1ªVRP/SP: Protesto de Títulos. Não estando prescrita a ação de locupletamento ilícito, é possível o protesto de nota promissória.

Processo 0004129-78.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 0004129-78.2019.8.26.0100

Processo 0004129-78.2019.8.26.0100 – Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – Corregedoria Geral da Justiça – Sul Invest Serviços Financeiros S/A e outro – Vistos. Trata-se de pedido de providências encaminhado a este Juízo pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, formulada por Sul Invest Serviços Financeiros S/A, em face da 2º Tabeliã de Protesto de Letras e Títulos da Capital, pleiteando o protesto da nota promissória emitida em 18.09.2015 por Peeqflex Indústria e Comércio, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Juntou documentos às fls.04/12. A Tabeliã esclareceu que a qualificação do título restou negativa em razão da perda de sua eficácia executiva, nos termos do artigo 70 da LUG, já que, sendo omisso quanto à data de pagamento, teve seu vencimento considerado de pronto, nos moldes do artigo 76 da LUG, ou seja, em 13.09.2015 (fls. 20/21). Salienta a delegatária que a aplicabilidade ou não do art. 34 da LUG, em interpretação combinada com o art.70 do mesmo diploma legal, extrapola suas atribuições na esfera administrativa. A requerente salienta que, no caso em tela, não há dúvidas quanto ao local de pagamento, restringindo-se a controvérsia ao prazo prescricional, sendo este atrelado diretamente ao vencimento do título. Destaca que uma nota promissória sem data de pagamento expressa no próprio título possui vencimento no prazo de um ano, a contar de sua emissão, termo inicial do prazo prescricional de três anos. Por fim, entende que o título emitido em 18.09.2015, sem data de vencimento especificada, nos termos da lei, apenas prescreverá em 18.09.2019 (fls. 31/32). O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido, com a consequente manutenção do óbice (fls.36/41). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. O reconhecimento da prescrição, não somente do cheque mas dos títulos de crédito em geral levados a protesto, constitui um tema tormentoso, razão pela qual entendo que a análise deverá ser feita em cada caso concreto, com as peculiaridades a ele atinentes. O primeiro impasse em relação ao assunto é relativo à Lei 11.280/06, que acrescentou ao §5º ao Art. 219 do Código de Processo Civil o seguinte ditame: “O Juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” A lei se refere expressamente ao “Juiz”, e não ao Tabelião. Interpretar a norma de forma ampla, levando ao  entendimento de que a prescrição deve ser reconhecida quando do protesto do título, é um ato temerário, pois existem diversa causas impeditivas e suspensivas da prescrição que não podem ser analisadas de plano, em caráter administrativo pelo delegatário. Assim, não havendo menção expressa na Lei 11.280/06 da revogação do Art. 9º da Lei 9.492/97, este continuaria  vigente, nos seguintes termos: “Art. 9º Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.” (g.n), redação esta verificada no antigo item 16 do Capítulo XV, Seção III das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça: “16. Na qualificação dos títulos e outros documentos de dúvida apresentadas a protesto, cumpre ao Tabelião de Protesto de Títulos examiná-los em seus caracteres formais, não lhe cabendo investigar a ocorrência da prescrição ou caducidade”. Todavia, com o julgamento do Resp nº 1.423.464 S/C pelo Superior Tribunal de Justiça e o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas IRDR (Processo nº 82.816/2017), adotou-se novo entendimento da matéria, qual seja, que a ocorrência da prescrição atinge diretamente os aspectos formais do título, retirando dele sua força executiva e consequentemente a certeza e exigibilidade: “Súmula nº 17 desta Corte. Título sem eficácia executiva. Possibilidade de protesto. Cancelamento. Novo posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Distinção entre o direito de perseguir crédito pendente e o de fixar a mora cambiária. Imperiosidade de extinção do verbete. Homenagem ao princípio da segurança juridica. Revogação aprovada.” Daí que caberia ao protestador apontar a ocorrência de prescrição, mesmo estando em vigor o artigo 9º da Lei nº 9.492/97. Pois bem, diante de tal impasse, a questão foi posta a análise pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, que entendeu que a saída para a resolução seria apurar a existência de abuso de direito na apresentação do cheque despido de força executiva e, a fim de adequar o procedimento do protesto à decisão do Superior Tribunal de Justiça, deu nova redação ao mencionado item 16, excluindo o