Habilitação de casamento – Nubente interditado – Ausência de manifestação clara de vontade, no caso concreto – Acolhimento da impugnação ofertada – Inconformismo manifestado com fundamento no Estatuto da Pessoa com Deficiência – Solução da controvérsia que deverá ser buscada pelos interessados em ação própria, na esfera jurisdicional – Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e, no mérito, pelo seu não provimento.


  
 

Número do processo: 1129554-06.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 4

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1129554-06.2016.8.26.0100

(04/2019-E)

Habilitação de casamento – Nubente interditado – Ausência de manifestação clara de vontade, no caso concreto – Acolhimento da impugnação ofertada – Inconformismo manifestado com fundamento no Estatuto da Pessoa com Deficiência – Solução da controvérsia que deverá ser buscada pelos interessados em ação própria, na esfera jurisdicional – Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e, no mérito, pelo seu não provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por M.A.L. e J.C.G. contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Capital, que acolheu a impugnação ofertada em relação ao pedido de habilitação para casamento formulado, indeferindo o prosseguimento do expediente por falta de discernimento e incapacidade civil do nubente[1].

Alegam os recorrentes, em síntese, que o nubente, pessoa com deficiência intelectual, tem condições de exprimir sua vontade e, assim, manifestou consentimento livre em relação ao desejo de se casar e constituir família. Sustentam viver em união estável desde 2014 e afirmam que o nubente entende o que é se casar, tendo demonstrado estar disposto a assumir as consequências de seu ato. Ainda, aduzem que a avaliação do IMESC não é válida, pois não realizada por equipe multidisciplinar e interdisciplinar, como previsto no art. 2º, § 1º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Por fim, ressaltam a proibição da discriminação da pessoa com deficiência, afirmando sua autonomia.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[2].

É o relatório.

Opino.

De início, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[3].

Em subseção dedicada à habilitação para o casamento, preceitua o item 57.1 do Capítulo XVII das NSCGJ:

57.1. O nubente interdito, seja qual for a data ou os limites da interdição, poderá contrair casamento.

A disposição está em consonância com a orientação trazida pela Lei 13.146/15 que, com o intuito de aprimorar a inclusão social das pessoas com deficiência, trouxe diversas inovações na disciplina a ser seguida para a prática de atos por quem se veja às voltas com “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 2º).

O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou sensivelmente o regramento da incapacidade civil, colocando termo ao tratamento, como absolutamente incapazes, dos que, “por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”, ou dos que, “mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade” (antiga redação do art. 3º da Lei Civil).

Aliás, há expressa previsão de que “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, inclusive para se casar e constituir união estável, ou exercer direitos reprodutivos (art. 6º, I e II), atos que envolvem conteúdo existencial, cerne da proteção do estatuto, e relacionados aos direitos da personalidade.

Como se vê, a capacidade plena da pessoa com deficiência passou a ser regra, certo que sua eventual colocação sob curatela dependerá de procedimento judicial, com participação de equipe técnica multidisciplinar e entrevista pessoal do interditando (nova redação dada ao art. 1771 do Código Civil). Ao final, o Juiz determinará os limites da curatela, “segundo as potencialidades da pessoa” (art. 1772 do mesmo Código), devendo a modulação judicial dos efeitos da sentença de interdição ser, em todas as hipóteses, casuística, o que coloca um fim à definição apriorística de “absolutamente incapaz” da pessoa com deficiência, ainda que mental ou intelectual.

Ocorre que, no caso concreto, a perícia realizada junto ao IMESC constatou que o nubente, J.C.G., tal como ocorreu quando inquirido em juízo[4], não soube informar há quanto tempo conhece a companheira, nem há quanto tempo com ela reside. Constou do laudo técnico elaborado que o periciando não demonstra orientação em relação à data atual, dia de semana, mês ou ano, também não sabendo dizer o bairro em que estava ou como chegou até o local da perícia. E muito embora tenha relatado que gosta da companheira e que deseja ter uma família, não soube explicar sua motivação para o casamento, nem se mostrou capaz de ler, escrever, efetuar cálculos simples ou ter adequada noção financeira e de valores monetários do cotidiano. Assim, concluiu o expert que o nubente não demonstra ter suficiente noção das implicações do casamento, sendo parcial sua capacidade de entendimento e determinação em nele consentir[5].

Destarte, ausente clara demonstração de vontade na hipótese em análise, correta a decisão proferida na via administrativa pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que negou prosseguimento à habilitação de casamento requerida pelos recorrentes.

A solução da controvérsia deverá, pois, ser buscada em ação própria, na esfera jurisdicional.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja recebida como recurso administrativo, negando-se provimento ao reclamo.

Sub censura.

São Paulo, 07 de janeiro de 2019.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo, negando provimento ao reclamo. São Paulo, 08 de janeiro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: FERNANDA DUTRA PINCHIARO, OAB/SP 348.738.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.01.2019

Decisão reproduzida na página 016 do Classificador II – 2019


Notas:

[1] Fls. 132/135.

[2] Fls. 236/239.

[3] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

[4] Fls. 73.

[5] Fls. 123/127.

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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