REGISTRO DE LOTEAMENTO SOB CONDIÇÃO

A norma do art. 21 da Lei nº. 6.766/79 disciplina o registro do loteamento ou desmembramento cuja área pertencer a mais de uma circunscrição imobiliária. A norma estabelece que o registro deverá ser feito primeiramente perante a circunscrição em que estiver localizada a maior parte da área loteada e que é vedado processar, simultaneamente, perante diferentes circunscrições, os requerimentos de registro do mesmo loteamento. A lei estabelece que nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição e que são nulos os atos praticados com infração da norma do art. 21.

O parágrafo terceiro do art. 21 determina que enquanto não forem procedidos todos os registros (em todas as circunscrições), considerar-se-á o loteamento como não registrado. Essa exigência da lei tem grande relevância na prática do ato registral, pois o loteamento registrado na circunscrição em que localizada a maior parte da área loteada ainda está sob o manto de um registro incompleto. Assim, deve o registrador de imóveis adotar algumas cautelas e mencionar que o registro está subordinado ao cumprimento de condição, qual seja a do registro subsequente do loteamento na outra ou nas outras circunscrições imobiliárias.

O registrador que efetuar o primeiro registro do loteamento deverá promover averbação na matrícula para constar que o registro está subordinado a condição. Poderá fazer a narrativa do ato praticado nos seguintes termos:

AV….  Em … REGISTRO DO LOTEAMENTO SOB CONDIÇÃO – Considerando que o imóvel originário pertence a ambas as circunscrições desta comarca, promove-se esta averbação, de ofício, para constar, que conforme o artigo 21 da Lei nº.6.766/79, o registro do loteamento efetuado nesta Matrícula está sujeito à condição de registro do loteamento no … Registro de Imóveis desta comarca, sem o que o registro do loteamento nesta matrícula poderá ser cancelado.

Como o registro do loteamento só se completará com o registro nas outras circunscrições, não convém ao primeiro registrador descerrar desde logo as matrículas dos lotes, salvo o descerramento matricial necessário ao registro das garantias para a execução das obras de infraestrutura.

Depois que o registro do loteamento se completar nas demais circunscrições, deve o primeiro registrador, mediante a apresentação de certidão dos registros efetuados nas outras serventias, promover averbação para constar a informação do completamento do registro do parcelamento e cumprimento da condição.

Se, eventualmente, o registro for negado na outra circunscrição, depois de efetuado o registro na circunscrição onde estiver localizada a maior parte da área loteada, terá incidência a regra do parágrafo quarto do art. 21, que assegura a manutenção do registro primitivo na hipótese de o motivo do indeferimento não se estender à área como um todo. Neste caso, o interessado deverá requerer à Prefeitura Municipal a validação da aprovação quanto à área inserida na circunscrição onde já registrado o loteamento, o que será objeto de averbação na matrícula do imóvel para comprovar que o parcelamento não mais dependerá do registro do loteamento em outra ou outras circunscrições. Diante da impossibilidade de registro nas demais circunscrições, a lei permitiu ao loteador reduzir a área loteanda para salvar o primeiro registro do loteamento que, assim, após a averbação de retificação, será considerado registro definitivo da parte inserida na circunscrição do primeiro registro.

Importa ressaltar que a regra do art. 21 da Lei nº. 6.766/79 não tem aplicação nas regularizações fundiárias de assentamentos urbanos irregulares ou parcelamentos informais, os chamados loteamentos clandestinos. Na regularização fundiária prevalecem as normas da Lei nº. 6.015/73, especialmente o art. 288-G. c/c art. 288 – D. §1º, que estão a determinar a averbação do auto de demarcação urbanística e o registro do parcelamento no registro de imóveis que contiver a maior porção da área do assentamento regularizado, competindo-lhe comunicar às demais circunscrições para que estas promovam averbação-notícia da demarcação urbanística e registro do parcelamento (art. 288-E, §3°, da Lei nº. 6.015/73). Poder-se-á objetar que apenas a regularização fundiária de interesse social escapa da incidência da Lei nº 6.766/79 (art. 288-F, §3º, da Lei nº 6.015/73 c/c art. 65, parágrafo único da Lei nº 11.977/2009) e que, assim, a norma do art. 21 da lei do parcelamento do solo teria incidência na regularização fundiária de interesse específico. Não parece ser esse o entendimento que deve prevalecer no Estado de São Paulo, pois o item 219 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça determina que o procedimento da regularização fundiária de interesse social e específico deve observar o disposto nas Leis 11.977/2009 e 6.015/73.

