Recurso Especial – Divórcio litigioso – Partilha de bens – Saldo de FGTS – Comunicabilidade – Precedentes – Recurso provido.

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.728.954 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 02.04.2018


Nota(s) da Redação INR

RECURSO ESPECIAL Nº 1.728.954 – SP (2018/0052890-4)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : C M DOS S

ADVOGADO : MARIA APARECIDA COELHO – SP149497

RECORRIDO : C R DOS S

ADVOGADO : RODRIGO PEREIRA GONÇALVES – SP253016

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIVÓRCIO LITIGIOSO. PARTILHA DE BENS. SALDO DE FGTS. COMUNICABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por C. M. dos S., com fundamento no art. 105, III, c, da Constituição Federal, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 177):

Divórcio litigioso Partilha de bens Requerido que se insurge contra a partilha de saldo disponível em FGTS Verba personalíssima do trabalhador e, portanto, não partilhável Valor existente nas contas bancárias no momento da separação que comporta partilha Sentença de procedência Reforma parcial Recurso provido em parte.

Em suas razões, a recorrente alega divergência jurisprudencial e violação dos arts. 262, 263, XIII, 265 e 271 do CC/1916 e 2.039 do CC/2002, sustentando, em síntese, que o saldo disponível em FGTS, recolhido durante os anos em que os litigantes permaneceram casados pelo regime de comunhão universal de bens, deve ser incluído no acervo patrimonial partilhável.

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ, fls. 316-320), o apelo extremo foi admitido na origem (e-STJ, fls. 321-323), ascendendo os autos a esta Corte de Justiça.

Brevemente relatado, decido.

Com efeito, tem-se que os depósitos vinculados à conta do FGTS realizados durante a constância do casamento devem pertencer à “massa de bens comum do casal”, devendo ser partilhados de forma igualitária à época do divórcio.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. FGTS. COMUNICABILIDADE.

1. Os valores depositados a título de FGTS configuram frutos civis do trabalho, suscetíveis, portanto, de partilha em regime de comunhão universal de bens.

2. Agravo interno no recurso especial não provido.

(AgInt no REsp 1647001/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 07/11/2017)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS COM VALORES ORIUNDOS DO FGTS. COMUNICABILIDADE. ART. 271 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS ARTS. 269, IV, E 263, XIII, DO CC DE 1916. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA.

1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. Inteligência do art. 271 do CC/16.

2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.

3. Precedentes específicos desta Corte.

4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 13/05/2011)

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. PARTILHA DE VERBAS RESCISÓRIAS E FGTS. PROCEDÊNCIA.

I. Partilhável a indenização trabalhista auferida na constância do casamento pelo regime da comunhão universal (art. 265 do Código Civil de 1916).

II. Precedentes do STJ.

III. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 781.384/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 04/08/2009)

No caso dos autos, em sentido contrário ao entendimento desta Corte, o acórdão recorrido alterou parcialmente a sentença para que a verba do FGTS fosse excluída da partilha de bens por considerá-las de natureza personalíssima do trabalhador, motivo pelo qual merece reforma.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para determinar a partilha do FGTS conforme especificado na sentença.

Custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa, a serem suportados pelo recorrido.

Publique-se.

Brasília (DF), 13 de março de 2018.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Fonte: INR Publicações.

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Recurso Especial – Direito administrativo – Civil – Processual civil – Procedimento de dúvida registral – Natureza administrativa – Impugnação por terceiro interessado – Irrelevância – Causa – Ausência – Entendimento consolidado na Segunda Seção do STJ – Não cabimento de recurso especial

RECURSO ESPECIAL Nº 1.396.421 – SC (2013/0252025-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : ALMEIDA JÚNIOR SHOPPING CENTERS LTDA

ADVOGADO : OSMAR NUNES JÚNIOR – SC007223

INTERES. : 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ

INTERES. : ORION ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADOS : QUEILA JAQUELINE NUNES MARTINS E OUTRO(S) – SC015626

MIRELA EMILIA CAMARA BULEGON – SC038921

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA REGISTRAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. IMPUGNAÇÃO POR TERCEIRO INTERESSADO. IRRELEVÂNCIA. CAUSA. AUSÊNCIA. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. NÃO CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL.

1. “O procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, tem, por força de expressa previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualificando prestação jurisdicional.” “Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, afigurando-se irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica”.(REsp 1570655/GO, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 09/12/2016)

2. Recurso especial não conhecido.

DECISÃO

1. Na origem, cuida-se de dúvida suscitada pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis de Balnerário Camboriú, surgida em requerimento de registro/averbação de documento intitulado de “Instrumento Particular de Protocolo de Intenções de Negócio Imobiliário” celebrado entre a empresa Almeida Junior Shopping Center Ltda. e Orion Administração e Participações Ltda. Afirma-se que, “submetido à qualificação registrária, o documento foi impugnado por falta de previsão legal para registro (art. 167, I, da Lei 6.015/73), por se tratar apenas de Protocolo de Intenções de Negócios Imobiliário” (intenção de edificar empreendimentos futuros).

Instruído o procedimento, defendendo o recorrente e os recorridos interesses antagônicos, sobreveio sentença que concluiu pela impossibilidade do registro ou averbação do documento intitulado de “Instrumento Particular de Protocolo de Intenções de Negócio Imobiliário”.

Inconformada, a empresa Almeida Júnior Shopping Center Limitada interpôs apelação, na forma prevista pelo art. 202 da LRP, aduzindo as razões encartadas às fls. 195/212 (e-STJ), à qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA PELO RESPONSÁVEL PELO 1 – OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO MUNICÍPIO E COMARCA DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ – PRETENDIDA AVERBAÇÃO DE “INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROTOCOLO DE INTENÇÕES DE NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS” – PREVISÃO ACERCA DE EVENTUAL RELAÇÃO OBRIGACIONAL A SER ESTABELECIDA ENTRE OS FIRMATÁRIOS MEDIANTE CUMPRIMENTO DE DETERMINADAS CONDIÇÕES – AUSÊNCIA DE ATO CONSTITUTIVO, DECLARATÓRIO, TRANSLATIVO E EXTINTIVO DE DIREITOS REAIS SOBRE OS IMÓVEIS OBJETO DA EVENTUAL TRANSAÇÃO, QUE, EM TESE, ADMITIRIA A SUA ANOTAÇÃO NO RESPECTIVO REGISTRO – ENTENDIMENTO DESTE SODALÍCIO NO SENTIDO DE SER TAXATIVO O ROL DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO ART. 167 DA LEI No 6.015/1973, QUE ADMITEM SER ANOTADAS NO REGISTRO DE MATRÍCULA DO IMÓVEL – INVIÁVEL ACOLHIMENTO DO PLEITO RECURSAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

A empresa Almeida Júnior Shopping Centers Ltda. apresentou, então, o presente recurso especial (art. 105, III, “a” e “c”, da CF), no qual aponta, além de dissídio jurisprudencial, ofensa ao art. 167 da Lei n. 6.015/73.

Sustenta, em síntese, que o rol estabelecido no mencionado dispositivo é meramente exemplificativo, de modo que não haveria impedimento para a averbação do documento em tela.

O recurso especial foi admitido na origem.

É o relatório.

DECIDO.

2. O recurso especial não pode ser conhecido.

Com efeito, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento no sentido de que o procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/77), tem, por força de expressa previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualificando prestação jurisdicional.

Dessa forma, concluiu não ser possível a interposição de recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, consignando, ainda, serem irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em exercício de função atípica.

Referido julgado recebeu a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA REGISTRAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. IMPUGNAÇÃO POR TERCEIRO INTERESSADO. IRRELEVÂNCIA. CAUSA. AUSÊNCIA. NÃO CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL.

1. O procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, tem, por força de expressa previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualificando prestação jurisdicional.

2. Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, afigurando-se irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica.

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 1570655/GO, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 09/12/2016)


Diante de sua clareza e força jurídica, convém trazer à colação os fundamentos apresentados pelo em. Ministro Antônio Carlos Ferreira, como relator do referido recurso, e acolhidos pela Segunda Seção desta Corte Superior:

[…] o recurso volta-se contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, cuja natureza administrativa é expressamente definida no art. 204 da Lei de Registros Públicos, que ressalva aos interessados o direito de se socorrer da via jurisdicional para a solução de eventual controvérsia.

Trata-se, pois, de atividade atípica desempenhada pelo Poder Judiciário, em caráter correcional, no controle de legalidade dos atos praticados pelo delegatário da atividade estatal. Não qualifica prestação jurisdicional stricto sensu, o que desautoriza a interposição de recurso especial, para julgamento nesta Corte Superior.

De fato, a fiscalização dos serviços notariais e de registro é atribuição conferida ao Poder Judiciário diretamente pela Constituição Federal (art. 236, § 1º, parte final), e outrossim na correspondente regulamentação legal (art. 37 da Lei n. 8.935/1994). No exercício desse mister, o julgador não desempenha sua função típica, a jurisdição, senão atividade meramente correcional, na defesa precípua do interesse público. Na espécie, não atua o magistrado com a finalidade de solucionar litígios, tampouco de garantir a pacificação social, mas para efetivar o cumprimento de normas cogentes que disciplinam o sistema de registros públicos, visando a assegurar a “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (LRP, art. 1º).

Reforça essa conclusão a regra do antes mencionado art. 204 da LRP, que dispõe sobre a natureza da decisão que julga dúvida suscitada por oficial de registro de imóveis, na forma de seu art. 198:

“Art. 204 – A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente.”

Deveras, enquanto representar mera consulta sobre questão formal relativa ao pedido de registro ou averbação, não impugnada por terceiro ou pelo Ministério Público, revela-se inequívoca a natureza administrativa do procedimento de dúvida registral. E, vale dizer, mesmo nesse caso deve ser julgada por “sentença” do juiz competente (LRP, art. 199). Em suma, se não houver impugnação ou resistência de terceiros ao pedido, parece-me não pairar controvérsia alguma sobre tal conclusão. Em tais condições, a jurisprudência deste Tribunal Superior assenta o descabimento do apelo excepcional:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA IMPOSTA POR OFICIALA DE REGISTROS. IMPETRAÇÃO QUE NÃO SE CARACTERIZA COMO SUCEDÂNEA DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA.

(…)

3. O incidente de suscitação de dúvida relativa à exigência feita por Oficial de Cartório, prevista pela Lei de Registros Públicos, é procedimento de natureza administrativa e a decisão que o julga não possui natureza jurisdicional, embora seja prolatada por órgão do Poder Judiciário. Precedentes: AgRg no Ag 985.782/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26/11/2008; REsp 612.540/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe 5/3/2008.

4. Ademais, a decisão do Juízo de Primeiro Grau – de cunho administrativo, repita-se – não desafia recurso, nem atrai a aplicação do art. 5º, II, da Lei n. 12.016/09 ou da Súmula 267 do STF, que dispõem não caber impetração do mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial passível de recorribilidade com efeito suspensivo.

