Nota Técnica do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil – CCOGE – (Jornal do Protesto).


  
 

O Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil – CCOGE, Associação Civil Sem Fins Lucrativos de Âmbito Nacional, integrada pelos Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, vem, por meio de sua Comissão Executiva, sob égide do art. 6º do Estatuto do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil, apresentar NOTA TÉCNICA quanto ao Projeto de Lei n.º 675/2020, na forma do Substitutivo aprovado pelo Senado Federal.

É importante pontuar que o Projeto de Lei em análise vem sendo objeto de comoção em diversos Órgãos Judiciais no âmbito nacional, causando notável celeuma quanto à antecipação dos efeitos trazidos por este, caso votado e convertido em Lei strictu sensu, razão pela qual se entendeu fundamental a elaboração de Nota Técnica.

De início, cumpre destacar as boas intenções do projeto ora estudado, devendo ser visto com bons olhos o desígnio de auxiliar os devedores no momento emergencial de saúde vivido por esta nação, tendo em vista que, por vezes, a inadimplência se dá por simples necessidade e, não por serem aqueles maus pagadores. No entanto, ao analisar o Projeto de Lei encaminhado, entende-se que suas disposições tangenciaram de forma equivocada a correta aproximação do problema, mostrando-se precipitada ao suspender abruptamente e de forma indeterminada o funcionamento de todo o procedimento de protesto.

Enfatize-se que o protesto extrajudicial é instrumento antiquíssimo, inaugurado, em âmbito nacional, pela Lei Federal nº 556, de 1850, já prevendo tal instituto, em seu art. 405. Ora, sendo o Protesto de Títulos instrumento secular no nosso ordenamento jurídico e importantíssimo ao funcionamento da economia como um todo, não é grande salto interpretativo o entendimento de que já existe todo um sistema coexistente e dependente deste procedimento, o que, por si só, já demonstra elevado risco de alterações quaisquer do instituto sem profundos estudos, quiçá sua completa suspensão.

Ainda, leve-se em consideração o previsto no art. 1º da Lei nº 9492/97, ipsis litteris:

“Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Desta feita, sendo o Protesto a maneira institucional de se provar a inadimplência, é de máxima importância sua continuidade, sob pena de perda ou prejuízo de direitos e créditos regularmente constituídos. Suficiente digressão, passamos a ressaltar pontos específicos do PL em comento que conflitam com a ordem jurídica e econômica contemporânea, dando destaque aos seus arts. 2º e 4º, vejamos in verbis:

“Art. 2º Durante o período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, a inscrição de registros de informações negativas de consumidores, de que trata o § 2º do art. 43 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, relativas às obrigações de dívidas transcorridas na sua vigência deverá ser apartada dos cadastros normais de acordo com diferente tipologia”.

“Art. 4º A partir da entrada em vigor desta Lei e até o fim da validade do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que reconhece o estado de calamidade pública, fica suspensa a execução dos atos referentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida regulados pela Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997”.

Fazendo uma análise do art. 2º do Projeto, é de se registrar que o Protesto Extrajudicial é importante ferramenta para satisfação do crédito em âmbito nacional, e a inscrição de nomes em cadastros e registros de devedores é uma das razões de sua grande proficiência. Assim, a suspensão das inscrições trará malefícios aos procedimentos de Protesto, como também considerável confusão registral e dos cidadãos leigos, a exemplo da inauguração de nova lista de devedores, que posteriormente será integrada novamente aos “cadastros normais” (sic). Noutro giro, considera-se que muito mais organizado e talvez até mais eficiente seria determinar a possibilidade temporária de liberação de crédito para aqueles que possuíssem o nome registrado nestes cadastros, na medida de suas capacidades econômicas e débitos protestados.

Em se tratando do art. 4º, que, por sua vez, prevê a suspensão da execução de todos os atos referentes ao Protesto de títulos e documentos de dívida, entende-se que tal dispositivo é lacunoso, pois suspende a execução dos atos próprios ao Protesto, todavia, não se manifesta quanto aos prazos prescricionais dos títulos e documentos a ele atinentes. Nesse arrimo, cumpre destacar que muitos destes títulos, a exemplo do cheque – Título de Crédito tão importante em âmbito nacional, que possui Lei e regulamentação próprios –, na forma do art. 59 da Lei nº 7357/85, prescreve em apertado prazo, no caso, 06 (seis) meses. Como ficaria, então, o direito do credor? Não esqueçamos, senhores parlamentares, que o Protesto já é instrumento de proteção a um direito previamente violado.