trecho que impede o Tabelião de Protestos de investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. Entendo que apesar do precedente ter se referido a cheque despido de força executiva, analogicamente o entendimento deverá ser aplicado para nota promissória. Analisando o caso em tela, ao contrário do que faz crer a interessada, uma nota promissória sem data de emissão, de acordo com o artigo 76 da Lei Uniforme de Genebra, é considerada à vista e prescreve no prazo de 4 anos, a contar de sua data, ou seja, 1 ano para apresentação do título, nos moldes do artigo 34, somados aos três anos de prescrição – arts.70 e 77. Neste contexto, como bem exposto pela D. Promotora de Justiça, tal conclusão não leva à contagem automática do prazo prescricional em quatro anos, uma vez que deve ser lavado em consideração a efetiva data de apresentação do título, sendo que o documento poderá ser apresentado antes de um ano. De acordo do com a expressa manifestação da requerente, o título venceu em 18.09.2015, o que pressupõe ser esta a data de apresentação da nota promissória. Portanto, aplicando-se os artigos supra mencionados, operou-se a prescrição em 19.09.2018. Todavia, de acordo com entendimento so STJ, no Agravo em Recurso Especial: AResp 978532 ES 2016/0234869-3, de relatoria da Ministra Maria Isabel Galotti, mesmo prescrita a ação de execução, permanece o direito a cobrança da dívida, por meio de ação de locupletamento ilícito ou enriquecimento sem causa prevista no artigo 48 do Decreto 2044/1986. Ou seja, o prazo de três anos para manejo da ação nas vias ordinárias e contado a partir da prescrição da pretensão de cobrança do título de crédito pela via executiva. Confira-se: “Processual Civil e Empresarial. Notas Promissórias prescritas. Ação de locupletamento ilícito. Prazo para ajuizamento. Nos termos do art.70 da Lei Uniforme de Genebra (“LUG”) o prazo para execução de notas promissórias e letras de cambio é de três anos a contar do vencimento se proposta ação contra o emitente da nota ou o aceitante da letra. Em se tratando de nota promissória, prescrita a ação de execução, permanece o direito a cobrança da dívida, por meio de ação monitória, ação de cobrança ou através da denominada ação de locupletamento ilícito ou enriquecimento sem causa. A ação de locupletamento ilícito está prevista no artigo 48 do Decreto 2044/1908, que define letra de cambio e nota promissória e regula as operações cambiais, em vigor em razão da reserva prevista no artigo 15 do Anexo I da LUG (Decreto nº 57.663/66). O artigo 48 do Decreto 2044/1908 não estabelece o prazo prescricional da ação de enriquecimento sem causa (locupletamento ilícito). Assim aplica-se à mesma o prazo prescricional previsto no artigo 206, § 3º inciso IV do Código Civil. O prazo prescricional de três anos deve ser contado a partir do fato que enseja o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro, ou seja, a partir da prescrição da pretensão de cobrança do título de crédito pela via executiva. A contagem do prazo trienal de prescrição, previsto no artigo 206, § 3º, IV do CC, tem inicio no dia seguinte ao fim do prazo prescricional de 3 (três) anos , previsto no artigo 70 da Lei Uniforme de Genebra (“LUG”), para a execução de notas promissórias. Recurso desprovido. Os embargos de declaração opostos na origem foram rejeitados. Nas razões do especial , a agravante alegou violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, ao argumento de que o tribunal de origem não se manifestou sobre os argumentos apresentados nos embargos de declaração, em especial a aplicação do princípio da actio nata. Apontou ofensa ao artigo 886 do Código Civil, aduzindo que a ação de enriquecimento sem causa é subsidiária e, no caso, era possível o ajuizamento da ação monitória e ação de cobrança. Indicou, também divergência jurisprudencial e contrariedade aos artigos 189 e 206, § 5º do CC, sustentando que, pelo principio da actio nata, o prazo prescricional começa a contar do vencimento do título e não pode ser superior a cinco anos. Assim, posta a questão, passo a decidir. No tocante às alegações de ofensa ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil de 1973, verifico que essas não merecem prosperar. Isso porque, consoante o entendimento consolidado desta Corte, o recorrente não possui o direito de ter todos os argumentos alegados rebatidos, cabendo ao tribunal analisar e debater as questões principais para o deslinde da controvérsia. Com efeito, não confira omissão ou negativa de prestação jurisdicional o fato do acórdão ter sido proferido em sentido contrário ao desejado pela agravante. O Tribunal de origem informou que o agravado ajuizou, em 07.11.2013, ação de locupletamento