Ventos de liberdade e cidadania

Ricardo Coelho

É inegável que o Brasil vive hoje tempos de liberdade, com instituições sendo reconhecidas e respeitadas, em que pese percalços relacionados a denúncias de alguns agentes públicos, malversação de recursos e obras inacabadas. Mesmo tendo uma estrada longa a percorrer para alcançamos o patamar de nação desenvolvida, nosso país desponta e impressiona pelo enorme potencial econômico, capacidade empreendedora e abundância de recursos naturais.

Essa condição de liberdade e perspectiva encontra fundamento na nossa Constituição Federal, promulgada há exatos 25 anos. Trata-se de um marco da nossa democracia que fortaleceu partidos políticos, dividiu poderes, estabeleceu parâmetros e assegurou garantias e direitos.

No início deste mês tive a oportunidade de participar de homenagem a alguns brasileiros que deram o melhor de si para a elaboração de nosso texto constitucional. Um encontro realizado no Rio de Janeiro reuniu a classe política, notários e registradores de imóveis de todo o país. Entre os homenageados estavam os ex-ministros Bernardo Cabral e Nelson Jobim. Também foram lembrados os pioneiros da área registral do país que tiveram participação ativa no texto constitucional, como meu pai, Benedito da Costa Coelho Junior, fundador e membro ativo do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), entidade que tenho a honra de presidir atualmente e que representa 3,4 mil registradores em todo o território nacional.

Mais do que reconhecer o trabalho de alguns brasileiros, a cerimônia reuniu personalidades, prestadores de serviço público e profissionais que sabem exatamente o valor da liberdade, cidadania e transparência vivenciados hoje.

Impulsionada pelas conquistas da nossa Constituição, a atividade de registrador prevê esclarecer e informar direitos absolutos dos cidadãos. Costumo dizer que as pessoas entram em um cartório pelo menos em três vezes na vida: para registrar um filho recém-nascido, ao requerer o registro da casa própria e para dar conta da morte de um ente querido.

O país conta hoje com uma estrutura organizada para o registro de todas as naturezas. Nossa categoria tem se debruçado em estudos se esforçando para oferecer o melhor serviço possível.
Até meados do próximo ano todos os cartórios deverão ter o chamado Registro Eletrônico, que dará maior agilidade ao serviço cartorial pondo fim a uma série de entraves burocráticos.

Outra preocupação nossa é quanto à necessária regularização dos imóveis públicos e particulares. Para se ter uma ideia da desproporção, pelo menos metade dos imóveis do país tem alguma irregularidade. Isto significa não ter a posse definitiva, causando prejuízos a seus proprietários, que tem direito sobre o bem e seu patrimônio. Em nome disso, em abril passado, o IRIB assinou com o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria de Patrimônio da União, acordo para regularizar todos os imóveis de posse do governo federal. Um inventário está em curso visando levantar exatamente onde e quantas são as propriedades públicas nestas condições.

Defendemos a cultura do registro como forma do cidadão ter acesso à informação, com transparência, exercendo sua cidadania. Este é o Brasil que sonhamos. Um país que dá condições a todos, de forma igualitária, sem exceções, como preconiza nossa Carta Magna, um documento de 25 anos, que permanece robusto, jovem e atual. Que estas lições se mantenham sempre vivas. E que as novas gerações possam comemorar avanços e conquistas ainda maiores, em nome de uma sociedade cidadã, transparente, ética e livre.

_____________________

* Ricardo Coelho é presidente do IRIB.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br) – Site Folha Londrina I 31/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Todo cuidado é pouco!

* Ivone Zeger

Antes de morrer, Fernando fez um testamento indicando seu irmão Cláudio como único herdeiro. Cláudio é irmão por parte de pai e de mãe, ou seja, irmão bilateral. Mas quando o inventário foi aberto, conforme o processo sucessório estava em curso, Cláudio não foi considerado o único herdeiro. O que houve?

Três irmãs por parte de mãe entraram na partilha. Meias irmãs, ou ainda irmãs unilaterais, elas questionaram na Justiça a validade do testamento e foram beneficiadas por decisão do STJ, que aplicou a regra do artigo 1.841 do Código Civil. O artigo diz que: "Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar". 

