CSM/SP: Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Óbice afastado – Apelação a que se dá provimento


  
 

Apelação n° 1006983-27.2018.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006983-27.2018.8.26.0047
Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1006983-27.2018.8.26.0047

Registro: 2020.0000282841

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006983-27.2018.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 15 de abril de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1006983-27.2018.8.26.0047

Apelante: TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Assis

VOTO Nº 31.129

Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Óbice afastado – Apelação a que se dá provimento.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Triângulo Mineiro Transmissora S.A. em face da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de servidão administrativa junto à matrícula nº 50.053 daquela serventia extrajudicial (fl. 98/100), confirmando os óbices apresentados na nota devolutiva emitida pelo registrador (fl. 10).

A Nota de Exigência indicou como motivos de recusa do ingresso do título: “(i) providenciar a prévia averbação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural do imóvel objeto da matrícula n.º 50.053, acompanhado do comprovante de inscrição, que se tornou condição para registro de servidão em imóveis rurais, nos termos da alínea “b” do item 125 e dos subitens 125.1 e 125.2, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da CGJ/SP, com as alterações do Provimento CG n.º 37/2013; (ii) juntar a última Declaração do ITR (recibo de entrega e DIAC-DIAT) referente ao exercício de 2017, correspondente ao imóvel objeto da matrícula acima citada, para que seja possível a verificação do valor tributário do imóvel e, assim, cálculo das custas e emolumentos correspondentes ao registro pretendido”.

Sustenta a apelante, em síntese, não estar obrigada à inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural CAR, bem como que as custas e os emolumentos devem ser calculados com base no valor econômico apurado na ação judicial que instituiu a servidão administrativa (fl. 123/133).

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer, opinando pelo provimento do apelo (fl. 198/200).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica, por sentença proferida em ação judicial teve instituída, em seu favor, servidão administrativa sobre uma faixa de terras, declarada de utilidade pública, inserida em imóvel rural objeto da matrícula nº 50.053 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP.

Contudo, o mandado judicial expedido nos autos da ação de instituição de servidão administrativa (Processo nº 1007597-71.2014.8.26.0047, da 1ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP), apresentado a registro pela apelante, foi negativamente qualificado pelo Sr. Oficial Registrador.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça[1], vigente à época da qualificação (atual item 117). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial[2].

No que diz respeito à necessidade de prévia inscrição do imóvel serviente junto ao Cadastro Ambiental Rural CAR e de apresentação da documentação relativa ao ITR, importa anotar que este C. Conselho Superior da Magistratura, apreciando hipótese bastante semelhante àquela versada nos presentes autos, entendeu, recentemente, que as exigências formuladas pelo registrador não merecem subsistir.

A propósito, assim ficou decidido:

“Registro de Imóveis – Servidão administrativa instituída por decisão judicial – I – Exigência de prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural CAR que não deve subsistir – ‘Servidão administrativa’ não se confunde com ‘servidão de passagem’ para os fins do item 125.2 das NSCGJ – Informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012, e não da empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para os primeiros (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) – Elaboração do CAR pela empresa concessionária que acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa – II – Emolumentos que devem ser fixados em consideração à avaliação estabelecida na demanda judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso provido, para afastar a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP” (TJSP; Apelação Cível nº 1002363-69.2018.8.26.0047; Relator (a): Pereira Calças (Presidente Tribunal de Justiça); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Assis – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2019; Data de Registro: 21/05/2019).

Para efetiva compreensão das razões que levaram ao afastamento dos referidos óbices pelo C. Conselho Superior da Magistratura, vale a transcrição de parte do voto vencedor proferido nos autos da Apelação nº 1002363-69.2018.8.26.0047:

“O Cadastro Ambiental Rural, criado pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), consiste em registro público eletrônico integrante do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, contemplando, nos termos do art. 5º do Decreto nº 7.830/2012, ‘os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural, a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da localização das Reservas Legais.’ Cuidando-se de pequena propriedade familiar, a planta georreferenciada pode ser substituída por croqui que indique o perímetro do imóvel, as Áreas de Preservação Permanente e os remanescentes que formam a Reserva Legal, consoante art. 8º, caput, do mesmo Decreto.

As informações acima listadas, ante a sua complexidade e significativa extensão, devem ser fornecidas pelo proprietário ou possuidor do imóvel, conforme determina o art. 29, §1º, da Lei nº 12.651/2012 (‘A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural: I identificação do proprietário ou possuidor rural; II comprovação da propriedade ou posse; III identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’).

Outrossim, dispõe o art. 5º, §4º, do Decreto nº 7.830/2012, que ‘a atualização ou alteração dos dados inseridos no CAR só poderão ser efetuadas pelo proprietário ou possuidor rural ou representante legalmente constituído.’

É certo que, uma vez efetivada a inscrição no CAR, a averbação do respectivo número junto ao Cartório de Registro de Imóveis pode ser feita por iniciativa de ‘qualquer pessoa’, como prevê o item 125.3 do capítulo XX das NSCGJ.

Contudo, nos casos em que o proprietário ou possuidor deixou de realizar o cadastro ambiental (hipótese sub examine), não se pode exigir que o titular de servidão administrativa promova, por si mesmo, a regularização do imóvel perante o SINIMA, para só então solicitar a averbação do respectivo número ao CRI e obter, finalmente, o registro do direito de servidão.

Primeiro, porque, como visto, as informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012. Até mesmo porque a inscrição no CAR, por demandar a ‘localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’ (art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012), tem o condão de criar restrições de uso (obrigações de não fazer) para o proprietário ou possuidor. Não parece adequado, nesse contexto, que o titular de servidão administrativa, a qual atinge apenas uma fração do imóvel serviente (diminuta, no mais das vezes), possa estabelecer os limites de uso e fruição de todo o imóvel, afetando direitos alheios (do proprietário e do possuidor). Segundo, porque a elaboração do CAR pela empresa concessionária acarretaria ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa, podendo prejudicar, em última análise, o atendimento dos interesses da coletividade.

(…)

Possível imaginar, ainda, os efeitos negativos potencializados em escala nacional, caso exigidas tais providências das concessionárias de energia elétrica, para todas as propriedades sem CAR pelas quais passem as redes de transmissão.

(…)

É preciso salientar, no entanto, que a Lei nº 12.651/2012 dispensa a criação de Reserva Legal sobre ‘áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica’ (art. 12, §7º). Logo, nesse cenário, a delimitação da Reserva Legal continua a cargo do proprietário, que deve excluir do cálculo da Reserva o trecho abrangido pela utilidade pública (art. 23, inciso I, da Instrução Normativa MMA nº 02/2014).

(…)

Sustenta o Sr. Oficial que a exibição da declaração de ITR se prestaria à verificação do ‘maior valor’ entre aqueles arrolados nos incisos I a III do art. 7º (preço do imóvel, valor lançado para fins de ITR ou base de cálculo do ITBI), conforme dispõe o caput do mesmo dispositivo. Todavia, o caso em análise subsume-se ao parágrafo único do art. 7º, que vincula a base de cálculo dos emolumentos ao valor atribuído à coisa em sede de ação judicial ou procedimento fiscal (exceção à regra do caput). Assim, a quantia indenizatória fixada em favor do proprietário do imóvel (art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/1941) dá a justa dimensão patrimonial da servidão, devendo ser utilizada como parâmetro na apuração das despesas registrais”.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[2] Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223. (DJe de 08.05.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.