ilícito para cobrança de valores constantes em duas notas promissórias, vencidas em 12.11.2007 e 30.11.2007. Considerou que não ocorreu a prescrição, pois o prazo de três anos para o manejo da ação teve inicio após o fim do prazo de três anos para a execução. O entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que, em precedente recente entendeu que é cabível ação de locupletamento ilícito com fundamento no artigo 48 do Decreto 2.044/1908 para cobrança de valores constantes de nota promissória sem força executiva e o prazo prescricional de três tem inicio no dia em que consumar a prescrição da ação de execução : Recurso Especial. Ação de locupletamento. Nota promissória prescrita. Duvida quanto ao fundamento da ação: art. 884 do Código Civil ou art. 48 do Decreto nº 2.044/1908. Brocardo da Mihi Factum Dabo Tibi Ius. Aplicação do segundo dispositivo legal. Ausência de prescrição. Desnecessidade de comprovação do negócio jurídico subjacente. Presunção juris tantum do locupletamento pela só apresentação do título, acompanhado do protesto pela falta de pagamento. Violação do art. 333, I, do CPC reconhecida. O juiz não está adstrito aos nomes jurídicos nem a artigos de lei indicados pelas partes, devendo atribuir aos fatos apresentados o enquadramento jurídico adequado. Aplicação do brocardo da mihi factum dabo tibi ius. A existência da ação de locupletamento amparada em nota promissória prescrita, prevista no art. 48 do Decreto nº 2044/1908 (aplicável às notas promissórias por força do art.56 do mesmo diploma legal), desautoriza o cabimento da ação de enriquecimento sem causa amparada no art. 884 do Código Civil, por força do art.886 seguinte. Considerando que o art.48 do Decreto nº 2044/1908 não prevê prazo específico para ação de locupletamento amparada em letra de cambio ou nota promissória, utiliza-se o prazo de 3 (três) anos previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil , contado do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva. Na ação de locupletamento prevista da legislação de regência dos títulos de crédito, a só apresentação da cártula prescrita já é suficiente para embasar a ação, visto que a posse do título não pago pelo portador gera a presunção juris tantum de locupletamento do emitente, nada obstante assegurada a amplitude de defesa do réu. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (Resp 1323468/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 17.03.2016, DJE 28.03.20160. Sendo assim não cabe falar em ação subsidiária por força do artigo 886 do Código Civil, pois a ação é regulada pelo Decreto 2.044/1908, norma mais específica. Considerando as datas informadas pelo Tribunal de origem, se as notas promissórias venceram em 12.11.2007 e 30.11.2007, na data do ajuizamento da ação 07.11.2013, ainda não havia se consumado a prescrição. Em face do exposto, nego provimento ao agravo”. Dai que na presente hipótese, levando-se em consideração a ausência de data de vencimento, o título tornou-se à vista e prescreveu em 19.09.2018. Ocorre que a ação de locupletamento ilícito, nos termos do artigo 48 do Decreto nº 2044/1908, poderá ser formulada até 19.09.2021. Assim, entendo que o protesto do título apresentado é cabível. Como bem evidenciou o parecer da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, necessária a análise da ocorrência de abuso de direito na apresentação a protesto do título despido de força executiva. Segundo explanação do jurista Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil, Parte Geral, 3ª ed, 2003, editora: Atlas, p. 603/604): “Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do razoavelmente o Direito e a Sociedade permitem. O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nesta situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade”. Ainda de acordo com o artigo 187 do CC: “Também, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercelo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”. Neste contexto, entendo que no caso posto a desate, não houve abuso de direito do credor, vez que foi solicitado o protesto em 13.12.2018 (fl.13). Logo, no presente caso, afasto o óbice oposto pela Oficial. Diante do exposto, julgo procedente o pedido de providências formulado por Sul Invest Serviços Financeiros S/A, em face da 2º Tabeliã de Protesto de Letras e Títulos da Capital, e determino o protesto para fins falimentares da empresa Peeqflex Industria e Comércio LTDA, lastreado pela nota promissória nº 01, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. Sem prejuízo, expeça-se oficio à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, comunicando desta decisão. P.R.I.C. – ADV: RODOLFHO COSTA RICIERI (OAB 69513/PR).

