STJ: Falta de registro de doação de imóvel não impede oposição de embargos contra penhora

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há como manter a penhora sobre imóvel doado aos filhos menores, em razão de dívida contraída pelos pais posteriormente à doação. Seguindo voto do ministro Raul Araújo, a Quarta Turma definiu que a falta de registro imobiliário da doação não impede que os filhos apresentem embargos de terceiro contra penhora realizada sobre imóvel que eles haviam recebido dos pais anteriormente. 

Em ação de separação judicial, homologada em 1994, os pais fizeram doação de um imóvel aos filhos menores. O registro imobiliário da doação não foi feito. Posteriormente, em 1995, realizaram uma operação de crédito no Banco do Brasil, dando em garantia o mesmo imóvel, e omitindo seu real estado civil. 

Ante o não pagamento da obrigação, o banco ajuizou ação executiva de título extrajudicial (cédula de crédito rural) e pediu a penhora do imóvel. Os filhos apresentaram embargos à execução. Afirmaram que o fato de não existir registro da doação no cartório de imóveis não exclui o seu direito de oferecer embargos de terceiro para proteção de sua propriedade. Sustentaram que “a sentença que homologa a separação e a partilha produz efeitos do trânsito em julgado, independentemente de qualquer registro”. 

Estelionato

Em primeiro grau, o juiz reconheceu a impossibilidade da penhora, porque os menores não poderiam ser penalizados com a alienação de bem que lhes coube na separação judicial dos pais. O juiz ainda destacou que os pais cometeram estelionato, ao dar em garantia bem imóvel que não mais lhes pertencia. 

O banco apelou e o tribunal local reverteu a sentença. Se, quando da assinatura da cédula de crédito, não houve o registro de restrição pela doação do imóvel, “maliciosamente omitida pelos devedores”, os embargos deveriam ser rejeitados, mantendo-se a penhora – entendeu o tribunal de segunda instância. 

Os filhos recorreram ao STJ. Em decisão monocrática, foi dada razão aos embargantes, ao entendimento de que a penhora se deu sobre bem que já não integrava mais o patrimônio dos devedores e que o fato de a partilha não ter sido registrada não impede a defesa por meio dos embargos de terceiro. 

Proteção 

O banco recorreu com agravo regimental, mas a posição foi mantida pela Turma. O relator do agravo, ministro Raul Araújo, destacou que o objeto dos embargos de terceiro é a possibilidade de proteção da propriedade, ainda que carente de registro no cartório. 

O ministro reconheceu que é cabível a apresentação dos embargos pelos filhos menores para defender sua posse e discutir a legitimidade da penhora do imóvel, principalmente porque a propriedade do bem se encontra amparada em decisão transitada em julgado. Raul Araújo ainda lembrou que a jurisprudência do STJ é no sentido de considerar que a falta de registro da doação no cartório de imóveis não impede a oposição dos embargos de terceiro. 

O relator também salientou que qualquer responsabilização dos pais pelas consequências de possíveis crimes no negócio firmado com o banco deve ser perseguida em via adequada. 

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 469709.

Fonte: STJ I 10/12/2013.

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1º VRP|SP: Protesto de letras e títulos – Pedido de providências – O documento de dívida apresentado a protesto era contrato de compra e venda em que não estava clara a exigibilidade do preço, cujo adimplemento dependia, por sua vez, de prova do adimplemento de obrigações do figurante vendedor; logo, o protesto não era admissível e a qualificação negativa foi correta

Processo nº: 0054127-25.2013.8.26.0100 – Pedido de Providências

Requerente:
Livia Cantú de Paula Schneider

Protesto de letras e títulos – pedido de providências – o documento de dívida apresentado a protesto era contrato de compra e venda em que não estava clara a exigibilidade do preço, cujo adimplemento dependia, por sua vez, de prova do adimplemento de obrigações do figurante vendedor; logo, o protesto não era admissível e a qualificação negativa foi correta – o protesto poderá ser feito agora, porém, uma vez que esse mesmo contrato foi admitido para fundar execução judicial, o que faz presumir que se tenham perfeito as exigências do CPC73, arts. 582 e 615, IV – assim sendo, o protesto agora será possível, se o contrato estiver acompanhado de certidão que demonstre que serviu para fundar a execução judicial.