(…)

7. Recurso especial a que se dá provimento para afastar a preliminar de inadequação da via eleita e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a fim de que prossiga no julgamento do feito.”

(REsp 1348228/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 12/05/2015.)

“RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA DA RECORRENTE. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO. INDEFERIMENTO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. REGISTRO DE IMÓVEL. DÚVIDA. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. AMICUS CURIAE. INDEFERIMENTO. MATRÍCULA DE IMÓVEL. FORMAL DE PARTILHA NÃO REGISTRADO. CONTINUIDADE REGISTRAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

(…)

4. – O processo de Dúvida Registral em causa possui natureza administrativa, instrumentalizado por jurisdição voluntária, não sendo, pois, de jurisdição contenciosa, de modo que a decisão, conquanto denominada sentença, não produz coisa julgada, quer material, quer formal, donde não se admitir Recurso Especial contra Acórdão proferido pelo Conselho Superior da Magistratura, que julga Apelação de dúvida levantada pelo Registro de Imóveis.

(…)

8. – Preliminares afastadas, intervenções indeferidas e Recurso Especial improvido.”

(REsp 1418189/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 01/07/2014.)

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DÚVIDA REGISTRAL INVERSA. PROCEDIMENTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. NÃO CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL. PRECEDENTES.

1 – Inviabilidade da interposição de recurso especial em procedimento de dúvida registral, em razão do caráter administrativo desse procedimento. Precedentes específicos do STJ.

2 – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”

(AgRg no REsp 1371419/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 08/11/2013.)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA REGISTRAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. RECURSO lESPECIAL. INCABÍVEL. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro reveste-se de caráter administrativo, de modo que é inviável a impugnação por meio de recurso especial. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.”

(AgRg no AREsp 124.673/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 20/09/2013.)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA. LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro reveste-se de caráter administrativo, de modo que é inviável a impugnação por meio de recurso especial.

2. Agravo regimental não provido.”

(AgRg no AREsp 247.565/AM, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 29/04/2013.)

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. DÚVIDA REGISTRAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE SER IMPUGNADA POR VIA DE RECURSO ESPECIAL. FALTA DE ARGUMENTOS NOVOS, MANTIDA A DECISÃO ANTERIOR. ENTENDIMENTO DESTA CORTE.. SÚMULA 83. IMPROVIMENTO.

I – O procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro tramitado perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional, agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da Administração Pública. Entendimento pacificado nesta Corte.

II – Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida. Incidência, no caso em tela, da Súmula 83/STJ. Agravo improvido.”

(AgRg no Ag 885.882/SP, Relator Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 11/02/2009.)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NATUREZA DO PROCEDIMENTO DE DÚVIDA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CAUSA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. Discute-se no presente feito acerca da natureza do procedimento de dúvida, a fim de viabilizar o trânsito do recurso especial.

2. Entendimento desta Corte no sentido que ‘O incidente de dúvida, no procedimento de registro público, é de natureza administrativa. Ao decidi-lo, o Tribunal exerce jurisdição voluntária, emitindo acórdão que – por não ser de última instância, nem fazer coisa julgada material – é imune a recurso especial’ (REsp 612.540/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 5.3.2008).

3. Agravo regimental não-provido.”

(AgRg no Ag 985.782/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 26/11/2008.)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – DÚVIDA REGISTRAL – INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS DE NATUREZA EXTRAORDINÁRIA – IMPOSSIBILIDADE – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CAUSA – RECURSO IMPROVIDO.

I – A interposição de recurso especial tem como requisito intrínseco a existência de causa decidida em última ou única instância por Tribunal.

II – O procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro tramitado perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional, agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da Administração Pública.

III – Recurso a que se nega provimento.”

(AgRg no Ag 656.216/SP, Relator Ministro MASSAMI UYEDA, QUARTA TURMA, julgado em 21/8/2007, DJ 17/9/2007.)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL ORIUNDO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DÚVIDA SUSCITADA POR OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. ACÓRDÃO EMANADO DO CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. DESCABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

Decisão prolatada em processo administrativo de dúvida suscitada por Oficial de Registro de Imóveis, colidente com ordem judicial, não está sujeita à competência do STJ, pela via especial.”

(REsp 119.600/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2000, DJ 05/11/2001, p. 114.)

“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – REGISTRO PÚBLICO – DÚVIDA DO OFICIAL DO REGISTRO – JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – APELAÇÃO – TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM – NÃO INCIDÊNCIA – ACÓRDÃO EM INCIDENTE DE DÚVIDA – RECURSO ESPECIAL INCABÍVEL – REMESSA DE OFÍCIO – INEXISTÊNCIA.

– O incidente de dúvida, no procedimento de registro público, é de natureza administrativa. Ao decidi-lo, o Tribunal exerce jurisdição voluntária, emitindo acórdão que – por não ser de última instância, nem fazer coisa julgada material – é imune a recurso especial.

– No incidente de dúvida, embora não haja remessa de ofício, a apelação não se submete à regra tantum devolutum quantum apellatum. 

(REsp 612.540/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 05/03/2008.)

“SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PAGAMENTO DE PREPARO.

1. Há precedentes da Corte no sentido de que a suscitação de dúvida não é processo que esteja submetido ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ausente a configuração de causa, assim devendo ser caracterizado o conflito entre o interessado e o oficial do registro competente. Mas, ainda que esse óbice seja vencido, a dispensa de custas para o ajuizamento da dúvida não significa que a apelação esteja isenta de preparo, à míngua de qualquer dispositivo de lei federal que dessa forma disponha.

2. Recurso especial não conhecido.”

(REsp 689.444/RS, Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/4/2007, DJ 30/4/2007.)

“PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há como reconhecer a existência de interesse de agir quando a matéria do recurso especial que se pretende ver processado com a procedência do pedido formulado na reclamação – procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial de Registro revestido de caráter administrativo -, não é passível de impugnação por meio de recurso especial, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg na Rcl 22.344/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 16/12/2014.)

Contudo, na eventual hipótese em que, suscitada a dúvida pelo oficial – ou dúvida inversa, pelo próprio interessado –, sobrevier impugnação por terceiro, colhem-se manifestações no sentido da existência de um litígio e, portanto, uma “causa”, viabilizando o acesso à instância excepcional.

Essa discussão, vale dizer, não é inédita no âmbito desta Corte Superior. Com efeito, na oportunidade em que julgado o Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.380.742, debateu-se acerca da natureza do procedimento em que se decide impugnação ao pedido de registro de loteamento – por demais semelhante à dúvida registral –, inclusive para efeito de se aferir o cabimento do apelo excepcional. Conquanto assentada, na oportunidade, sua natureza administrativa, decidiu-se que a existência de pretensão resistida, por um dos interessados, caracterizaria a “causa” de que trata o art. 105, III, da CF/1988.

[…]

Com a devida vênia, não compartilho desse entendimento. Penso que, ainda que no procedimento exista quantidade plural de partes, em polos opostos, afigura-se descabida a interposição de recurso especial contra acórdão proferido em julgamento de apelação, tirada contra sentença que resolve dúvida suscitada por oficial de registro de imóveis.

Efetivamente, tratando-se de procedimento de inequívoca natureza administrativa, circunscrito à análise de questões formais do pedido de registro ou averbação, no escopo de garantir a higidez do sistema e dos princípios do direito registral, não se está diante de “causa decidida em única ou última instância”, segundo o permissivo constitucional. Cabe ressaltar que nem mesmo há espaço para a produção de provas, eventualmente necessárias para o exame de questões mais complexas, que devem ser resolvidas pela via jurisdicional adequada. Foi o que asseverou o TJGO (e-STJ, fl. 396/397):

“Por oportuno, convém salientar o descabimento da discussão, nesta via, da aventada má-fé dos 1ºs apelados e da 2ª apelada, a uma porque não há a devida comprovação nestes autos; a duas porque, tratando-se de mera suscitação de dúvida, não há espaço para a necessária dilação probatória para tal fim, competindo ao interessado / apelante, se assim o quiser, valer-se de ação própria para demonstrar que do resultado aqui apurado lhe resultou algum prejuízo ilegal ou injusto.

Lado outro, também não é o caso de se dirimir a questão da má-fé do apelante, pois tal matéria está pendente de julgamento na via própria, a ação de conhecimento que os aqui 1ºs apelados propuseram contra o ora apelante objetivando anular o negócio primário (contrato de compromisso de compra e venda) e obter indenização (processo n. 50040-84.2012.8.09.0051 – 201200500401).”

Não me parece ortodoxo, por outro lado, admitir a transmutação da natureza de um procedimento que se origina administrativo, tomando a forma de um processo judicial tão só pelo fato de que nele comparecem interessados em posições antagônicas. É de se indagar, nesse particular, sobre o preenchimento dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, como petição inicial apta (com causa de pedir, pedido e demais requisitos do art. 319 do CPC/2015), subscrita por profissional habilitado, a citação do réu ou do interessado, na forma prevista pela lei processual (CPC/2015, art. 238 e ss.), etc.

Conquanto homônima do ato processual previsto no art. 203, § 1º, do CPC/2015, a “sentença” proferida em solução à dúvida suscitada pelo oficial de registro de imóveis com ele não se confunde. Trata-se de ato decisório administrativo que não se reveste das mesmas características, não resultando de quaisquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487 do CPC/2015 (arts. 267 e 269 do CPC/1973).

Até mesmo o recurso previsto no art. 202 da LRP, a despeito do nomem juris que lhe deu o legislador – idêntico ao recurso judicial previsto nos arts. 1.009 do CPC/2015 e 513 do CPC/1973 –, tem natureza administrativa. Dessa conclusão não diverge a doutrina especializada:

“A referência do art. 203, LRP, ao trânsito em julgado da decisão da dúvida diz respeito à preclusão administrativa correspondente ou, se se quiser, à coisa julgada formal, certo de que o art. 204 da LRP dispõe, expressamente, que ‘a decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente’.

A previsão legal de recurso de apelação contra a sentença da dúvida não implica a processualização desse meio, que persiste em sua natureza administrativa, distinguível do processo de jurisdição voluntária, porque esta última interdita o dúplice exercício das atribuições tutelares do Judiciário, ao passo que, como se verifica no paradigma da dúvida, a normativa de regência ressalva a duplicação desse exercício judicial.

Ao exigir a Lei de Registros Públicos o trânsito em julgado da sentença de dúvida – seja da de procedência, seja de sua improcedência –, impõe o resguardo da tramitação de pleitos dos recursos extraordinário e especial, incluso quanto aos agravos de sua eventual negativa de seguimento. A previsão em pauta concerta-se com a segurança jurídica reclamada do sistema registral, que não se harmonizaria com inscrições assinadas por cintilante provisoriedade, como as que demandassem ainda pronunciamento recursal.”