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* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este artigo: ALVARES, Amilton. REGISTRO DE LOTEAMENTO SOB CONDIÇÃO. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 163/2013, de 17/10/2013. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2013/10/17/registro-de-loteamento-sob-condicao/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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O registro das pessoas jurídicas

* Vitor Frederico Kümpel 

É de conhecimento geral que, com a adoção da Teoria Afirmativista da Realidade Técnica (art. 45 do Código Civil), as pessoas jurídicas coexistem com as pessoas naturais, conforme também preceitua o artigo 1º do Código Civil, sendo, porém imprescindível, para referida existência, o registro dos atos constitutivos. De acordo com Pontes de Miranda1, as pessoas jurídicas, são criações do Direito. É o sistema jurídico que atribui direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções a entes humanos ou a entidades criadas por esses, bilateral, plurilateral (sociedade, associações), ou unilateralmente (fundações). Para que os atos jurídicos constituintes de pessoas jurídicas possam ser reconhecidos e ter efeitos sobre a sociedade, é necessário que estes sejam registrados, daí então surge a necessidade do registro civil de pessoas jurídicas.

As pessoas jurídicas podem ter seus registros realizados no Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial. A obrigatoriedade do registro em uma dessas entidades não só garante a existência, mas também a regularidade e o ato de registro determina a natureza civil ou empresarial do ente em questão.

Desde cedo surge uma diferenciação entre as entidades regidas pelo Código Civil e as regidas pelo Código Comercial, lembrando que, historicamente, existia o Código Comercial de 1850 e só posteriormente o Código Civil de 1916. Na época, a diferenciação entre as sociedades civis e empresariais era mais emblemática e necessitava da sua prévia compreensão para o seu regular registro.

Essa diferenciação ganhou uma nova roupagem com as disposições do Código Civil de 2002. Muita dúvida houve no que toca a classificação e diferenciação entre sociedade civil e empresarial, mas de toda a sorte, o Código Civil atual unificou a codificação civil e comercial (empresarial) tanto no que diz respeito às pessoas, quanto no diz respeito aos contratos.

Abandonou-se o conceito utilizado pelo sistema francês, que diferenciava as sociedades comerciais das demais apenas por meio de uma análise do objeto social. De acordo com o novo ordenamento civil, a diferença entre as sociedades civil e empresarial não reside no objeto social, pois ambas realizam atividades econômicas, o que as diferencia é, portanto, a estrutura, ou seja, é a funcionalidade, que pode ser entendida até mesmo como o modo de atuação.

Como regra, é possível considerar que todas as sociedades que tiverem objeto civil são tidas por "simples" (art. 982, caput, CC), exceto se tiverem "por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro", restritas, as hipóteses, de forma vinculada, àquelas atividades meramente organizacionais dos meios de produção (art. 966, CC).

Quanto às sociedades civis, seu registro deve ser realizado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, que é uma das espécies de Registros Públicos que, assim como as demais espécies, tem como finalidade garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme previsão legal2. Em seu artigo intitulado Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o dr. Paulo Roberto de Carvalho Rêgo versa sobre o assunto e ainda nos fornece uma excelente introdução histórica sobre o tema.