Vistos etc.

1. Lívia Cantú de Paula Schneider solicitou (fls. 02-03), mediante a Ouvidoria do Tribunal de Justiça (protocolo 2013/00130245 0 15.08.2013 – rcc), providências acerca de protesto de contrato de compra e venda com reserva de domínio, título esse cujo protesto, segundo alegou, não teria sido admitido pelo 7º Tabelionato de Protesto de Letras e Títulos de São Paulo (7º PLT).

2. O 7º PLT prestou informações.

2.1. Segundo as informações (fls. 05-08), o contrato de compra e venda com reserva de domínio apresentado pela requerente (cópias a fls. 09-17) encerra obrigações bilaterais, de modo que a prova do inadimplemento depende de demonstração que só se pode fazer perante a Justiça, conforme precedentes desta 1ª Vara de Registros Públicos – 1ª VRP (autos 583.00.2007.137326-5; 583.00.2007.144464-9; e 0033426-77.2012.8.26.0100 – fls. 18-22).

2.2. Por outro lado, segundo informação da própria requerente, com base no dito contrato de compra e venda estaria a correr ação de execução (1ª Vara Cível do Foro Regional V – São Miguel Paulista, autos 0018434-71.2013.8.26.0005), de maneira que só se pode cogitar do protesto do título executivo judicial, pois agora o protesto do contrato seria abusivo.

2.3. As informações foram instruídas com documentos (fls. 09-26).

3. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

4. O 7º PLT qualificou corretamente o título que lhe fora apresentado (fls. 11-17) e denegou bem o protesto.

4.1. O contrato levado pela requerente – uma compra e venda – é bilateral (= supõe direitos, pretensões e ações de parte a parte) e, portanto, só se poderia considerar como título de dívida líquida (= certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto a seu objeto) e vencida (Código de Processo Civil – CPC73, art. 586; Lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, art. 1º; Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ, tomo II, capítulo XV, item 1), se e quando houvesse prova do cumprimento de todos deveres e obrigações recíprocos (vigente Cód. Civil – CC02, art. 476; CPC73, arts. 582 e 615, IV), o que não se pode fazer no tabelionato de protesto de letras e títulos, perante o qual a qualificação é somente formal (NSCGJ, II, XV, 6).

4.1.1. Nesse sentido, são claros os precedentes desta 1ª VRP (referidos aliás pelo 7º PTL a fls. 18-25):

Não há dúvida de que o artigo 585, II, do Código de Processo Civil, prescreve que esse documento deve ser tido como título executivo extrajudicial. Não obstante essa previsão legal, todavia, não se pode deixar de considerar que o contrato de compromisso de compra e venda encerra obrigações bilaterais, assumidas de parte a parte, pelo que se torna imprescindível que o credor, ao ajuizar a ação de execução fundada em título executivo extrajudicial dessa espécie, faça prova de que foram adimplidas as contraprestações que lhe correspondiam, assim como preceituado no artigo 615, IV, do Código de Processo Civil.

Assim, nos contratos sinalagmáticos, não satisfeita a prestação, permite-se, pela regra da exceptio non adimpleti contractus, a qualquer dos pactuantes, diferir o cumprimento da obrigação até que a outra parte execute a sua.