(CLÁPIS, Alexandre Laizo. Lei de Registros Públicos Comentada; Coordenação José Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Clamber. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 1.081).

Nesse aspecto, qualquer que seja a decisão proferida no procedimento de dúvida, sobre ela não pesarão os efeitos da coisa julgada, sendo certo que a discussão pode ser reaberta no campo jurisdicional, por meio de um processo adequadamente instaurado, com ampla cognição e regular trâmite pelas instâncias judiciais. Até porque, como antes ponderado, conferir o status de coisa julgada judicial à decisão administrativa – que, reitere-se, analisou exclusivamente os aspectos formais do pedido de registro – teria como consequência a impossibilidade de se discutir outros assuntos relativos à pretensão de quaisquer dos interessados, na esteira do que impõe o art. 508 do CPC/2015 (art. 474 do CPC/1973). No ponto:

533. Decisão não tem qualidade de coisa julgada – Cuidou o legislador de eliminar controvérsia quanto à natureza administrativa da dúvida. A decisão nela proferida é de órgão judiciário, mas não corresponde a típico exercício da função judicial, pois o juiz competente atua como corregedor do cartório, com característicos próximos aos de superior hierárquico do delegado.

Não adquire qualidade de coisa julgada. Não vincula terceiro, mesmo que a ela tenha comparecido. Enseja reapresentação do mesmo título pelo interessado, podendo o oficial limitar-se à reiteração da dúvida anterior. A recusa do oficial em prenotar o título sob alegação de que teria de repetir os termos da mesma dúvida julgada, por serem perfeitamente iguais aos anteriores, implicaria o exercício da atribuição do julgador, salvo se caracterizado espírito de emulação, pelo interessado, assim reconhecido pelo corregedor do cartório.

O interessado pode, se afirmada na sentença a procedência da dúvida, servir-se da via contenciosa para deduzir pretensão ao registro, como está no preceito constitucional, de que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’.”

(CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 203/204.)

“A expressa indicação legal da natureza administrativa da dúvida – que não somente aparta da nota contenciosa, mas também do predicado da jurisdição voluntária (nisto que se veda com a jurisdição voluntária o concurso do processo contencioso, que exatamente se admite com o processo administrativo) – espanca a tese de que a disciplina da apelação, como recurso legalmente previsto das sentenças na dúvida registrária, implicar-lhe-ia a processualização (vel potius: sua jurisdicionalização).”

(DIP, Ricardo Henry Marques. Comentário ao art. 204 da LRP. In: ARRUDA ALVIM NETO, José Manuel; CLÁPIS, Alexandre Laizo; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Lei de registros públicos comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 1.083.)

Em tais circunstâncias, admitir-se a via recursal excepcional para o julgamento desse tipo de controvérsia poderia resultar na abertura de acesso ao STJ para o exame de toda e qualquer irresignação contra decisões proferidas por órgãos colegiados de tribunais em procedimentos puramente administrativos, como, p. ex., aqueles nos quais se delibera sobre a aplicação de penalidade administrativa ou se decide o desdobramento de pensão de servidor falecido.

No mais, considerando que a lei de regência expressamente assenta a natureza administrativa do procedimento (LRP, art. 204), até o “trânsito em julgado” (LRP, art. 203), não é desarrazoado concluir que também uma eventual decisão do STJ em julgamento de recurso especial estaria revestida dessa mesma qualidade, podendo até ser revista em primeiro grau, no julgamento de ação judicial promovida pelo prejudicado, como expressamente lhe faculta o dispositivo antes referido.

Neste caso concreto, por sinal, noticia-se o ajuizamento de ação judicial com discussão sobre a mesma controvérsia que é objeto deste recurso especial, a par de outras questões jurídicas. Trata-se do processo autuado sob o n. 57168-24.2013.8.09.0051 (201300571688), distribuído para a Primeira Vara Cível da comarca de Trindade/GO. Naquele feito, o magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido de imissão liminar na posse pelo aqui recorrente. A decisão foi impugnada por agravo de instrumento que, desprovido pelo TJGO, agora é objeto do AResp n. 742.687/GO, inicialmente distribuído para o em. Ministro VILLAS BÔAS CUEVA, que me consultou sobre eventual prevenção, por conta da possível conexão com este recurso.

Afora isso, entendo que a hipótese versada no presente caso tampouco se caracteriza como procedimento de jurisdição voluntária, na forma regrada pelos arts. 719 e ss. do CPC/2015 (arts. 1.103 e ss. do CPC/1973). No particular, a par dos fundamentos jurídicos invocados nos textos doutrinários reproduzidos acima, valho-me das ponderações lançadas pelo em. Ministro MARCO BUZZI, no voto que proferiu no Recurso Especial n. 1.370.524/DF (em que pese tratar-se, ali, de feito assemelhado, relativo a procedimento de impugnação a pedido de registro de loteamento):

“Sobressai evidenciado, assim, que a atuação do Judiciário, ao solver a impugnação ao registro de loteamento urbano apresentada por terceiros, não exara provimento destinado a pôr fim a um suposto conflito de interesses (hipótese em que se estaria diante do exercício da jurisdição propriamente dita), ou mesmo, a possibilitar a consecução de determinado ato ou à produção válida dos efeitos jurídicos perseguidos (caso em que se estaria no âmbito da jurisdição voluntária). Como enfatizado, o Estado-juiz restringe-se a verificar a presença de requisitos exigidos em lei, para a realização do registro, tão-somente.”

De fato, como afirmado anteriormente, no julgamento da dúvida registral, o magistrado limita-se a aferir a regularidade do pedido, no campo da legalidade formal, aplicando a solução que reputa mais adequada, sob o exame exclusivo dos aspectos relativos às normas que regem os registros públicos. Não há espaço para nenhuma espécie de discussão que desborde desses lindes. A decisão não soluciona propriamente um conflito entre as partes, tampouco chancela ato jurídico que necessariamente depende da participação estatal para sua validade. Cinge-se a cotejar o requerimento, o questionamento do oficial e a possível irregularidade apontada pelo impugnante, que, se reconhecida, pode inviabilizar o registro ou a averbação.

Ante o interesse público envolvido, penso que essa irregularidade poderia até ser apontada por terceiro que nem ao menos revele interesse jurídico direto no destino da impugnação, elemento adicional para se afastar o caráter jurisdicional do procedimento, à luz do que veiculam os arts. 17 e 18 da lei processual vigente (arts. 3º e 6º do CPC/1973).

Não se sustenta, a meu ver, a conclusão de que a existência de litígio é suficiente para qualificar a “causa” exigida pelo art. 105, III, da Lei Fundamental. Penso, em verdade, que o constituinte originário estabeleceu estreita relação entre o conceito de “causa” e a atividade jurisdicional stricto sensu (processo judicial)não admitindo, absolutamente, a abertura da via recursal excepcional para impugnar julgamento de conflito administrativo, ainda que tenha sido realizado por órgão colegiado formado por membros do Poder Judiciário, no exercício de atividade atípica.

Em abono dessa assertiva, valho-me das percucientes ponderações do em. Ministro CELSO DE MELLO, do col. STF, que não conheceu de recurso extraordinário interposto contra acórdão que julgou apelação tirada contra sentença proferida em procedimento de dúvida registral:

“Bem por isso, cumpre levar em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, versando o tema da interponibilidade do apelo extremo e analisando-o na estrita perspectiva dos atos de natureza jurisdicional proferidos no âmbito de uma causa, adverte:

São impugnáveis na via recursal extraordinária apenas as decisões finais proferidas no âmbito de procedimento judicial que se ajuste ao conceito de causa (CF, art. 102, III). A existência de uma causa – que atua como inafastável pressuposto de índole constitucional inerente ao recurso extraordinário – constitui requisito formal de admissibilidade do próprio apelo extremo.

A locução constitucional ‘causa’ designa, na abrangência de seu sentido conceitual, todo e qualquer procedimento em cujo âmbito o Poder Judiciário, desempenhando sua função institucional típicapratica atos de conteúdo estritamente jurisdicional. Doutrina e jurisprudência.’

(RTJ 161/1031, Rei. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Foi com o propósito de assegurar o primado do ordenamento constitucional que se delineou o perfil do recurso extraordinário, vocacionado a atuar, nos procedimentos de índole estritamente jurisdicional, como instrumento de impugnação excepcional de atos decisórios finais, sempre que estes, proferidos em única ou em última instância, incidirem em qualquer das hipóteses taxativas definidas no art. 102, inciso III, da Lei Básica.

A ativação da competência recursal extraordinária do Supremo Tribunal Federal está sujeita, portanto, à rígida observância, pela parte recorrente, dos diversos pressupostos que condicionam a utilização da via excepcional do apelo extremo.

Dentre os pressupostos de recorribilidade, um há que, por específico, impõe que a decisão impugnada tenha emergido de uma causa, vale dizer, de um procedimento de índole jurisdicional.

Isso significa que não basta, para efeito da adequada utilização da via recursal extraordinária, que exista controvérsia constitucional. É também preciso que esse tema de direito constitucional positivo tenha sido decidido no âmbito de uma causa. Essa locução constitucional – “causa” – encerra um conteúdo específico e possui um sentido conceitual próprio.

Não é, pois, qualquer ato decisório do Poder Judiciário que se expõe, na via do recurso extraordinário, ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal FederalAcham-se excluídos da esfera de abrangência do apelo extremo todos os pronunciamentos, que, embora formalmente oriundos do Poder Judiciário (critério subjetivo-orgânico), não se ajustam à noção de ato jurisdicional (critério material).

A expressão causa, na realidade, designa qualquer procedimento em que o Poder Judiciário, desempenhando a sua função institucional típica, resolve ou previne controvérsias mediante atos estatais providos de final enforcing powerÉ-lhe ínsita – enquanto estrutura formal em cujo âmbito se dirimem, com carga de definitividade, os conflitos suscitados – a presença de um ato decisório proferido em sede jurisdicional.

Daí o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro’, p. 292/293, 1963, RT, nota de rodapé n. 572), que, apoiado nas lições de MATOS PEIXOTO (‘Recurso Extraordinário’, pág. 212, item n. 25, 1935, Freitas Bastos) e de CASTRO NUNES (‘Teoria e Prática do Poder Judiciário’, p. 334, item n. 6, 1943, Forense), adverte que o objeto de impugnação na via do apelo extremo será, sempre e exclusivamente, a decisão que resolver, de modo definitivo, a situação de litigiosidade constitucional suscitada.

Os atos decisórios do Poder Judiciário, que venham a ser proferidos em sede meramente administrativa (como ocorre em relação ao procedimento da dúvida em matéria de registros públicos), não encerram conteúdo jurisdicional, deixando de veicular, em conseqüência, a nota da definitividade que se reclama aos pronunciamentos suscetíveis de impugnação na via recursal extraordinária.