Fonte: DJe de 26.03.2019 – SP

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CGJ/SP: Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária antes da consolidação da propriedade – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade – Impossibilidade – Purgação da mora que deve ocorrer no Registro de Imóveis e dentro do prazo estabelecido – Inteligência dos artigos 26, §§1º e 5º, da Lei nº 9.514/97 e 327 do Código Civil – Purgação que, ademais, não foi comunicada pela fiduciária, que requereu a consolidação da propriedade do bem em seu nome – Recurso a que se nega provimento.

Número do processo: 1099247-69.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 30

Ano do parecer: 2017

 

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1099247-69.2016.8.26.0100

(30/2017-E)

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária antes da consolidação da propriedade – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade – Impossibilidade – Purgação da mora que deve ocorrer no Registro de Imóveis e dentro do prazo estabelecido – Inteligência dos artigos 26, §§1º e 5º, da Lei nº 9.514/97 e 327 do Código Civil – Purgação que, ademais, não foi comunicada pela fiduciária, que requereu a consolidação da propriedade do bem em seu nome – Recurso a que se nega provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Bradesco Administradora de Consórcios Ltda. contra a sentença de fls. 68/71, que indeferiu pedido de providências, impedindo o cancelamento da averbação n° 6 da matrícula n° 123.383 do 16° Registro de Imóveis da Capital, inscrição que consolidou a propriedade do imóvel em nome da recorrente, credora fiduciária.

Sustenta a recorrente: a) que embora tenha requerido a consolidação da propriedade do bem em seu nome, o que ocorreu em 10 de agosto de 2016, cinco dias antes o devedor efetuou o pagamento da dívida vencida; b) que a purgação da mora até a arrematação é viável; c) e que o cancelamento proposto é medida que encontra amparo no artigo 250, II, da lei n° 6.015/73 (fls. 78/87).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/149).

É o relatório.

Opino.

De início, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo.

Isso porque a decisão contra a qual se insurge a recorrente não foi proferida em procedimento de dúvida, pressuposto para a interposição de apelação com fundamento no artigo 202 da Lei n° 6.015/73. Trata-se de decisão proferida por Juíza Corregedora Permanente, apreciando a possibilidade de cancelamento de averbação que consolidou a propriedade de imóvel em seu nome. Como se trata de ato de averbação[1], na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cabível recurso administrativo a ser julgado pelo Corregedor Geral da Justiça.