Nesse sentido o REsp 16073-RJ, DJU 11.05.1992 p. 6.432. Por esse motivo que o Superior Tribunal de Justiça condiciona o ajuizamento da ação de execução fundada em contrato bilateral à demonstração do cumprimento das obrigações do exequente, de modo que se viabilize a execução direta. Sem que tal ocorra não há como falar na existência de título liquido e certo, que autorize a propositura da ação de execução fundada nessa espécie de título extrajudicial. […] No caso dos autos, como se constata do exame do compromisso de venda e compra juntado aos autos, cumpria aos vendedores a entrega da posse ao comprador, por ocasião da quitação da 6ª parcela, tudo como está previsto na cláusula 4ª daquele contrato. Além disso, também ficou ajustado como obrigação do vendedor apresentar documentos e certidões exigidas pelo Cartório de Registro de Imóveis. O ajuizamento de execução direta, baseada nesse contrato mencionado, ficaria dependente, no mínimo, da demonstração da entrega da posse que deveria ter ocorrido em 10 de janeiro de 2006. No entanto, a produção de prova, para que se tenha esse contrato como título executivo extrajudicial, só seria possível em juízo, quando do aparelhamento da execução fundada no contrato, ex vi do artigo 615, IV, do Código de Processo Civil. Não haveria como admitir força executiva ao contrato juntado aos autos, em vista de seu caráter sinalagmático, antes da produção dessa prova, o que impede que se defira a pretensão deduzida neste pedido de providências, para autorizar o protesto como pretendido. A força executiva, quando dependente de prova, apenas em juízo poderá ser reconhecida, uma vez demonstrado o cumprimento da contraprestação adimplida pelo credor-exequente. Não seria dado ao Oficial Registrador, na esfera administrativa, examinar provas, para formar juízo de valor. O protesto do título, não se reconhecendo desde logo a sua força executiva extrajudicial, como considerado acima, porque dependente de prova que só em juízo é possível produzir, fica assim inviabilizado. (1ª VRP, autos 583.00.2007.137326-5, Juiz Marcelo Martins Berthe, j. 03.12.2007)

4.2. Além disso, não consta que no momento da apresentação a protesto o tabelionato tenha recebido informação de que o contrato fora admitido para fundar execução, circunstância de que agora tem notícia (fls. 07-08 e 26).

5. Uma vez o contrato tenha servido para fundar ação executiva, é forçoso presumir que em juízo se tenha feito a prova de inadimplemento exigida pelo CPC73, arts. 582 e 615, IV, de maneira que, demonstrado tudo isso perante o tabelionato (= o contrato mais a admissão de ação executiva), o protesto poderá ser admitido, se o título voltar a ser apresentado pelo interessado.

5.1. Note-se que a pendência da ação executiva, neste caso, não implica que se deva proceder ao protesto de título executivo judicial, ou seja, não implica que esteja impedido o protesto do próprio contrato, porque não existe, aí, título executivo judicial nenhum, especialmente porque não existem, ainda, embargos à execução.

6. Do exposto, dou provimento ao pedido de providências deduzido por Lívia Cantú de Paula Schneider para autorizar o protesto do contrato de compra e venda de estabelecimento comercial com reserva de domínio celebrado em 1º de março de 2009 entre Jocemir Kardec Granado de Marques e Alexandra Dias Santos, vendedores, e José Oswaldo de Souza Martins e Adriana Aparecida da Silva Fernandes Martins, compradores, contanto que o título esteja acompanhado de certidão que demonstre já ter sido admitido em juízo para fundar execução judicial.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, em quinze dias, para a E. Corregedoria Geral da Justiça (Cód. Judiciário, art. 246).

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P. R. I.

São Paulo, ., Josué Modesto Passos, Juiz de Direito, CP 274 (D.J.E. de 16.09.2013 – SP)

Fonte: Blog do 26 I 17/09/2013.

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O óbvio na alienação fiduciária de imóveis

* Renato Berger

Dizem que é mais difícil explicar o óbvio. Sempre me recordo disso quando um aspecto crucial da alienação fiduciária de imóveis é colocado em discussão. O objetivo deste artigo é exatamente enfrentar a dura missão de explicar o óbvio. Espero que a explicação ajude a afastar um fantasma desnecessário que foi criado no mercado.

A questão refere-se à cobrança do saldo devedor de uma determinada dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel quando, após o inadimplemento do devedor, o imóvel é levado a dois leilões sem que apareçam interessados em comprá-lo. Nesse caso, a solução dada pela lei 9.514/97 é a permanência do imóvel na propriedade do credor.

Até aqui nenhuma questão. Se ninguém aparece para comprar o imóvel, o jeito é deixá-lo na propriedade do credor. Paralelamente, a lei estipula que o credor não precisará devolver "o que sobejar" ao devedor, ficando a dívida extinta.