Em suma: não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça, que, em sede de procedimento de dúvida, julga recurso de apelação interposto com fundamento no art. 202 da Lei dos Registros Públicos (Lei n° 6.015/73). E que, em tal situação, a atividade desenvolvida pela Corte judiciária local não se reveste de caráter jurisdicional, afastando, por isso mesmo, a possibilidade de reconhecimento, na espécie, da existência de uma causa, para os fins a que se refere o art. 102, III, da Constituição da República, consoante tem advertido, em sucessivos pronunciamentos sobre essa específica matéria, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

(…)”

(RE 254497, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 09/02/2000, publicado em DJ 18/02/2000, p. 125.)

Colhem-se, nessa mesma linha, outros pronunciamentos da Corte Suprema:

“O recurso extraordinário é cabível contra decisão judicial em sentido material, isto é, contra decisão proferida por órgão do Poder Judiciário no exercício de sua função propriamente jurisdicional. Daí o pressuposto constitucional de cabimento do apelo extremo, expresso na palavra ‘causa’ (inciso III do art. 102 da Lei Maior).

Não se conhece, pois, de apelo extremo manejado nos autos de procedimento de natureza administrativa (…). Os sistemas recursais próprios do processo judicial e do processo administrativo não se mesclam e é exatamente esta separação que resguarda os princípios do due process of law, entre os quais os do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural e do amplo acesso à Justiça.”

(RE 454.421-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23-5-2006, Primeira Turma, DJ de 8-9-2006.).

No mesmo sentido, ainda: RE 804.329/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO; ARE 948214/DF, Rel. Min. DIAS TÓFFOLI; Rcl 19119/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, dentre outros.

Ressalto, como reforço de argumentação, que o texto da Constituição Federal, em seu Capítulo III (Poder Judiciário), vale-se sempre da expressão “causa” como sinônimo de processo judicial:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

(…)

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

(…)

m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

(…)

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

(…)”

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(…)

II – julgar, em recurso ordinário:

(…)

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

(…)

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:”

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

(…)

II – julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.”

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II – as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;

(…)

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

(…)

X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

(…)

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.”

Reconheço, todavia, que as manifestações da doutrina não são tão peremptórias, sem embargo da quase invariável afirmação de que os recursos excepcionais não servem à impugnação de decisões proferidas em procedimentos administrativos. Vejamos:

“Resta ver o que se entende por ‘causa’, para fins de recurso extraordinário e especial, cabendo observar desde logo que as considerações que seguem aplicam-se a ambos os recursos, já que tanto o art. 102, III, como o art. 105, III, da CF, a eles alusivos, usam a expressão ‘causas decididas’. No particular, cremos que a palavra ‘causa’ merece uma interpretação, em regra, genérica, ficando excepcionados apenas certos procedimentos de cunho administrativo, ou, se se quiser, ‘parajudicial’. Assim, por entender que não configuram, propriamente, uma causa, o STF emitiu estas súmulas: 733: ‘Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de precatórios’; 735: ‘Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar’.

Em procedimento de dúvida, de competência da Vara de Registros Públicos, o STF entendeu que se tratava de procedimento de jurisdição voluntária, a não configurar, propriamente, uma ‘causa’, para efeito de ensejar recurso extraordinário (RTJ 107/628), pois não gera contraditório entre as partes interessadas, mas apenas entre o requerente e o serventuário (RTJ 90/676, 90/713) ou entre a parte e o juiz (RTJ 90/676). O mesmo se passa com os procedimentos ditos justificações , perante a Justiça Militar (RTJ 127/669, 102/440).

E em certo caso onde se discutia acerca de intervenção estadual em município , ao argumento de descumprimento de decisão judicial, o Min. Gilmar Mendes, do STF, negou seguimento ao agravo tirado da denegação do RE: ‘Esta Corte tem assentado, em diversos julgados, que a natureza da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, em sede de intervenção estadual, é político-administrativa.

Portanto, insuscetível de apreciação por este Tribunal, em recurso extraordinário, por não configurar causa, nos termos do art. 102, III, da Carta Maior. Nesse sentido, o AgRAI 368.000/MG, 2ª T., rel. Min. Maurício Corrêa, v.u., DJU 02.08.2002; e o AgRAI 230.228/SP, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.u., DJU 03.09.1999′.

Em sede de recurso especial, pode ser tomada como parâmetro essa concepção de que o STF tem a respeito do que seja uma ‘causa’, o que bem se compreende, já que se cuida de recursos excepcionais , de direito estrito, dirigidos aos Tribunais da Federação . Daí afirmar o Min. Almeida Santos, escrevendo para o recurso especial: ‘A expressão ‘causa’, segundo os doutos, deve ser entendida em sentido amplo, por significar qualquer procedimento judicial, inclusive os procedimentos de jurisdição voluntária. Devo observar, entretanto, que nesse conceito não se incluem os processos meramente administrativos, como o processamento do precatório ou a dúvida prevista na legislação de registro público’.

A jurisprudência sobre a matéria sugere que a ‘causa’, cuja decisão pode ensejar recurso extraordinário ou especial, haverá de ser aquela onde haja uma lide, isto é, onde haja mérito, partes, jurisdição propriamente dita, em suma, onde haja uma ação veiculada num processo. Não assim onde o exercício jurisdicional se traduza numa ‘administração pública de interesses privados’, onde não há partes, mas interessados, e não há processo, e sim procedimento. Em resumo, não caberia o recuso nas ‘causas’ relativas à jurisdição voluntária (= inter volentes).”

(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11ª ed. rev., atual. e ampl. De acordo com as leis 11.417/2006, 11.418/2006, 11.672/2008 e emendas regimentais do STF e do STJ. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, págs. 129/131.)

“Contido no caput do art. 105, III, da Carta Maior, o termo causa traduz a intenção do constituinte de incluir toda e qualquer manifestação jurisdicional dos tribunais que adiz, desde que seja de única ou última instância.

Por isso, no conceito de causa estão incluídas as manifestações em jurisdição contenciosa e voluntária. Arruda Alvim entende, contudo, que causa é sinônimo de lide, litígio e, mesmo assim, não exclui da sua abrangência as hipóteses de jurisdição voluntária.

O entendimento restritivo a respeito do conceito de causa, que exclui do âmbito do recurso especial as manifestações em sede de jurisdição voluntária, é bem especificado pelo citado doutrinador ao ‘a razão apontada é a de que, na forma do disposto no art. 1.111, CPC/73 – disposição esta consoante com a doutrina nacional e estrangeira –, os procedimentos de jurisdição voluntária não produzem coisa julgada. Assim, mesmo definitivamente extinto um procedimento de jurisdição voluntária, existe a possibilidade de intentar-se outro. Este outro processo poderá possibilitar a correção do erro cometido no anterior. Outrossim, se isto não ocorrer, poderá a parte que se entender efetivamente prejudicada, ainda à vista da não produção de coisa julgada, em procedimento de jurisdição voluntária, mover ação ordinária contra a outra parte e, então, deste autêntico litígio ou causa, caberá o respectivo recurso extraordinário’.

Segundo Pádua Ribeiro, ‘o texto constitucional emprega, portanto, a palavra ‘causa’ em sentido amplo. O seu conceito é mais abrangente que o de ‘ação’. Lembra Castro Nunes que ‘qualquer processo, seja de que natureza for, se nele for proferida decisão de que resulte comprometida uma lei federal, é uma causa para os efeitos do recurso extraordinário’, ensinamento que vale para o recurso especial. Alerta, porém, o grande jurista, que certos procedimentos, relativos a atribuições administrativas dos órgãos judiciários, não são propriamente causas.

Nesse sentido, exemplifica: ‘É o que ocorre nos casos em que o Tribunal pratica um ato de natureza administrativa, alheio à sua função específica de órgão judiciário. Exemplos: quando elabora o seu Regimento Interno, impõe punição disciplinar, organiza uma lista de candidatos para nomeação e promoção, etc. Se o ato lesa um direito individual, cabe ao prejudicado usar do mandado de segurança ou propor a ação que couber, e será esse o feito judicial de cuja decisão final caberá então o recurso extraordinário’ (leia-se: recurso especial).

(…)

Além da manifestação em sede de correição, ‘dúvidas subsistem em alguns casos.

Assim, por exemplo, no que toca a arestos proferidos em apelação de sentenças em processos de dúvida suscitada por oficial de registro público. No Supremo Tribunal Federal, existem decisões em ambos os sentidos: pela admissão do recurso extremo’ (RTJ, 84/151) e pelo descabimento, quando não há contraditório entre partes interessadas, mas apenas entre o requerente e o serventuário (RTJ, 90/913 e 97/1250).

(…)

Não cabe especial apelo das decisões dos tribunais que se refiram a procedimentos administrativos, mesmo que punitivos, por refletirem a autonomia e o autogoverno do Poder Judiciário.”

(SARAIVA, José. Recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Saraiva, 2002, págs. 144/149.)

Lembro, finalmente, que a Quarta Turma examinou discussão estabelecida em sede de pedido de registro de loteamento, consignando a natureza administrativa do procedimento, a despeito de existir, naquele caso antes mencionado, impugnação por terceiros interessados:

“RECURSO ESPECIAL – IMPUGNAÇÕES AO PEDIDO DE REGISTRO DE LOTEAMENTO – DECISÃO QUE AS REJEITA – MANEJO DE RECURSO DE APELAÇÃO PELOS IMPUGNANTES – APELO CONHECIDO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, COMO RECURSO ADMINISTRATIVO, REMETENDO-SE O FEITO À CORREGEDORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O JULGAMENTO DA IMPUGNAÇÃO APRESENTADA POR TERCEIROS, RESTRITO À ANÁLISE DA PRESENÇA DE REQUISITOS EXIGIDOS EM LEI PARA A CONSECUÇÃO DO REGISTRO (A SER PROFERIDO NO ÂMBITO DO JUDICIÁRIO), NÃO TEM O CONDÃO DE MODIFICAR A ESSÊNCIA ADMINISTRATIVA DO CORRELATO PROCEDIMENTO, NOTADAMENTE PORQUE SE INSERE NAS ATRIBUIÇÕES DESTINADAS AO CONTROLE DA REGULARIDADE E CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS DELEGADOS, A CARGO DOS JUÍZES CORREGEDORES E PELAS CORREGEDORIAS DOS TRIBUNAIS, LASTRADAS NO § 1º DO ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Hipótese em que as instâncias precedentes, por reconhecer a natureza administrativa da impugnação ao registro de loteamento, receberam o recurso de apelação como recurso administrativo, a ser julgado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça.

1. De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 236 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Judiciário, de modo atípico, exercer função correcional e regulatória sobre a atividade registral e notarial, a ser exercida, nos termos da Lei de Organização Judiciária e Regimento Interno de cada Estado, pelo Juiz Corregedor, Corregedorias dos Tribunais e Conselho Superior da Magistratura.

