CGJ/SP: Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária antes da consolidação da propriedade – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade – Impossibilidade – Purgação da mora que deve ocorrer no Registro de Imóveis e dentro do prazo estabelecido – Inteligência dos artigos 26, §§1º e 5º, da Lei nº 9.514/97 e 327 do Código Civil – Purgação que, ademais, não foi comunicada pela fiduciária, que requereu a consolidação da propriedade do bem em seu nome – Recurso a que se nega provimento.


  
 

Número do processo: 1099247-69.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 30

Ano do parecer: 2017

 

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1099247-69.2016.8.26.0100

(30/2017-E)

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária antes da consolidação da propriedade – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade – Impossibilidade – Purgação da mora que deve ocorrer no Registro de Imóveis e dentro do prazo estabelecido – Inteligência dos artigos 26, §§1º e 5º, da Lei nº 9.514/97 e 327 do Código Civil – Purgação que, ademais, não foi comunicada pela fiduciária, que requereu a consolidação da propriedade do bem em seu nome – Recurso a que se nega provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Bradesco Administradora de Consórcios Ltda. contra a sentença de fls. 68/71, que indeferiu pedido de providências, impedindo o cancelamento da averbação n° 6 da matrícula n° 123.383 do 16° Registro de Imóveis da Capital, inscrição que consolidou a propriedade do imóvel em nome da recorrente, credora fiduciária.

Sustenta a recorrente: a) que embora tenha requerido a consolidação da propriedade do bem em seu nome, o que ocorreu em 10 de agosto de 2016, cinco dias antes o devedor efetuou o pagamento da dívida vencida; b) que a purgação da mora até a arrematação é viável; c) e que o cancelamento proposto é medida que encontra amparo no artigo 250, II, da lei n° 6.015/73 (fls. 78/87).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/149).

É o relatório.

Opino.

De início, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo.

Isso porque a decisão contra a qual se insurge a recorrente não foi proferida em procedimento de dúvida, pressuposto para a interposição de apelação com fundamento no artigo 202 da Lei n° 6.015/73. Trata-se de decisão proferida por Juíza Corregedora Permanente, apreciando a possibilidade de cancelamento de averbação que consolidou a propriedade de imóvel em seu nome. Como se trata de ato de averbação[1], na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cabível recurso administrativo a ser julgado pelo Corregedor Geral da Justiça.

A análise dos autos revela que, no ano de 2007, Maria Lúcia Monteiro Geraldo e Antônio César da Silva Gimenez venderam o imóvel objeto da matrícula n° 123.383 a Marcel Miorin (R.4 – fls. 37). Em garantia de financiamento contratado, à época, no valor de R$77.258,24, o comprador alienou fiduciariamente o imóvel à recorrente (R.5 – fls. 37/38). Não pagas as parcelas do financiamento, a recorrente, credora fiduciária, se dirigiu ao 16° Cartório de Registro de Imóveis, que notificou os devedores para purgação da mora (fls. 31/34). Decorridos os quinze dias estabelecidos pelo artigo 26, § 1°, da Lei n° 9.514/97 para o pagamento do débito, a Oficial certificou o decurso do prazo (fls. 35) e, apresentado o requerimento pelo credor fiduciário acompanhado do recolhimento do ITBI (fls. 80), averbou a consolidação da propriedade do imóvel em nome da recorrente (Av.6 – fls. 38/39).

Alega a recorrente que houve purgação da mora. Todavia, isso aparentemente não teria ocorrido na Serventia Imobiliária, como preceitua o § 5° do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, e muito menos dentro do prazo de quinze dias, que se encerou no dia 30 de junho de 2016 (fls. 35), enquanto o adimplemento teria ocorrido em 5 de agosto de 2016 (fls. 80).

Baseado nisso, pretende a recorrente a reforma da sentença de primeiro grau, com o cancelamento da averbação que consolidou a propriedade em seu nome.

Sem razão, porém.