Quando a lei menciona que o credor não tem a obrigação de devolver "o que sobejar", ficando a dívida extinta, é óbvio que está se referindo à hipótese de a dívida ser menor e não maior do que o valor de avaliação do imóvel.

Por exemplo, se a dívida não paga é de R$ 80 mil e o imóvel foi avaliado em R$ 90 mil, mas ninguém quis comprá-lo nos leilões, o credor ficará com a propriedade do imóvel, a dívida de R$ 80 mil será considerada extinta e o credor não precisará devolver "o que sobejar", ou seja, R$ 10 mil, ao devedor. Afinal, os R$ 10 mil são teóricos, pois ninguém quis comprar o imóvel nos leilões.

A solução acima, dada pela lei 9.514/97, por óbvio não se refere à hipótese de a dívida ser maior do que a avaliação do imóvel. Por exemplo, se a dívida não paga é de R$ 2 milhões e o imóvel foi avaliado em R$ 90 mil, o credor ficará com a propriedade do imóvel se não houver interessados nos leilões. Mas não será aplicável a regra de que o credor fica desobrigado de devolver "o que sobejar", ficando extinta a dívida. Afinal, não existe nenhum valor que sobejou após a permanência do imóvel com o credor. Muito pelo contrário, a dívida continua existindo pelo valor de R$ 1.910.000, já que o valor de R$ 90 mil do imóvel deve ser abatido do valor total da dívida de R$ 2 milhões.

Naturalmente, assim como em qualquer outra modalidade de garantia, após a excussão da alienação fiduciária que não foi suficiente para a liquidação integral do crédito, a dívida remanescente continua existindo e o credor pode continuar sua cobrança normalmente.

Dizer que a dívida ficaria extinta, além de não fazer sentido, representaria evidente enriquecimento sem causa do devedor. É importante repetir que a lei 9.514/97 não menciona em nenhum momento que a dívida fica extinta nessas condições. Aliás, nem poderia fazer isso, pois não poderia trazer uma hipótese de enriquecimento sem causa.

A lei 9.514/97 apenas trata da extinção da dívida no contexto da devolução, pelo credor ao devedor, "do que sobejar" após os leilões. Esse contexto só existe se: (i) o imóvel foi vendido em leilão por um valor maior do que a dívida; ou (ii) não apareceram interessados nos leilões quando o valor de avaliação do imóvel era maior do que o valor da dívida. Assim, a situação só é matematicamente possível se o valor da dívida é menor do que o valor do imóvel.

Infelizmente, alguns autores tratam a questão de maneira genérica concluindo que a dívida ficaria extinta em qualquer hipótese, ou seja, ainda que a dívida fosse maior do que o valor de avaliação do imóvel.

Essa conclusão não se sustenta em nenhum critério de interpretação. Ela não está baseada na finalidade da lei, nem na sistemática da lei. Ela não está baseada sequer na literalidade da lei, como alguns poderiam confundir ao ler apressadamente a lei 9.514/97. Mais do que isso, nenhum critério de interpretação poderia levar ao enriquecimento sem causa do devedor.

Felizmente, essa interpretação genérica ainda não chegou à jurisprudência. Na verdade, a esperança é que o judiciário seja mais criterioso e separe as hipóteses quando for chamado a analisar a questão. Mas a mera existência de tal interpretação criou uma insegurança enorme no mercado.

Com receio de ver o seu crédito desaparecer na medida do enriquecimento sem causa do devedor, vários credores têm medo de utilizar a alienação fiduciária de imóveis. Assim, acabam optando pela hipoteca, que é uma garantia menos eficaz. Isso leva os credores a aumentarem as taxas de juros cobradas e, como resultado, todos os bons devedores são prejudicados.

A situação acaba sendo um ótimo exemplo de como a insegurança jurídica afeta a economia. O caso é ainda mais curioso porque a insegurança jurídica decorre de uma interpretação nada razoável disseminada quase na forma de um mito.

Ora, não faz sentido que o mecanismo da alienação fiduciária de imóveis seja distorcido e mal aproveitado em função de tal interpretação. Esse fantasma precisa ser dissipado.

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* Renato Berger é sócio do TozziniFreire Advogados.

Fonte: Migalhas I 05/12/2013.

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