1.1. É justamente no desempenho desta função correcional que o Estado-juiz exerce, dentre outras atividades (como a de direção e a de disciplina), o controle de legalidade dos atos registrais e notariais, de modo a sanear eventuais irregularidades constatadas ou suscitadas, o que se dará por meio de processo administrativo.

2. No âmbito do procedimento administrativo de registro de loteamento urbano, o Estado-juiz cinge-se, justamente, a analisar a regularidade e a consonância do pretendido registro com a lei, tão-somente. Nessa extensão, e, como decorrência da função correcional/fiscalizatória, o Poder Judiciário desempenha atividade puramente administrativa, consistente, portanto, no controle de legalidade do ato registral.

3. A atuação do Judiciário, ao solver a impugnação ao registro de loteamento urbano apresentada por terceiros, não exara provimento destinado a pôr fim a um suposto conflito de interesses (hipótese em que se estaria diante do exercício da jurisdição propriamente dita), ou mesmo, a possibilitar a consecução de determinado ato ou à produção válida dos efeitos jurídicos perseguidos (caso em que se estaria no âmbito da jurisdição voluntária). Como enfatizado, o Estado-juiz restringe-se a verificar a presença de requisitos exigidos em lei, para a realização do registro, tão-somente.

4. A própria lei de regência preconiza que, em havendo controvérsia de alta indagação, deve-se remeter o caso à via jurisdicional, depreendendo-se, por consectário lógico, que o ‘juiz competente’ referido na lei, ao solver a impugnação ao registro de loteamento, de modo algum exerce jurisdição, mas sim, atividade puramente administrativa de controle de legalidade do ato registral.

5. O julgamento da impugnação apresentada por terceiros, restrito à análise da presença de requisitos exigidos em lei para a realização do registro (a ser proferido no âmbito do Judiciário), não tem o condão de modificar a essência administrativa do procedimento, notadamente porque se insere nas atribuições destinadas ao controle da regularidade e continuidade dos serviços delegados, a cargo dos juízes corregedores e pelas corregedorias dos Tribunais, lastradas no § 1º do artigo 236 da Constituição Federal.

6. Devidamente delimitada a natureza da atividade estatal desempenhada pelo Poder Judiciário ao julgar o incidente sob comento, a via recursal deve, igualmente, observar os comandos legais pertinentes ao correlato procedimento administrativo.

6.1. Em se tratando de questão essencialmente administrativa, o conhecimento e julgamento do recurso administrativo acima referenciado integra, inarredavelmente, a competência das Corregedorias dos Tribunais ou do Conselho Superior da Magistratura (a depender do que dispõe o Regimento Interno e a Lei de Organização Judiciária do Estado), quando do desempenho, igualmente, da função fiscalizadora e correicional sobre as serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro.

7. Recurso Especial desprovido.”

(REsp 1370524/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 27/10/2015.)

Portanto, incabível a interposição de recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, consignando, ainda, serem irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em exercício de função atípica.

3. Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 23 de março de 2018.

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.396.421 – Santa Catarina – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 03.04.2018

Fonte: INR Publicações.

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Administrativo – Processual civil – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – Concurso de remoção na atividade notarial e de registro – Estado do Paraná – Lei Estadual nº 14.594/04 – Prova de títulos – Pontuação proporcional ao tempo de bacharelado em direito – Critério temporal objetivo previsto na lei doméstica – Ausência de violação ao princípio da isonomia – Contagem do período de atividade serventuária pós-ingresso originário – Critério de antiguidade – Cabimento – Violação a direito líquido e certo evidenciada – Recurso provido – Segurança concedida

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 49.347 – PR (2015/0235555-4)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

RECORRENTE : ENIETE ELIANA SCHEFFER NICZ

ADVOGADOS : WALTER BORGES CARNEIRO – PR022741

AUGUSTO PASTUCH DE ALMEIDA – PR029178

RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ

PROCURADOR : FLÁVIO ROSENDO DOS SANTOS E OUTRO(S) – PR048177

RECORRIDO : JOAO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO

ADVOGADO : PEDRO IVAN VASCONCELOS HOLLANDA E OUTRO(S) – PR029150

EMENTA

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO DE REMOÇÃO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. ESTADO DO PARANÁ. LEI ESTADUAL Nº 14.594/04. PROVA DE TÍTULOS. PONTUAÇÃO PROPORCIONAL AO TEMPO DE BACHARELADO EM DIREITO. CRITÉRIO TEMPORAL OBJETIVO PREVISTO NA LEI DOMÉSTICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONTAGEM DO PERÍODO DE ATIVIDADE SERVENTUÁRIA PÓS-INGRESSO ORIGINÁRIO. CRITÉRIO DE ANTIGUIDADE. CABIMENTO. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADA. RECURSO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Nos termos do inciso I do art. 9º da Lei Estadual nº 14.594/04, o detentor de diploma de bacharel em Direito alcançará pontuação, entre 10 (dez) e 20 (vinte) pontos, observados a antiguidade de graduação. Logo, há flagrante ilegalidade no ato administrativo que atribui a todos os candidatos com diploma de bacharel em Direito a nota máxima, sem observância do critério temporal objetivo estipulado em lei.

2. De acordo com posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Embargos de Declaração na ADI 3.522/RS (rel. Ministro Marco Aurélio Mello, DJ de 7/12/2006), no concurso de remoção na atividade notarial e de registro, é legal a contagem do período exercido pelo candidato após seu ingresso originário na atividade serventuária, como, aliás, consta do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 14.594/04.

3. Recurso ordinário provido para se conceder a segurança requerida pela parte impetrante, com a consequente anulação da remoção impugnada e o asseguramento da renovação da apreciação e correta pontuação dos títulos apresentados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso ordinário em mandado de segurança e, nessa parte, dar-lhe provimento para se conceder a segurança requerida pela parte impetrante, com a consequente anulação da remoção impugnada e o asseguramento da renovação da apreciação e correta pontuação dos títulos apresentados, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa (Presidente), Gurgel de Faria, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr. WALTER BORGES CARNEIRO, pela parte RECORRENTE: ENIETE ELIANA SCHEFFER NICZ e o Dr. JOÃO RICARDO CUNHA DE ALMEIDA, pela parte RECORRIDA: JOAO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO

Brasília (DF), 06 de março de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRO SÉRGIO KUKINA

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Eniete Eliana Scheffer Nicz, com fundamento no art. 105, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado (fls. 535/536):

MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO DE REMOÇÃO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO (EDITAL Nº 28/2006-CM/CGJ) – PREENCHIMENTO DA FUNÇÃO DE AGENTE DELEGADO TITULAR DO 2º TABELIONATO DE PROTESTO DE TÍTULOS DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – CERTAME CONSISTENTE EM PROVA DE TÍTULOS – DECISÃO ADMINISTRATIVA DO ÓRGÃO ESPECIAL QUE NÃO PROVEU RECURSO CONTRA DECISÃO DO CONSELHO DA MAGISTRATURA (AUTOS Nº 2006.0018738-1/003) – ALEGADA HABILITAÇÃO, NO CERTAME DE REMOÇÃO, DE CANDIDATO QUE, SEGUNDO A IMPETRANTE, SEQUER PODERIA PARTICIPAR DO PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO, PORQUE PROCESSADO CRIMINALMENTE PELA PRÁTICA DE DELITO CONTRA A FÉ PÚBLICA (CP ART. 299), EM QUE PESE O RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA – APONTADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MORALIDADE E DA LEGALIDADE – BUSCADA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO RESULTADO DA REMOÇÃO – REGRAS EDITALÍCIAS DEVIDAMENTE OBSERVADAS – VEDAÇÃO, ADEMAIS, AO PODER JUDICIÁRIO ANALISAR OS CRITÉRIOS DE PONTUAÇÃO ATRIBUÍDOS PELA BANCA EXAMINADORA DO CONCURSO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO – INEXISTÊNCIA DAS AVENTADAS ILEGALIDADES – AUSÊNCIA DE LESÃO À DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

SEGURANÇA DENEGADA.

Irresignada, a ora recorrente sustenta que, “Conforme documentação constante dos autos, constata-se que o candidato aprovado (e já nomeado) João Manoel de Oliveira Franco, fora denunciado em data de 26 de julho de 2006 (fls. 199/207), perante o Juízo da 8a. Vara Criminal de Curitiba, pelo cometimento dos ilícitos de peculato, corrupção ativa e falsificação de documentos (CP arts. 312 e 333 e 299), tendo sido condenado por sentença proferida em 24 de abril de 2009 ao cumprimento da pena de 3 (três) anos de reclusão e 30 (trinta) dias multa (fls. 208/225). Embora em grau de recurso, no julgamento dos Embargos Infringentes n° 611618-1/02 realizado em 14 de abril de 2.011, vale dizer, um ano e sete meses após a decisão do Conselho da Magistratura que outorgou provimento a João Manoel de Oliveira Franco (acórdão 11.349, de 22 de setembro de 2.009 – fls. 37/62) tenha sido alterada a classificação jurídica para condenar o autor de crime contra a fé pública (falsidade ideológica) a pena de l (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, declarando-se extinta a punibilidade pela prescrição da ação penal (fls. 226/241), não há como negar que o mesmo jamais poderia ter participado do concurso de remoção, quanto mais ser considerado habilitado ao provimento da serventia de justiça” (fls. 576/577).

Em acréscimo, afirma que, nos termos do art. 4º da Lei Estadual nº 14.594/04, “não há como admitir que o serventuário que responde à ação penal por crime contra a fé pública (no caso praticou atos ilícitos como serventuário da justiça) esteja apto a participar de concurso público para provimento mediante remoção em serventia de justiça ” (fl. 578).

Ademais, defende que a Comissão Examinadora do Concurso, diante da inexistência do atestado de antecedentes fornecido pelo Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública dos Estados em que haja residido nos últimos cinco anos e da certidão dos distribuidores criminais da Justiças estadual e federal das comarcas em que haja residido nos últimos cinco anos, não poderia ter formalizado o provimento do candidato, o que demonstraria a não realização de sindicância da sua vida pregressa, em afronta ao art. 63 do Regulamento do Certame.

Por outro lado, defende que, no concurso de remoção, deve ser considerado o tempo de serviço notarial ou de registro (critério de antiguidade), pois, considerando-se como marco inicial o concurso de ingresso na carreira, não se conjectura violação aos princípios da razoabilidade ou da isonomia. Assim, “tendo a recorrente mais de 16 (dezesseis) anos de serviço em relação ao candidato aprovado, a exclusão de pontos no tocante a esta titulação ofendeu por completo a regra da isonomia, sendo nulo o ato administrativo do Conselho da Magistratura” (fl. 598).