No caso citado, a herança foi dividida em cinco partes, sendo dois quintos para Cláudio e um quinto para cada irmã unilateral, totalizando para elas 60% (ou três quintos) do patrimônio deixado por Fernando, o irmão unilateral falecido. O patrimônio é um imóvel que está alugado. Assim, o valor do aluguel é dividido da forma mencionada acima, ao menos enquanto durar a polêmica em torno do testamento. Provavelmente, o inventário da mãe ainda estava em curso e Fernando, desconhecendo como se elabora um testamento, incluiu a totalidade do patrimônio da mãe como se fosse só dele e a destinou a Cláudio. 
 
É impressionante a quantidade de situações que envolvem as questões de sucessão e herança e, muitas vezes, notícias e decisões judiciais como essa, sem as devidas explicações, só aumentam a confusão na cabeça das pessoas.  
 
Ao elaborar um testamento é necessário observar regras muito precisas e sacramentadas em nosso Código Civil. A mais importante delas é a obrigatoriedade de se reservar 50% do patrimônio, quando da existência dos herdeiros necessários, que na ordem da vocação hereditária são os descendentes, ascendentes e cônjuge. Ou seja, a   de se fazer um testamento legando bens de forma aleatória, ou a quem se quiser legar, nem sempre é possível, mas é viável quando não existirem os herdeiros necessários.
 
Vamos supor que não haja testamento. Quando uma pessoa falece e não elabora um testamento, o seu patrimônio deverá ser dividido entre os descendentes (filhos, netos ou bisnetos) em concorrência com o cônjuge. Na falta destes, herdarão os bens os ascendentes (pais, avós ou bisavós) e o cônjuge; se não houver descendentes e ascendentes,  herdará os bens o cônjuge sobrevivente. 
 
Se não existirem herdeiros necessários, e só assim, é que poderão herdar os chamados herdeiros colaterais, os irmãos; na falta destes, tios e sobrinhos e, na falta destes, os popularmente chamados primos- irmãos. Mas se antes de falecer a pessoa quiser elaborar seu testamento, ela só poderá destinar 50% de seus bens a quem ela quiser. Os outros 50% comporão a parte destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários citados acima. 
 
Tenho dito reiteradas vezes: irmãos não são herdeiros necessários. Só aparecem na linha de vocação hereditária se o falecido não tiver descen dentes, ascendentes e cônjuge.
 
Claro que nada impede que um irmão deixe bens a outro em testamento: se ele não tiver os chamadosherdeiros necessários, poderá doar a totalidade dos seus bens ao irmão ou a quem ele quiser. 
 
O fato é que a elaboração de um testamento deve se cercar de todo cuidado: é trabalho para especialistas tarimbados. Ou o testamento pode não ter eficácia e o falecido não terá seu desejo atendido, frustrando alguns herdeiros e alegrando outros. 
 
Há detalhes importantíssimos. Por exemplo, um testamento particular deve ter a assinatura de pelo menos três testemunhas, sendo que duas delas devem estar vivas e serem encontradas quando da abertura do testamento. Isso é necessário para evitar a contestação do documento. Por isso, o testamento particular, embora seja legal, nem sempre é indicado, pois poderá dar margem a futuros problemas. 
 
Outro dado importante: vamos supor que Fernando recebeu os bens da mãe, mas o pai ainda estava vivo ou, quem sabe, hospitalizado, quando decidiu "adiantar o expediente" e elaborar o testamento. 
 
Nesse caso, Fernando jamais poderia ter deixado todos os bens herdados da mãe para seu irmão Cláudio. Afinal, seu pai, mesmo que pudesse morrer antes dele, ainda estava vivo e era seu ascendente. Tendo  ascendente, Fernando tinha um herdeiro necessário, detentor de ao menos metade dos bens dele. Assim, se a data do testamento antecede à data da m orte de umherdeiro necessário, e se nesse testamento não for destinada a parte que é obrigatoriamente dele, o documento perde a validade. 
 
Tanto é assim que, quando se vai ao cartório para elaborar um testamento público, a primeira providência do tabelião é pedir a prova da existência e documentação dos herdeiro necessário. Se  falecidos, terá de se provar por meio do atestado de óbito. A lei não aceita que se transacionem expectativas de herança. 
 