A análise dos autos revela que, no ano de 2007, Maria Lúcia Monteiro Geraldo e Antônio César da Silva Gimenez venderam o imóvel objeto da matrícula n° 123.383 a Marcel Miorin (R.4 – fls. 37). Em garantia de financiamento contratado, à época, no valor de R$77.258,24, o comprador alienou fiduciariamente o imóvel à recorrente (R.5 – fls. 37/38). Não pagas as parcelas do financiamento, a recorrente, credora fiduciária, se dirigiu ao 16° Cartório de Registro de Imóveis, que notificou os devedores para purgação da mora (fls. 31/34). Decorridos os quinze dias estabelecidos pelo artigo 26, § 1°, da Lei n° 9.514/97 para o pagamento do débito, a Oficial certificou o decurso do prazo (fls. 35) e, apresentado o requerimento pelo credor fiduciário acompanhado do recolhimento do ITBI (fls. 80), averbou a consolidação da propriedade do imóvel em nome da recorrente (Av.6 – fls. 38/39).

Alega a recorrente que houve purgação da mora. Todavia, isso aparentemente não teria ocorrido na Serventia Imobiliária, como preceitua o § 5° do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, e muito menos dentro do prazo de quinze dias, que se encerou no dia 30 de junho de 2016 (fls. 35), enquanto o adimplemento teria ocorrido em 5 de agosto de 2016 (fls. 80).

Baseado nisso, pretende a recorrente a reforma da sentença de primeiro grau, com o cancelamento da averbação que consolidou a propriedade em seu nome.

Sem razão, porém.

O artigo 26 da Lei n° 9.514/97 estabelece o procedimento por meio do qual se dá a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, decorrente da mora do fiduciante. Em resumo, constatada a mora, o fiduciário se dirigirá ao Oficial do Registro de Imóveis da situação do bem, que intimará o fiduciante a pagar, em quinze dias, as prestações vencidas e vincendas, além dos encargos decorrentes do atraso (§1° do artigo 26). A partir daí, duas são as situações possíveis: a) purgada a mora no Registro de Imóveis, o contrato de alienação fiduciária convalescerá (§5° do artigo 26); b) quedando-se inerte o fiduciante, o Oficial do Registro de Imóveis, à vista da prova do pagamento pelo fiduciário do imposto de transmissão inter vivos, promoverá a averbação da consolidação da propriedade em nome desse último (§7° do artigo 26).

Na hipótese de consolidação da propriedade, nos moldes do artigo 27 da Lei n° 9.514/97, o fiduciário terá trinta dias para realizar o leilão público do imóvel.

No caso em análise, após a regular intimação do fiduciante (fls.35), a mora supostamente teria sido purgada em local diverso do estabelecido em Lei, que textualmente preceitua que o pagamento ocorrerá no Registro de Imóveis[2].

Não houve, portanto, válida purgação da mora.

Com efeito, o art. 327 do Código Civil estabelece que o pagamento – e a purgação da mora aí se inclui – “será efetuado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias” (grifei). Desse modo, se o artigo 26, § 5º , da Lei n° 9.514/97 fixa o Registro de Imóveis como o local adequado para o fiduciante purgar a mora, pagamento efetuado em local diverso não terá o condão de cessar os seus efeitos, os quais, na hipótese, resultaram na consolidação da propriedade em nome da fiduciária.

Mas não é só.

A consolidação da propriedade contou com participação ativa da recorrente.

Em 30 de junho de 2016, a Oficial do 16° Registro de Imóveis da Capital certificou o decurso do prazo de quinze dias para a purgação da mora por parte do fiduciante (fls. 35).

Em seguida, a recorrente requereu a consolidação da propriedade fiduciária em seu nome e, conforme admitiu, recolheu, em obediência ao § 7º do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, o ITBI devido (fls. 80).

Depois disso, mais especificamente em 10 de agosto de 2015, a averbação da consolidação da propriedade em nome da fiduciária foi efetuada (fls. 38/39).