Aproveitando-se do arrimo dos argumentos exarados no parágrafo anterior, é sabido e consabido, na seara do Direito Cambiário, que o cheque é protagonista dentre os títulos de crédito e documentos de dívida deste País. Acontece que o cheque, assim como alguns outros documentos de dívida, é passível de constituição de devedor indireto, sendo este aquele que o endossa ou avaliza, não obstante ser outrem seu sacador. Ora, sabemos, conforme nos ensina o art. 47 da Lei nº 7357/85, que o Protesto é requisito, por excelência, das execuções destes títulos em face dos seus endossantes ou avalistas. Assim o sendo, a proibição do protesto, quando deparados com tais situações, obstaria a própria circulação destes, violando princípio basilar do Direito Cambiário, qual seja, da autonomia dos títulos de crédito, o que, sem dúvida, causaria impactos avassaladores na economia, haja vista que a satisfação destes créditos é o que motiva investidores e instituições financeiras à liberação de crédito e aplicação de capital.

Ainda quanto à matéria em espeque, alvitre-se que a suspensão dos Protestos Extrajudiciais pode prejudicar até a aquisição de crédito por parte dos próprios consumidores, haja vista que o Protesto Extrajudicial é forma comprovadamente eficiente e amplamente utilizada para satisfazer obrigações cambiárias. Dessa maneira, conforme a história e pesquisas nos ensinam, quanto mais dificultosa e imprevisível for a satisfação dos créditos, maiores serão os juros e garantias reais exigidas pelas instituições financeiras quando do fornecimento de crédito, em busca de maior grau de previsibilidade da satisfação de seus direitos.

No mais, imperioso destacar que, com a edição do Provimento CNJ nº 95/2020 o Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Dias Tofoli, reconheceu o protesto de títulos como um serviço essencial. Além disso, o Provimento 97, da lavra do Ministro Humberto Martins, recém eleito Presidente do Superior Tribunal de Justiça, estabelece as regras de funcionamento do protesto de títulos durante a pandemia, o que demonstra ainda mais a necessidade destes serviços.

Não é demais pontuar que, conforme ofício nº 0514/2020 – Anoreg-BR, encaminhado pela Associação de Notários e Registradores do Brasil, as medidas propostas pelo PL 675/2020 desativariam aproximadamente 4.000 (quatro mil) serventias de Registro de Protesto de Títulos em âmbito nacional, acarretando o encerramento de aproximadamente 30.000 (trinta mil) empregos diretos e 150.000 (cento e cinquenta mil) indiretos, o que certamente não auxiliaria na atual situação vivenciada pelo País. Nesses termos, acredita-se que a correta aproximação ao problema não seria engessar ou obstruir as relações econômicas, mas sim as incentivar. Logo, não aparenta ser viável que uma crise de saúde cause um efeito cascata, gerando ou agravando também uma crise financeira.

Cabe ainda alvitrar os vultosos impactos econômicos generalizados que tais dispositivos possuem o condão de causar. Mormente, é comum imaginar, quando nos deparamos com situações de cobranças de dívidas ou execuções de títulos, o fragilizado consumidor em face de grandes empresas e monopólios econômicos. Todavia, não se pode olvidar os milhões de micro e pequenos empresários que necessitam da satisfação de seus créditos para sua subsistência. Não esqueçamos, senhores parlamentares, que, para se haver um débito, houve a prestação originária de um bem, direito, ou serviço, e o pagamento é tão somente a contraprestação de uma relação jurídica anterior.

Além disso, como se sabe, o Brasil, quando da Constituição Federal de 1988, optou, conforme seus artigos 171 e 173, por um modelo de Estado fiscalizador e incentivador, delegando à livre iniciativa privada a produção de riquezas. Na esteira deste entendimento, é fácil perceber que, não obstante os particulares produzirem riquezas e angariarem créditos, estes também consomem de outros particulares produtores de bens e serviços diversos, numa cadeia econômica muito mais complexa do que a simples cobrança do empresário em face do consumidor, pois aquele também é, por diversas vezes, consumidor em diferentes relações jurídicas e econômicas.

Por estas razões jurídicas e econômicas, o Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil – CCOGE exara discordância e opina pela supressão dos dispositivos do PL 675/2020 acima elencados, em especial seu art. 4º.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários, renovando os protestos de estima e consideração.

Maceió/AL, 18 de maio de 2020.

Des. Fernando Tourinho de Omena Souza

Presidente CCOGE Corregedor Geral de Justiça do Estado de Alagoas

Des. José Augusto Gomes Aniceto

1º Vice-Presidente CCOGE Corregedor Geral de Justiça do Estado do Paraná

Des. Teodoro Silva Santos

2º Vice-Presidente CCOGE Corregedor Geral de Justiça do Estado do Ceará

Desa Elvira Maria de Almeida Silva

1a Secretária CCOGE Corregedora Geral de Justiça do Estado de Sergipe

Des. Hilo de Almeida Sousa

2º Secretário CCOGE Corregedor Geral de Justiça do Estado do Piauí

Desa. Maria de Nazaré Saavedra Guimarães

1º Tesoureiro CCOGE Corregedora de Justiça da Região Metropolitana de Belém – PA

Des. Kisleu Dias Maciel Filho 2º Tesoureiro

CCOGE Corregedor Geral de Justiça do

Estado de Goiás

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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