Mais uma questão bastante pertinente quando o assunto é testamento: na atual legislação, o direito sucessório do companheiro ou companheira não está totalmente contemplado. Muito se fala do regime de bens na união estável, que se equipara ao regime da comunhão parcial de bens; e até se menciona a possibilidade de, por meio de pacto de convivência ou escritura pública, determinar outro regime de bens para a união estável.

Mas o que ocorre, na verdade, é que as regras estabelecidas são contempladas apenas em parte nos processos de sucessão e herança e os companheiros não têm, como os cônjuges, o status de herdeiro necessário. Portanto, se a pessoa quiser oferecer alguma segurança ao companheiro ou companheira, deve legar bens por meio do testamento. Até 50% do patrimônio pode ser destinado a esse fim. 

O testamento é a maneira mais acertada de se apaziguar disputas familiares e evitar mais problemas e pode ser feito por qualquer pessoa a partir dos 18 anos. Mas se alguém desejar elaborar seu testamento deve fazê-lo com todo o cuidado. E será preciso monitorar, digamos assim, os acontecimentos e o vaivém da vida dos herdeiros. Já por isso, a lei permite que os testamentos, mesmo públicos, sejam alterados. Assim, quem quiser fazer seu testamento, que o faça. Mas do jeito correto!

___________________________

* Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas”.

Fonte: Diário do Comércio I 29/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ/PE: Paternidade à revelia

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES 

Não existe ou existirá uma paternidade imposta a alguém, em hipótese do nascimento de filho dado a registro por ato unilateral da mãe, quando declarante perante o Registro Civil. Mais precisamente, no registro não haverá lançada uma paternidade à revelia, como supõe a vã filosofia, ditada por intérpretes apressados.

Essa questão vem a propósito do recente Projeto de Lei nº 16/2013, oriundo da Câmara Federal, aprovado em carácter terminativo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, e a receber, brevemente, sanção presidencial. O projeto legislativo apenas altera o artigo 52 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), e nada mais faz senão isso, a permitir tão somente que o registro possa ser feito pelos pais, em conjunto ou isoladamente, por um e outro, no mesmo prazo de quinze dias do nascimento do filho.

Repita-se: o projeto limita-se a estabelecer isonomia de gênero, entre os pais, para a obrigação comum do registro do filho nascido, sem a prioridade registral antes dada ao pai, em detrimento da qualidade da mãe. Na redação antiga, a declaração do nascimento do filho era dever imposto ao pai e, apenas quando diante da sua inércia, no prazo assinado (o de quinze dias), a mãe, em sucessivo, estaria obrigada a declarar, sendo-lhe, então, prorrogado o prazo por quarenta e cinco dias (art. 52, 2º). De efeito, reservava-se à mãe uma atividade secundária, subalterna, a depender da omissão do pai ao ato de registro.

Não custa lembrar a justificativa do projeto nº 817/2011, de 23.03.2011, na casa de origem (Câmara Federal), assinalando seu autor, o deputado Rubens Bueno, a necessidade de conciliar a lei registral – nas vizinhanças de completar, em 31 de dezembro próximo, quarenta anos de vigência – com o comando do artigo 5º da Constituição Federal, em afirmação da igualdade substancial de homens e mulheres perante a lei. Expressava ele que o artigo 52 da Lei nº 6.015/73, na redação atual, coloca a mãe em patamar de desigualdade perante o pai, por dispor que o ato de declarar a registro de filho somente seria feito por ela em carácter suplementar e condicionado à ausência ou impedimento daquele.

Pois bem. Esta é a mudança proposta, singela e, a um só tempo, de expressão constitucional, circunscrita a garantir à mulher, com igualdade ao marido, proceder ao registro do filho, no prazo inicial da lei. Daí pensar que este ato, por declaração da mãe do neonato, sugere admitir a possibilidade de imputação da paternidade a qualquer um, se apresenta algo tão surreal, quanto imaginar possível que qualquer celebridade de plantão possa, repentinamente, ganhar filhos de todas as origens, sem o saber sequer, por mero ato declaratório de mães desejosas de os filhos serem herdeiros potenciais de fortunas, muitas vezes provisórias.

Bem é dizer, como afirmou Maria Berenice Dias, que "a alteração legislativa – anunciada como redentora – não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação incompleta". De fato, os trombetes de édito, midiáticos, anunciando a reforma legal, transmudam-se, por irrecusável constatação, em sinos e os sinos dobram. Eles apenas choram pelos filhos sem pais.