Ao final, requer, relativamente ao título bacharel em Direito, pontuação superior à do candidato aprovado (litisconsorte passivo), porque formada um ano antes; bem como seja pontuado como título a conclusão do Curso de Estagiários do Ministério Público paranaense.

Parquet Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Brasilino Pereira dos Santos (fls. 348/351), opinou pelo provimento do recurso, nestes termos (fls. 653/655):

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CARTÓRIO. CONCURSO DE REMOÇÃO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. HABILITAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO.

I – PARTICIPAÇÃO, NO CERTAME DE REMOÇÃO, DE CANDIDATO QUE ESTAVA SENDO PROCESSADO CRIMINALMENTE E DEPOIS FOI ATÉ MESMO CONDENADO PELA PRÁTICA DE DELITO CONTRA A FÉ PÚBLICA (CP, ART. 299) COMETIDO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA DE TABELIÃO E EM RAZÃO DESTA. IMPOSSIBILIDADE, POR EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL (LEI ESTADUAL Nº 14.594/2004). VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE.

1) Concurso de remoção para o cargo de Titular de Cartório, agente delegado cuja principal característica é a prestação de um serviço público essencial à sociedade, o qual deve ser exercido sob excepcional responsabilidade e elevados padrões morais e éticos por profissionais especializados – os tabeliães e registradores –, visando garantir maior segurança jurídica às manifestações de vontade nos negócios jurídicos, garantir a fé pública e o valor probatório e possibilitar a publicidade dos atos, entre outras finalidades.

2) Hipótese em que um candidato foi denunciado e condenado – embora reconhecida a prescrição retroativa pela pena em concreto – enquanto exercia a titularidade do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, valendo-se dessa condição para a prática, no exercício da função pública, de condutas criminosas, situação absolutamente incompatível com os princípios da legalidade e moralidade que regem a atuação no cargo.

3) Interpretação do art. 4° da Lei 14.594/2004, do Estado do Paraná, em harmonia com o art. 37, caput, da Constituição Federal, no sentido de que é suficiente o fato de estar sendo processado criminalmente o candidato, para que haja o impedimento de participar de concurso de remoção, não havendo necessidade do prévio afastamento do serventuário do cargo por ato do Corregedor-Geral de Justiça.

Interpretação, aliás, em plena sintonia com o art. 62 do Regulamento dos concursos para provimento por ingresso, remoção, promoção e permuta dos cargos de serventuários e funcionários da justiça do Estado do Paraná.

4) Sendo certo que até mesmo a simples imposição de qualquer “pena disciplinar”, por mais leve que seja (v.g., uma “advertência”), já acarretaria, por si só, a exclusão do candidato do concurso de remoção (cfr. art. 7° da Lei 14.594/2004), com maior razão, não faria qualquer sentido admitir a habilitação de candidato condenado pela prática de um crime funcional, cometido no exercício e em decorrência do próprio tabelionato, situação bem mais grave.

5) Possibilidade, ainda, de realização da sindicância da vida pregressa dos candidatos, tal como dispõe o art. 10 da Lei 14.594/2004, do Estado do Paraná, hipótese na qual seria perfeitamente possível a eliminação do serventuário que porventura estivesse sendo processado ou condenado criminalmente, ainda que independente do trânsito em julgado, ou que apenas respondesse a processo pela prática de crime contra a fé pública, praticado no exercício e em prejuízo da idoneidade que se exige do titular do cargo de tabelião ou de oficial de registro público.

II – POSSIBILIDADE DO CÔMPUTO, NA PROVA DE TÍTULOS, DO TEMPO DE EXERCÍCIO COMO SERVENTUÁRIO, PARA FINS DE CONTAGEM DE PONTOS NO CONCURSO DE REMOÇÃO. PRECEDENTES (STF, ADI 3.522).

1) O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos embargos declaratórios opostos à decisão da ADI 3.522, esclareceu que o tempo que não pode ser considerado para o concurso remoção é o anterior ao ingresso na carreira, tendo sido decidido que o tempo de exercício no cargo, posterior ao ingresso, deve ser incluído na prova de títulos, em toda e qualquer hipótese de concurso de remoção de serventuários e registradores.

2) Questão ratificada em outros precedentes (v.g., STF ADI 4.178 e 3.580 e RCL 4.426; STJ RMS 23.878 e 24.509), no sentido de que o tempo de serviço no cargo deve ser utilizado como critério de classificação em concurso de remoção, sem que isso configure violação ao princípio da isonomia. Muito pelo contrário.

3) Violação ao princípio da isonomia estaria configurado, nos casos de concursos públicos destinados ao provimento originário, ou seja, para ingresso no cargo de tabelião ou registrário, se prevalecesse a supervalorização dos títulos referentes ao tempo de serviço em atividades de notários ou registrários, com a desvalorização dos títulos referentes a outras atividades jurídicas (exercício da advocacia, Promotoria de Justiça ou Magistratura, por exemplo).

4) Assim, o que foi considerado inconstitucional, pelo STF, na ADI 3.522, foi a pontuação dos Notários e Registrários até três vezes superiores à dos demais candidatos, pois enquanto o tempo de serviços prestados como serventuário chegaria a 30 pontos, o mesmo tempo de serviço como Magistrado, por exemplo, chegaria a 10 pontos.

III – CONEXÃO. REUNIÃO DE PROCESSOS PARA JULGAMENTO SIMULTÂNEO.

Devido à conexão existente entre este e o RMS 49.697-PR, pede o Ministério Público Federal a reunião de ambos para julgamento simultâneo. Isto porque o provimento do recurso da Impetrante, neste RMS 49.347-PR, implicará a nulidade da remoção do Impetrante, no RMS 49.697-PR e, portanto, o seu retorno para a serventia de onde veio.

PARECER NO SENTIDO DO PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): O recurso merece parcial conhecimento e, nessa extensão, total provimento.

De início, afasta-se a necessidade cogitada no douto parecer ministerial federal, no sentido de se promover o julgamento conjunto do presente RMS com o de nº 49.697/PR (interposto pelo litisconsorte passivo João Manoel de Oliveira Franco em mandado de segurança distinto), mesmo porque o interesse recursal concernente a este último dependerá do desfecho que vier a ter aquele primeiro, inexistindo, em tal cenário, prejuízo qualquer ao julgamento de ambos em momentos distintos.

Passa-se, pois, à apreciação do RMS interposto pela impetrante Eniete Eliana Scheffer Nicz.

Com efeito, quanto aos argumentos relativos à necessidade de ser considerado como título a conclusão do Curso de Estagiários do Ministério Público e, ainda, à não apresentação pelo candidato aprovado do atestado de antecedentes e da certidão dos distribuidores criminais das Justiças estadual e federal, é imperioso registrar que não consta dos autos do presente writ a cópia do edital que regulamenta o concurso de remoção em tela, por isso que inexiste, relativamente a esses dois tópicos, prova pré-constituída apta a demonstrar o direito líquido e certo reivindicado pela impetrante, não se revelando possível analisar as pretensões que, alegadamente, estariam amparadas nas normas editalícias.

Já a alegação de que não teria sido realizada sindicância de vida pregressa do candidato aprovado, esta esbarra no óbice da preclusão consumativa, porquanto a referida tese jurídica não foi veiculada na petição inicial do mandamus , o que configura desenganada inovação recursal, em desapreço ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum .

A propósito:

ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. PROMOÇÃO. REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃO INSUFICIENTE. PRETERIÇÃO NÃO COMPROVADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO VERIFICADO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.

[…]

2. O pedido de Promoção em Ressarcimento de Preterição por Absolvição em Processo Crime não pode ser conhecido no presente feito por se tratar de inovação recursal, visto que não foi postulado na via do mandado de segurança, tampouco foi objeto de debates pelo Tribunal local. A matéria já foi, sucessivas vezes, objeto de apreciação por ambas as Turmas do Direito Público do STJ no sentido de que a ampla devolutividade do recurso ordinário não pode ser levada ao extremo de permitir-se a livre discussão de questões que não foram objeto da inicial e sequer restaram enfrentadas pelo Tribunal de origem. Precedentes: RMS 41.477/GO, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10/3/2014.

[…]

5. Recurso ordinário não provido.

(RMS 48.440/MA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 04/10/2016)

Por igual, no que respeita à ventilada ofensa ao art. 4º da Lei Estadual nº 14.594/04, sob o fundamento de que “não há como admitir que o serventuário que responde à ação penal por crime contra a fé pública (no caso praticou atos ilícitos como serventuário da justiça) esteja apto a participar de concurso público para provimento mediante remoção em serventia de justiça ” (fl. 578), melhor sorte não socorre à parte recorrente. Nesse ponto, é certo que o Tribunal de origem, ao interpretar o mencionado dispositivo legal, decidiu que somente o candidato afastado do exercício de suas funções pelo Corregedor da Justiça, em decorrência de processo ou condenação criminais, é que não poderia participar do concurso de remoção na atividade notarial e de registro. Ademais disso, e em relevante acréscimo, asseverou (fl. 547):

Destarte, não havia, efetivamente, qualquer óbice à participação do Serventuário da Justiça JOÃO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO, na qualidade de candidato ao certame de remoção, cuja inscrição, ademais, não foi tempestiva e adequadamente impugnada na forma dos ditames insertos no Edital Nº 28/2006-CM/CCJ.

Nada obstante, as razões do recurso ordinário, nessa quadra, limitam-se a defender a ilegalidade da participação do candidato no certame de remoção, sem impugnar o argumento judicial de que a referida inscrição não teria sido tempestiva e adequadamente impugnada na forma do edital.

Logo, inexistindo impugnação específica a esse nuclear fundamento do acórdão recorrido, capaz de, por si só, manter a conclusão do Tribunal de origem acerca do tema (regularidade da participação do serventuário João Manoel de Oliveira Franco no certame de remoção), resta desatendido o princípio da dialeticidade, o que impõe a incidência, por analogia, do óbice admissional previsto na Súmula 283/STF.

Nesse sentido, sobressai o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. INGRESSO E MOVIMENTAÇÃO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO. AUSÊNCIA DE COMBATE A FUNDAMENTO AUTÔNOMO DO ACÓRDÃO. APLICAÇÃO DO ÓBICE DO VERBETE SUMULAR N. 283/STF. RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO INTER PARTES.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.

II – A falta de combate a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido justifica a aplicação, por analogia, do verbete sumular n. 283 do Supremo Tribunal Federal.

III – Outrossim, a alegada violação ao princípio da isonomia não merece acolhimento, porquanto o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei Complementar n. 77/93 (RE n. 248.875-5) tem repercussão apenas inter partes, em razão da eficácia subjetiva da coisa julgada, nos termos do art. 472 do Código de Processo Civil.

IV – Agravo Regimental improvido.