O artigo 26 da Lei n° 9.514/97 estabelece o procedimento por meio do qual se dá a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, decorrente da mora do fiduciante. Em resumo, constatada a mora, o fiduciário se dirigirá ao Oficial do Registro de Imóveis da situação do bem, que intimará o fiduciante a pagar, em quinze dias, as prestações vencidas e vincendas, além dos encargos decorrentes do atraso (§1° do artigo 26). A partir daí, duas são as situações possíveis: a) purgada a mora no Registro de Imóveis, o contrato de alienação fiduciária convalescerá (§5° do artigo 26); b) quedando-se inerte o fiduciante, o Oficial do Registro de Imóveis, à vista da prova do pagamento pelo fiduciário do imposto de transmissão inter vivos, promoverá a averbação da consolidação da propriedade em nome desse último (§7° do artigo 26).

Na hipótese de consolidação da propriedade, nos moldes do artigo 27 da Lei n° 9.514/97, o fiduciário terá trinta dias para realizar o leilão público do imóvel.

No caso em análise, após a regular intimação do fiduciante (fls.35), a mora supostamente teria sido purgada em local diverso do estabelecido em Lei, que textualmente preceitua que o pagamento ocorrerá no Registro de Imóveis[2].

Não houve, portanto, válida purgação da mora.

Com efeito, o art. 327 do Código Civil estabelece que o pagamento – e a purgação da mora aí se inclui – “será efetuado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias” (grifei). Desse modo, se o artigo 26, § 5º , da Lei n° 9.514/97 fixa o Registro de Imóveis como o local adequado para o fiduciante purgar a mora, pagamento efetuado em local diverso não terá o condão de cessar os seus efeitos, os quais, na hipótese, resultaram na consolidação da propriedade em nome da fiduciária.

Mas não é só.

A consolidação da propriedade contou com participação ativa da recorrente.

Em 30 de junho de 2016, a Oficial do 16° Registro de Imóveis da Capital certificou o decurso do prazo de quinze dias para a purgação da mora por parte do fiduciante (fls. 35).

Em seguida, a recorrente requereu a consolidação da propriedade fiduciária em seu nome e, conforme admitiu, recolheu, em obediência ao § 7º do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, o ITBI devido (fls. 80).

Depois disso, mais especificamente em 10 de agosto de 2015, a averbação da consolidação da propriedade em nome da fiduciária foi efetuada (fls. 38/39).

Dessa forma, observado todo o procedimento traçado pela Lei n° 9.514/97, e tendo ocorrido o suposto pagamento em local diverso e fora do prazo determinados pela Lei, a consolidação da propriedade em nome da fiduciária se tornou ato perfeito e acabado, não havendo razão que justifique o cancelamento da averbação.

Repactuada a dívida, resta aos interessados celebrar novo negócio jurídico, com o pagamento de todos os encargos decorrentes desse ato.

E nem se argumente que consolidada a propriedade em nome do fiduciário, em virtude da redação do artigo 27 da Lei n° 9.514/97[3], fica o fiduciante impossibilitado de recuperar o bem. Isso porque o artigo 39 da Lei n° 9.514/97 prescreve que são aplicáveis à alienação fiduciária de coisa imóvel os artigos 29 a 41 do Decreto-lei n° 70/66. Esse, por seu turno, em seu artigo 34, estabelece que “é lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito”.

Assim, nada impede que o bem, cuja propriedade se consolidou em nome do fiduciário, não seja levado a leilão e permaneça vinculado ao fiduciante que, anteriormente, não efetuou o pagamento de modo correto.

No mesmo sentido, autos n° 1113134-57.2015.8.26.0100, com parecer de minha autoria devidamente aprovado por Vossa Excelência.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 16 de fevereiro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: AMANDIO FERREIRA TERESO JUNIOR, OAB/SP 107.414 e MARIA LUCILIA GOMES, OAB/SP 84.206.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.03.2017

Decisão reproduzida na página 047 do Classificador II – 2017


Notas:

[1] Art. 248 – O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.

[2] Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a divida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

(…)

§ purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária. (grifei)

[3] Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (grifei)


 Fonte: INR Publicações

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