Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Desmembramento – Pedido indeferido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recorrente que pretende a aplicação das novas regras trazidas pela Lei 11.977/09 – Incabível a utilização do instituto da regularização fundiária de interesse social para afastar as exigências trazidas pela Lei 6.766/79, aplicável ao caso concreto à época do requerimento formulado perante a serventia imobiliária – Recurso não provido.


  
 

Número do processo: 69128

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 317

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2018/69128

(317/2018-E)

Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Desmembramento – Pedido indeferido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recorrente que pretende a aplicação das novas regras trazidas pela Lei 11.977/09 – Incabível a utilização do instituto da regularização fundiária de interesse social para afastar as exigências trazidas pela Lei 6.766/79, aplicável ao caso concreto à época do requerimento formulado perante a serventia imobiliária – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Vistos.

Trata-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE ITAQUAQUECETUBA contra a r. sentença proferida pelo Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis daquela Comarca[1], que indeferiu o pedido de desmembramento de parte do Loteamento “Jardim Félix e Milton”, objeto da matrícula n° 17.178 do Cartório de Registro de Imóveis de Poá/SP. Alega a parte recorrente, em síntese, não ser aplicável ao caso concreto o disposto na Lei 6.766/79, cujos preceitos são mais rígidos e antiquados, mas sim, as novas regras trazidas pela Lei 11.977/09, em especial o quanto previsto em seus arts. 47 e 65, que cuidam da regularização fundiária de interesse social. Ressalta que a área em questão foi declarada como ZEIS – Zona Especial de Interesse Social e que, sendo assim, o pretendido desmembramento merece ser deferido.

A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação[2].

Os autos foram redistribuídos a esta Corregedoria Geral de Justiça, nos termos da decisão monocrática a fls. 461/463.

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, pois o ato buscado é de averbação, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo da parte foi manifestado contra r. decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da Serventia Extrajudicial em questão.

Pretende o recorrente o desmembramento de parte do Loteamento “Jardim Félix e Milton”, denominada Gleba 14, localizada no Bairro Campo Limpo, Itaquaquecetuba, objeto da matrícula n° 17.178 do Cartório de Registro de Imóveis de Poá/SP, amparado em projeto de regularização fundiária em Zona Especial de Interesse Social – ZEIS.

A recusa do Oficial Registrador funda-se no fato de que não foram cumpridas pela Municipalidade as exigências trazidas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral vigentes à época (fls. 186).

Para melhor compreensão do tema em debate, há que se fazer um breve retrospecto sobre a regularização fundiária urbana. Tal como constou de ilustrativo voto proferido por Vossa Excelência nos autos da Apelação n° 1052030-64.2015.8.26.0100, é sabida “a existência de problemas habitacionais decorrentes das ocupações irregulares havidas ao longo dos anos em nossas cidades, fazendo com que vários núcleos habitacionais se estabelecessem de forma desordenada por todos os lugares. Esses assentamentos precários e incorretos desenvolveram-se à margem do sistema registral, de maneira irreversível. As pessoas que ali vivem não são proprietárias do imóvel que ocupam, inexistindo garantia de segurança social e jurídica aos envolvidos.

Importa lembrar, por outro lado, que a moradia é direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988 e, como ensina Marcelo Augusto Santana de Melo:

“Os elementos do direito à cidade são viver com segurança, viver em paz, e viver com dignidade, e somente mediante um sistema de garantia de propriedade adequado é que existirá a satisfação plena de seu conteúdo. (…) a propriedade é o fim a ser observado no direito à moradia porque somente com ela existirá a segurança jurídica plena e a satisfação dos moradores de baixa renda” [3]. Bem por isso, a busca de solução para a questão habitacional sempre foi relevante aos entes públicos, eis que necessitam ter a real dimensão da população de cada cidade, assim como das moradias existentes e faltantes para que, com base nesses dados, consigam adotar as medidas cabíveis para promoção da qualidade de vida dos cidadãos e proporcionar às famílias o acesso aos serviços públicos.

