunes, j. 9/11/2010.

[4] Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios. 16ª ed. Malheiros editores. 2015.

[5] GRAU, Eros Roberto. O perigoso artifício da ponderação entre princípios. Publicado em 31/7/2009.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 838

[7] CF/88. Art. 5º (…) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado

[8] CF/88. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

[9] MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 2521

[10] Vide também: AgRg no REsp 1.578.033/RJ, rel. Min. Rogério Schietti Cruz; REsp 1.335.153/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão

Brasília, 2018-10-19. – – /

Dados do processo:

CNJ – Pedido de Providências nº 0004068-95.2015.2.00.0000 – Rel. Cons. Dias Toffoli – DJ 24.10.2018

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.