Foram as Ordenações Filipinas, de 1603, o documento que primeiro fez referência às sociedades civis e como estas seriam regulamentadas no Brasil. Essas ordenações, no entanto, ainda não atribuíam personalidade jurídica às sociedades civis, mas apenas constituíam um a vínculo contratual entre os sócios. Não existia ainda a separação que hoje se faz entre o patrimônio dos sócios e da empresa.

Em 1º de janeiro de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, surgiu a necessidade de adaptar as normas que se referissem ao tema disposto pelo então Novo Código. Foi o decreto-lei 12.343, de 1997, que trouxe consigo Instruções para a Execução Provisória do Registro Público, cujo objetivo era autenticar e validar os atos realizados pelos registradores, enquanto ainda não houvesse Lei específica sobre a matéria. Foi devido ao Código Civil de 1916, portanto, que a personalidade jurídica passou a ficar em evidência. Atualmente, é a lei dos registros públicos, lei 6.015 de 1973, que versa sobre a matéria e sobre o registro das pessoas jurídicas e das sociedades civis. Em seu capítulo II ficou expressa a responsabilidade de o RCPJ registrar as sociedades, fundações e partidos políticos, entre outros.

Já no que se refere às sociedades empresariais, no entanto, o registro ficou sujeito aos termos previstos pelos órgãos específicos que cuidam e regulamentam o Direito Comercial no Brasil, como veremos mais adiante.

Para que seja realizado o exercício da atividade empresarial, seja por pessoa natural, seja por pessoa jurídica, pressupõe-se a necessidade de registro específico e correspondente, que será justamente a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 967, CC), conforme previsão legal também da lei 8.934 de 1994 que reviu toda a matéria de Registros Públicos de Empresas Mercantis.

Para regular tais registros e outras funções relacionadas à atividade comercial no Brasil, criou-se o Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis do Comércio (SINREM). O Órgão central do SINREM é o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) que possui como principais funções a supervisão, orientação e normatização, no plano técnico; e supletivamente, no plano administrativo. Em cada uma das unidades da Federação, ou seja, em cada um dos Estados, existem ainda as Juntas Comerciais, que são atribuídas de funções de execução e administração dos serviços de registro.

As juntas comerciais são, portanto, subordinadas tecnicamente ao DNRC, e tem como principal finalidade é efetuar os registros pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. É na junta comercial, por exemplo, que deve o empresário individual fazer a sua inscrição, bem como a sociedade empresária arquivar seu contrato social, além disso, também é na junta comercial que se registra alterações na pessoa jurídica, como endereço, capital social, objeto social, troca de sócios (quando sociedade empresária). Pode-se também alterar a natureza jurídica da empresa, seja de empresário (antiga firma individual) para sociedade limitada ou vice-versa.

Percebe-se, então, que desde sempre houve uma diferenciação entre as pessoas jurídicas de natureza civil e as pessoas jurídicas de natureza comercial. Tal separação é justificada pela separação de matérias que compunham o Código Civil 1916 e o Código Comercial de 1850. Ainda que muito tenha sido mudado com as inovações trazidas pelo Código Civil atual, desde muito em vigor, restam ainda alguns resquícios e alguns hábitos e práticas do século passado, a exemplo da separação do registro de sociedades civis e empresariais.

Entende o Conselho Superior da Magistratura paulista que cabe ao RCPJ registrar pessoas jurídicas de direito privado, com exceção da sociedade empresária, que tem assentamento perante o Registro Público de Empresas Mercantis, cujo registro fica a cargo da Junta Comercial, órgão estadual, sendo regido pela lei 8.934/94, regulamentada pelo decreto 1.800/96.

Questões remanescentes ainda existem sobre o órgão que deve ficar responsável pelo registro de cooperativas que, de acordo com o Código Civil, são sociedades simples. Assim, como houve mudança do regime jurídico, deveriam estar sendo assentadas perante o RCPJ. Todavia, continuam sendo registradas perante a Junta Comercial, em razão do disposto no artigo 1093 do Código Civil, combinado com o artigo 18 da lei 5.764/71 (lei do cooperativismo). Existe posicionamento da doutrina que nos dois sentidos, da manutenção do registro como é feito agora e das mudanças devido à classificação das cooperativas como sociedades simples.