(AgRg no RMS 33.036/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 30/6/2016)

Em sequência, já agora no que pertine ao aventado direito à pontuação pelo tempo de titularidade no serviço cartorial posterior ao ingresso originário (critério de antiguidade), tanto quanto pela longevidade da graduação acadêmica do candidato à remoção (no caso, bacharelado em Direito), necessário não se faz o exame do edital ou do regulamento do concurso, pois o art. 9º da Lei Estadual paranaense nº 14.594/04, só por si, já estabelece os critérios a serem observados no certame em comento.

No tocante à pontuação concernente à antiguidade do diploma de bacharel em direito apresentado pelo candidato, o referido art. 9º dispõe:

Art. 9º. A prova de título será apurada mediante a atribuição de nota até 100 (cem) pontos, observados os seguintes critérios:

I – diploma de bacharel em direito: de 10 (dez) a 20 (vinte) pontos, observados a antiguidade de graduação.

Ora, se o mencionado dispositivo legal estabelece a observância da antiguidade da graduação para a atribuição dos pontos (entre dez e vinte pontos), há flagrante ilegalidade no ato administrativo questionado, no que atribuiu a todos os candidatos com diploma de bacharel em Direito a nota máxima.

A propósito, deve-se afastar o argumento exposto na homologação do concurso, no sentido de que a atribuição de pontuação gradativa, conforme a ancianidade do bacharelamento, violaria o princípio da isonomia. E isto porque se trata de critério temporal objetivo previsto em lei, cuja constitucionalidade é presumida, inexistindo notícia de que sua validade tenha sido afastada por meio de controle qualquer de constitucionalidade.

Da leitura do documento de homologação do concurso (fls. 63/64), verifica-se que 42 (quarenta e dois) candidatos possuíam diploma de bacharel em Direito. Logo, é intuitivo, o candidato com diploma mais antigo deveria receber os vinte pontos, enquanto o detentor do mais novo, apenas dez pontos, atribuindo-se aos casos intermediários escores em proporção.

Já no que concerne à contagem do tempo de serviço notarial ou registral amealhado após o ingresso originário do serventuário (critério de antiguidade), enquanto título a ser pontuado no concurso de remoção, também assiste razão à parte recorrente.

A respeito do tema, merece destaque o esclarecedor parecer ministerial da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Brasilino Pereira dos Santos (fls. 667/674):

A posição do Pretório Excelso, na ADI 3522, foi melhor esclarecida quando do julgamento dos embargos declaratórios opostos na sequência pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, nos quais se questionou a distinção das situações atingidas pela inconstitucionalidade declarada em relação à valoração dos títulos, se apenas para o concurso de ingresso ou se também para o concurso de remoção.

Segundo o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, como já haviam sido realizados dois concursos de remoção, um em 1999 e outro em 2003, a declaração de inconstitucionalidade com efeito retroativo atingiria diversos notários e registradores já removidos, o que colocaria em risco a normalidade do serviço em todo o Estado.

Para melhor compreensão do conteúdo e extensão do voto do Ministro Marco Aurélio, nos embargos declaratórios na ADI 3522, pedimos vênia por transcrever os seguintes fragmentos do relatório:

“O embargante, na peça de folha 469 a 473, sustenta ser ‘imprescindível ao interesse público e à segurança jurídica distinguir e enfrentar as situações atingidas pela declaração de inconstitucionalidade, tanto em relação ao concurso de ingresso (de candidatos aos cargos) como em relação ao concurso de remoção (não de candidatos, mas de notários e registradores)’.

Aduz que, quanto ao concurso de remoção, não se dá a excessiva valoração de títulos ou a ofensa ao princípio da isonomia. Considera que, no particular, a norma dos artigos 16, incisos I, II e III, e 22, inciso I, da Lei local nº 11.183/98 atende ao princípio da igualdade, ‘pois todos disputam na condição de titulares dos cargos.

(…) Afirma conter o acórdão flagrante inversão da proporcionalidade da pontuação, uma vez que o exercício de carreiras jurídicas serve como título e a experiência na atividade notarial ou de registro não conta ponto. Considera que o entendimento também implica violência ao princípio da isonomia.

Os embargos declaratórios foram acolhidos apenas para esclarecer que o tempo que não pode ser considerado para o concurso de remoção é o anterior ao ingresso na carreira. E, assim, o tempo de exercício no cargo (posterior ao ingresso) deve ser levado em consideração como título, em toda e qualquer hipótese de concurso de remoção de serventuários e registradores.

É o que se observa da seguinte passagem do voto condutor do v. acórdão, da lavra do Ministro Ministro Marco Aurélio:

“Acolho os embargos declaratórios, portanto, para ressaltar que a glosa ocorrida está ligada a preceitos da Lei nº 11.183/98, do Estado do Rio Grande do Sul, que remetam à consideração de tempo de serviço e de desempenho anteriores à realização do concurso de ingresso, vale dizer, que a Corte concluiu pela inconstitucionalidade dos dispositivos referidos tendo em conta a circunstância de encerrarem, quer relativamente ao concurso de ingresso, quer ao de remoção, a tomada de tempo na atividade de notário anterior à feitura do concurso. Não se pode reapreciar esse enfoque, cumprindo ter presente que houve rejeição explícita à proposta de manutenção dos atos praticados antes do julgamento. O argumento extremado alusivo ao funcionamento dos cartórios é de todo improcedente, porquanto prevalece a necessidade de respeito à ordem jurídico-constitucional e, sob o ângulo da remoção, este se fará sem observar o que previsto na Lei nº 11.183/98 e que recebeu a pecha de inconstitucional. Da mesma fo rma que não se tem a babel como critério de remoção, o que procedido, de forma imprópria, sob tal aspecto, poderá ser alterado.

Alfim, registro que provejo os embargos declaratórios para, fixando os limites supra do acórdão proferido, prestar os esclarecimentos consignados, conferindo interpretação aos textos legais conforme a Constituição. Isso implica a consideração do tempo de serviço, para efeito de remoção, tendo como marco inicial a assunção do cargo mediante concurso”.

E nos debates orais que ocorreram durante o julgamento, o Ministro Carlos Britto fez questão de frisar que a antiguidade no cargo deve ser levada em consideração para fins de concurso de remoção, de forma genérica:

“A antiguidade se conta, para fins de remoção, a partir do exercício na função ou titularidade da serventia”.

Como se percebe desde o julgamento primeiro, que depois foi objeto dos embargos declaratórios (ADI 3.522), a declaração de inconstitucionalidade sempre se referiu à supervalorização dos títulos referentes ao exercício de atividades de notários, em relação aos demais títulos, como, por exemplo, os de advogado, juiz e promotor, tal como exsurge do voto do Ministro Carlos Britto (fl. 201 do acórdão):

“No caso em pauta, o fato é que os notários que ocuparam anteriormente esse cargo levaram uma dupla vantagem no edital do concurso para provimento do cargo de notário. Primeiro, porque a titularidade mais antiga no cargo de notário, a titularização, já serve como critério de desempate.

Critério que até me parece contrário ao da Constituição, a qual, pelo menos em matéria eletiva, cargo majoritário, erige como critério de desempate a idade cronológica, não o tempo de ocupação no cargo. Segundo, é essa pontuação até três vezes superior à dos outros candidatos – os outros até dez pontos, e notário até trinta pontos. É a lei. O edital reproduziu a lei. Quando, pela Constituição – art. 236 -, a verdadeira condição para fazer o concurso não é o exercício anterior do cargo de notário, está pressuposto que é o bacharelado em Direito.

O que nos autoriza a aceitar a valoração do título de notário em até três vezes mais que a do título de advogado, juiz, promotor? Parece-me, efetivamente, que o princípio da isonomia está sendo fragilizado; senão de todo nulificado, está sendo golpeado com esses critérios de hipervalorização da atividade notarial anterior.”

A orientação adotada pelo Tribunal a quo, que busca fundamento de validade na tese acolhida na ADI 3.522, está equivocada, data vênia, pois, além do conflito com a orientação do Supremo Tribunal Federal naquele precedente, também entra em rota de colisão com os precedentes específicos do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se pode excluir da prova de títulos, quer em concurso de provimento ou de remoção, a pontuação relativa à aprovação em concurso público destinado ao provimento originário nos serviços de tabelião e/ou registrários e nem a pontuação decorrente do exercício de atividades de tabelião ou de oficial de registro, pois a tese adotada no julgamento da referida A DI 3.522 não é excludente da valoração desses títulos. Ao contrário. O entendimento que prevaleceu foi no sentido de não permitir que o exercício das atividades jurídicas, como as atividades de advogado, promotor e magistrado não tivesse pontuação inferior à do exercício de atividades como tabeliães e registrários.

Embora em se cuidando de concurso público destinado ao provimento originário, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no RMS 23.878, conforme resumido nos itens 5 e 6 da ementa do v. acórdão:

“5. Outrossim, no que concerne à exclusão total dos pontos concedidos pela atuação como preposto em serventia notarial, para que se observe a finalidade da prova de títulos e o edital do certame – sem se afastar do que foi consignado pelo STF no julgamento da ADI 3.522-3 –, deve-se atribuir ao impetrante a pontuação por haver comprovado o exercício da aludida atividade, nos termos regrados no item 2 da tabela de títulos, limitando-a, contudo, ao valor máximo conferido ao exercício da advocacia, da magistratura e da promotoria.

6. Com efeito, a exclusão total dos pontos daqueles que possuem experiência na atividade notarial, ao mesmo tempo em que é atribuído valor à atuação do candidato em funções totalmente distintas (promotor, procurador, juiz, por exemplo), contraria inequivocamente a finalidade da exigência de títulos, qual seja: demonstrar que o candidato reúne atributos e conhecimentos técnicos que o coloca, ainda que em tese, numa posição de maior capacidade para o exercício das atividades em relação a seus concorrentes. Apreciando situação similar, a contrario sensu, confiram-se os precedentes desta Corte e do STF: RMS 24.509/RS, Rel. Min. Castro Meira e Rcl 4.426/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 08.06.09)”

Do voto do eminente Ministro Castro Meira, Relator, podem ser extraídos os seguintes esclarecimentos:

“Outrossim, no que concerne à exclusão total dos pontos concedidos pela atuação, como preposto, em serventia notarial (item 2 da listagem original dos títulos), realizada com esteio na orientação proferida pelo STF na ADI nº 3.522-3, a matéria necessita de melhor análise.

Ao apreciar a aludida ADI, o Pretório Excelso não entendeu que seria descabido considerar-se o prévio exercício da atividade notarial como título; na verdade, o equívoco da norma retirada do ordenamento jurídico consistiu em beneficiar em demasia, sem qualquer justificativa razoável, os candidatos que já haviam atuado em serventias extrajudiciais.

A exclusão total dos pontos daqueles que possuem experiência na atividade notarial, ao mesmo tempo em que é atribuído valor à atuação do candidato em funções totalmente distintas (promotor, procurador, juiz, por exemplo), contraria inequivocamente a finalidade da exigência de títulos, qual seja: demonstrar que o candidato reúne atributos e conhecimentos técnicos que o coloca, ainda que em tese, numa posição de maior capacidade para o exercício das atividades em relação a seus concorrentes.