Nesse cenário, o Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/01) estabeleceu diretrizes gerais para a política urbana que tem no parcelamento do solo um de seus instrumentos. Mais recentemente, objetivando dar efetividade à diretriz constitucional, a Lei n° 11.977/09, que instituiu o programa “Minha Casa Minha Vida”, rompeu paradigmas relativos à regularização fundiária urbana, estabelecendo, para tanto, novos instrumentos e mecanismos. Em seu art. 46, referida lei dispõe que a regularização fundiária “consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

E após alguns anos de experiência de regularização fundiária urbana a partir do marco institucional representado pela Lei n° 11.977/09, o Poder Executivo Federal editou a Medida Provisória n° 759, de 22 de dezembro de 2016, convertida na Lei 13.465/17, que expressamente revogou os dispositivos daquele diploma afetos ao assunto.

Atenta à questão, também esta E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo envidou os esforços e editou Provimentos indicadores das mudanças havidas no tratamento da regularização fundiária (Provimentos nºs 18/2012 e 21/2013 e, no final do último ano, o Provimento nº 51/2017).

Como se vê, o tema vem sendo uma preocupação constante e cada vez maior, na medida em que a perpetuação de ocupações irregulares a ninguém beneficia e tampouco interessa. A respeito, ensina o ilustre Desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça paulista no biênio 2012/2013, que existem três dimensões para a regularização fundiária: “(i) dimensão urbanística, com os investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (ii) dimensão jurídica, com a utilização de instrumentos que possibilitem a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (iii) dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, afim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil” [4]. Sob esse prisma, o objetivo de todo procedimento de regularização fundiária será a titulação de seus ocupantes, respeitadas a legislação urbanística e ambiental.

Na referida dimensão jurídica, a atribuição de um título aquisitivo passível de ingresso no fólio real enseja a pacificação de conflitos e garante o direito à moradia digna, certo que o parcelamento consolidado de modo ilegal ou irregular impede, inclusive, investimentos públicos para implantação de serviços estruturais, como pavimentação de ruas, iluminação pública, sistema de captação de águas pluviais, instalação de escolas, hospitais, creches, entre outros. Por tal razão, a regularização fundiária, no aspecto jurídico, prima pela inclusão das áreas regularizadas nos cadastros imobiliários”.

Ocorre que no caso concreto, diferentemente da hipótese versada nos autos do recurso de apelação acima referido, iniciou-se o presente expediente a partir de pedido de desmembramento de área formulado pelo proprietário da área e encaminhado pela Municipalidade à apreciação do MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 03).

Com efeito, a documentação trazida aos autos demonstra que Antônio Carneiro de Souza, titular de domínio da área em questão, provocou a atuação da Prefeitura Municipal de Itaquaquecetuba/SP, objetivando o fracionamento da denominada Gleba 14 em seis lotes menores (fls. 05 e ss.). E uma vez prejudicado o pedido inicialmente formulado pelo particular, deixou a Municipalidade de apresentar ao MM. Juiz Corregedor Permanente, à época, os documentos necessários para a aprovação do desmembramento então requerido.

A propósito, importa lembrar que é pacífico na jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura o entendimento de que a apresentação do título é regida pelo princípio tempus regit actum, ou seja, a qualificação segue as regras vigentes ao tempo do registro.

Ademais, mostra-se indevido o pretendido desmembramento por ser incabível a utilização do instituto da regularização fundiária de interesse social para afastar as exigências trazidas pela Lei 6.766/79, sobretudo porque também não comprovado o preenchimento dos requisitos previstos na Lei n° 13.465/17.

Ressalte-se que há notícia, nos autos, do ajuizamento de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra os loteadores, tendo por objeto o imóvel em que inserida a área objeto do pedido formulado no presente expediente, de maneira que a questão também não pode ser solucionada por intermédio do pretendido desmembramento.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 8 de agosto de 2018.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 09 de agosto de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: GABRIEL BAZZEGGIO DA FONSECA, OAB/SP 258.142.

Diário da Justiça Eletrônico de 14.08.2018

Decisão reproduzida na página 148 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

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