Como vimos até agora, a questão do sistema dicotômico atual está enraizado na história do sistema jurídico pratico. Na próxima oportunidade, procuraremos abordar acertos e desacertos da unificação das pessoas jurídicas de Direito Privado num único sistema registral, para bem da própria sociedade.

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

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1SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Associações e Fundações no RCPJ. Disponibilizado no Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.

 

2; Art. 1º da lei 6.015/73, lei dos Registros Públicos.

 

Fonte: MIgalhas I 15/10/2013.

 

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TJ/PE: Paternidade que se pre(exume)

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES  

A verdade exumada procura o pai no sepulcro, dado que a investigação não há que se contentar no que se presume. Paternidade por presunção é combinar incerteza com certeza ficta, como quem busca o pai por afirmação legal, mesmo que não extraída da verdade apurada e feita. Não basta ter ou adquirir um pai, senão o pai verdadeiro. Nisso, verdade e realidade se tornam rima e solução, não admitido o presumido que nada rima ou soluciona.

A questão posta acima traz ao tema recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ- 3ª Câmara Cível, AI nº 0020927-31.2013.8.19.0000; de 26.09.2013) onde por razões religiosas de direito (liberdade religiosa) não se permitiu exumar os restos mortais do suposto pai procurado, de origem judaica. Entretanto, entendeu-se suficiente que em não ocorrendo prova inequívoca a afastar a paternidade do morto, este será havido, como se pai fosse, mais precisamente pai por presunção.

Em investigação de paternidade "post mortem", ante recusa dos herdeiros, filhos do investigado, a fornecimento de material genético, determinou o juízo de origem (2ª Vara de Família da Capital) a exumação. O tribunal carioca admitiu, porém, que a exumação poderia, à vista de preceitos judaicos, agredir direito à liberdade de crença, conquanto o direito fundamental ligado à dignidade humana, cláusula geral dos direitos da personalidade, exija o conhecimento da paternidade biológica, com todos os seus efeitos.

Nesse alcance, o relator, desembargador Fernando Foch Lemos Arigony da Silva assentou que "(…) sem prejuízo de nenhum desses direitos ou, dito de outro modo, com a preservação de ambos, se deve resolver o impasse com a aplicação do entendimento que a Súmula 301 do STJ sintetiza e com o qual foram sepultadas acesas discussões: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade". Aplicada a Súmula 301-STJ, por extensão ou analogia em face dos herdeiros recusantes.

Pois bem. A questão está a saber, tendo em conta a ponderação de interesses, se haverá de prevalecer, como bastante, apenas a presunção, para definir uma paternidade, quando atualmente esta se torna incontroversa e iniludível por testes genéticos de DNA. É que a presunção fica na esfera da ficção legal, tal qual a vetusta premissa romana "is pater est quem nuptiae demonstrant" ("É pai aquele que as núpcias indicam"), a ponto de que não se supunha paternidade atribuída a outro, enquanto ocorrente o casamento. Ou seja, a presunção "pater is est"; disposta e ampliada na regra do art. 1.597 do atual Código Civil.

Convenhamos que este jogo de presunções não guarda mais conformidade com os atuais recursos científicos. Beviláqua chegou a justificar os prazos do artigo 338 do antigo Código Civil de 1916, "à falta de melhor solução da ciência".

Entretanto, apesar dos avanços tecnológicos, a presunção continua em seu "locus" normativo, a exemplo do artigo 232 do Código Civil, onde a recusa à perícia médica ordenada judicialmente poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Presunção relativizada pela Lei nº 12.004/2009, quando a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, todavia "a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório".

Ora. O direito fundamental à identidade genética confrontado com outros direitos e garantias, tem sido rediscutido, em sua necessária concretude de efetividade da dignidade humana, ao extremo da imprescindibilidade de condução coercitiva do investigado à realidade do exame de DNA como medida assecuratória de tal direito. E, por extensão, também da condução dos herdeiros do investigado.