Assim, a melhor solução para perfilhar o concurso ora impugnado ao decisum exarado na ADI nº 3.522-3 é atribuir os pontos, nos termos regrados no item 2 da tabela de títulos, aos candidatos que comprovem o exercício da atividade notarial ou de registro, limitando-os à pontuação máxima conferida ao exercício da advocacia, da magistratura e da promotoria”

Também lembra o Relator, Ministro Castro Meira, outro precedente (RMS 24.509/RS):

“(…) 3. A resolução da controvérsia passa necessariamente pela análise da amplitude dos efeitos emanados pela ADIn nº 3.522: nesse julgamento, o Supremo Tribunal Federal considerou que o art. 16, X, da referida Lei Estadual não se harmonizava com os preceitos constitucionais, mais especificamente com o princípio da isonomia consagrado na Carta Magna.

4. Esse dispositivo legal atribuía, em concursos de provas e títulos para notários, uma pontuação exorbitante, desproporcional e excessivamente valorizada – até 20 pontos – para a prévia aprovação em outro certame envolvendo ingresso no serviço notarial, enquanto o sucesso em concursos para as carreiras jurídicas somente poderia beneficiar o candidato em não mais que a metade dessa nota.

5. Ao contrário do que defende o impetrante, o Pretório Excelso não entendeu que seria descabido considerar-se a prévia aprovação em concurso para notários como título; na verdade, o equívoco da norma retirada do ordenamento jurídico foi beneficiar em demasia, sem qualquer justificativa minimamente razoável, os candidatos que já haviam logrado êxito em concursos dessa natureza, em detrimento daqueles que obtiveram sucesso em certames diversos.

6. A eventual adoção da tese propugnada no recurso ordinário sob exame importaria, na prática, o rematado absurdo de que um candidato que já houvesse sido bem sucedido em outro concurso público para notário não angariasse um ponto sequer como título, enquanto o êxito em certames para cargos jurídicos de funções totalmente distintas (promotor, procurador, juiz, por exemplo) seria hábil a tanto.

7. Estaria subvertida, pois, a finalidade da exigência de títulos: demonstrar que o candidato reúne prévia experiência que o conduza, ainda que em tese, a uma posição de maior competência para o exercício das atividades em relação a seus concorrentes, em prol do interesse público envolvido no certame.

8. Assim sendo, foi tomada a melhor solução para adequar o concurso que então se desenrolava com o decisum exarado na ADIn nº 3.522, a saber, a reclassificação dos candidatos com a equivalência entre os certames para notários e para as carreiras jurídicas, sujeitando ambos os títulos aos mesmos critérios de pontuação – em conformidade com a motivação encampada pelo STF – e evitando-se o disparate lógico de não conferir sequer um ponto para a aprovação em concursos para notários.

9. Em Reclamação apresentada pelo ora recorrente, o Supremo Tribunal Federal decidiu: “A deliberação em que a comissão de concurso decidiu aproveitar a aprovação em concurso para a área notarial e de registro na rubrica genérica de aprovação em cargos de carreira jurídica não desbordou o princípio da proporcionalidade ao ponto de gerar um fator de discrímen. Ao contrário, à aprovação em concurso em tais áreas será dada a mesma pontuação outorgada à aprovação em concurso para outras carreiras jurídicas, qual seja, um ponto. Note-se que, de acordo com tal ato da comissão de concurso, até mesmo a aprovação em concurso para a magistratura ou para o Ministério Público será mais valorada que a aprovação em concurso para a área notarial e de registro” (Rcl 4.426/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 08.06.09).

10. Recurso ordinário não provido.”

E posteriormente, em outras oportunidades, o Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento segundo o qual o tempo de serviço no cargo deve ser utilizado como critério de classificação em concurso de remoção, sem que isso configure violação ao princípio da isonomia.

É o que se observa, por exemplo, do seguinte precedente:

“Ação direta de inconstitucionalidade.

2. Art. 17, I e II, da Lei 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas Gerais.

3. Concurso Público de Ingresso e Remoção nos Serviços Notarias e de Registro. Apresentação dos seguintes títulos: a) tempo de serviço prestado como titular, interino, substituto ou escrevente em serviço notarial e de registro (art. 17, I); b) apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais (art. 17, II).

4. Violação ao princípio constitucional da isonomia. Atividades específicas relacionadas às atividades notarial e de registro. Precedentes.

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

6. Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Efeito ex nunc, a partir de 8.2.2006, data da concessão da cautelar”. (ADI 3580, Relator: Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2015, Acórdão Eletrônico dje-151 Divulg 31-07-2015 Public 03-08-2015 Ement Vol-03992-01 PP-00024).

No voto condutor do mencionado precedente, visando destacar o alcance dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em relação aos concursos de ingresso e de remoção, o i. Relator, Ministro Gilmar Mendes, fez expressa menção ao quanto decidido na ADI 3.552, senão vejamos:

“Conforme afirmei no julgamento da medida liminar, esta Corte já enfrentou a mesma questão posta nestes autos em outras oportunidades.

Em diversos precedentes, reconheceu-se violado o princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput) quando, em concurso público, é considerado título o mero exercício de cargo ou função pública ou quando se valoriza excessivamente o desempenho de atividades relacionadas àquelas inerentes aos cargos em disputa no certame. Nessas hipóteses, cria-se um verdadeiro privilégio a um determinado grupo de candidatos em detrimento dos demais.

Veja-se, por exemplo, trecho da ementa da ADI 3.522, de relatoria do ministro Marco Aurélio, julgada na Sessão Plenária de 24.11.2005 (DJ 12.5.2006):

…………………………………………………………………………………………

No mesmo sentido, os seguintes precedentes:

…………………………………………………………………………………………

No presente caso, os dispositivos impugnados também se mostram inconstitucionais, pois criam títulos incompatíveis com o princípio constitucional da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Por um lado, o inciso I do art. 17 da Lei 12.919/1998, do Estado de Minas Gerais, prevê como título o mero exercício de atividade em serviço notarial ou de registro.

Por outro, o inciso II, em sua parte final, refere-se à “apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais”.

Em ambas as hipóteses, portanto, privilegiam-se atividades específicas relacionadas às atividades notarial e de registro, o que afronta o caráter isonômico que deve permear os concursos públicos, corolário do princípio republicano no estado democrático de direito.

Em outra oportunidade (ADI nº 453), já asseverei que o conceito de isonomia é relacional por definição. O postulado da igualdade pressupõe pelo menos duas situações, que se encontram numa relação de comparação (MAURER, Zur Verfassungswidrigerklärung, V. Weber, p. 354). Essa relatividade do postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa (relative Verfassungswidrigkeit) não no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave. É que inconstitucional não se afigura a norma A ou B, mas a disciplina diferenciada (die Unterschiedlichkeit der Regelung).

E, no caso destes autos, a disciplina do assunto revela diferenciação arbitrária.

Ademais, ressalto que não há de se dar relevância ao argumento de que a referida inconstitucionalidade apenas ocorre quando se trata de concurso de ingresso, não atingindo o concurso de remoção. Tal argumento não se aplica, por óbvio, ao inciso II do art. 17, que trata de “apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais”, que privilegia não apenas os que exercem atividade notarial e de registro, mas qualquer pessoa que tenha apresentado temas nos referidos congressos. Quanto ao inciso I do art. 17, não há relevância prática, pois o art. 24 da mesma lei já determina que “ao concurso de remoção somente serão admitidos os titulares de serviços notariais e de registro que, por nomeação ou designação, exerçam a atividade por mais de 2 (dois) anos, no Estado”. Frise-se, ainda, que o art. 28 da mesma lei prescreve que as disposições relativas ao concurso de ingresso aplicam-se ao concurso de remoção, apenas “no que couber”.

Há que se deixar consignado, não obstante, que, no julgamento dos Embargos de Declaração na ADI 3.522, rel. Marco Aurélio, o Tribunal fixou entendimento no sentido de que, em hipóteses como esta, deve-se fazer a distinção entre os concursos de ingresso e de remoção, de forma que, em relação aos concursos de remoção, só não pode ser levado em conta o tempo de serviço notarial anterior ao ingresso nesse serviço.

Assim, esta Corte assentou o entendimento segundo o qual, na hipótese do concurso de remoção, a consideração do tempo de serviço tem como marco inicial a assunção do cargo mediante o concurso, sem que isso implique violação ao princípio da isonomia.

Ante o exposto, julgo procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos incisos I e II do art. 17 da Lei 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas Gerais, sem redução do texto, para limitá-los aos concursos de remoção, considerando os fatos ocorridos após o ingresso, por meio de concurso público, no serviço notarial e de registro.”

Ante tal entendimento e volvendo aos autos, temos que devem ser considerados os anos em que a ora Recorrente, após o ingresso no cargo, exerceu a atividade de serventuária, conforme consta da certidão de fl. 38:

Portanto, de acordo com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Embargos de Declaração na ADI 3.522/RS (rel. Ministro Marco Aurélio Mello, DJ de 7/12/2006), no concurso de remoção na atividade notarial e de registro, é legal a pontuação alusiva ao período exercido após o ingresso originário na atividade serventuária. Essa, aliás, é a previsão constante da Lei Estadual nº 14.594/04, em seu art. 9º, II, verbis: “Cada período de 2 (dois) anos ou fração superior a 12 (doze) meses de exercício de titularidade ou de designação para serviço notarial ou registral, 10 (dez) pontos “.

Esses, pois, os dois únicos tópicos da insurgência recursal que se mostram, no mérito, credores de acolhimento, deles despontando a exordialmente afirmada violação a direito líquido e certo da recorrente.

Ante o exposto, conhece-se, em parte, do presente recurso ordinário e, nessa extensão, dá-se-lhe provimento para conceder a segurança, cassando-se o ato de homologação do preenchimento por remoção, em favor do serventuário João Manoel de Oliveira Franco, do 2º Tabelionato de Protesto de Títulos do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, devendo os autos do respectivo procedimento de concurso retornar ao e. Conselho da Magistratura do TJPR, em ordem a se renovar a avaliação dos títulos apresentados pelos candidatos do certame, nos termos da fundamentação acima, ou seja, levando-se em estima e pontuando-se corretamente, também: a) o comprovado tempo de atividade notarial/registral do candidato após seu ingresso originário na delegação cartorária (art. 9º, II, da Lei nº 14.594/04); b) o efetivo tempo de graduação em Direito do candidato (art. 9º, I, da Lei nº 14.594/04).

Custas pelo Estado do Paraná. Sem honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009 e da Súmula 105/STJ.

É o voto.

Dados do processo:

STJ – RMS nº 49.347 – Paraná – 1ª Turma – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJ 19.03.2018

Fonte: INR Publicações.

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