Dessa forma, observado todo o procedimento traçado pela Lei n° 9.514/97, e tendo ocorrido o suposto pagamento em local diverso e fora do prazo determinados pela Lei, a consolidação da propriedade em nome da fiduciária se tornou ato perfeito e acabado, não havendo razão que justifique o cancelamento da averbação.

Repactuada a dívida, resta aos interessados celebrar novo negócio jurídico, com o pagamento de todos os encargos decorrentes desse ato.

E nem se argumente que consolidada a propriedade em nome do fiduciário, em virtude da redação do artigo 27 da Lei n° 9.514/97[3], fica o fiduciante impossibilitado de recuperar o bem. Isso porque o artigo 39 da Lei n° 9.514/97 prescreve que são aplicáveis à alienação fiduciária de coisa imóvel os artigos 29 a 41 do Decreto-lei n° 70/66. Esse, por seu turno, em seu artigo 34, estabelece que “é lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito”.

Assim, nada impede que o bem, cuja propriedade se consolidou em nome do fiduciário, não seja levado a leilão e permaneça vinculado ao fiduciante que, anteriormente, não efetuou o pagamento de modo correto.

No mesmo sentido, autos n° 1113134-57.2015.8.26.0100, com parecer de minha autoria devidamente aprovado por Vossa Excelência.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 16 de fevereiro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: AMANDIO FERREIRA TERESO JUNIOR, OAB/SP 107.414 e MARIA LUCILIA GOMES, OAB/SP 84.206.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.03.2017

Decisão reproduzida na página 047 do Classificador II – 2017


Notas:

[1] Art. 248 – O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.

[2] Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a divida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

(…)

§ purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária. (grifei)

[3] Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (grifei)


 Fonte: INR Publicações

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Congresso Nacional cria Frente Parlamentar da Justiça Notarial e Registral

Grupo visa o desenvolvimento de medidas para desobstruir o Poder Judiciário

https://www.anoregsp.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/destaques/43794/destaque.jpg

Com intuito de promover o debate de questões que envolvam o combate à burocracia, à corrupção, à lavagem de dinheiro, além de fomentar a justiça consensual, foi criada no último dia 26 de fevereiro, a Frente Parlamentar da Justiça Notarial e Registral. O lançamento oficial do movimento acontecerá no próximo dia 9 de abril, a partir das 16h, no Salão Nobre das Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).

Apresentada pelo deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB/SC), e contando com o apoio de 253 parlamentares, a Frente tem por finalidade mobilizar o Congresso, órgãos do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil organizada para debater, propor e encaminhar medidas para desoprimir o Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, gerar economia aos cofres públicos.

De acordo com o documento de criação do Grupo Parlamentar, a crise da prestação jurisdicional e a lentidão do Poder Judiciário, marcadas pela escassez de recursos e pelo excesso de formalismo, contribuíram para surgir outras formas de soluções conflitos. “Como se sabe, o Estado-juiz há tempos não consegue mais atender às milhões de demandas que lhes são dirigidas, de maneira isolada. Assim, o acesso à Justiça deve resultar também da atuação notarial, para que, unidos, possam construir uma ordem jurídica célere e justa”, destaca o texto.

O documento ainda apresenta, como exemplo de experiência bem-sucedida da participação dos cartórios na desobstrução da justiça no Brasil, a criação da Lei 11.441/2007, que possibilita a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais pela via administrativa.

“O tabelião executa sem burocracia, com absoluta eficiência, técnica e celeridade, a separação, o divórcio, o inventário e a partilha, quando não envolvem interesses de incapazes e não há litígio, reduzindo drasticamente as demandas judicias, garantindo bilhões de economia ao erário. Dois milhões de processos deixaram de ingressar no Poder Judiciário por terem sido solucionados, consensualmente no tabelionato, resultando em quatro bilhões de economia aos cofres públicos”, aponta o texto.

Clique aqui e leia a íntegra do Estatuto e do texto de criação da Frente Parlamentar da Justiça Notarial e Registral.

Fonte: Anoreg/BR

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