No ponto, artigo do magistrado Fabrício Castagna Lunardi ("Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões", vol. Nº 33, abril-maio/2013, pp. 65-93) colocou, com proficiência, o tema.

Assinala, a propósito, que "o Supremo Tribunal Federal na sua composição plenária, durante o julgamento do RE nº 363.889-DF, em 15.12.2011, indicou a necessidade de reanálise da decisão proferida no HC nº 71.373-RS, de 1994, que impedia a condução coercitiva do investigado para realização de exame de DNA." No julgado recente, entendeu-se que o direito à identidade genética deve prevalecer quando confrontado com outras garantias, como coisa julgada e segurança jurídica. De tudo resulta imperativa uma nova reflexão a respeito, não se podendo admitir que "uma ação investigatória de paternidade fosse decidida com base em mera ficção jurídica ou presunção".

Eis a questão posta a estilete. A condução coercitiva do suposto pai, para a obtenção da verdade material (e não formal), apóia-se, sobremodo, na conveniência de as decisões judiciais refletirem a realidade fática, e não serem proferidas "com base em simples dogmas técnico-jurídicos oitocentistas".

E acrescenta Castagna Lunardi, com inteira razão: (i) "Os artigos 231 e 232 do Código Civil de 2002, quanto a Súmula nº 301 do STJ e o art. 2º-A da Lei nº 8.560, foram editados nas contingências da decisão do STF no HC nº 71.373, baseada no contexto social e no direito da época". Assim,   optou-se pela coerção indireta, impondo-se o ônus processual; (ii) operada a recusa, "o reconhecimento de paternidade com base numa ficção não é capaz de garantir o direito à verdadeira identidade genética, sobretudo quando as demais provas dos autos são fracas"; (iii) a atribuição judicial de paternidade com base numa mera ficção viola o núcleo essencial do direito fundamental à identidade genética, que pressupõe a verdade real e nunca uma verdade meramente formal ou processual.

Eis o dilema. O presuntivo pai, constituído na ficção, poderá ser, em alguns casos, o falso positivo (o pai posto, por pressuposto da presunção); obstando, nessa conseqüência, que o filho busque e identifique o verdadeiro pai, em tal certeza que o coloque também seguro e certo de sua origem perante si mesmo. Em somente assim, efetivaria ele o seu direito à identidade genética, incólume e induvidosa.

Ora bem. Exumações têm sido feitas, na arqueologia dessa origem certa, envolvendo supostos pais, anônimos ou célebres, como as realizadas dos restos mortais de Juan Perón (10/2006) Tim Maia (03/2012) ou ainda, de Yves Montand. Curiosamente, nestes casos, com resultados negativos.

Assim, resulta irrecusável admitir: (i) o reconhecimento da origem genética como um direito personalísssimo, irrenunciável e imprescritível, derivado do princípio da dignidade humana (Súmula 140 – STF); (ii) "devendo o Poder Público contribuir para sua efetivação" (TJSC – 4ª CC); e (iii) a possibilidade de exumação para fins de exame de DNA, pacificada na jurisprudência do STJ, porquanto faculdade conferida ao juiz pelo art. 130 do CPC (STJ – AgRg no Ag 1159165-MG, DJe 04.12.2009; Pet. 8321; REsp. nº 765.479).

Por igual, tenha-se também forçoso admitir o apuramento da verdade pela verdade necessária. Verdades presumidas "jus hominis", verdades prováveis por inferências de razoabilidade, e outras verdades fictas, devem ceder à verdade real em sua inteira prospecção, seja como finalidade do processo, seja como condição de justiça, fundamental para a autoridade dos julgados (veritas + dicere).

Implicará o veredicto a consciência da dignidade plena do encontro do filho com o seu verdadeiro pai. Exumado que seja, mas não pre(exumido).

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* JONES FIGUEIRÊDO ALVES é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE I 14/10/2013.

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