Bem é certo, como expressou o juiz Clicério Bezerra (PE), em entrevista dada em jornal televisivo, de rede nacional, que a comprovação da paternidade continua exigida, e não será suficiente a declaração da mãe para tornar pai do filho declarado aquele que ela indique, senão nos termos da lei.

De fato, os termos da lei já reportam acerca da paternidade indicada a registro, a saber que: (i) em sendo a mulher declarante casada, o filho será do seu marido, por presunção legal, conforme o Código Civil, a tanto bastando exibir a declarante sua certidão de casamento; (ii) em sendo a mulher declarante solteira, o pai poderá vir a ser aquele por ela imputado, a depender, todavia, de procedimento administrativo averiguatório, na forma da Lei nº 8.560/92, quando o presuntivo pai será chamado a comparecer para o reconhecimento voluntário da paternidade sobre o apontado filho ou, em contrário, sujeitar-se a uma inevitável ação de investigação da paternidade imputada, quando então, uma vez procedente, terá seu nome incluído no registro.

Ora. Perdeu o legislador excelente oportunidade de aprimorar a ordem jurídica, em dispondo sobre as especificidades que apontam pela urgência da afirmação da paternidade. De saída, não contemplou-se, na lei registral, a entidade familiar da união estável devidamente reconhecida, onde os conviventes (companheiros) devem assumir condições igualitárias às dos pais casados para os efeitos do nascimento de filho dado a registro civil. Não se cogitou, outrossim, a respeito de uma melhor dinâmica da própria Lei nº 8.560/92 que, não obstante vintenária, continua de escassa aplicação em registros civis, à falta da própria instalação do procedimento de averiguação oficiosa da paternidade.

No ponto, suficiente seria, sim, admitir, em casos de: (i) revelia do suposto pai imputado, em não comparecendo para o reconhecimento voluntário do filho; (ii) revelia do suposto pai em negar a paternidade que lhe seja atribuída; ou (iii) revelia do suposto pai por negar submeter-se a exame genético da DNA; que em hipóteses que tais, a imputação da paternidade feita, oficiosamente, em registro, fosse afinal acolhida, por presunção, com a simples determinação judicial, ante a revelia manifesta no procedimento administrativo de averiguação da paternidade.

Entretanto, tal não sucede, porquanto (i) inevitável continuará sendo o manejo da ação de investigação da paternidade, face inexitoso o procedimento da averiguação oficiosa; e (ii) a presunção continuará relativizada quando ante a negativa do pai a submeter-se a exame genético fica aquela condicionada ao confronto com demais provas.

Mas não somente. Também caso seria de previsão expressa de penalidade por desídia, quando inobservadas as providências referidas pela Lei nº 8.560/92, consabidamente descumprida ou sem eficácia prática. Ao fim e ao cabo de duas décadas de vigência, registros com filiação incompleta continuam sendo feitos, sem a abertura, concomitante, da investigação administrativa para o reconhecimento (voluntário ou judicial) da paternidade. Os mecanismos que a lei fornece não produzem resultado útil, por inação dos serviços delegados ou ante a falta do ajuizamento das ações cabíveis.

Em ser assim, concludente que a assertiva materna, em registro civil, não tem o alcance imediato de assegurar ao filho o pai que ali se declare, salvo nos casos já expressos em lei. Admitir que isso fosse possível, em largo espectro, significaria dizer a lei pela obrigação de o suposto pai vir a ser obrigado a demandar uma ação negatória de paternidade. Claro que lei alguma deve obrigar alguém a demandar em juízo.

Lado outro, concludente também que os mecanismos legais devem contribuir para a urgência da paternidade, como significante de garantia de dignidade. Ora bem. O pai jurídico continua sendo uma realidade da lei. Então que a lei melhore para que a realidade da paternidade seja não apenas conferida somente a alguns ou cogitada por ficções legais, mas a extraída dos fatos da vida dando a cada filho, a todos os filhos, seu verdadeiro pai. Afinal, a lei não pode ser revel, com a paternidade esperada por milhares de filhos sem os pais no registro de suas existências.

__________________________

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE I 30/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.